Terra dos Doces Caseiros

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EDIÇÃO ESPECIAL DE 194 ANOS DE EMANCIPAÇÃO DE TATUÍ 09 de agosto de 2020

Tatuí e sua ‘doçura ilustrada’ Especial integra 98 anos do jornal e traz trabalho de Débora Holtz Com pouco mais de 70 anos do início da profissionalização, a produção de doces caseiros em Tatuí é uma atividade consolidada. Reforça uma tradição, movimenta uma cadeia produtiva e cria oportunidades, características fixadas a partir de um projeto visionário, denominado Feira do Doce. O evento de maior visibilidade do município, o mais rentável e de maior público, é tema da edição especial de aniversário de Tatuí. Preparado em comemoração aos 194 anos da Cidade Ternura, o material é composto por seis reportagens e uma exposição artística. O caderno que acompanha a edição especial de aniversário do bissemanário integra, também, a celebração dos 98 anos do veículo de comunicação mais tradicional e duradouro da cidade, comemorados em 30 de julho. As reportagens são ilustradas com trabalhos da fotógrafa Débora Holtz. Em parceria com o jornal, Débora cedeu imagens clicadas com o propósito de divulgar a edição 2019 da Feira do Doce. Cobertura que, no mesmo ano, originou a exposição “Douceur Illustrée”, criada com o intuito de salvaguardar a importância do título de Terra dos Doces Caseiros, atribuído a Tatuí. “A ideia surgiu, na verdade, em 2017, a partir de um pedido do secretário municipal do Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, Cassiano Sinisgalli”, inicia a fotógrafa. Segundo ela, o titular da pasta tinha planos de preparar um material publicitário para divulgar a realização da quinta edição do evento gastronômico. “O objetivo era apresentar quem estaria na feira como expositor”, explica. Era a primeira edição sob o comando de Sinisgalli. Para aprimorar o marketing do evento, o secretário programou uma sessão fotográfica dos doces que seriam comercializados. Basicamente, entre uma a duas imagens por expositor. As primeiras fotografias, em 2017, foram clicadas nas condições que os doceiros impuseram. “Ficou um trabalho legal, mas vi que tinha potencial e que poderia ser aprimorado”, ressalta. Empolgada com o desafio, Débora apresentou um novo projeto visual ao secretário, em janeiro de 2018. Ela tinha a ideia de produzir imagens com foco no consumo e estilo artístico. “Cassiano adorou a proposta”, comenta a fotógrafa. O trabalho levou dois meses para ser finalizado, sendo realizado em quatro etapas. A primeira consistiu na conceitualização da ideia; a segunda, na apresentação do projeto para o secretário; a terceira, na reunião com os doceiros; e a quarta, na produção das imagens. Em média, Débora fotografou quatro doces por dia, totalizando 400 imagens. “Para chegar ao resultado final, fiz muitas fotografias do mesmo doce, em vários ângulos. Daí, ter um acervo muito grande”, argumenta. A proposta da exposição veio no ano seguinte. “A intenção era chamar atenção do público para a feira, começar a instigar no pessoal a vontade de visitá-la e de comer os doces caseiros produzidos em Tatuí”, explica a profissional. Débora elegeu 30 imagens para

compor a mostra, que entrou em cartaz no MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”). A iniciativa aconteceu entre os dias 6 e 7 de julho do ano passado, sendo realizada em parceria com a Unimed e apoio cultural da Aprodoce (Associação dos Produtores de Doces de Tatuí). Por conta do evento, Débora decidiu pesquisar e estudar sobre fotografia de alimentos, vindo a se especializar no assunto. A dedicação resultou em novas oportunidades profissionais, no ramo de produtos em geral. “Recebi muitos convites para trabalhos que se abriram para mim depois das fotos dos doces, em vários ramos de produção, como os de saboaria e de semijoias”, conta. Em uma nova ação ligada aos doces, Débora selecionou imagens produzidas por ela para compor o especial de O Progresso. A fotó-

grafa explica que sempre costuma compartilhar trabalhos, quando solicitada. E considera a iniciativa do jornal importante, principalmente no período de pandemia. “Ninguém está podendo ir a lugar algum e, infelizmente, não tivemos a feira. Acho que poderemos não a ter neste ano. Então, lembrar que esse evento é importante para a cidade, ainda mais com imagens, é fantástico”, declara. Débora Holtz é natural de Sorocaba e mudou-se para Tatuí ainda criança. Apaixonada por fotografia, iniciou estudos na área em 2012, no Ceunsp (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio), na unidade de Salto. Especializou-se em fotografia “newborn” (de recém-nascidos). Entre 2015 e 2018, trabalhou cobrindo eventos da cidade. Nesse período, Débora participou de diversos workshops, entre eles o “De

Comer com os Olhos”, que despertou o interesse da fotógrafa pela área gastronômica. Atualmente, segue carreira autônoma, com trabalhos autorais para diversos segmentos. Suas fotografias estão disponíveis em plataformas digitais, como Instagram e Facebook. O especial de aniversário tem pauta composta por diversos temas, todos relacionados à Feira do Doce. A reportagem de abertura trata do histórico do evento, detalhando como surgiu, os obstáculos vencidos e as primeiras metas alcançadas. Na sequência, o assunto é o aspecto de constante transformação do evento, que ganhou status de feira, já sob a direção do atual secretário Sinisgalli. A terceira reportagem trata da criação da Aprodoce, os motivos que levaram os produtores a se unirem, as con-

quistas e as dificuldades ainda a serem superadas. O texto seguinte parte de como as técnicas distintas contribuem para manter viva e financeiramente rentável a tradição doceira, com a evolução da fabricação. A quinta reportagem tem como tema a evolução em números da Feira do Doce em relação a público, com foco no perfil dos consumidores, volume dos doces produzidos e comercializados, valor movimentado e a importância do evento para a economia local e para a condição de MIT (Município de Interesse Turístico). O caderno traz, ainda, as novidades que estão sendo projetadas para a Feira do Doce, e um texto complementar que conta a história da Clara Doces & Cia., empresa símbolo de inovação e marca mais significativa de doces e bolos da região.


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Produto turisticamente rentável Ação visionária de Jorge Rizek, Feira do Doce comprova potenciais

Um conjunto de sistemas simbólicos passados de geração a geração e com caráter repetitivo. Este é o entendimento das ciências sociais para a tradição, uma orientação para o passado e uma maneira de organizar o mundo para o tempo futuro. Há décadas, o turismólogo, promotor de eventos por aptidão e ativista social por paixão Jorge Roberto Rizek tem essa consciência. Assim, criou, organizou e estabeleceu um evento que mudou, sobremaneira, o modo com que a cidade é vista “de fora” e pelos próprios moradores, entregando à cidade um produto “tipo exportação”. Nascida festa, a Feira do Doce de Tatuí consiste, atualmente, no acontecimento de maior público do município e o mais lucrativo. Considerado pela prefeitura como o maior evento do segmento gastronômico doceiro do interior do estado de São Paulo, a feira é prova mais bem-sucedida de que o potencial turístico do município existe – e precisa ser explorado. Com público estimado em 96 mil pessoas, vindas de cerca de 40 cidades, 348.082 doces comercializados e R$ 840 mil movimentados em quatro dias, conforme dados da edição de 2019, a Feira do Doce vem expandindo sua importância. Está incluída no Calendário Turístico do Estado de São Paulo, pela lei 15.844, de 1º de julho de 2015. Mas, até chegar a esse ponto, foi preciso muito trabalho. “Há uma gênese antes de chegar nela”, explica o idealizador. Rizek conta que, pela formação - mas não somente por ela -, há tempos vislumbrava para Tatuí ações como a feira. “Sempre me preocupei que a cidade tivesse um produto que pudesse ser vendido, que fosse turisticamente e economicamente rentável. Sempre achei que Tatuí tinha essa vocação e sempre batalhei para que essa vontade fosse concretizada”, diz. Envolvido com a cultura, Rizek encontrou na vida pública a chance de testar a ideia. “Não me lembro bem, mas acho que comecei quando era vereador”. Ele atuou na 12ª legislatura da Câmara Municipal, entre 1997 e 2000. “Eu já tinha essa proposta, a de criar algo em cima do doce caseiro”, relembra. A inspiração veio da memória, das lembranças da infância, reavivadas ao retornar para a ci-

