mundo h. nº3

Page 1

mundo h. 03 JUN.JUL.AGO.08

Ano1 Distribuição Gratuita

MOÇAMBIQUE DISTRIBUIÇÕES NAS COMUNIDADES; S. TOMÉ UM PAÍS À ESPERA; PORTUGAL UM DESAFIO DE DESENVOLVIMENTO; MAIS MUNDO A VOZ DOS MEDIA; ESTÓRIAS FINAL FELIZ; MAIS DO QUE PADRINHOS HELPO DESLOCA-SE A VILA NOVA DE FAMALICÃO; I MAIS VAMOS VESTIR A CAMISOLA .


ÍNDICE 3

14

EDITORIAL

MAIS MUNDO

não concordo, porque sim!

o privilégio de aparecer no rosto dos jornais.

4

16

MOÇAMBIQUE

ESTÓRIAS

dias especiais, um dia de cada vez.

regresso à terra de todas as cores.

6

18

malária, doença mortal ou passível de prevenir?

como souvenir traga sorrisos!

8

19

S. TOMÉ E PRÍNCIPE

com a mochila às costas e o coração apertado, rumo a Moçambique.

melhores dias virão.

21 10

PORTUGAL

MAIS DO QUE PADRINHOS

desenvolvimento aquém-fronteiras.

a helpo em Vila Nova de Famalicão.

12

22

mobilizar energias para concretizar objectivos comuns.

i MAIS t-shirts Helpo.

13

voluntariado internacional recrutamento.

trako por kreski.

desafio Protoner.


EDITORIAL

NÃO CONCORDO, PORQUE SIM! Cascais, Joana Clemente

T

rabalhando na área da Cooperação Internacional é frequente sermos desafiados por amigos, conhecidos ou desconhecidos, para um tema de conversa recorrente: a eficácia (ou falta dela) das Organizações Não Governamentais (ONG) e/ou de todos os organismos que se dedicam a prestar apoio social. Os escândalos ocasionais de desvio de fundos que fazem cabeçalhos de jornais um pouco por todo o mundo “desenvolvido”; os casos de corrupção governativa ou corporativa que vêm a público ou que circulam durante anos no mundo cibernético apresentando-se a cada novo endereço de e-mail alcançado como notícia de última hora; os conhecidos chavões que vão esquecendo até o próprio significado depois de tão pronunciados (“dar o peixe? Ensinar a pescar?”…); de certo não ajudam a uma defesa séria e fundamentada dos argumentos nem da parte de quem questiona, nem de quem pretende esclarecer. A isto soma-se o infortúnio de, por algum motivo inexplicável inerente à estranha natureza humana, os exemplos positivos de intervenção eficaz e séria, de esforços resultantes em indicadores comprováveis ou de percursos de verdadeiro sucesso, não conseguirem ganhar o mesmo protagonismo. Pelo mesmo motivo, (seja ele qual for), verifica-se que as pessoas em geral têm uma tendência natural para mais facilmente caírem no extremo da desconfiança gratuita, do que no extremo oposto da confiança gratuita. Importa então pedir mais seriedade a todos: a quem intervém nesta área, sim (gestores, técnicos, voluntários, doadores) mas também a quem questiona esta intervenção. O exercício de questionar pelo simples questionar e da divulgação em conversas de café, de suposições escandalosas como se de casos comprovados se tratasse, revela-se profundamente empobrecedor quando não acompanhado de uma predisposição para de facto conhecer aquilo que se questiona. Na minha última deslocação a Moçambique apercebi-me da dimensão das consequências deste problema, tão irresponsavelmente patrocinado pela própria comunicação social, instituições políticas partidárias ou mesmo ONG a quem em dado momento convenha questionar a seriedade de instituições pares. A confiança é o factor chave que permite a sobrevivência deste tipo de organismos; não só a sua sobrevivência como principalmente a execução e sucesso dos seus projectos que necessitam do envolvimento e investimento de convicção nos mesmos, por parte dos próprios beneficiários e parceiros locais. Colocar em causa essa confiança por sistema, contrariando a lógica da presumível inocência, compromete o procedi-

mento isolado de cada organização e os próprios processos de desenvolvimento, uma vez que grande parte destes depende dos financiamentos e da participação de técnicos do sector. Não pretendo de forma nenhuma descartar as Organizações das dificuldades características do sector ou reduzir a importância que o espírito crítico pode ter na própria execução e melhoria das actividades, antes aprimorar este universo crítico, distinguindo as análises e contribuições com conteúdo, de um comportamento natural, mecanizado, decalcado de uma determinada situação e tão habilmente generalizado. Neste número faz-se referência a questões relacionadas com esta temática, como a responsabilidade da comunicação social em focar a aprofundar questões pertinentes do ponto de vista da responsabilidade cívica global, ou suspeitas de corrupção de órgãos governamentais. Interessa no entanto chamar a atenção para a importância da elevação das discussões e críticas tecidas, para os dois lados do tabuleiro: quem tece análises críticas sérias e fundamentadas poderá sem dúvida contribuir para a identificação de problemas e desvendar de soluções, e ganhar com isso a satisfação de poder de facto fazer a diferença num sector que trabalha com, para e pelas pessoas; e quem as recebe poderá beneficiar da frescura de um olhar externo para a melhoria da performance do próprio trabalho. O único pressuposto para a realização desta troca é uma verdadeira disponibilidade: para conhecer a realidade do sector antes da concepção de uma análise, e para ouvir as análises efectuadas e aprender a partir de cada uma delas.


MOÇAMBIQUE

dias especiais, um dia de cada vez. Nampula, Ana Luísa Machado


E

m África tudo é intenso, tudo é imenso. São intensas as cores, os odores e todos os sentimentos. São imensas as paisagens, as dificuldades, a pobreza, mas também, por vezes, a alegria de viver. África é uma terra de contrastes: se por um lado a miséria vive perto de cada um de nós, por outro, é possível encontrar alguns sorrisos nos rostos das crianças que, do nada, fazem quase tudo. São crianças que enfrentam diariamente dificuldades extremas, que brincam com aquilo que a realidade lhes oferece, vivendo num mundo só delas. Um mundo que não é o nosso. Não é o mundo das “playstations” ou dos MP3, PC’s, horários, regras, calendários… É o mundo dos carrinhos feitos das latas de atum, das bonecas e das bolas feitas de restos de “capulanas”, é o universo dum mundo de faz de conta onde os príncipes encantados são os “mucunhas” (brancos) e tudo aquilo que eles lhes podem proporcionar. Esse tudo, traduz-se na expectativa dum par de lápis de carvão, dum pequeno balão, dum copo de sumo ou de uma simples peça de roupa capazes de, por si só, garantirem um dia, às vezes toda uma semana inesquecíveis. É um mundo onde a malária mata por falta de cinco Meticais para pagar a consulta ou pela falta de meio de transporte para a deslocação ao hospital ou centro de saúde mais próximos. Neste universo distante não há carros. Há apenas algumas motorizadas de professores mais esforçados ou bicicletas. Também não há estradas, há caminhos. São comunidades situadas a 30 quilómetros da cidade, mas que, pelo isolamento, mais parece que estão a centenas de quilómetros de distância. Para aqueles que não conhecem esta realidade, pode parecer cruel o que as palavras tentam transmitir. A verdade é que a miséria é tanta, as carências são de tal forma, que estas crianças, que vivem nos meios rurais e interiores dos países africanos, ficam felizes com o mínimo que se lhes possa ofertar. Aquilo que para os ocidentais é considerado uma esmola, para estas crianças é considerado uma dádiva. Uma oferta de tal dimensão que nunca antes receberam

