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“A política fiscal em Portugal é muita penalizadora, quer para as famílias quer para as empresas”

Em entrevista ao OPINIÃO PÚBLICA, a bastonária dos OCC faz um balanço do ano passado e aponta baterias para 2023 Apesar de considerar que o Orçamento de Estado deveria ter ido mais longe, vê diversos aspetos positivos no documento. Paula Franco sublinha o trabalho dos contabilistas cer tificados, que são cruciais para as empresas e famílias encararem o futuro

OPINIÃO PÚ BLI CA: Depois da pa ndemi a tivemos , o ano passado, a ma ior su bi da da infla çã o dos ú ltimos anos e uma cr ise energéti ca sem precedentes, o qu e veio aba la r as con tas de todos.

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Na prática, o que é que isto significa para as empresas e fa mí lias?

Paula Franco: Efetivamente, o ano de 2022 ficou marcado pelo aumento generalizado dos preços (inflação), o aumento das taxas de juro e a crise energética, essencialmente provocada pela guerra na Ucrânia, em resultado da invasão da Rússia Para as empresas estes aumentos significam uma redução das suas margens de lucro, e consequentemente, menor capitalização Não nos podemos esquecer que, capitalização significa criação de riqueza, valorização das empresas e criação de emprego. Portanto, estamos a falar de aspetos fundamentais para o crescimento económico.

Ora, para que tal aconteça é necessário a di- minuição da despesa ou então que aumento da receita seja superior à despesa Claro está que, o mais desejável seria a diminuição da despesa, caso contrário será difícil libertar rendimento para a capitalização das empresas Para as famílias estes aumentos significam a perda imediata do seu poder de compra, colocando muitas delas em situação de pobreza De facto, o grande aumento dos preços verificou-se fundamentalmente nos produtos essenciais, na energia e também nas taxas de juros dos empréstimos há habitação Ora, estas situações fazem par te do cabaz essencial para as famílias viverem com o mínimo de dignidade, pelo que, estes aumentos põem em causa a estabilidade financeira das famílias e a sua capacidade de conseguir ter acesso aos bens essenciais

O an o passado, numa entrevista ao OP, estava otimista e convi cta qu e 2022 seria, defini ti va ment e, o a no da r eto ma e do cres cim ent o eco nóm ico A gu er ra vei o muda r todo o cenár io No início do ano passado, não se antevia o eclodir de uma guerra na Europa. Pelo que, grande parte das previsões económicas assentavam num crescimento económico em Portugal acima de média europeia, e apontando como sendo o grande ano da viragem Com o desencadear da guerra os cenários foram alterados abruptamente Apesar de todas as dificuldades para as empresas, o ano de 2022 acabou por correr muito bem Superam-se em muito os números relativos a 2019, com o aumento das receitas, muito significativo, como nunca tinha existido, da procura dos serviços, e ainda a deslocação para Por tugal de alguma da »»»»»» »»»» (con tinua)

«««««««««« produção industrial, em especial do setor do calçado, têxtil e metalúrgico

Em 2022 verificou-se, também, que as empresas mudaram comportamentos, muito por causa do pós-pandemia, mas também forçados pelo próprio comportamento do mercado, uma vez que, se verifica uma forte escassez de matérias-primas e uma significativa falta de recursos humanos Ora, estas dificuldades fizeram com que as empresas reajustassem o seu modelo de negócio, através de menos atividades, mas com maiores margens

De acordo com as previsões do governo, o crescimento económico para o ano de 2022 deverá chegar aos 6,8%, o que, atendendo à conjuntura difícil que se verificou, acaba por ser um resultado positivo.

Em relação ao Orçamento de Estado para 2023, sendo uma defensora da descida do IRC, lamenta certamente que o documento não tenha ido mais longe nessa matéria?

A política fiscal em Portugal é claramente muita penalizadora, quer para as famílias quer para as empresas Os impostos são demasiadamente elevados face ao tipo de rendimentos obtidos em Portugal, pelo que seria bom rever a política fiscal praticada no nosso país

Sabemos, obviamente, que o Estado tem despesas muito elevadas, que têm de ser suportadas pelos impostos, e por isso mesmo, a carga fiscal acaba por ser muito elevada Pelo que seria muito importante conseguir um equilíbrio entre as necessidades de despesas do Estado e os impostos cobrados. Os rendimentos em Portugal não são compatíveis com taxas de impostos tão altas Sabemos que noutros países as taxas poderão ser mais elevadas porque os rendimentos também são mais elevados Em Portugal a classe média é muito pressionada pelos impostos elevados Também as empresas, muito em particular as microempresas, também não conseguem fazer face ao nível da carga fiscal atualmente existentes Na prática tem de haver uma melhor gestão, na medida em que a riqueza de um país também se cria por intermédio do consumo. Nesta perspetiva, impostos elevados acabam por retirar essa possibilidade às empresas e às famílias de consumirem mais e, desta forma, contribuírem para o crescimento económico Num país como Portugal, em que temos muito para crescer, medidas de desagravamento fiscal ajudam com certeza as empresas a libertarem recursos para aplicarem no consumo e no aumento dos salários dos trabalhadores

Tendo em conta a saúde financeira das empresas e famílias, e o aumento da carga fiscal que se tem sentido continuamente, como é que avalia o Orçamento de Estado para este ano?

