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A energia contida na cana
o que falta melhorar?
O setor de cana-de-açúcar no Brasil, considerando sua evolução desde o início do Século XX, encontrou cedo uma forma de diversifi cação e melhor aproveitamento da matéria-prima: o etanol. Seu uso como combustível automotivo foi reforçado com testes e desenvolvimentos nos anos 1920, levando o Governo Federal a ganhar confi ança nesse uso e promulgar uma lei em 1931 tornando obrigatória a mistura de 5% de etanol em toda gasolina importada. Poucos anos depois, a exigência foi estendida a toda gasolina consumida no País.
Como é sabido, esse uso do etanol foi reforçado em 1975 com o lançamento do Programa Nacional do Álcool – Proálcool, que acelerou o crescimento da produção de etanol e de cana-de-açúcar. O setor sucroalcooleiro aproveitou esse crescimento e a disponibilidade de recursos para investimentos em expansão, modernização e criação de centros de pesquisa e desenvolvimento, como o Planalsucar e o Centro de Tecnologia Copersucar (CTC), para apoiar os avanços tecnológicos. Melhorias signifi cativas foram conseguidas na área agrícola, em termos de produtividade e qualidade da cana, e na indústria, traduzidas em efi ciência dos processos. Quando a crise surgiu, causada pela queda brusca dos preços do petróleo em 1985, seguida da retirada paulatina dos subsídios tecnológicos. Melhorias signifi cativas foram conseguidas na área agrícola, em termos de produtividade e qualidade da cana, e na indústria, traduzidas em efi ciência dos Quando a crise surgiu, causada pela queda brusca dos preços do petróleo em 1985, seguida da retirada paulatina dos subsídios
Sugerimos o melhor aproveitamento da energia primária da cana, pois simulações feitas recentemente mostraram que estamos longe de sermos efi cientes nesse ponto. " aproveitamento da energia primária da cana, pois simulações feitas recentemente mostraram que estamos longe de sermos efi cientes nesse ponto. "
Manoel Regis Lima Verde Leal Diretor Nacional do Projeto SUCRE Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR/CNPEM) Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR/CNPEM)
do etanol, o País já se mostrava competitivo no mercado mundial de açúcar. A expansão da produção de cana continuou para acompanhar o aumento da exportação de açúcar, mesmo com a produção de etanol estagnada.
O setor energético das usinas passou por melhorias mais lentas, caminhando na direção da autossufi ciência energética, atingida de forma plena apenas em meados dos anos 1990. A desregulamentação do setor na mesma década colocou mais pressão para a busca de melhorias progressivas devido à competição mais aberta entre as usinas e à redução drástica das ajudas governamentais.
No início do século XXI, ao passo que o açúcar mantinha seu papel relevante nas exportações, um novo aumento brusco dos preços do petróleo reacendeu o interesse pelo biocombustível e estimulou o lançamento da moderna frota de veículos fl ex-fuel, ação que se traduziu em confi ança da população, que passou a comprar veículos bicombustíveis. Em 2002, o governo criou o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), e, em 2004, foi lançado o Novo Marco Regulatório de Setor Elétrico Brasileiro, ambos estimulando e facilitando a venda de excedentes de energia elétrica produzidos pelas usinas.
Essa história foi recontada para lembrar algumas lições aprendidas: (1) as políticas públicas corretas foram os grandes indutores de modernização e ganhos de eficiência no setor; (2) a diversificação da produção nas usinas trouxe ganhos de escala e maior resiliência para enfrentar as crises; (3) os preços de commodities internacionais, como o açúcar e o petróleo, são muito voláteis, e é preciso estar preparado para isso, uma vez que o setor já não conta mais com a tutela do governo. Na última crise de preços do açúcar, na safra 2018/19, o Brasil conseguiu reduzir sua produção de açúcar em mais de 9 milhões de toneladas em relação à safra anterior, transferindo a matéria-prima para a produção de etanol, que cresceu em cerca de 5 bilhões de litros; a relação de cana para açúcar/cana para etanol passou de 46,5%-53,5%, na safra 2017/2018, para 35,2%-64,8%, na safra 2018/2019.