ou aspiraram receber. A Helpo, com a ajuda de todos os seus colaboradores, tem contribuído de forma esforçada na obtenção de sorrisos na Província de Nampula, em Moçambique. Temos efectuado algumas intervenções em escolas e procedido a distribuições de material escolar e vestuário nos meios realmente carenciados e desprovidos de qualquer possibilidade de acesso aos mesmos. Cada vez que o carro é avistado, surgem imensas crianças que correm atrás da carrinha azul, na tentativa de alcançar qualquer coisa. O carro da organização já é conhecido e a obra também. No passado dia 1 de Junho (Dia Mun-

“ ao todo “helpámos” cerca de 2000 crianças a ter um dia especial” dial da Criança), estivemos presentes em duas escolas, sendo que proporcionámos várias actividades noutras. Ao todo “helpámos” cerca de 2000 crianças a ter um dia diferente e especial. Distribuímos sumo, bolachas e balões. A música esteve sempre presente com o rádio do “Carro da Helpo” com o volume no máximo. O sucesso foi garantido e o bailarico e o cantarolar foram constantes. Era visível a excitação estampada no rosto de cada criança. No dia 16 do mesmo mês (Dia da Criança Africana), repetimos a experiência, proporcionando um almoço reforçado a cerca de seiscentas crianças da escola de Natchetche (comunidade a cerca de 35 km da cidade de Nampula). Oferecemos arroz, peixe, tomate e todos os elementos necessários à confecção da refeição. Os alunos comparticiparam

com o feijão que, eles próprios, cultivam na “machamba” escolar e os professores com a sabedoria da cozinha africana. Fizemos novos registos de dados de crianças que estão desejosas por terem padrinhos portugueses. Distribuímos mais algum vestuário e, mais uma vez, demos música! É verdade: levámos uma banda connosco, composta por três vocalistas, um baterista e dois guitarristas. Trata-se de um grupo composto por crianças que vivem num orfanato apoiado por várias organizações, entre as quais a nossa Helpo. O entusiasmo foi tanto que chamou toda a comunidade. Daí a instantes, todos os “papás” e “mamãs” já se encontravam no recinto escolar, participando da grande festa que todos juntos fizemos. Estivemos, ainda, numa outra escola (Natôa) onde oferecemos um lanche a cerca de quatrocentas e setenta crianças e à qual doámos duas bolas de futebol para o convívio nos intervalos. Para fazer face às primeiras necessidades, começamos a distribuir “kits de Primeiros Socorros” nas escolas que apoiamos. São simples, mas compostos pelo essencial (pensos rápidos, compressas, adesivos, desinfectante, paracetamol e tesouras) Resta dizer que iremos inaugurar um poço, na escola de Momola, no próximo dia 25 de Junho. Será apelidado de “Nossa Senhora de Fátima”, foi ofertado pelas boas gentes da Ilha do Faial e dará de beber a cerca de setecentas e cinquenta crianças. Esta escola estava extremamente carenciada de água, uma vez que as crianças tinham de percorrer cerca de 3 km para irem beber. Foram efectuados vários estudos para obtenção de água, mas todos infrutíferos. No recinto escolar não havia qualquer caudal daquele bem precioso. Fomos ambiciosos e persistentes e encontrámos água. Não no terreno da escola, mas nas suas imediações, a uns escassos 10 m do perímetro escolar. De tudo o que a família Helpo tem conseguido e proposto alcançar por e para estas crianças, destacava os sorrisos. Sorrisos de crianças que não têm motivos para sorrir, mas que, com um pequeno gesto, dão uma gargalhada que se ouve no mundo inteiro.


MOÇAMBIQUE

malária, doença mortal ou passível de prevenir? Nampula, Patrícia Cunha


E

Em pleno século XXI ainda morrem mais de 3000 pessoas por dia por causa da malária, uma doença causada por um parasita e transmitida através da picada do mosquito Anopheles. Actualmente, atinge de forma endémica 103 países. África é a principal vítima da doença: 90% dos cerca de 400 milhões de casos anualmente diagnosticados vivem na África Sub-sahariana, segundo a OMS. No passado dia 25 de Abril, Dia Mundial da Luta contra a Malária, realizou-se a Primeira Jornada Mundial contra a Malária. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, aproveitou para anunciar o lançamento de uma campanha informativa, reforçando o objectivo de erradicar a doença no continente africano antes do final de 2010. Em Moçambique, a malária é a primeira causa da mortalidade infantil, responsável por cerca de 35% das mortes em crianças de idade inferior a 5 anos. Por ano morrem cerca de 45.000 crianças deste grupo etário vítimas da malária, ou seja 125 crianças por dia. A alta prevalência desta doença é o que faz com que Moçambique continue a ter a taxa de mortalidade infantil mais elevada no mundo. Actualmente, a taxa de incidência da doença entre a população moçambicana situa-se nos 20%; é responsável por mais de 40% de todas as consultas externas em pacientes, por 60% dos internamentos em enfermarias de pediatria e por perto de 30% de mortes hospitalares. Em algumas áreas, mais de 90% de crianças menores de 5 anos, estão infectadas por virús da malária. Muitas crianças que sobrevivem a um sério ataque de malária, podem vir a ter problemas de desenvolvimento mais tarde como sequela. Tendo isto em conta e devido às fortes chuvas que se fizeram sentir este ano na província de Nampula, principalmente no litoral Norte (ciclone Jokwe), a Helpo decidiu colocar mãos à obra. Apenas num ano registámos 6 mortes devido à malária entre as crianças apadrinhadas pela Organização. No passado mês de Março,

deslocámo-nos até à Ilha de Moçambique, onde apoiamos actualmente 418 crianças, distribuídas por várias escolas, para fazer uma distribuição de redes mosquiteiras. Estas são consideradas uma das mais eficazes medidas de prevenção e usadas correctamente podem reduzir o risco de transmissão até 63%, mas para isso é necessário ultrapassar vários obstáculos, como a falta de informação sobre os seus benefícios, o acesso insuficiente a mercados e os preços inacessíveis para grande parte da população africana. Em alguns países, o preço de uma rede mosquiteira tratada com insecticida pode representar 8% do PNB per capita. Durante a distribuição, enquanto as crianças aguardavam que o seu nome fosse chamado, algumas mamãs e papás eram sensibilizados para a importância do uso da rede mosquiteira e informados