JORGE RIZEK

dade. “Morei muito tempo fora e, quando voltei, fui buscar as recordações. E Tatuí sempre teve uma série de doceiras de fundo de quintal, além de outras que trabalhavam com propostas maiores, logicamente”, conta. Contudo, eram as com produção artesanal que chamavam mais a atenção. Na época, sobressaíam-se a goiabada, a marmelada – ambos doces feitos em tachos de cobre não mais utilizados. O leque incluía doces de laranja, mamão, bala de coco, bala de alfenins (massa branca e dura feita com açúcar), entre outros. Assim como as receitas, Rizek conta que as produções eram simples, mas genuínas. “Era um produto nosso, da cidade”, acrescenta. Por conta própria, ele passou a pesquisar, no cadastro da prefeitura, quantas doceiras haviam registradas. Encontrou um número diminuto. “Naquela fase, na verdade, a maioria das doceiras trabalhava dentro da própria casa. Era um serviço informal”, lembra. Apesar da dificuldade, Rizek não desistiu. Passou, então, a ir até a residência das produtoras, quando encontrou uma nova barreira. Muitas não aceitavam bem a proposta de estarem “mapeadas” em um cadastro. O receio era de que, com o registro, elas precisassem pagar tributos, mesmo não tendo rendimentos suficientes para saírem da informalidade. “Elas tinham medo de eu ser alguém que pudesse dedurá-las”, conta. Os poucos registros e a relutância das doceiras em integrarem um banco de dados tornaram o processo lento, perdurando por todo o período da vereança. Mais tarde, como diretor de cultura e turismo, Rizek retomou a proposta, com a primeira experiência realizada

na praça Martinho Guedes (Praça da Santa). “Não me recordo o ano, mas fizemos uma feira de fim de semana”, aponta. Como já conhecia as doceiras, do trabalho de campo desenvolvido no final dos anos 90 e do convívio, Rizek passou a convidá-las. Doze toparam a proposta. Entre elas, Clara Maria Brandão Fonseca e Ermínia Módolo. Em princípio, a proposta era tornar a feira quinzenal, mas os resultados não animaram as doceiras, que, na segunda quinzena, somaram apenas seis. “Caiu porque, na verdade, eu não tinha força para convencê-las que daria certo”, argumenta. Outro fator que pode ter contribuído é que os doces tiveram de dividir espaço com os artesanatos, disputando, por assim dizer, os clientes que não estavam acostumados à novidade. Como naquele momento o evento não se mostrou rentável economicamente, o projeto voltou para a gaveta. “Mas, a ideia continuou”, frisa. A virada de mesa aconteceu com o apoio do Comtur (Conselho Municipal de Turismo), então presidido por Eduardo Wagner Graziano. Mas, isso não ocorreu de uma vez. Rizek conta que compartilhou o desejo com os conselheiros, de realizar a feira. Com o Comtur, ele aprimorou o projeto, elaborado com a colaboração de uma comissão. “A ideia era colocarmos a feira na rua, mas não conseguimos, mesmo com a força do Comtur”, lembra. Desenhava-se, ali, uma nova barreira, a que perpassa pela ação política. A dificuldade permitiu ao idealizador melhorar a proposta. “Fiz um projeto mais trabalhado, com pesquisa mais aprimorada. Entreguei ao Comtur, ao departamento, mas

nada de sair do papel. Era complicado, talvez, financeiramente, mas não desisti e, quando tive oportunidade, coloquei em prática”, conta. Contra o projeto, também havia o fato de que a produção de doces – uma atividade que data de 1950 no município – ainda engatinhava. “Se você fosse levantar quantas doceiras tinham, a princípio, não chegaria a fazer uma feira”, diz Rizek. Esse cenário mudou a partir da primeira edição, em 2013, denominada “festa”. O evento aconteceu nos dias 13 e 14 de junho. Na estreia, teve como madrinha a tatuiana Vera Holtz, atriz global. A festa atraiu mais de 40 mil pessoas, com fluxo estimado de 1.500 visitantes por hora, a venda de mais de quatro toneladas em caixas e 31 mil unidades de doce, além de água e refrigerante. O volume de negócios superou a marca de R$ 350 mil. A 1ª Festa do Doce aconteceu na Praça da Matriz, somou 18 estandes, sendo 16 reservados para os grandes produtores, um para pequenos e outro para o Fusstat (Fundo Social de Solidariedade de Tatuí) e já contou com programação musical. “Só quando começamos, fomos descobrindo outros doceiros”, acrescenta. Até a conclusão da primeira edição, a festa não era bem aceita por alguns produtores. A doceira Ariete Poles de Campos, que participa desde o início, conta que o principal entrave era a descrença no potencial. “Foi difícil para os organizadores, porque havia pessoas que achavam que o negócio não ia dar certo. Alguns pensavam que seria como uma quermesse de bairro. Foi uma dificuldade”, diz. Doceira profissional há dez anos, Ariete participou do even-

to indicada pelo Sindicato Rural Patronal. Ela constava no banco de dados da entidade classista como capacitada. “Sempre me interessei por doces caipiras. Sou de família caipira, fiz vários cursos que mexiam com a raiz do sitiante, e meu histórico ficou arquivado. Quando surgiu a oportunidade, fui chamada”, conta. Como boa parte dos convidados, Ariete não manifestou grande interesse, mas resolveu apostar na ideia. “Vi como uma oportunidade e pensei que ‘o não eu já tinha’”, diz. No decorrer do evento, a doceira se surpreendeu. “A feira foi muito mais do que eu esperava. Quase que não deu certo por ter dado tanto certo”, avalia. Ariete vendeu, no primeiro dia, todo o estoque de doces ABC, feito com abóbora, batata-doce (branca ou roxa) e cidra. “Todo mundo vendeu tudo”, lembra. O resultado fez com que a organização se reunisse com os produtores para verificar com eles o que poderia ser feito. “Fomos consultados se queríamos parar o evento no sábado ou continuar no domingo. E decidimos que cada um poderia fazer um algo a mais para a festa”, conta. Da necessidade, surgiu a união, força que motivou os produtores a apostarem em uma segunda, terceira, quarta, quinta, sexta e sétima edição. A realização da oitava ainda está sendo objeto de análise (reportagem nesta edição). Do ponto de vista dos produtores, o evento trouxe mais que dinheiro. Abriu, definitivamente, um nicho de negócios que consegue se sustentar nos demais 361 dias do ano, considerando que a duração atual da feira é de quatro dias. “A festa abriu um campo que só foi ampliando. Nos outros anos, tudo ficou melhor. Os doceiros foram separados por setor e o público aumentou muito. Até hoje, não consegui ficar os quatro dias do evento com o meu ABC”, diz Ariete. Da primeira para a segunda edição, os números de doceiros, de público e de dias do evento aumentaram. Em 2014, os produtores somaram 40, os visitantes, 54 mil e a festa, a duração de três dias, acontecendo de 18 a 20 de julho daquele ano. Além da música, o público que esteve no evento foi recepcionado por um rei, uma rainha,


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uma princesa e um bobo da corte. O volume de doces, na segunda versão, foi igualmente expressivo: 127 mil unidades vendidas. “Aumentou barbaramente. As pessoas viram que deu dinheiro, e começaram a trabalhar em cima disso. A primeira festa foi um ‘boom’, uma coisa nova, totalmente diferente e que mexeu no mercado de doces e financeiro da cidade”, analisa Rizek. Segundo ele, a festa se consagrou a partir da aposta da administração municipal. Embora o Comtur estivesse empenhado, a equipe do departamento municipal só teve força a partir da inclusão do evento em programa de governo. Como Rizek já tinha o projeto pronto, precisou apenas atualizá-lo. No início de 2013, como diretor do Departamento Municipal de Cultura e Turismo, ele realizou novos levantamentos de preços e retomou a estratégia de convencimento de participação das doceiras. Muitas reuniões depois, o Comtur e o departamento – órgão que conta com os também turismólogos Jean Vinícios Sebastião e Rafael Halcsik Coutinho – finalmente conseguiram concretizar o plano de realização da feira. “Deu certo porque era o momento certo. Acho que as coisas têm que ter o momento certo. Teve todo esse trabalho de convencimento, de inscrições, de estabelecer regras e de onde faríamos. Enfim, deu certo”, pontua Rizek. Embora tímido, o projeto expandiu-se e, o mais importante, perdurou. “Nós começamos pequenos e fomos para o grande já de cara. Mas, o que eu considero um grande presente para mim é a manutenção dessa feira”, revela. Um dos vários fatores que confluíram para a ação perdurar é a preocupação da organização com a qualidade, tanto do ponto de vista dos produtos como do atendimento. Para ter esse controle, a equipe estabeleceu, já na primeira edição, um protocolo de informações. “Tivemos todo um trabalho de ouvir as pessoas”, conta Rizek. Para isso, o departamento in-

stalou caixas de sugestões. Os dispositivos foram implantados com objetivo de coletar as opiniões dos visitantes, que, posteriormente, foram discutidas com os produtores e a equipe do evento em reuniões. “Acho importante, quando fazemos alguma coisa na área de turismo, verificar se as pessoas compram a ideia, se a cidade quer, porque é uma parceria entre o Executivo, o Legislativo e os munícipes. Se uma das partes não quer, não dá certo. E um dos problemas que tivemos foi com relação à localização”, lembra. As poucas queixas apresentadas, até então, diziam respeito ao espaço da festa. De um lado, havia resistência por entender que a feira “competia” com o setor de varejo em funcionamento na região central da cidade; de outro, porque, para a montagem da infraestrutura, o trânsito do entorno precisava ser alterado. Para atender às reivindicações, Rizek buscou, junto ao Departamento Municipal de Trânsito e a GCM (Guarda Civil Municipal), organizar a instalação dos equipamentos de som, luz e estandes, contando, também, com entendimento junto à ACE (Associação Comercial e Empresarial). Mesmo criando soluções, o impasse resistiu por um bom tempo, até que veio o retorno financeiro. De modo geral, Rizek afirma que a cidade comprou positivamente o projeto da festa. Também explica que, embora pequeno para um evento desse porte, o espaço da Praça da Matriz é unanimidade entre os produtores de doce e o poder público. “Em Tatuí, tudo gira em torno do centro. Se sair dali, existe um temor de que os produtores não venderiam o que estão vendendo”, diz. Apostando no crescimento e, como forma de oferecer atrativo ao público, Rizek instituiu, em 2015, na terceira edição da então Festa do Doce, um festival de música com 36 horas de programação, intitulado “Com Açúcar e com Afeto”, em referência à tradição dos doces caseiros, à música e ao título de “Cidade Ternura”.