Os ganhos globais de eficiências medidos em litros de etanol por hectare cresceram de 2.000 L/ha, em 1975, até 6.800 L/ha, em 2010, mas caindo e chegando a 5.700 L/ha em 2012. O incremento no rendimento de etanol foi possível devido aos ganhos de produtividade e qualidade da cana na área agrícola, assim como aos aumentos significativos nas eficiências industriais. Hoje, na área agrícola, temos que, pelo menos, recuperar os valores médios de produtividade e qualidade existentes antes de 2010, quando o ATR/ha oscilava em torno de 12 t/ha e, depois dessa data, passou a oscilar em torno de 10 t/ha. Na área industrial, as eficiências se mantiveram razoavelmente altas, com um nível de conversão dos açúcares da cana em produtos (açúcar, etanol, melaço, etc.) acima de 85%. Na geração de eletricidade excedente para a venda, com as melhorias no Marco Regulatório do setor elétrico a partir de 2004, houve um crescimento de 9,8 TWh, em 2010, para 21,5 TWh, em 2018.
Considerando que o setor vai, no mínimo, recuperar os níveis de produtividade e qualidade da cana existentes antes de 2010 e que pequenos ganhos incrementais serão conseguidos na fábrica, com melhoria no monitoramento e controle dos processos, para onde o setor deveria olhar na busca de melhorias? Sugerimos o melhor aproveitamento da energia primária da cana, pois simulações feitas recentemente mostraram que estamos longe de sermos eficientes nesse ponto. A tabela abaixo mostra uma simulação simplificada.
ENERGIA PRIMÁRIA DA CANA E ENERGIA ÚTIL DE SEUS PRODUTOS
Componente kg/tc MJ/tc Energia da Cana (Primária)
(bs) = Base Seca Sacarose 140 AR 6 Bagaço 135 (bs) Palha 140 (bs)
Total
2.268 93 2.430 Unidade Quant Energia MJ/tc Etanol L/tc 85 1900 Bagaço kg/tc (bs) 13,5 243 EE kWh/tc 60 216
Energia dos Produtos (Secundária ou Útil)
É possível observar que, mesmo em uma destilaria autônoma bem eficiente, com 85 L/tc de anidro, 10% de sobra de bagaço e 60 kWh/tc de energia excedente gerada, a eficiência energética global é de cerca de 32%, indicando que 68% da energia primária da cana foi gasta e/ou desperdiçada: 90% do bagaço foi consumido pelo processo industrial (vapor e eletricidade) e a palha, muito pouco aproveitada para energia, assim como a vinhaça e a torta de filtro.
Segundo a Unica, em 2017 (641 Mtc), o potencial técnico de geração de eletricidade excedente nas usinas brasileiras seria de 146 TWh (sendo a participação do biogás, bagaço e palha correspondente a 21, 48 e 78 TWh, respectivamente; em termos unitários, em relação à cana processada, esse total representa 228 kWh/tc) levando à eficiência energética global para 40%. Isso seria conseguido com otimização do balanço energético nas usinas e uso pleno dos resíduos agroindustriais.
Simulações com ganhos de produtividade agrícola para próximo a 90 tc/ha e considerando números da literatura para etanol celulósico indicam eficiências da ordem de 45%, o que poderia ser uma meta a ser perseguida.
Essas melhorias teriam impactos positivos no desempenho ambiental das usinas no RenovaBio, com ganhos significativos nos CBIOs produzidos por tonelada de cana processada, e estariam perfeitamente alinhadas com os conceitos de bioeconomia e economia circular, que pregam o uso pleno da matéria-prima.
O recolhimento e o uso da palha de forma sustentável, adequando sua qualidade na indústria para torná-la compatível com a queima em caldeiras de bagaço, ainda apresentam desafios que foram identificados e abordados no Projeto SUCRE (Sugarcane Renewable Electricity), desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBR/CNPEM), com suporte financeiro do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e gerido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Dados de custos, balanços energéticos e de emissões de gases de efeito estufa (GEE), tecnologias de recolhimento e processamento da palha estão sendo disponibilizados no site do Projeto SUCRE (http://bit.ly/ProjetoSUCRE), para uso pelos interessados em ampliar a geração de eletricidade excedente. n