“Muitas crianças que sobrevivem, podem vir a ter problemas de desenvolvimento”

de como aplicar o respectivo insecticida. Nesta acção de distribuição, mais de 400 famílias foram beneficiadas com o principal instrumento de prevenção contra a principal causa de morte no país: a rede mosquiteira. Além do uso da rede, a pulverização interior, os medicamentos anti-maláricos e o uso de repelente, contam-se entre as ferramentas de prevenção. Para além das crianças e dos jovens,

grupo-alvo da intervenção da Helpo, também as mulheres grávidas e as crianças com menos de 5 anos foram identificadas como os dois grupos mais vulneráveis à doença. Na mulher grávida, a malária poderá resultar numa grave anemia, acreditando-se ser o factor que abrange 30% das mortes maternas. Assim como faz com que a mãe fique doente, a infecção por malária durante a gravidez leva ao nascimento de bebés de baixo peso, um dos factores mais importantes na determinação da futura sobrevivência da criança e seu desenvolvimento. O Ministério da Saúde, apoiado pela UNICEF e outras organizações de luta contra a doença, como a Malária Consortium, tem assegurado que as redes mosquiteiras cheguem às populações mais vulneráveis, nomeadamente mulheres grávidas e crianças com idade inferior a 5 anos, através de distribuições gratuitas e da disponibilização de redes mosquiteiras a um preço altamente subsidiado de 30 Meticais (1,60 USD) à população, nalgumas regiões. Por outro lado, e para prevenir todas as complicações que podem advir de uma infecção por malária durante a gravidez, a mulher pode fazer uma profilaxia entre os 5 e os 8 meses de gestação, que a protege não só a ela, mas também à criança. Á margem dos apoios, as redes mosquiteiras podem encontrar-se à venda em mercados de rua, supermercados ou lojas próprias, a um valor que varia entre os 100 e os 300 meticais, dependendo da forma (redonda ou quadrada) e do tamanho (cama de solteiro ou de casal). Num país onde o salário mínimo nacional é de entre 1126 e 1645 meticais, e onde cada família tem em média quatro ou cinco crianças, não é difícil perceber o deficiente uso deste dispositivo de prevenção e as taxas de mortalidade elevadas que se verificam devido a esta doença. Actualmente, tendo em conta que cerca de 40% da população mundial corre risco de contrair malária, e enquanto não chega uma vacina efectiva contra a doença, prevenir é mesmo o melhor remédio.


SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

melhores dias virão. Cascais, Joana Lopes Clemente


V

iver na expectativa de dias melhores não é um sentimento cultivado exclusivamente pela população dos Países em Vias de Desenvolvimento, mas viver exclusivamente para a realização dessa expectativa é incorrer no risco de negligenciar oportunidades reais de converter o presente no protagonista desses dias. Se não, vejamos: Em S. Tomé e Príncipe a profissão ambicionada pela maioria das crianças que frequentam a escola primária é a “engenharia-do-petróleo”, ao mesmo tempo que a carreira mais em voga sobretudo entre a população desempregada ou sem um emprego “formal” é “a-espera-do-petróleo”; enquanto isso, os escândalos motivados pelas histórias de corrupção política (que segundo um estudo desenvolvido por Pedro Vicente, investigador português do Centro de Estudos e Economias Africanas da Universidade de Oxford, aumentou exponencialmente com a descoberta do petróleo em território santomense) repetem-se, e a dúvida sobre o benefício inquestionável da descoberta do ouro negro para a generalidade da população, impõe-se. Recentemente o principal partido da oposição acusou o governo de falta de transparência na condução do complexo processo de adjudicação da exploração dos blocos petrolíferos da Zona de Desenvolvimento Conjunto (São Tomé e Príncipe – Nigéria), o que se seguiu da saída do Presidente da República do Conselho Nacional de Petróleo. O mesmo Presidente, confrontado com a verificação de irregularidades no processo, relegou responsabilidades ao tratado selado com o governo nigeriano, alegando que São Tomé não tem voz no processo devido à fraca autonomia que a assinatura do próprio tratado lhe confere. De resto, a suspeita sobre a qualidade turva das adjudicações em todo este processo não data de agora e não se cinge a declarações proferidas na arena política. Várias ONG alertam para este facto desde 2006 promovendo campanhas de transparência e chamando a atenção para o perigo que os casos de corrupção representam para a própria estabilidade política e social do país. Estes factos acabam de colocar São Tomé e Príncipe na lista dos

países fiéis ao cliché de que os órgãos governativos dos países africanos se regem pelo mote “ou comem todos, ou há moralidade”. Antes de rotularmos irremediavelmente uma Nação, importa talvez atentar nas nacionalidades das empresas que se apresentam a concurso, com o objectivo de continuar a fazer prosperar as suas economias já bem desenvolvidas, e questionarmo-nos sobre quantos intervenientes são necessários para concretizar um concurso e uma adjudicação irregulares? Mas a amálgama de problemas que vem a reboque ou que se evidencia com a descoberta de um recurso natural tão valioso, não se resume ao supracitado. O facto é que a atenção súbita que São Tomé e Príncipe suscitou, desde que se deu início à exploração dos recursos petrolíferos, a multinacionais espalhadas por todo o mundo, coloca em evidência a fragilidade da sua própria realidade a vários níveis; e se por um lado algumas dessas fragilidades podem acabar por beneficiar a população autóctone sempre que as suas necessidades se coadunem com as dos detentores dos interesses económicos exteriores instalados, por outro, sempre que isso não aconteça e verificando-se uma real falta de maturidade social, económica e política, o mais provável é que não haja forma do país defender os seus próprios interesses neste duelo desigual. De que forma se evita a constatação deste cenário? Num país onde menos de 1% da população tem formação superior, onde a inflação se situa nos 17% e onde a produtividade se apoia em 80% sobre o mesmo produto (o cacau), haveria muito por dizer; mas uma vez que a construção de qualquer estrutura começa pelas fundações, a educação e formação são os únicos veículos que podem permitir a construção de uma autonomia sustentada da população local e conduzir a um amadurecimento sólido do país em termos sociais. É aqui que a Helpo encontra a verdadeira justificação para actuar neste contexto e contribuir para que a expectativa de dias melhores se converta em muito mais do que uma expectativa: numa realidade.