A inspiração veio da canção “Com Açúcar, com Afeto”, de Chico Buarque de Holanda. Em 2017, a ação que uniu doces e música foi rebatizada de Festival Capital da Música “Maestro Antônio Carlos Neves Campos”. O objetivo era, a partir da vocação musical de Tatuí, fazer com que as pessoas que visitassem a feira para comprar os doces permanecessem por mais tempo, acompanhando as performances. “No começo, as pessoas não tinham onde almoçar, porque restaurantes e lanchonetes não tinham se atentado para essas necessidades, e, por isso, não estavam preparados para atender a um número tão grande de pessoas. A música veio para entreter”, explica Rizek. Com a sonoridade, surgiu um novo filão. “Doceiros, comerciantes e grupos artísticos, todo mundo ganhou. Inclusive, por causa do movimento, o comércio do entorno começou a abrir até mais tarde, porque, como cidade turística, nós tínhamos de criar mecanismos para atender os visitantes”, enfatiza. Desde o início, Rizek tinha como meta oferecer a música como um produto junto com o doce, mas com a mesma qualidade que o carro-chefe do evento. Com o tempo, a programação tornou-se indissociável da festa - atualmente, feira. “Há muitas coisas para serem resolvidas, porque é um evento que dá muito trabalho, mas é preciso destacar que ele traz muitos louros para Tatuí”, frisa. Para aprimorar a festa, Rizek criou mecanismos que ajudaram a consolidá-la. Entre eles, o treinamento oferecido aos expositores. Desde 2013, os produtores frequentam um ciclo de capacitação que envolve reuniões com vários órgãos. Os conteúdos vão desde orientações da Vigilância Sanitária, sobre condições de higiene, até questões de atendimento, cobrança e exposição dos produtos, via Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio aos Micro e Pequenos Empresários). Para dar conta de tantos afazeres, Rizek explica que dividiu o departamento em duas equipes

(turismo e cultura), cada uma cuidando de assuntos específicos. A cultura ficou com a música, contratações de equipes de som, iluminação, entre outros; o turismo, com a reunião dos produtores, a definição de regras etc. Mesmo assim, Rizek conta que todas as ações adotadas em ambos os departamentos foram tomadas a partir de ampla discussão, da mesma forma que as sugestões. “A ideia da música era minha, mas todo mundo sempre trocou figurinha. Estávamos sempre ouvindo uns aos outros, organização e produtores”, diz. Essa dinâmica permitiu à equipe fazer ajustes, como o do som. Em um determinado ano, Rizek conta que o volume atrapalhou a conversa das pessoas e, com isso, a venda dos produtos. Com o ajuste, no ano seguinte, o problema deixou de existir, evidenciando a importância de reuniões de avaliação. Nesses encontros, os produtores escrevem em questionário tudo o que consideram positivo e o que entendem que possa ser aprimorado na edição seguinte. “O resultado disso era tudo publicado”, diz Rizek. São desses questionários, aliás, que saem os dados de volume de negócios realizados pelos expositores e divulgados ano a ano pela prefeitura e que incluem a quantia vendida de doces. Com base nas sugestões e na projeção de público - e visualizando as possibilidades -, Rizek agregou novidades ao evento. Em 2013, instalou uma cozinha móvel para que o público pudesse desenvolver algumas receitas. Dada a procura e o tempo de preparo, o projeto não persistiu nos anos seguintes. Contudo, na história da festa, vários momentos, somados, ajudaram a impulsionar a imagem dela e, por consequência, de Tatuí. Dois deles são emblemáticos e significativos: as presenças de Vera Holtz e do chef Lucas Corazza. “Criei essa ação para chamar a atenção para o evento”, conta Rizek. Segundo ele, a presença da atriz ajudou a projetar a festa e a do chef, a validá-la como evento gastronômico. Vera é

amante dos doces caseiros e, de acordo com Rizek, uma das figuras mais importantes a divulgar a produção local. “Toda vez que vem à cidade, ela leva uma mala de doces para a Globo, onde distribui. Ela é quem ‘vende’ (no sentido figurado) o doce de Tatuí”, explica. Pela iniciativa voluntária e dada a importância da atriz no cenário nacional, Rizek sugeriu aos produtores que encaminhassem um convite à atriz. Já Corazza chegou ao evento a partir de uma das produtoras, que havia feito curso com o doceiro. Ele recebeu o convite por ser um dos principais nomes do doce no Brasil. “Juntando tudo isso, o que nós conseguimos é entregar um produto de exportação da cidade. E é nessa direção que Tatuí precisa ir, temos que seguir para os dois lados (música e doces) para evoluir economicamente”, avalia. Ao olhar para os números, Rizek diz que a feira deve ser considerada como o “evento máximo” do município e argumenta que ela é mostra de que as políticas públicas precisam ser pensadas para longo prazo. Embora caminhando para o oitavo ano, o evento consiste em um produto novo e em transformação. “Eu queria um evento que não fosse de barraquinhas de cidade do interior. Quando começamos, pensei em uma feira de negócios, e é uma feira de negócios. As pessoas estão lá para vender produtos e criar clientes para o resto do ano”, diz. Por insistência, perseverança e por conhecer o potencial da tradição, Rizek apostou no evento que, atualmente, vem direcionando novos investimentos. De olho no público que vem ao município, a cidade registrou, por exemplo, expansão no setor hoteleiro. Outros setores, como o de insumos, também pegaram carona. “Quem soube crescer, cresceu. Penso que para tudo é preciso ter proposta boa e viável. Especialmente, é preciso que haja projetos que colaborem com os doceiros ao longo do ano, para que eles cresçam e não dependam somente da feira”, diz. Como Dom Quixote, Rizek enfrentou uma batalha de inimigos que ninguém enxergava, mas que, no caso dele, existiam. Onde todos viam moinho, Rizek viu oportunidades. Mas, a despeito do personagem de romance, ele teve outro final. “Eu acho que sim, sinto que venci o moinho, mas porque tive apoio de uma equipe grande, dos doceiros, do governo e da população, porque é um trabalho unificado. É uma somatória de forças”, conclui.


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Feira também viabiliza status de MIT e foca em qualidade Transição passa a investir cada vez mais na profissionalização, Na autonomia de doceiros e na expansão dos atrativos

CASSIANO SINISGALLI

Em cinco anos de existência, a Festa do Doce transformou-se, definitivamente, em feira. A edição que marcou a transição aconteceu em 2017, com processo focando na profissionalização dos produtores, no estímulo à autonomia e na expansão dos negócios. A mudança trouxe novidades, a começar pelo número de expositores. Dos 69 estandes contabilizados em 2016, no quarto ano, a feira pas-

sou para 50, no quinto. O público, no entanto, manteve-se por volta das 80 mil pessoas, no comparativo dos dois anos, significando, conforme o secretário municipal do Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, Cassiano Sinisgalli, que o foco fora fixado na qualidade e não somente na quantidade. Apesar de a alteração do nome ocorrer justamente em ano de transição de administração

municipal, Sinisgalli explica que o evento não trocou de nome por “capricho” da nova gestão. Segundo ele, não se tratou de decisão política, mas de um desafio. Basicamente, a troca aconteceu porque o objetivo central era a profissionalização e o aperfeiçoamento do sistema de realização da feira. “Quando nós assumimos, a feira era o nosso maior desafio. E eu, como fiz com todas as ações,

comecei a estudar como ela era realizada. O que me preocupou era como acontecia a seleção dos expositores participantes”, inicia. Por ter o formato de festa, o evento não dispunha de um edital de chamamento, por exemplo. Isso significava que muitos dos participantes não precisavam estar juridicamente estabelecidos (possuir um negócio propriamente dito) para ocupar os estandes. “Não precisava ser profissional da área”, sustenta. Como a ideia era aprimorar o evento, Sinisgalli passou a estudar novos mecanismos. A razão é que, sem estarem estabelecidos, nem na figura de MEI (microempreendedores individuais), os doceiros não poderiam participar de capacitações. De um lado, o formato engessava a administração que, na proposta vigente, não poderia restringir a participação de doceiros. “Bastava a pessoa interessada ir até a prefeitura para pagar taxa de utilização de espaço público”, conta o secretário. De outro, permitia amplo acesso a qualquer pessoa. “Mesmo se alguém fizesse brigadeiro de lata (pré-preparado), como não havia essa previsão, esse alguém poderia vender o produto, fugindo da nossa proposta”, acrescenta. Como o objetivo era padronizar a produção e garantir qualidade dos produtos comercializados, a secretaria resolveu adotar um critério de classificação. Para a mudança, precisou alterar o formato de festa para feira. Como evento de empreendedorismo, a feira mirou apenas produtores com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). “Pelo menos teria de ser MEI”, adiciona Sinisgalli. O requisito consta no primeiro edital de chamamento, publicado

