Edição 60, março / 1994

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SAÚDE MATERNO-INFANTIL: UM QUADRO DE ABANDONO, RISCOS E DESIGUALDADES Kátia Silveira da Silva Márcia Lázaro de Carvalho Atualmente é bastante frequente lermos nos jornais manchetes que dizem respeito à saúde da população brasileira São denúncias sobre a ameaça de epidemias, sobre a falência dos hospitais públicos, sobre casos de morte onde são responsabilizados os médicos e as instituições que prestaram assistência, sobre o preço abusivo dos medicamentos etc. As manifestações dos movimentos sociais contra a fome, a miséria e contra a destruição ambiental também estão relacionadas à saúde, no seu contexto mais geral. Não é preciso ser um especialista para suspeitar ou concluir que a saúde do povo brasileiro vai de mal a pior. Aliás, seríamos ingênuos se pensássemos que essa realidade é igual para todos. Quando observamos o quadro de saúde dos cidadãos brasileiros, identificamos grandes contrastes entre as camadas sociais de poder aquisitivo mais elevado e as camadas mais pobres, tanto no que se refere à sua expectativa de vida quanto em relação às doenças que os atingem. Vivemos uma situação bastante complexa pois, semelhante aos países desenvolvidos , temos como principais causas de morte as doenças cardiovasculares (como o infarto), as causas violentas e o câncer. Porém, ~da população convive ainda com a malária, a febre amarela, a diarréia e a desnutrição, doenças que desde o início deste século já apresentavam baixa incidência nos países do Primeiro Mundo. Ao abordarmos questões ligadas à saúde matemo-infantil, os contrastes advindos das desigualdades soProposta

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59 dezembro de 1993

Quamh seu moço, nasceu meu rebento não era o momento dek rebentar já foi nascendo com cara de fome e eu não tinha nem nome pra lhe dar'' Chico Buarque ciais aparecem de maneira muito clara. O estado de saúde em um grupo de crianças é afetado por muitos fatores imediatos: as condições de saúde de suas mães, a alimentação que recebem durante a gestação, as condições de saneamento e habitação e a disponibilidade de assistência médica de boa qualidade. Esses fatores, no entanto, não se distribuem ao acaso dentro da população; eles são fortemente influenciados pela formação sócioeconômica que determina o perfil de classes sociais. A gestante não escolhe o serviço de saúde onde nascerá seu bebê e, infelizmente, em muitos casos, isso vai dr:: terminar em última instância a sobrl'.vida de seu filho! A discussão sobre as causas de morte de mães e crianças menores de um ano deve ser vista como uma contribuição no sentido de garantir a Vida, ou pelo menos o seu começo, e evitar mortes desnecessárias. Nada mais ligado à Vida que o momento do nascimento, que é crítico e decisivo na evolução do indivíduo. Justamente nesse momento singular, em que a Vida chega e precisa ser acolhida, quando a mulher necessita de segurança, ela se divide entre vários sentimentos, dentre eles, a angústia pelo risco que o parto possa trazer para sua saúde e a do bebê. Quanto ao bebê - além do trauma inevitável do próprio nascimento-, ele tem que enfrentar uma série de

provas para conseguir sobreviver. Algumas questões já são determinadas antes mesmo dele nascer como, por exemplo, as influências das condições sociais sobre o nascimento de uma criança com baixo peso, isto é, peso menor que 2.5(X)g. E outras dependem da maneira pela qual se dá o nascimento e da qualidade dos cuidados de saúde que lhe são dispensados nesse momento. O peso ao nascer é considerado o principal determinante da mortalidade perinatal (a que ocorre entre o final da gestação e a primeira semana de vida) e, apesar de ser um fator dito "biológico'', reflete a capacidade reprcdutiva da mãe. Essa, por sua vez, é um indicador de suas condições de vida (saúde e nutrição). Nos países desenvolvidos, o uso de te.enologias comple·"1S e a disponibilidade de recursos permitiram lidar melhor com os recém-natos de baixo peso. Enquanto isso, no nosso meio, além dessa tecnologia ser disponível apenas de forma seletiva, não conseguimos resolver questões muito simples como o adequado acompanhamento ao trabalho de parto e a correta indicação da cesariana Não são oferecidas a estes recém-natos as condições necessárias à sua sobrevivência, como cuidados intensivos de que

KÁTIA SILVEIRA DA SILVA - Epidemiologi sta da Fiocruz e da Secretaria Estadual de Saúde; mestranda da Escola Nacional de Saúde Pública. MÁRCIA LÁZARO DE CARVALHO - Pesquisadora epidemiologi sta da Escola Nacional de Saúde Pública; mestre em Saúde Pública.

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