PORTUGAL

Desenvolvimento aquém-fronteiras. Cascais, Raquel Pombo

“ E de vez em quando olhando para trás.... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo...” Alberto Caeiro




C

hegam notícias frescas do Sótão, no meio dos caixotes das recordações, das gavetas das ideias a por em prática, dos brinquedos com que brincámos, do baú dos sonhos e das prateleiras bem organizadas dos objectivos e das coisas em que acreditamos, mergulha-se na alma e procura-se o eu, o outro, fomenta-se a relação salutar entre os dois elementos. A Helpo começou agora um novo Sótão – Oficina de Desenvolvimento Humano, dirigido a jovens e adultos, que consiste no proporcionar de um espaço de liberdade e partilha os participantes serão conduzidos à exposição de actividades planeadas que envolverão cada um deles, sendo possível a cada um viver experiências e sensações ao nível inter e intra pessoal. Desta vez subimos a escada que conduz ao “sótão” dos oito elementos de uma equipa de dirigentes, a chefia da 1ª Companhia de Carcavelos, da Associação Guias de Portugal, uma associação de utilidade pública, assente no voluntariado e que promove o Guidismo em Portugal de acordo com os valores da Associação Mundial das Guias, cuja missão é “proporcionar às raparigas e jovens mulheres a oportunidade de desenvolverem plenamente o seu potencial como cidadãs universais responsáveis”. Salientamos a função educativa destas oito jovens, isto é, conforme o significado etimológico da palavra educar, “colocam para fora o potencial do indivíduo” oferecendo um ambiente propício ao desenvolvimento das suas capacidades o que enriquece indubitavelmente o ensino, que é in + signo, ou seja, colocar “signos para dentro” do indivíduo. Têm à sua responsabilidade a formação de cerca de 60 crianças e jovens, através da educação não formal e de um trabalho continuado. A utilidade do projecto Sótão nesta realidade ganha uma nova proporção quando é considerada a abrangência de acção destes elementos. Cada vez mais vivemos num mundo sem tempo… não que ele tenha fugido ou que passe mais rápido, o problema está no ritmo que nos impomos diariamente, e na forma como as coisas ganham e perdem importância. A exigência profissional é nos dias que correm uma

realidade incontornável, cada vez mais o valor de um indivíduo é auferido pelas suas competências técnicas e conhecimentos adquiridos, em detrimento dos antiquados valores e carácter. Não há espaço para emotividade numa sociedade de resultados, o tempo urge, temos de ser mais competitivos a cada dia, saber mais diariamente, fazer mais e melhor.... Obviamente que esta subli-

“o Sótão quer que cada indivíduo tenha o seu plano de emergência” mação das competências traz benefícios tais como o acesso à informação, o desenvolvimento tecnológico, provoca um atenuar da barreira entre o possível e o impossível, no entanto se não for compensada conduz à limitação do ser humano. O ensino é a palavra de ordem, vamos encher o indivíduo de saber, torná-lo pleno de competências. O problema surge quando o indivíduo repleto de signos se pergunta pelo significado. Quem sou? O que quero? O que me faz sentido? Quais são as minhas capacidades individuais? Em que é que acredito? Porque me sinto só? Um acumular de dúvidas existenciais que fazem com que nos sintamos perdidos, sem saber o caminho no nosso trajecto individual. É neste encontro com o eu e com o outro que se baseia o Sótão, através do jogo que mimetiza a vida mas que a simplifica por ser ficção. E degrau a degrau descobrir o que nos torna únicos, diferentes dos demais, e valiosos por isso, pelas nossas especificidades. Descobrir que os medos e as inseguranças fazem sentido mas não precisam de ser um gorila mau e pesado, podem ser macaquinhos... Irrequietos e divertidos,

tudo depende da forma como são vistos e utilizados. Queremos pôr os macaquinhos do sótão a agir de forma benéfica, a criar vida, dúvidas que façam pensar e agir, enriquecendo o dia-a-dia e tornando-o mais autêntico, mais verdadeiro. Fazer com que a busca diária do crescimento individual seja um reflexo do Eu, um percurso com identidade. O sótão quer que cada indivíduo tenha o seu plano de emergência, para que quando se depare com inexistência de manual de instruções para a vida, não se sinta perdido mas sim reencontrado consigo. Considero que este estado de dúvida está muito presente nos jovens, talvez por ser uma fase de decisão, talvez por ser uma fase de construção ou simplesmente por ser a altura em que ainda não se tem a calma que a sabedoria traz e no entanto a urgência de viver transborda por cada poro... Há várias entidades encarregues da árdua missão de ensinar, gerar competências, criar jovens de sucesso (as duas máximas de uma sociedade moderna e ocidental, a juventude e o sucesso e que bem que combinam juntos...) no entanto ainda está subestimada a valorização do crescimento interior, e verdade seja dita, é difícil chegar aos jovens individualmente. A pressão do grupo assume características tribais, o medo de destoar de ser diferente é uma constante, também quem é que quer ser diferente se não sabe qual é o seu caminho? Mais vale ir pela maioria... há maior probabilidade de se acertar... talvez algum dos “outros” saiba e me leve a reboque... Por outro lado é esta característica de reunião que vai construindo caminhos, o associativismo juvenil é um deles, a junção por ideais comuns bem misturado com vontade de construir! Consideramos que subimos mais um degrau na longa e íngreme escada do desenvolvimento, no trabalho local e através da acção juvenil multiplicamos as visões e criamos mundos, com uma acção consciente e responsável de cidadania de cada elemento, tendem a ser melhores, mais justos mais humanos... A Helpo acredita que o trabalho com o associativismo juvenil, tem pernas para andar, boca para falar e vontade para crescer; Sem dúvida que “O nosso mundo é humano” e é cada vez maior....




PORTUGAL

mobilizar energias para concretizar objectivos comuns Sintra, Margarida Assunção “Mudam-se os tempos mudam-se as vontades muda-se o ser muda-se a confiança Todo o mundo é composto de mudança Tomando sempre novas qualidades” Camões - Soneto XIX

P

or natureza o Ser Humano não gosta de mudar, na sua generalidade as pessoas necessitam de previsibilidade física, psicológica e social e tornam-se resilientes no que diz respeito à mudança. Por um lado porque mudar implica criar novos hábitos, novas formas de ser e estar perante o mundo que nos rodeia e consequentemente, durante uma fase inicial, provoca um esforço e empenho redobrados. Por outro lado, a remota possibilidade da mudança acontecer, desperta no Ser Humano sensações ambíguas pois este sente a sua área de conforto ameaçada. As mesmas características identificadas nas pessoas são também visíveis nas organizações, porque em última instância, estas são igualmente constituídas por pessoas e se esta afirmação faz sentido no geral das organizações, no caso específico da Helpo ganha uma nova força tendo em conta o conjunto alargado e variado de intervenientes envolvidos. Não descurando outros grupos, há três que ocupam um lugar de destaque: crianças apadrinhadas, padrinhos e parceiros e ainda os colaboradores da Organização. Lutando contra esta forma intrínseca de se ser e estar, em Janeiro do presente ano a Helpo apresentou-se junto de crianças, padrinhos e colaboradores da Organização com um novo rosto e após uma aprofundada análise junto de técnicos competentes, com alguns pressupostos novos

assim como metodologias de intervenção com o objectivo de aprofundar e melhorar o impacto da nossa intervenção junto das crianças apoiadas, continuando a ter presente as expectativas dos padrinhos. E uma vez que para melhor mudamos sempre, colaboradores e um conjunto alargado de padrinhos escolheram fazer um esforço adicional em prol do impacto que o seu contributo poderá ter junto de crianças, famílias e comunidades apoiadas. Foi desta forma que padrinhos e colaboradores canalizaram a sua energia no sentido de transformar a missão e visão da Helpo numa realidade, e converter a teoria em prática, contemplando sempre e cada

vez mais nas suas opções de intervenção, aqueles que no seu código de valores são colocados em primeiro plano: os beneficiários. A este processo chamamos “alinhamento emocional”, no sentido em que todos dentro da Organização estão a mobilizar as suas energias, para concretizar as mesmas metas e os mesmos objectivos. Seis meses volvidos desde a apresentação do novo rosto da Organização – Helpo, que em Esperanto quer dizer “Ajuda” pode dizer-se que “a poeira assentou” e estamos finalmente preparados para abraçar novos padrinhos e com eles ajudar novas comunidades e crianças a ter um dia-adia cada vez mais digno e humano.