em 2017, e na realização do evento em parceria com a Aprodoce (Associação dos Produtores de Doce de Tatuí), formalizada um ano antes, em 2016. Todo o processo aconteceu em sistema de cooperação, conforme Sinisgalli. Ele conta que, no início de 2017, reuniu-se com os associados para apresentar a proposta. “Muitos deles achavam que isso iria ser um fator de dificuldade, porque alguns teriam de conseguir preparar papeis, mas nós optamos por um sistema que não visasse burocratizar, mas, sim, qualificar”, defende. Sinisgalli acrescenta que a prefeita Maria José Vieira de Camargo havia determinado à equipe que queria investir no aperfeiçoamento do evento. Tanto que a preocupação, segundo o secretário, era que os produtores não dependessem somente da feira, mas fossem autossuficientes. “A ideia era que eles não esperassem o evento para ganhar dinheiro, mas que conseguissem utilizar a feira para novos contatos e divulgação”, adiciona. A proposta segue a linha de trabalho iniciado por Jorge Rizek, idealizador do evento. O turismólogo cita que, no decorrer da então festa, pelo menos uma das empresas participantes lançava novos produtos durante as edições. “Ela apresentava um doce novo por dia na feira. Quer dizer, utilizava a criatividade para aumentar o ganho e se projetar, testando a aceitação do público”, afirma. É justamente nessa rede de contatos (“network”) que Sinisgalli mirou as atenções da equipe. Segundo ele, mesmo com um número reduzido de expositores, a feira não deixou de crescer. Os indicadores di-

vulgados pela prefeitura dão um exemplo de como a feira se expandiu. Em 2018, por volta de 90 mil pessoas passaram pela Praça da Matriz no decorrer dos quatro dias. “Sempre tivemos certeza de que o nosso produto era bom. Como conseguimos melhorar os mecanismos de divulgação, deixamos a feira em evidência”, avalia. A cereja do bolo, para o secretário, veio com a continuidade do festival de música e das melhorias implantadas a partir de pesquisas de opinião. Além do nome, Sinisgalli propôs e efetivou mudanças no sistema de avaliação da feira. Implantou um totem digital, equipamento instalado em um quiosque de informações turísticas. Tanto visitantes como moradores passaram a opinar a partir de um questionário composto por sete perguntas, incluindo nome, idade e cidade de residência. As respostas são utilizadas para a formulação de melhorias e relatórios entregues posteriormente aos expositores. O evento também recebe, em todos os anos, exemplares do Guia Turístico e Gastronômico “Tatuí Cidade Ternura”. O impresso é cedido pelo jornal O Progresso, que edita a publicação desde 2016. Composto por 52 páginas, o material apresenta os pontos turísticos, as origens do reconhecimento de Tatuí como “Capital da Música”, “Cidade Ternura” e “Terra dos Doces Caseiros”. Na edição que compreendeu os anos de 2017 e 2018, a publicação agregou dados históricos e todas as categorias de bares e restaurantes, além dos maiores eventos anuais de cultura e lazer, na editoria classificados. Com o totem, Cassiano sustenta que a


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avaliação do público sobre os doces, a organização, a programação musical e os demais detalhes envolvendo a festividade são contabilizadas de maneira imparcial. Isso ocorre porque o público não sofre influência direta ou indireta de nenhum funcionário do setor, tendo total liberdade ao operar o totem. Outra vantagem é que a compilação dos dados é feita online e retransmitida pela empresa contratada quase que em tempo real. De posse dos resultados e gráficos, Sinisgalli promove reunião com os doceiros, que são cobrados e podem cobrar a administração a respeito de eventuais pedidos. “Antes e depois da feira, nós fazemos encontros com os produtores. Ao final, realizamos uma avaliação com todos eles, que também dão sua nota para que possamos fazer uma classificação do evento”,

descreve. O secretário entende ser necessário que a pasta municipal – e toda a equipe que trabalha na feira – passe por avaliação. E acrescenta ser a partir dos resultados que mudanças são adotadas e os resultados, divulgados para a imprensa. “São dados reais, repassados pelos produtores para nós das vendas, e, pelo que podemos verificar, os números só têm crescido”, complementa. Para estimular o público, animar os produtores e manter os números lá em cima, o secretário diz que a feira se molda aos acontecimentos. Em 2018, por exemplo, houve a transmissão ao vivo da partida entre a seleção brasileira e a Bélgica, pela Copa do Mundo da Rússia; no ano seguinte, o jogo transmitido foi o da final da Copa América, entre as seleções do Brasil e do Peru.

As novidades renderam a Maria José o selo de Prefeita Empreendedora, oferecido pelo Sebrae, em 2017. O mesmo prêmio fora emitido ao ex-prefeito José Manoel Corrêa Coelho, Manu, pelo estímulo aos micros e pequenos empresários e pelo incentivo à

criação de uma associação de produtores. A ideia de criação da Aprodoce, aliás, era a de torná-la responsável pelo evento. Em função da complexidade, no

entanto, os associados optaram por manter o evento sob o aval do Executivo. Sinisgalli explica que os doceiros manifestaram, em 2017, a vontade de se responsabilizarem pela feira. Contudo, depois de avaliarem a tarefa, desistiram. “Quando nós entramos, recebi o presidente e alguns representantes da associação, e eles até colocaram a opção de realizar toda a feira, com a prefeitura dando apoio. Eu aceitei, e coloquei um prazo para que os doceiros pudessem se organizar e viabilizar, mas acabou não sendo possível”, descreve. Segundo Sinisgalli, caso optasse por realizar o evento, a Aprodoce teria de se responsabilizar pela captação de recursos, angariar patrocinadores e contratar os serviços necessários. Nesse modelo, a prefeitura cederia o espaço e daria apoio

por meio dos departamentos de Turismo e Cultura, Departamento Municipal de Trânsito e Mobilidade Urbana e Guarda Civil Municipal. “Só que eles não conseguiram cumprir o cronograma. Então, os associados acharam por bem manter tudo como estava, porque muitos tinham outros afazeres, além de se preocuparem com a produção dos doces para a feira”, explica o secretário. Embora entenda não ser o momento adequado, Sinisgalli diz que a intenção de repassar o evento para a entidade persiste. O secretário avalia a proposta como “muito interessante”. “Gosto muito dessa ideia, principalmente, porque fortalece a entidade e porque o evento perdurará independente da gestão”, diz. Na receita atual, a prefeitura fica encarregada de atender a todas as demandas da Aprodoce. A associação, por sua vez,


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auxilia na captação de recursos, por meio de patrocinadores. “O que a prefeitura consegue de apoio vai tudo para a associação e ela, com esse dinheiro, consegue nos ajudar ainda mais”, conta. Os sócios doceiros ficam responsáveis pela escolha e catalogação dos doces a compor as edições de cada ano. Também verificam a necessidade de atualização do edital de chamamento, utilizado para selecionar os participantes. Os inscritos são escolhidos com base em um sistema de pontos, conforme detalha o presidente da Aprodoce, Luciano Rocha Lima. Os 50 melhores pontuados são declarados aptos a participar, seguindo com o pagamento de taxa de concessão. A prefeitura, por sua vez, conduz todo o processo de seleção e realiza entrevista com o pessoal selecionado para a pontuação final. Também oferece, a todos os participantes, associados ou não, de quatro a cinco palestras. As atividades servem para que os novatos conheçam a dinâmica do evento, como funciona o festival musical e como é feita a captação de patrocínios. As empresas que colaboram com a feira podem, caso queiram, ocupar um espaço para expor seus serviços ou produtos. “Mas só pode expor, não pode vender. A venda é restrita aos doceiros participantes e associados”, conta Lima. Segundo ele, com o dinheiro obtido via apoio, a Aprodoce ajuda a prefeitura a pagar alguns dos custos do evento, como músicos e bandas. Em 2019, por exemplo, parte dos recursos levantados pelos associados foi utilizada para pagar os custos de um dia do gerador de energia. O equipamento é contrata-

do para ser utilizado em caso de interrupção do fornecimento. Outra parte das verbas é empregada em decorações e premiações. A meta da secretaria, conforme Sinisgalli, é que a associação possa oferecer cursos de aperfeiçoamento aos associados no decorrer dos meses. “A Aprodoce nos ajuda muito na construção do evento, a cada ano. Acho que essa é a importância dela, porque há diálogo que permite tudo dar certo”, afirma. Da parte da prefeitura, a dinâmica da capacitação já é realizada. Sinisgalli acrescenta que o Executivo manteve as atividades preparativas, iniciadas em 2013. Elas são realizadas no mês que antecede ao evento, no Centro Cultural Municipal. No novo formato, a secretaria acrescentou noções de marketing e cuidados com segurança. Neste ano, outros cursos “mais aprofundados” seriam ministrados. “Acontece que veio a pandemia e precisamos interromper”, revela o secretário. Para ele, o empreendedorismo é o caminho para a expansão do mercado doceiro e do turismo, como consequência. Sinisgalli diz que a administração acredita que, ao promover a especialização, os doceiros poderão cada vez mais constituir suas empresas e, a partir delas, gerarem novos empregos. “Muitas pessoas que começaram pequenas na feira, hoje, já têm seus empreendimentos abertos na cidade. Um exemplo disso é que, depois da criação do evento, houve uma ampliação no setor doceiro. Quem antes fazia em casa e vendia de porta em porta agora está estabelecido como comércio”, pontua. Diante do cenário atual, a