Começo por destacar uma medida positiva que surgiu em outubro de 2022, fora do OE, que é a possibilidade de resgates dos PPR. Esta medida possibilita o resgate mensal do PPR com o montante máximo correspondente ao valor do IAS O OE2023 veio alargar o valor limite do resgate que passa a ser o valor corresponde ao valor mensal pago para a amortização do empréstimo à habitação

Em termo de IRS, foram aumentados os limites de isenção previstas de imposto aos jovens até 26 anos, tendo sido alargado para os 30 anos se estiverem em causa a conclusão de doutoramentos, sendo esta sempre uma medida positiva, uma vez que existe a necessidade de retenção de talentos e retenção de jovens em Portugal

Apesar destas medidas, em matéria de tributação dos jovens, poder-se-ia ter ido mais além Isto é, a isenção ou diminuição da tributação dos jovens não deveria depender de graus académicos e deveriam ser mais transversais Até aos 30 anos os jovens estão no início das suas carreiras profissionais, a constituir família, pelo que precisam de grande parte dos seus recursos Mesmo depois dos 30 anos, deveria haver um período transitório, uma vez que, cada vez mais os jovens constituem família mais tarde, muito por causa da falta de condições para o fazer mais cedo

Ainda no IRS verifica-se uma revisão dos escalões, com o objetivo de diminuir a carga fiscal, no entanto, esta revisão não é linear em todos os escalões Pelo que, sendo positiva ainda não será suficiente

Esta medida na atualização dos escalões do IRS está associada a uma medida existente no IRC da majoração em 50% dos encargos com a valorização salarial Sendo que este incentivo fiscal depende de um conjunto de requisitos que poderão não ser cumpridos por muitas empresas e irá vigorar até ao ano de 2026

Nas medidas deste orçamento percebemos que existe uma certa pressão para o aumento dos salários. Pressão esta que também existe nas próprias condições do mercado, com a necessidade de reter recursos humanos, as empresas vão acabar por ser forçadas a aumentarem os salários

Para que tal aconteça, é necessário que as empresas tenham recursos disponíveis para canalizar para o aumentar os vencimentos dos trabalhadores Ora, a majoração do gasto, prevista no incentivo fiscal apenas será refletido no ano de 2024, pelo que deveria haver um incentivo de aplicação imediata, no sentido de ajudar as empresas a libertarem recursos para aumentar salários no imediato. Outra novidade relevante para o ano de 2023 vai ser sentida pelos contribuintes e trabalhadores por conta de outrem, a partir do segundo semestre deste ano. A partir de julho vão ser aplicadas novas regras na retenção na fonte dos salários Esta novas regras serão mais justas e procuram espelhar melhor a progressividade, uma vez que, serão aplicadas taxas marginais tal e qual como as taxas de imposto final Ora, esta situação não está refletida nas taxas de retenção atualmente utilizadas

Agora, no ponto de vista da visão do contribuinte, ele vai ter maiores dificuldade em perceber qual será a sua taxa efetiva, quando estiver perante um aumento O recebido de vencimentos terá a informação da taxa efetiva, mas perante um aumento, o contribuinte terá mais dificuldades na realização dos cálculos do imposto a suportar perante um aumento Por isso, seria positivo a Autoridade Tributária disponibilizar um simulador para ajudar o contribuinte nestes cálculos De notar que a descida das retenções na »»»»»»»»»» (continua)

Natural e residente em Lisboa, Paula Franco (52 anos) é contabilista certificada, consultora fiscal, formadora e foi colaboradora do departamento técnico e posteriormente assessora dos dois últimos bastonários da OCC, Domingues de Azevedo e Filomena Moreira, prestando apoio técnico aos membros no domínio da fiscalidade, contabilidade e segurança social. A 5 de março de 2018 tornou-se o terceiro bastonário da história da instituição É autora de pareceres técnicos, de variados artigos publicados em diversos meios de comunicação social e interlocutora em sessões de esclarecimento e seminários sobre fiscalidade e contabilidade Como membro de grupos de especialistas de organizações internacionais como a EFAA e o CILEA, importou as melhores práticas e contributos internacionais para a profissão em Portugal

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