PORTUGAL

trako por kreski. Cascais, Raquel Pombo

“ O desconhecido é sempre muito maior do que o conhecido”

Diego Parra Duque

V

êm com os olhos brilhantes de quem quer plantar vida, buscam um existir por inteiro através da dádiva do seu trabalho, a entrega a uma causa, a construção de um sonho, uma motivação da alma que faz com que se lute por um mundo melhor. A vontade é tão gritante que os pés abandonam o chão, esquecem-se dele, das pedras, dos buracos, das subidas demasiado íngremes e das descidas que desafiam o longo peronial para um duelo constante. É difícil não ficar contagiado com esta energia, tem algo de puro e de essencial, traz verdade nas acções de quem acredita e tem a coragem igual à vontade. O voluntariado internacional é sem duvida um caminho por excelência para o crescimento, um Trako por Kreski, não só o crescimento racional na medida em que nos faz tomar contacto com realidades distintas, mas o maior crescimento que o voluntariado traz é o crescimento interior. No entanto é também o mais difícil de se alcançar... O processo é interno, muitíssimo exigente, a auto motivação está sempre a ser posta á prova. Não é possível mudar o mundo sem o conhecer, é necessário envolvimento para compreender o presente, sensatez para planear o futuro e uma determinação inabalável para seguir caminho apesar de todas as contrariedades, de todas as dificuldades. Se fosse possível eleger uma palavra seria responsabilidade, como processo de liberdade consciente, em que cada um ciente das suas limitações e capacidades embarca num trilho não do tamanho das suas pernas, mas dos passos que elas podem dar.

É muito difícil fazer a selecção dos candidatos, escolher motivações, capacidades, competências e tentar traçar um perfil o mais exacto possível quando só se tem tempo para um esboço. O ser humano é mesmo muito grande e muito desconhecido. Antes de embarcar na odisseia do voluntariado internacional, os nossos candidatos passam por vários momentos de selecção e preparação, fazemos tudo por dificultar a tarefa não por maldade nem com nenhuma motivação perversa, mas para tentarmos garantir que a experiência de terreno venha a correr da melhor forma possível e seja verdadeiramente uma experiência extraordinária para todos os intervenientes. Não nos podemos nunca esquecer que, apesar de ser uma experiência enriquecedora para o voluntário um experienciar de uma nova forma de viver, o trabalho a ser realizado no terreno envolve pessoas, envolve crianças e é muito exigente a todos os níveis. E na maior parte das vezes o lirismo da vivência que ouvimos nos relatos de quem esteve no terreno, vem dos olhos de quem vê e não tanto

do que o ambiente oferece. Não é fácil chegar, deixamos para trás as raízes, a segurança, a cultura é diferente e nem sempre a recepção corresponde à esperada, o voluntário não é um herói... está lá de passagem, não conhece as privações diárias, não está por dentro da lógica burocrática, das hierarquias locais. São todos estes factores e muitos outros impossíveis de enumerar, que obrigam a utilização de todas as faculdades de adaptação. É muito mais que uma experiência de vida, pode ser mesmo a experiência de uma vida... Tem de ser levada a cabo com paixão, mas com consciência, com medo e com coragem, com alma e praticidade, com sonho mas com responsabilidade... com verdade, com entrega, com VONTADE... No fundo é imprevisível, o caminho é feito por cada um e em cada passo. Acreditamos na força da jornada, nos benefícios do caminho, na verdade da missão, nas pernas, cada um tem as suas, não existem “cavalitas” neste percurso... só os votos de uma excelente caminhada!




MAIS MUNDO

o privilégio de aparecer no rosto dos jornais. Cascais, Sofia Nobre

S

ão várias as páginas que se podem encontrar na Internet publicando que “Um reduzido grupo de jornalistas estrangeiros foi autorizado a viajar amanhã a Lhasa, após os recentes distúrbios ocorridos na capital tibetana, anunciou um porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores chinês.” Esta notícia suscitou-me algum interesse devido a alguns pontos focados que fogem ao conceito de guerra tão discutido no presente mas não menos importantes de serem falados e que estão interligados entre si, são eles: “Um reduzido grupo de jornalistas estrangeiros foi autorizado”… e “após recentes distúrbios”. Serão estes distúrbios tão recentes quanto recente é o dia desde que se fala neles? Porque são os jornalistas autorizados a ir ao terreno? Porquê reduzido? Quanto tempo têm estes países de esperar para terem o privilégio de serem foco de atenção por parte da comunidade internacional? O tempo suficiente de um grupo reduzido de jornalistas

ter permissão para entrar no terreno? Como se percebe por esta transcrição do livro Sete anos no Tibete, “Durante uma revolta popular, contra os invasores do exército vermelho da China, em Março de 1959, o Dalai Lama conseguiu fugir e chegar à Índia depois de semanas de privações.”, os protestos que temos vindo a assistir não são resultantes de problemas recentes, existe sim, é um aproveitar do mediatismo que há em torno da realização dos jogos olímpicos na China, para chamar a atenção à comunidade internacional sobre um problema que se arrasta há mais de meio século. Portanto a questão que se põe aqui já não é o dramatismo que se vive em países como estes, mas o tempo que têm de esperar para cair na “boca do povo” e lhes ser conferido o “privilégio” de ter alguma atenção, na esperança de que a situação se resolva e não caia no esquecimento. E assim como o Tibete tantos outros estão “guardados na gaveta” e só saem quando os meios de comunicação social dão prioridade a estes assuntos ou são autorizados a dar.




Há muito que estes problemas existem mas apenas quando deixam de ser camuflados é que se fala neles e aí de repente todos têm uma opinião sobre o assunto e todos procuram de alguma maneira dizer o que é ou não é melhor fazer e como agir. Segundo Dewey, o grande filósofo da educação moderna, a tendência vigente do mundo ocidental dos últimos trezentos anos, é que o indivíduo se confronte com a redução do real àquilo que pode ser conhecido e pensado; confrontamo-nos com o problema: quem tem o poder de seleccionar aquilo que nos vai fornecer a nossa perspectiva do mundo e consequentemente condicionar-nos no nosso Desenvolvimento Humano, um Direito Natural que segue uma tendência inata? Quem tem o poder de o fazer, de tratar essa informação? Com que controlo? É sabido que são os meios de comunicação social que constroem a verdade, mas qual verdade? Estará a responsabilidade política a corromper a responsabilidade cívica? Sim

porque os meios de comunicação social, como meio de manipulação de massas, têm a responsabilidade social de transmitir a realidade de modo a proporcionar-lhe uma possibilidade de acção que vá além do “consumo” de informação, que nos transforme em agentes impulsionadores da mudança. Casos como o Tibete ou outros, devem estar presentes nas nossas cabeças como uma realidade a mudar e não como uma notícia que de repente é manchete dos jornais e sobre o qual devemos estar informados a fim de termos uma opinião pública sobre o assunto. Não deixemos que estas interrogações nos escapem do pensamento sem antes lhes darmos a oportunidade de assumirem contornos, porque essa é a oportunidade que estes países tanto aguardam... Nem de propósito, ocorreu um sismo na China e de repente o Tibete voltou a deixar de ter direito ao seu efémero lugar na agenda de debates da comunicação social!