tendência é que as vendas permaneçam, mas no ambiente virtual. Essa é a razão pela qual Sinisgalli tem insistido na capacitação e no uso das ferramentas digitais para que o doce fique cada vez mais conhecido como produto. Esse tipo de divulgação ajuda não só o produtor como o município, uma vez que a Secretaria de Estado de Turismo olha para os números do evento e para o alcance do “trade turístico”. Visando estabelecer um diálogo mais próximo com o estado, Sinisgalli aponta que a administração já trouxe, para a feira, representantes do governo paulista e da Amitesp (Associação dos Municípios de Interesse Turístico do Estado de São Paulo). “Temos um diálogo muito aberto com todos esses órgãos e, hoje, tanto o doce como a música estão elevando Tatuí igualmente”, avalia. Uma noção da importância da feira pode vir do papel que ela ocupou para a elevação de Tatuí a MIT (Município de Interesse Turístico). Sinisgalli classifica que o evento foi extremamente importante para que a cidade recebesse a nomenclatura e, com ela, recursos que variam da ordem de R$ 300 a R$ 500 mil. De acordo com ele, a feira não foi a única responsável pela elevação, mas contribuiu, e muito. O secretário argumenta que a conquista é fruto de um trabalho que perpassou pelo Comtur, com colaboração da equipe do Departamento de Turismo e Cultura, mais a expertise de Rizek. Para se ter noção, a prefeitura não precisou contratar empresa particular para desenhar o projeto do evento, dado o suporte de dois turismólogos da pasta, Jean Vinicios Sebastião e Rafael Halcsik Couti-

nho. Os servidores também prepararam a documentação. “Eles começaram e nós continuamos”, aponta. Tatuí é MIT desde 31 de maio de 2017, fazendo parte do primeiro lote de municípios beneficiados. Sinisgalli argumenta que, embora a feira tenha importância econômica, a cidade ganhou o título por despontar também na música. “Não podemos esquecer que o Conservatório é uma referência internacional”, salienta. Dessa maneira, a Feira do Doce entrou em uma das várias características de Tatuí. Pelo número de visitantes e volume em negócio gerado, deu origem a um novo potencial comercial. “Hoje, ela tem amplitude regional e impacta no resultado que deveremos ter na disputa para sermos estância turística”, avalia. Por lei, três municípios de interesse turístico serão elevados a estância, e três estâncias devem retroagir. Sinisgalli crê que a cidade tem grande potencial para “subir”. “A prefeita está embelezando a cidade, está melhorando a infraestrutura, finalizou a UPA (unidade de pronto atendimento) e ampliou a UTI (unidade de terapia intensiva). Tudo isso conta, não só se a cidade tem alguma beleza natural, uma praia, ou um pórtico de entrada”, enfatiza o secretário. Outros quesitos avaliados são o meio ambiente, o saneamento básico e a capacidade de receber os turistas, pelo setor de alimentação e hoteleiro. “Extraoficialmente, ouvi que mais cidades poderão ser elevadas a estância. Mas só sobem as que têm potencial turístico consolidado. Vejo que, para nós, a Feira do Doce vai ajudar. É um ganho que estaremos tendo”, argumenta.

Junto com a feira, Tatuí prepara-se para incluir, no programa de ações visando ao crescimento turístico, o MIS (Museu da Imagem e do Som). Como “pontos adicionais”, a cidade promoveu recentemente o restauro de estatuas dos seresteiros, da praça Martinho Guedes e da Capela do Bemfica. A praça, aliás, seria utilizada para novos eventos no início do ano. No entanto, Sinisgalli afirmou que, por conta da pandemia, o projeto precisou ser suspenso. Segundo ele, o cenário do município para disputa à posição de estância estará muito melhor que em 2017. “Muito fácil: naquele ano, não tínhamos duas pontes”, lembra. Tatuí também terá, para adicionar à feira, a sinalização de padrão internacional. As placas turísticas estão entre as diretrizes cumpridas do PDT (Plano Diretor de Trabalho) de turismo, critério essencial na avaliação do governo para o ranqueamento dos municípios a serem beneficiados. “Estamos fazendo nossa lição de casa. A prefeitura trabalha em conjunto com o Comtur para seguir o plano, e acredito que tudo isso vai somar”, acrescentou. Embora não seja o item fundamental para Tatuí virar estância, a Feira do Doce tem grande papel na arrecadação do município. Pela importância econômica, o evento, na perspectiva do secretário, está mais que consolidado. “É impossível pensarmos hoje em Tatuí sem a Feira do Doce. Só é possível não a realizar em uma pandemia e em caso de calamidade pública, como enfrentamos. Mas, acho impossível um gestor não a realizar, por ser um evento muito aguardado, que tem proposta de resgate, como é o Carnaval”, encerra.


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Juntos para ‘não deixar morrer’ Criada em 2016, Aprodoce surge como força coletiva e quer ter 50 Ao final de 2016, produtores do município decidiram somar forças. Incentivados pelo idealizador da então Festa do Doce, o turismólogo Jorge Rizek, os doceiros deliberaram sobre a possibilidade de formar uma força coletiva. Nascia a Aprodoce (Associação dos Produtores de Doce de Tatuí). O grupo tinha como meta principal “não deixar a festa morrer”, conforme o presidente Luciano Rocha Lima. Mas não só isso: também buscava a criação de um futuro sistema de compra coletiva, para baratear os custos da produção e dar mais competitividade aos associados, além da criação de uma

padronização na qualidade dos produtos. Em um primeiro momento, os doceiros optaram por dar vida a uma associação porque temiam a não continuidade da festa. Com a possibilidade da interrupção do plano de governo, uma incerteza tomou conta dos doceiros. Naquela altura, contudo, os doceiros e boa parte dos comerciantes do município sabiam do potencial turístico e econômico da festa. “Foi aí que vimos que daria para nos juntar e que, somando forças, construiríamos uma ação mais forte”, conta Lima. Apartidária, a Aprodoce tem

planos de crescer no número de associados e, a partir daí, assumir totalmente a realização da agora Feira do Doce. “Queremos que o evento continue, independentemente de quem estiver na administração da cidade. É bom para o município inteiro, não só para quem vende lá”, sustenta. De momento, a prioridade do grupo é a preocupação com o padrão de qualidade dos doces, além de somente permitir a participação na feira das pessoas que compõem a entidade. Isso para “evitar riscos”. Se parte dos expositores não tiver experiência com a produção, pode ocorrer de os produtos terem qualidade baixa e sem

LUCIANO ROCHA LIMA


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sabor característico. Quando isso acontece, o resultado pode causar má impressão no consumidor. “Só que ele não vai falar que o doce de tal estande é ruim, ele vai generalizar e dizer que o doce da feira é ruim”, argumenta. Daí a necessidade de ser instituído um edital de chamamento, razão principal da transformação da festa em feira. Com o processo seletivo, somente doceiros “natos” ou que trabalhem com a produção podem participar. Embora restritivo, Lima defende a manutenção do sistema de avaliação. O presidente frisa que a questão primeira não está no fato de o doceiro ser ou não de Tatuí, mas na preocupação com a qualidade do produto ofertado. Outra vantagem da adoção de critérios para escolher os doceiros que participam da feira é que, como eles têm empresa constituída, contribuem com impostos que retornam para os munícipes e podem gerar emprego. “Não existe mais o risco de alguém vir ‘de fora’, se aventurar, alguém que não tenha vínculo nenhum e não agregue nada ao município”, diz Lima. Todas essas questões foram levadas em consideração em uma das reuniões preparatórias da edição 2016. Os doceiros participaram de encontro com a equipe da prefeitura e tomaram conhecimento de que havia a possibilidade da formação de uma associação. A escolha do nome ficou a cargo de Rizek, que orientou o grupo sobre as possibilidades de ação, particularmente de representatividade. Atualmente, a Aprodoce conta com 16 associados. O objetivo é chegar a 50, número total de expositores que o grupo entende ser viável para a realização da feira, em função da localização. Em um primeiro momento, contudo, alguns dos produtores resistiam à ideia de ter compromissos extras ou quanto ao fato de precisarem fazer investimentos.

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Uma parte também não compreendeu bem a proposta. Além disso, os doceiros precisaram lidar com processos que não faziam parte do cotidiano deles. Entre os quais, como funciona um estatuto, quais etapas burocráticas precisam ser cumpridas para o registro da instituição e a mensalidade. Para os primeiros encontros como Aprodoce, os doceiros contaram com apoio de colaboradores. O grupo aprendeu, assim, a produzir uma ata, a instituir – e incluir nos encontros – a lista de presença, entre outros itens. Pelos obstáculos, o presidente revela que a diretoria pensou em desistir. Contudo, com a persistência dos membros e ajuda externa, a entidade se fortaleceu. “Hoje, nós já conseguimos caminhar com as próprias pernas”, salienta. Como associação, a Aprodoce tem vários planos - por enquanto, futuros. A organização é nova e, até que cresça em número de membros, não tem condições de cobrar uma mensalidade muito elevada. Desta forma, fica limitada à manutenção da instituição, com custos de escritório. “Sobra muito pouco para outras ações, mas pretendemos, um dia, realizar totalmente a Feira do Doce. O problema é que isso exige muito dinheiro e nós, no momento, não temos”, explica. Lima diz ainda que, mesmo que assuma o evento, a associação não deixará de ser parceira da prefeitura e do Conservatório. A escola de música, artes cênicas e luteria, por exemplo, tem parte de seus grupos realizando apresentações musicais na programação da festividade. Outra meta, mais próxima e que independe de recurso, é a elevação do número de sócios. A Aprodoce quer chegar à casa dos 50, número considerado ideal de estandes. Com isso, 100% dos recursos levantados pela instituição com os patrocínios seriam empregados para beneficiar os associados. O dinheiro arrecadado pela Aprodoce ajuda tanto quem integra a instituição como