ESTÓRIAS

REGRESSO À TERRA DE TODAS AS CORES Maputo, Joana Lopes Clemente

V

oltar a Moçambique sabe-me sempre a um regresso paciente. Um regresso a uma espécie de lugar que mora dentro e fora de mim. A um lugar tão vasto quanto difícil de definir. Voltar a Moçambique não é regressar a uma terra; ao céu estrelado de impossível repetição; ao olhar brilhante dos miúdos que se demoram na indecisão entre o medo e a excitação frente ao branco; aos apertos de mão das gentes que, à falta de palavras numa língua comum, espelham no sorriso e nas mãos uma gratidão feita de esperança renovada; aos sonhos simples de todos, que se diluem nos nossos. Voltar a Moçambique é tudo isso, e é também o reencontro de todos os motivos. O primeiro passo obrigatório para quem chega é o mergulho consciente no sabor único desta realidade. O esbarramento com ela é inevitável e a única decisão que sobra a quem está, é o minuto escolhido para esse abandono fatal de nós próprios à regra simples das ausências. A única regra invariável com que se pode contar, a ausência de tudo: de informação, de protecção, de previsibilidade, de emergência, de certeza… Esperar nada, do que quer que seja. Quando aqui se chega, chega-se vindo de um outro lugar. Mas esse lugar é isso mesmo, um outro lugar. E o mergulho neste mundo não pode empreender-se em toda a sua plenitude sem uma formatação do disco. As comparações com o que conhecemos são inúteis; as tentativas de aproximação do que quer que vivamos a experiências passadas, são inglórias e empobrecedoras. A única forma de viver o privilégio de se estar neste universo é embarcar no exercício aventureiro de desconhecer tudo e aprender tudo o que se desconhece. Aprender cada aspecto da realidade e dar-lhe a dimensão, cor e forma que eles têm neste quadro feito com uma paleta de cores desconhecida. Só então poderemos desvendar este quadro como o vê quem o compõe. Só então se pode trabalhar para uma transformação de facto, intrínseca, operada juntamente com quem a recebe, e dispensar os esforços de desperdício do remar contra a maré.




Que significado ganha o tempo neste quadro incógnito? O tempo, aqui, é o centro de todas as contradições. A pressa não passou por aqui, o dia dura o que o sol quiser, não se corre por nada, o gosto dos momentos só passa quando o paladar acaba por se esquecer deles, não se reivindicam as urgências e o conceito de ordem é ter “aquela paciência”. No entanto, é esse mesmo tempo lamacento que a vida não tem; o tempo de corpo vagaroso e transparente como que a questionar a própria existência. Esse tempo é o mesmo que se desfaz em migalhas ínfimas impossíveis de reter nos punhos fechados, mesmo quando se revela precioso. O tempo sem ou com importância, senhor e decisor de si próprio e ditador do valor relativo de tudo, que obedece a escalas nascidas “agora”, das circunstâncias desta ou daquela casualidade. O que quer que dependa do tempo passa a depender apenas e só do acaso, que vai ganhando apelidos aparentados das macumbas, dos espíritos dos antepassados e de todos os elementos afins que possam vir justificar o injustificável. E é neste jogo da tentativa de justificação do injustificável que as sensações se revelam, que nos denunciamos na impossibilidade de formatação de facto do nosso precioso disco e que tropeçamos no calcanhar de Aquiles de todos os que trabalham nesta área, nestes contextos: a batalha contínua do equilíbrio entre emoções e a racionalidade; o esforço constante de caminhar sobre a ténue linha de fronteira entre dois mundos de cores diferentes. Voltar a Moçambique é regressar a um mundo onde a realidade nos mostra aspectos tão variados quanto por vezes contraditórios. É enriquecer o nosso próprio mundo e torná-lo maior. É superar os limites da nossa própria compreensão. É desafiarmo-nos. É encontrar o reflexo do nosso trabalho e beber das razões do que nos move. É comprovar a resistência e abrangência do mundo daqueles que trabalham permanentemente connosco, a partir do terreno. É sobretudo ajudar a construir um mundo, com muito mais cores.




ESTÓRIAS

COMO SOUVENIR TRAGA SORRISOS! Cascais, Raquel Pombo

E

quando o corpo merece descanso, quando a cabeça exige uma pausa, quando o cansaço é uma ferramenta inteligente e inteligível que força a transformação de excêntrico em concêntrico... Abandonar as tarefas exigidas e exigentes que o quotidiano impõe e recriar o universo indivual rico em identidade, pleno e revigorante... Procurar motivações intrínsecas e partir com o eu em lua de mel... sim.. simples... Férias!!! Mas não umas férias quaisquer, se bem que descansar assume sempre um carácter ídilico quando a necessidade impera....no entanto as férias que propomos não são só descanso... são férias de sonho... férias dos sonhos, férias de transformar sonho em realidade! O percurso deve ser escolhido a cada passo, que a vontade comande as pernas e que se dê ao corpo a possibilidade de escolha, para que depois seja sabiamente seguida a decisão do nariz, do estômago, da pele ou dos ouvidos... A parte mais complicada é mesmo o passo inicial: convencer o cérebro, orgão sério e analítico, que é realmente importante embarcar nesta viagem... Pois bem! Aqui vai então a nossa sugestão Exmo. Senhor Cérebro! Este convite é feito a duas vozes, a Helpo e o seu afilhado apresentam agora uma mão cheia de motivos para que as suas férias escolham como destino: Nampula é uma Província rica em paisagens, passado histórico e posicionamento estratégico, reflectidos nas cidades de Nampula, Ilha de Moçambique, Angoche e Nacala, um dos melhores portos naturais de África. O povo macua é dominante em Nampula e é reconhecido pela originalidade e beleza das suas peças de artesanato em pau-preto e olaria, pela cestaria e pelas esteiras. Aos Domingos na cidade de Nampula realiza-se uma feira de