os demais doceiros não associados. A distribuição dos recursos, com isso, acontece de maneira disforme. Futuramente, é esperado que a entidade possa realizar compras conjuntas, tanto para utilização na feira como para o preparo de doces ao longo do ano, aumentando, assim, a capacidade produtiva. O primeiro passo nesse sentido, no entanto, deve ser com cursos de capacitação. A equipe da instituição precisa, primeiro, aprender como funcionam os processos. “Para tudo isso, precisamos de dinheiro. Nós ainda somos pequenininhos, estamos engatinhando. Temos muito o que aprender, mas estamos sempre vendo as possibilidades que a associação permite aos seus membros e os limites dela”, diz. Uma das primeiras a aderir à proposta de união, Ariete Poles de Campos produz doces caipiras. Ela ingressou na Aprodoce como vice-presidente e, atualmente, integra a diretoria como conselheira. “Fui trocando de posições, porque dá muito trabalho dedicar-se às tarefas que a associação exige”, conta a doceira. Para ela, a maior contribuição da instituição – como ainda não tem autonomia financeira – está relacionada à união. Ariete diz que, por pertencerem a um grupo que tem os mesmos interesses, os doceiros sabem que correm menos riscos, uma vez que todos estão caminhando na mesma direção. “O mais importante disso é que é uma união e não uma competição”, destaca. Ariete ressalta, ainda, que, como segue regras em comum, o grupo consegue atingir um padrão de qualidade não só na produção, mas nas condições dela, o que impacta diretamente na higiene e sabor do produto. Além das boas práticas de fabricação, os associados participam de atividades visando melhorar a manipulação, a exposição e o atendimento ao cliente. “Temos que entender que

existem pessoas muito boas na fabricação, mas que não têm muita noção na parte da exposição, visando à comercialização. E, como elas fazem de forma errada, acabam não vendendo na feira”, aponta. Quando o doceiro com esse tipo de dificuldade é associado, ele recebe suporte dos membros e de profissionais contratados pela Aprodoce para trazer orientações. Para ingressar na Aprodoce, entretanto, o interessado deve passar por um “processo de seleção”. Não basta, segundo a conselheira, pagar as “luvas”, como é chamada a taxa de adesão. É preciso que o produtor primeiro escolha o doce que melhor represente o ramo de produção e, depois, submeta o produto à apreciação dos associados. Sócios do mesmo ramo de doce ficam encarregados de provar as amostras para, então, aprovar o ingresso ou reprovar. “Cada membro experimenta e analisa o produto para ver se ele está de acordo com os critérios de sabor, qualidade e apresentação”, descreve Ariete. De acordo com ela, o rigor precisa existir para que uma das metas da instituição se cumpra: a de atrair 50 associados. Uma vez fechado esse grupo, uma nova pessoa só poderia ingressar com a desistência de outra. “Não temos como aumentar tanto, porque a ideia não é quantidade, mas qualidade”, diz. Atualmente, os sócios se reúnem de três em três meses. Os encontros não são mensais, em função da demanda dos sócios. Ariete explica que os encontros costumam acontecer com mais frequência nos meses que antecedem a feira, por ser ela o foco principal da entidade. Para o ano que vem, a proposta da diretoria é que os associados possam se encontrar mais vezes. Essas reuniões terão como objetivo deliberar sobre possíveis participações em eventos fora do município, como a Fenadoce (Feira Nacional do Doce), que acontece na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul.

O caderno especial “TERRA DOS DOCES CASEIROS” é uma publicação comemorativa aos 194 anos de emancipação política de Tatuí Editor IVAN CAMARGO Reportagem CRISTIANO MOTA Projeto gráfico e diagramação ERIVELTON DE MORAIS Arte-final ALTAIR VIEIRA DE CAMARGO Revisão ANA MARIA CAMARGO DEL FIOL

O evento, criado em 1986, é organizado pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Pelotas e consiste em uma multifeira (com venda de doces e programação musical), realizada anualmente entre os meses de maio e junho. Além da Feira do Doce, o grupo teve uma nova experiência no ano passado, quando participou, com estandes, do Encontro de Veículos Antigos, promovido pelo Antigomobilismo Clube de Tatuí. Para Rizek, a associação deve investir, também, na criação de oficinas criativas, apostar na capacitação por meio de doceiros renomados e em cursos que ajudem os empreendedores a crescerem pessoal e profissionalmente. “Da parte dos doceiros, eles também precisam, cada vez mais, pesquisar sobre os doces que são originais daqui, de Tatuí, seguindo cada um com sua receita”, avalia. O presidente da Aprodoce conta que a viabilização de um centro de eventos também está nos planos da entidade. Contudo, diz que, para a proposta sair do papel, é preciso investimento alto, que teria de vir ou do poder público, da iniciativa privada ou, então, de somatória de forças com a entidade. Uma vez instalada em um centro de eventos, o número de estandes da feira poderia aumentar. Conforme o presidente, a instituição – em conjunto com a prefeitura – optou por limitar a quantidade de expositores para não prejudicar a locomoção do público. Em um dia, segundo Lima, a feira chega a registrar 20 mil pessoas. No período da noite, o número de visitantes dobra. É também para garantir a segurança do público que a medida restritiva é adotada. A ideia da associação é que um futuro centro de eventos possa ser utilizado para abrigar outras festividades, como um rodeio, ou receber grandes shows musicais. “A Feira do Doce pode ser a maior do Brasil, mas só se tivermos um recinto apropriado. E nós temos tudo para evoluir”, avalia Lima.

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Do fogão a lenha até o industrial Doceiros buscam resgatar receitas; fábricas simulam jeito artesanal Um tacho, frutas, açúcar, uma colher para misturar os ingredientes e apurá-los e um olho no fogo. Do processo artesanal à industrialização, pouca coisa mudou na fabricação dos doces caseiros em Tatuí. Na terra de “Paulo Setúbal”, a tradição que data de 1950, segue falando mais forte quando o assunto é adoçar a vida. Por aqui, a fabricação de doces caseiros ganhou projeção pelo trabalho de personalidades. A mais famosa delas – e referenciada sobre o assunto – é a doceira Berlarmina de Campos Oliveira, a dona Berlarmina. É unanimidade atribuir a ela a receita que viria a compor o doce patrimônio da gastronomia local. “Ela quem criou o ABC, feito com abóbora, batata-doce (roxa ou branca) e cidra”, recorda o idealizador da Feira do Doce, Jorge Rizek. Puxando pela memória, o turismólogo conta que a doceira trabalhava em um sobrado, na rua 15 de Novembro. Era de lá que ela produzia os doces ABC, iguaria que caiu no gosto dos tatuianos e figurou – e figura até os dias atuais – como um dos principais presentes dados a quem visita o município. É daí também que se reforça o caráter receptivo de Tatuí que, mais tarde, veio a garantir à cidade o título de “Cidade Ternura” - termo que teve origem em artigo publicado pelo jornal O Progresso em outubro de 1934, assinado pelo jornalista Osmar Pimentel. No texto, ele destaca a fama da hospitalidade local, adjetivando o município pela “doçura” de seu povo. Produto genuinamente tatuiano, em pouco tempo, o ABC tornou-se um dos mais consumidos. A receita ganhou fama ao ser “exportada” para a capital. “Segundo a história, as pessoas leva-

vam o doce para São Paulo para presentear parentes, amigos. E isso ficou uma tradição”, lembra Rizek. Do ABC, dona Berlarmina passou a apostar em outros doces. E a cidade, a consumir cada vez mais produtos que traziam o açúcar como ingrediente principal. Dentre eles, os bolos de casamento e aniversário feitos por Idalina Rocha Brandão, a dona Lucha. No começo dos anos 80, o leque ampliou-se com as balas de coco produzidas por Maria Aparecida Oliveira Barros, conhecida como Cida do Zezico; e cresceu em nível sem precedentes com os fios de ovos e quindins fabricados por Celina Berti de Barros, vendidos para grandes redes atacadistas. “A cidade tinha outros doces. As pessoas faziam marmelada, que hoje ninguém faz mais; goiabada de tacho, doce de figo açucarado. Mas, a grande força da cidade foram os doces ABC, criados para serem exportados”, destaca Rizek. Buscando seguir essa linha de produção, Ariete Poles de Campos criou uma marca própria. Ela é especializada em fabricar doces caipiras. “Sempre me interessei por doces, porque tive uma irmã primeira – já que somos de uma família de 11 filhos e eu sou a nona. Ela fazia muitos doces, mas para nosso consumo. Minha mãe e meus avós paternos e maternos também adoravam fazer muitos doces, e eu cresci xeretando na cozinha”, conta. Desde pequena, Ariete teve curiosidade em saber como eram produzidos os doces. Embora nunca tenha de fato, na infância, produzido uma geleia ou compota. Na fase adulta, ela e os irmãos tomaram outros rumos, mas a vontade de trabalhar com a cozinha fez com que, dos irmãos, a