artesanato onde se podem encontrar diversas peças em vários materiais e mesmo móveis ricamente trabalhados ou diariamente em bazares informais, podem-se ainda admirar as linhas arquitectónicas de uma cidade moderna e, nos arredores, os montes maciços que se erguem abruptamente no meio da paisagem e a barragem que abastece a cidade de água. A Ilha de Moçambique é considerada património Mundial e situa-se a 175 km da capital de província Nampula. A esta pequena ilha de coral, junto à costa, cujo nome é atribuído, por uns, à designação original de Muipiti, enquanto outros assumem que a identificação de Moçambique, que passou a ser utilizada a partir do séc. XVI, teve origem no nome Mussa-Bin-Biki, filho do sultão, senhor da ilha, Bin Biki. Foi aí que, em 1498, aportaram os navegadores portugueses que expulsaram os interesses instalados e tornaram a Ilha num ponto estratégico a partir do qual iniciaram a expansão para outras regiões do País. Para o efeito construíram a fortaleza de São Sebastião e uma feitoria na parte mais antiga da cidade, com edifícios de pedra de coral, o Museu de Arte Sacra, a Capela de estilo Manuelino, o Palácio de São Paulo, o monumento a Luís de Camões que aqui viveu dois anos e escreveu parte dos Lusíadas, o templo Hindu, e outros vestígios da passagem de povos e culturas ao longo dos século. A riqueza é um conceito lato, não se pode definir apenas pelo PIB de um país, há um leque de variáveis que influenciam o valor auferido a algo. Moçambique é um país em que difícilmente a riqueza pode ser definida a partir de números, não é de todo uma riqueza quantitativa, no entanto qualitativamente e no que diz respeito a beleza e calor humano Moçambique poderia ser considerado membro do G8. Deixe que o seu afilhado partilhe consigo a sua riqueza, reduzindo a distância do apadrinhamento, faça a mala a Helpo ajuda com a burocracia!!!

“e agora sinto tudo o que os outros sentem sofro do que eles não sofrem anoiteço na sua lonjura e vivendo na vida que deles desertou ofereço o mar que em mim se abre à viagem mil vezes adiada” Mia Couto




ESTÓRIAS

COM A MOCHILA ÀS COSTAS E O CORAÇÃO APERTADO, RUMO A MOÇAMBIQUE Faial, Luísa Borges Aquilo que há algum tempo era um sonho, finalmente tornouse realidade. Confesso que estava ansiosa com o que podia acontecer e embora já estivesse um pouco informada havia sempre alguma incerteza. Como iria ser o meu primeiro contacto com os meninos? Estava ansiosa por conhecer a minha afilhada, a escola, o dia-adia daquela menina. Confesso que mesmo um ano depois da Totinha ter começado a ser “parte da minha família” através de uma fotografia, eu não a reconhecia entre todos aqueles meninos. Eram todos parecidos, tão tímidos, e apetecia-me abraçar todos eles. Finalmente foi-me apresentada a Totinha e senti uma emoção tão grande ao olhar para aquela menina tão pequena, tão tímida, tão indefesa. Senti uma enorme alegria quando lhe dei os presentes e lhe perguntava: - Gostas? - e via o brilho dos olhos dela ao mesmo tempo que me respondia: “Sim”. Depois, de mãos dadas, foi-me mostrar a sua escola e o local

do poço, onde será colocada a placa com o nome de Nossa Senhora de Fátima. Antes da hora da partida, ainda havia trabalho a fazer, distribuir lápis, canetas, bolas insufláveis que fizeram um enorme sucesso. As crianças ficaram tão felizes que me contagiaram e quando dei por mim, corria juntamente com elas atrás das bolas. Finalmente o meu objectivo estava a ser cumprido: tornar o dia daquelas crianças diferente. Foi neste dia que vi que a Helpo tem um papel fundamental nas escolas e comunidades. Depois, havia que regressar a casa onde o Hugo, a Patrícia e a Ana Luísa, já começavam a preparar o trabalho para o dia seguinte: contar lápis, canetas, vestuário e sabão, para distribuir pela escola que seria visitada no próximo dia e onde havia mais dois afilhados cujos padrinhos eu vinha representar. O que eu senti foi muito forte, como se fossem meus afilhados, e tive exactamente a mesma alegria em entregar-lhes os




ESTÓRIAS

presentes e abraçá-los. Nunca esquecerei os olhos do Paulino a olhar para uma simples bola, e da Graça a apertar uma boneca na mão. Depois de visitar as escolas dos afilhados foi-me sugerido que fosse a outras escolas. De igual modo, participei na distribuição de material escolar e assisti à recolha de dados para novas candidaturas relativas ao programa de apadrinhamento. Um dia normal parecia transformar-se num dia de festa, com o pretexto da fotografia tirada pela Helpo, onde todos se queriam ver. Finalmente conheci o Padre Jacob, grande apoio para a Helpo na região, e fomos visitar duas das muitas comunidades que estão a seu cargo. A visita a uma comunidade terminou com um almoço que nos foi oferecido. As cadeiras deram lugar a uma esteira onde nos sentámos, os talheres deram lugar às mãos e a ementa foi galinha acompanhada de arroz e chima. A grande lição a reter desta experiência é que do pouco que se

tem, tudo se partilha. Foram dias de grandes emoções e de cansaço, mas que mudaram a minha vida para sempre. Chegou a hora da partida e a mochila que antes estava cheia de material escolar, brinquedos, pão, água e bolos, estava agora cheia de pedidos de lápis, cadernos, camisas, sapatos e enxadas… Assim acabou a minha missão por agora, mas o pensamento de voltar está gravado em mim. Agradeço à Helpo: à Margarida, que me foi esperar ao aeroporto em Lisboa, à Joana que me recebeu no aeroporto de Maputo e que me apoiou. Ao Hugo, à Patrícia e à Ana Luísa pelo acolhimento, pelo apoio que me deram e pela contribuição para que o meu sonho se tornasse realidade. O meu muito obrigado por fazerem a diferença na vida de todas as crianças.

Síntese de um final feliz Desde Setembro de 2007 que Luísa Borges, madrinha Faialense, se tem mostrado imparável no que respeita a acções de sensibilização, divulgação da Associação e recolhas de fundos para a construção de um poço em Moçambique, na comunidade de Momola. Esse sonho tornou-se finalmente realidade e dá agora de beber a uma população que esperava ansiosamente por este projecto. Ficha técnica do Projecto Impulsionadores do Projecto: Equipa de Faialenses, coordenada por Luísa Borges; Inicio de execução do projecto: Maio de 2007; Processo de angariação de fundos: Venda de velas, Bazar, Semana do Mar(evento desportivo e cultural), Feira de angariação de fundos ,Sopa do Espírito Santo, Leilões e muito Boa-Vontade!!! Passos dados na concretização: Estudo geofísico, mobilização e montagem do equipamento, perfuração, revestimento com tubagens PVC, colocação do areao, desenvolvimento do furo, ensaio do caudal, selo sanitário, fornecimento e montagem da bomba manual; Localização: Escola de Momola; Beneficiários: Dá de beber a cerca de 750 crianças; Data de inauguração: 25 de Junho de 2008.




MAIS DO QUE PADRINHOS

a Helpo em Vila Nova de Famalicao. Cascais, Sofia Nobre

O

s nossos padrinhos continuam incansáveis na divulgação, apoio e esforços dispensados, para que seja possível a Helpo levar a cabo os seus projectos. As palavras de agradecimento proferidas sabem sempre a pouco diante de gestos tão nobres. Mais que apoiar uma criança é uma busca incessante de ver atenuadas as fronteiras do desenvolvimento que separam os países do sul, do norte do globo. A realização dessa busca pode não ser imediata e exigir muito esforço e recursos, mas a Helpo acredita que não seja de todo impossível e agradece aos padrinhos por acreditarem com ela. E em menos de 3 meses, quando demos por nós, a Helpo estava em Vila Nova de Famalicão. Entre sorrisos e curiosidade, como se a timidez não existisse, a sala enchia-se de pessoas e os olhos inquietos percorriam a mesma, muitos queriam conhecer a Associação, “ouvimos falar”, “contou-me uma amiga”, “soube pelo senhor vereador”, fosse por que meio fosse, aquelas pessoas ali estavam de coração aberto para nos ouvir e conhecer. E nós igualmente desejosas por dar a conhecer; dar a conhecer o trabalho que a Helpo vem desenvolvendo e da qual se orgulhou de apresentar para cerca de 100 pessoas que nos ouviam atentamente na noite de 30 de Maio.

O Veredaor Durval Tiago Ferreira, responsável pelos Assuntos Jurídicos, Fiscalização, Património, Protecção Civil e Segurança, da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e nosso padrinho, foi o impulsionador deste jantar de beneficência a favor da helpo. A “negociação” do dia não estava fácil, muito trabalho havia em Cascais para fazer, mas o entusiasmo do Dr. Durval não deixou margens para dúvidas, este jantar não podia mais ser adiado e com todo o gosto se chegou ao dia “ideal”. A bem dizer não há um dia ideal para ajudar, pois todos os dias são merecedores de tal atenção, mas tendo em conta toda a preparação que o jantar envolveu, era importante a nossa total disponibilidade para o mesmo. O jantar foi indescritivelmente agradável e a esperança invadiu um pouco mais os nossos corações. É gratificante olhar em redor e ver cada vez mais o espírito de entre ajuda ganhar forma, uma forma que não é física mas é real e que se espelha nas acções daqueles que como nós, não esperam, mas actuam, por um Mundo mais Humano. A título pessoal tive pena de não conhecer melhor Vila Nova de Famalicão, mas o “bichinho” ficou e hei-de voltar para conhecer melhor aquela terra e aquelas pessoas que tão bem nos receberam. Pela Helpo, o nosso obrigada!




i MAIS

t-shirts Helpo. E u Helpo, e tu? é a nova frase que marca a nossa Associação. Poderá vê-la estampada nas nossas t-shirts que se encontram disponíveis para todos os Padrinhos, colaboradores e futuros Padrinhos. A Helpo pretende, assim divulgar de uma forma original o trabalho que reali-

za e convidar não só, todos os que colaboram connosco, como também o público em geral, a participarem na causa que defendemos, aumentando o leque de ajuda aos povos mais necessitados. Deste modo, poderá adquirir através do nosso site www. helpo.pt, email info@helpo. pt, ou telefone 214844075, os

três modelos disponíveis (tamanhos S, M, L, e XL no caso da t-shirt de homem): T-shirt clássica senhora: 14,90€, Top senhora: 12,90€, T-shirt homem: 14,90€. Para os novos padrinhos que queiram inscrever-se no Programa de Apadrinhamento à Distância, poderão também obter a t-shirt, ao efectuarem

um pagamento de 35€ (1ª mensalidade do apadrinhamento completo + t-shirt). As receitas da venda das tshirts reverterão para futuros projectos a serem desenvolvidos em S. Tomé e Príncipe, onde a Helpo irá actuar em breve. Participe connosco no apoio a novas comunidades!!

voluntariado internacional recrutamento E ncontram-se abertas as candidaturas para o programa de Voluntariado Internacional. Os interessados deverão enviar Curriculum Vitae, juntamente com carta de motivação para os seguintes emails: recrutamento@helpo.pt ou info@ helpo.pt. O recrutamento irá

decorrer durante o mês de Julho e Agosto e após a selecção dos candidatos, o período de formação, na sede da Helpo, em Cascais, iniciar-se-á em Setembro de 2008. Este período de formação será de 25 horas semanais, durante o horário laboral da Associação e pretende-se, desta forma, que

o voluntário possa participar e colaborar activamente em todos os projectos desenvolvidos pela Helpo. A partida para o Terreno será em Janeiro de 2009, por um período que poderá ser de 6, 9 ou 12 meses. Aguardamos pelas vossas candidaturas!!!

desafio Protoner N os últimos 2 anos a Helpo tem tido o prazer de trabalhar com a Protoner - empresa fundada em 2001, de produção e marca própria especializada na regeneração/reciclagem de consumíveis informáticos (Toners/Tinteiros) e na sua comercialização. A preocu-

pação social desta empresa não se encerra na questão ambiental e alargou-se para causas como a nossa. Recentemente a Protoner feznos um pequeno desafio que gostaríamos agora de lançar aos nossos padrinhos e a todas as pessoas que, de alguma forma, se relacionam com

a nossa organização: a Protoner disponibiliza-se a doar 3% do valor de todas as facturas (sem IVA), para projectos da Helpo, de padrinhos e conhecidos que adquiram consumíveis informáticos desta empresa. Para que tal aconteça, estes apenas têm de informar à Protoner que conheceram

esta empresa através da Helpo, permitindo desta forma alargar, cada vez mais os projectos da organização! Para mais informações poderá aceder ao site da empresa em www.protoner.com.pt ou contactar por telefone através do número: 91 960 97 00 (João Paulo Pinto).




FICHA TÉCNICA

Entidade Proprietária e Editor

Correspondente em África

Associação Helpo

Hugo Neto

Morada e Redacção: Rua Manuel Joaquim Gama Machado, nº 4 2750 - 422 Cascais

Design

Director Responsável

Ilustração

Carlos José Bernardo Almeida

Luís Nascimento

Directora Editorial

Joana Clemente Nº de registo no ICS: 124771 Tiragem: 3000 exemplares

Codex - Design e Relações Públicas

Informações: Associação Helpo

Tel.: 214844075 Fax: 214843154 info@helpo.pt www.helpo.pt

Periodicidade:

Trimestral NIF: 507136845 Depósito Legal: 232622/05 Impressão

Linha Criativa

Rua João Chagas, nº 59 piso 1 esq.1495-073 Algés Redacção Portuguesa

Sofia Nobre (secretária de redacção) Joana Clemente Helena Correia Margarida Assunção Raquel Pombo Colaboradores neste número

Ana Luísa Machado Helena Correia Joana Clemente Luísa Borges Margarida Assunção Patrícia Cunha Raquel Pombo Sofia Nobre

A responsabilidade dos artigos é dos seus autores. A redacção responsabiliza-se pelos artigos sem assinatura. Para a reprodução dos artigos da revista mundo h, integral ou parte, contactar a redacção através de: info@helpo.pt.





Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.