doceira é que voltasse às origens. “Comecei há dez anos, mexendo um pouco aqui e ali, e deu certo”, relata. A empresa de doces dela conta com a ajuda dos filhos e do marido, que se revezam nas tarefas. Pa r e n t e s , amigos e vizinhos tornaram-se os primeiros clientes. “Comecei oferecendo de presente e, com o tempo, as pessoas passaram a fazer pedidos, eles foram aumentando e isso virou um comércio”, diz. Descendente de italianos (os avós paternos e maternos dela são oriundos da região de Nápoles, na Itália), Ariete ressalta que os doces que produz não têm nada a ver com as receitas europeias. A doceira dá preferência para os tipicamente regionais, como o doce de abóbora, feito em um tacho adaptado. Segundo Ariete, o doce de abóbora é típico da região. A doceira aponta que, apesar de a iguaria aparecer em outros locais, a receita que utiliza é tatuiana. “Sempre fui apaixonada por doce caipira. Não desmerecendo os outros tipos de doces, mas acho que os artesanais são os doces genuínos, preparados com ingredientes que você pega da terra, sem adição de química”, avalia. Para a doceira, o mais importante da receita caseira é acompanhar as fases de transformação do alimento, desde o plantio, passando pela colheita até a finalização. “De uma abóbora, que pode dar em qualquer lugar com terra, eu sempre cito que é possível fazer de pães até pratos finíssimos, sem contar o ABC”, diz. No caso do doce de abóbora cristalizado, Ariete conta que a receita dela é baseada em uma lembrança da infância. Quando menina, ela e um dos irmãos costumavam comer o doce produzido pelo proprietário de padaria situada na rua Capitão Lisboa, em frente ao campo do São Martinho Futebol Clube. Ela também buscou a mesma referência para a receita de pão doce. “Voltei ao passado e tentei fazer um produto que se aproximasse na aparência e no sabor. Creio que o resultado é bem próximo do que era”, descreve. Outros dois produtos caipiras “resgata-

dos” pela doceira são a cocada assada e a queijadinha – este último, oriundo da culinária portuguesa. “Faço esses doces da mesma maneira que eles eram feitos há mais de 50 anos”, conta. As receitas originais pertenciam à família Orsi, que chegou a ser proprietária de uma padaria. Ariete recebeu a lista dos ingredientes e o modo de preparo de um dos membros da família, já falecido, e que se casara com a irmã do marido dela. Para Ariete, as vantagens de se fazer doce seguindo as “regras antigas” estão no sabor e no fato de as receitas serem mais saudáveis. Não só porque são feitas com produtos do campo, mas por não utilizarem corantes e conservantes. Embora tenha um tempo de consumo menor, Ariete explica que a aceitação desses produtos é maior por parte dos consumidores. Tanto que a empresária está inserindo em produtos orgânicos, como um diferencial. “Muitas vezes, os doces têm muita gordura, glacê e beleza, são doces lindos, que dão até dó de desmanchar para comer, mas que, na verdade, não têm sabor”, argumenta. Para a doceira, esta é a vantagem das receitas tipicamente caipiras e do principal doce tatuiano, o ABC. Além disso, ao optar por essa linha, os doceiros estimulam o desenvolvimento do agronegócio local, uma vez que, para produzir as receitas de “modo antigo”, os insumos devem vir essencialmente do campo. Como o hábito dos doceiros mudou ao longo dos anos e a agricultura local passou por transformações, Ariete explica que muitos produtores podem ter dificuldades, em um primeiro momento, para conseguir os ingredientes. Para driblar essa adversidade, a doceira produz, no sítio dela, os próprios insumos. “Não consigo cultivar 100% do que preciso, mas boa parte”, diz. Na propriedade, Ariete planta - com apoio do marido e dos filhos - cenoura (utilizada em bolos e pães), laranja (tanto para fazer

doce em pétala como para geleia), figo, cidra, abóbora, mandioca, pitanga, amora e limão. O fruto cítrico tem a função de ajudar na conservação do doce, em substituição ao aditivo. Para fabricar geleias, a doceira cultiva maçã, pimenta e cebola. Também comercializa doces de pote, como mamão e outras três frutas, goiabada em calda, doce de leite em pasta e ambrosia (doce de leite de origem portuguesa). A lista inclui os chamados doces secos: quindim, cocada e bombocado. Ariete conta que começou a fazer doces primeiro, em seguida, veio a aquisição do sítio e, posteriormente, o plantio de frutas, verduras e legumes orgânicos. O trabalho deu tão certo que, como resultado, a propriedade obteve o certificado orgânico, fornecido pela OIA (Organização Internacional Agropecuária). Embora boa parte dos ingredientes seja composta de produtos orgânicos, a empresária salienta que os doces ainda não podem ser certificados como tal. Isso porque a doceira utiliza açúcar, processado industrialmente. Além disso, alguns dos produtos utilizam frutas não encontradas no município, caso do coco. Os doces feitos pela empresária são despachados para várias partes do país. Ariete conta que, mesmo antes da pandemia, já “exportava” a produção pela internet. Atualmente, por conta da Covid-19, as vendas online aumentaram e possibilitam a consumidores de diversos locais a oportunidade de degustarem os produtos. Entretanto, somente uma pequena parte vai para longe. O motivo é que os doces são perecíveis e, como não possuem conservantes, não podem ser despachados para roteiros que demandem dias. Ainda assim, os produtos dela já alcançaram grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. É por essa razão que a doceira, por exemplo, não quis abrir para revendas. Segundo ela, os produtos não podem ficar muito tempo armaze-


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nados e, por serem fabricados sem aditivos químicos, não poderiam ser acondicionados em qualquer lugar. “Essa é uma etapa do processo que eu não controlaria. Eu não saberia como a pessoa faria o armazenamento, por isso limitei”. Outro fator que dificulta o aumento da produção é que os doces seguem a linha 100% artesanal. Ariete justifica que seguir a receita não é somente aplicar o que está orientado, mas manter um costume. Por essa razão, fabrica doces seguindo o modelo tradicional. “Não estou desmerecendo a indústria, de maneira alguma, porque ela é quem traz o progresso, mas o público que se interessa por doces caseiros é formado por pessoas que estão preocupadas com o bem-estar”, avalia. Segundo Luciano Rocha Lima, proprietário de fábrica de doces, o uso de produtos naturais e a manutenção de receitas caipiras são os diferenciais do produto tatuiano. A família dele começou no ramo em 1967, com a produção de doces ABC e o pingo de leite. Desde en-

tão, Lima conta que o processo de fabrico pouco mudou. De acordo com ele, mesmo na indústria, onde a linha de produção é maior e mais ágil, o rito é o mesmo. As frutas são selecionadas manualmente, depois, lavadas e descascadas. De lá, seguem para os tachos de inox, onde vão ao fogo para acontecer o cozimento e a mistura com o açúcar. “O que mudou de lá para cá são coisas mínimas. Por exemplo, o tacho hoje é de inox, antigamente, era de cobre. Todo o processo segue o mesmo”, ressalta. De acordo com ele, há, somente, sutilezas entre o processo manual e o industrial. Entre elas, o fato de que as doceiras tradicionais utilizavam madeira para acender o fogo. O cozimento atualmente se dá em fogão industrial. Além disso, no processo manual, o doce precisa ser misturado com a mão. No industrializado, a massa formada pela fruta é misturada automaticamente. Contudo, o segredo ainda continua no processo de fabricação.

Lima revela que, para aproximar o produto feito em fábrica do preparado em casa, a empresa busca alternativas. Uma delas é que, para simular a diferença de temperatura entre a lenha e o gás, a quentura do fogão no modo industrial é baixada ou aumentada por funcionários, de forma a imitar a variação da chama. Além disso, os equipamentos que fazem a mistura automática dos doces são calibrados para simular o movimento das mãos do doceiro. “Nós tentamos reproduzir o fogo e a programar a máquina para que ela possa bater como se alguém estivesse preparando manualmente o doce. Esse é o segredo”, diz. No caso do doce caseiro, a receita para um bom produto está no equilíbrio entre a sacarose (açúcar feito a partir da cana-de-açúcar) e a frutose (açúcar das frutas). A dica é adoçar o produto sem fazer com que

ele perca o sabor da fruta. Da década de 1950 para cá, quando o doce caseiro passou a ser um negócio rentável em Tatuí, Lima reforça que houve poucas alterações no fabrico. Mas um deles diz respeito à compra dos insumos. As frutas, por exemplo, precisam ser encomendadas com antecedência, o que não ocorria na época por causa da diversidade produtiva da cadeia do agronegócio local e da região. Além disso, naquele período, a demanda era menor, pois havia menos doceiros.

Para se destacar no mercado atualmente, os doceiros precisam apresentar novidades. “É preciso sempre ter algo diferente, um produto muito bem feito, algo que as pessoas busquem e se identifiquem”, aconselha. O restante do segredo para se manter no ramo competitivo, conforme ele, fica por conta da apresentação do produto e da “simpatia” do doceiro junto ao público.

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Feira milionária adoça a economia Maior evento turístico da Terra dos Doces Caseiros soma R$ 1,5 mi em 4 dias Os doces caseiros em Tatuí são um negócio milionário. Somando o volume registrado oficialmente pelos expositores – que no ano passado atingiu R$ 840 mil – com as vendas de outros setores do comércio do entorno da Praça da Matriz, a arrecadação durante o período do evento pode bater a casa de R$ 1,5 milhão. As estimativas são do secretário municipal do Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, Cassiano Sinisgalli, e do presidente da Aprodoce (Associação dos Produtores de Doces de Tatuí), Luciano Rocha Lima. Para o secretário, os núme-

ERIC PROOST

ros são prova de que o evento vem apresentando uma crescente. De acordo com ele, o dinheiro movimentado na feira e a partir dela são revertidos em benefício de toda a cidade e não somente dos produtores. “A nossa expectativa é que ele ultrapasse a marca de R$ 1,5 milhão, porque é preciso verificar que os outros setores acabam lucrando. O doce é um setor muito importante para Tatuí, com certeza, porque atrai recursos, turistas, gera renda e emprego e eleva a imagem do município aos investidores”, argumenta. Considerando a quantidade de pessoas em circulação na cidade, que sempre ficou acima de 50 mil passantes, Sinisgalli diz que o lucro é dividido. Além de gastar nos estandes, parte das pessoas frequenta bares, restaurantes, lanchonetes e pizzarias. “Em todo o comércio, ao passarmos nos quatro dias para fazer um levantamento, é possível ver que eles ficam lotados”, afirma o secretário. Anualmente, Sinisgalli explica que realiza pesquisa informal junto aos proprietários dos estabelecimentos. Em todos elas, de acordo com o secretário, a resposta sobre o movimento dos negócios é “sempre po-

sitiva”. Sinisgalli conta que a procura aumenta até mesmo por estacionamentos na região central. Esses estabelecimentos costumavam ficar fechados em determinados dias do evento, em especial na data comemorativa de 9 de julho. Desde 2014, a feira é promovida nesse, abarcando o feriado prolongado. A pedido de Sinisgalli, alguns proprietários dos estacionamentos começaram a abrir no feriado para facilitar o deslocamento e acesso dos visitantes. “Alguns empresários duvidavam que seria lucrativo, mas, depois que fizeram a experiência, me contaram que, durante todos os dias, ficaram lotados”, relata. Eric Proost, presidente da ACE (Associação Comercial e Empresarial) de Tatuí, reforça a importância do evento para o comércio do município. Na avaliação dele, a feira consiste em um calendário da gastronomia da cidade criado para impulsionar o turismo. Proost destaca ser a feira conhecida regional e nacionalmente, “consolidando os doces caseiros como produto tipo exportação”. O empresário lembra que houve investimentos das administrações municipais no setor e que, a partir de um conjunto de ações, o turismo tem registrado crescimento. Proost ainda lamenta o fato

de a feira ter sido adiada por causa da pandemia causada pelo novo coronavírus. “Não sei se será realizada neste ano, mas o que eu posso dizer é que ela é muito importante, não só para empresas de alimentação, mas do comércio em si”, aponta. De acordo com o empresário, é preciso destacar um efeito de longo prazo da festividade. Ao visitar o município, uma parte considerável dos turistas retorna. Uma vez na cidade, eles passam a gastar em outros estabelecimentos, movimentando a economia. “Quem vem conhecer o doce, acaba vindo a Tatuí durante o ano inteiro e procurando lojas especializadas”, diz. No município, Proost lembra que os turistas não só buscam alimentos. “Quando falo em comércio, falo em algo abrangente. A pessoa vem, abastece em posto de combustível, compra em uma farmácia, acaba vendo um sapato, uma blusa, pode até levar flores, enfim, até em agência de viagens”. Nas agências, Proost explica que a procura é por pontos turísticos. Segundo ele, muitos visitantes buscam os locais para obterem referência sobre quais espaços ir. Pela cadeia que movimenta, o empresário argumenta que os doces caseiros são essenciais para a economia da cidade manter-se aquecida.

“O turismo estimulado pela feira gera emprego, impostos, riqueza para a cidade. E entendo que o evento é uma ação que vai se perpetuar por muito tempo, porque o doce é um produto que as pessoas gostam e consomem sempre”, avalia. Para o presidente da associação, o doce é, ao lado da música, o maior cartão de visitas da cidade. E um dos mais requisitados quando o assunto é presentear. “A população em geral tem de acabar enxergando que o turismo está muito ligado aos doces e que eles são resultado de uma tradição do passado que permeia o presente e pode nos conduzir a um futuro melhor”, complementa. Além do comércio, o presidente da Aprodoce menciona que a Feira do Doce traz recursos para o município, por aumentar a arrecadação de impostos e tributos locais. “Existe um retorno para os munícipes”, aponta. Por edição, em média, o presidente diz que são investidos R$ 130 mil na realização da feira. Como arrecadação global batendo na casa do R$ 1,5 milhão, Lima argumenta que a porcentagem de retorno à cidade é considerável. “Precisamos olhar para ainda mais longe. A feira movimenta toda a região”, diz. O volume de negócios, no entanto, pode ser ainda maior. Os doceiros apostam na ex-


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pansão da feira, mas creem que isso só pode acontecer caso a cidade ofereça uma nova estrutura. A ideia é que a Aprodoce possa viabilizar, em parceria com a prefeitura, um centro de eventos. “Com esse espaço, poderemos trazer mais de 200 mil pessoas”, visualiza. Sempre puxada para cima, a expectativa dos doceiros é de que, com uma quantidade de visitantes maior, os lucros também aumentem. Isso porque, na avaliação deles, a feira se equivale – em arrecadação – ao Natal para o comércio. Os lucros extras variam, dependendo do negócio, entre 10% e 40%, conforme explica Ariete Poles de Campos. A doceira conta que, a cada ano, aumenta a produção. “Não é possível dobrar, mas eu nunca estagnei nas vendas”, comenta. Fora do comércio, o turismo provoca efervescência em outros setores da cidade, conforme Sinisgalli. O MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”), por exemplo, é um dos locais com maior fluxo de visitantes. Outro espaço é o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”. Em função da procura, a secretaria pensa em realizar projeto em parceira com a escola de música, artes cênicas e luteria. A intenção é criar, no município, um roteiro turístico, incluindo os locais com potencial de aumento de visitação e, dentro das possibilidades, um atendimento especializado. Sinisgalli explica que, nesses locais, os turistas poderiam ter visitas guiadas. A proposta é unir esse tipo de trabalho ao “trem turístico” implantado na Feira do Doce. Pelo projeto, o veículo passaria por todos os espaços culturais, partindo de um ponto do evento, na Praça da Matriz. De lá, percorreria a cidade, parando nos espaços turísticos. A novidade fica por conta da possibilidade de o visitante permanecer no local o tempo que quiser e, em uma segunda rodada de viagem, ir para outro ponto ou retornar para a Feira do Doce. Outro espaço com potencial de crescimento, a partir da realização da Feira do Doce, é a Feira de Artesanato, realizada na praça Manoel Guedes (a Praça do Museu). De acordo com Sinisgalli, o volume de venda dos artesãos aumentou em 2019 em relação a 2018. “O turismo, em si, movimenta uma cadeia de setores. Indiretamente, temos embalagens, supermercados, e, diretamente, técnicos em som, iluminação, em monta-

gem de infraestrutura”, contabiliza. Além disso, cada doceiro contrata, em média, até cinco pessoas para auxiliar na venda, entre profissionais que atuem nas barracas e na reposição dos produtos. Considerando o número de expositores, as contratações chegam a 250 pessoas. “Tirando os dias que o comércio em geral tem (Dia das Mães, dos Namorados, dos Pais e Natal), acredito que a feira represente os dias de maior movimento no ano, com exceção do domingo, que é uma data em que eles não funcionam”, avalia. O secretário antecipa que está estudando, em parceria com as entidades representativas dos lojistas e dos vendedores, costurar um acordo para permitir que, pelo menos no fim de semana da Feira do Doce, as lojas abram as portas. Ainda que seja em período menor, Sinisgalli diz que a abertura do comércio no domingo do evento, caso ele aconteça neste ano, vai permitir um fôlego à economia local. “Penso que é importante, principalmente olhando para o pós-pandemia. Seria uma maneira de reaquecermos a economia”, avalia. O secretário afirma que o evento se tornou um norteador de ações públicas e privadas. Prova disso é que o setor de serviços “mudou de comportamento”. “Muitas pessoas não acreditavam no potencial da feira. Elas não apostavam que pudessem lucrar com ela se mantivessem os negócios em funcionamento. Mas essa cultura mudou. O empreendedor está conscientizado de que a feira trouxe muita gente e recursos para a cidade”, argumenta Sinisgalli. Wagner Eduardo Graziano, do Comtur (Conselho Municipal de Turismo), destaca o papel cultural da festa e, consequentemente, do doce. Presidente do conselho durante os principais movimentos de viabilização do evento, ele argumenta que a Feira do Doce dá projeção à cidade e, ao fomentar investimentos do poder público voltados ao turismo, chama atenção para a possibilidade de vinda de novas empresas, significando mais desenvolvimento. “Normalmente, as empresas procuram se estabelecer onde não só tenha consumo, mas onde tenha mão de obra especializada. Então, essa nossa vocação para o doce gera esse tipo de trabalhador, sem falar na tradição”, defende. Segundo Graziano, Tatuí

encontrou na festa um espaço para popularizar ainda mais seu produto gastronômico de origem: os doces ABC. O empresário enfatiza que a iguaria tem características únicas e que não é encontrada, com o mesmo sabor e modo de preparo, em nenhum outro lugar. “O ABC é uma marca tatuiana e fundamental para a questão turística”, diz. A importância está no fato de que é pelo doce, conforme Graziano, que o município será identificado. Segundo explica, as cidades tendem a projetar suas imagens a partir do chamado “produto turístico”. No caso de Tatuí, essa “responsabilidade” fica atribuída ao doce que tem abóbora, batata-roxa e cidra como ingredientes. E é exatamente neste ponto, de acordo com o empresário, que a cidade precisa se atentar. Graziano argumenta que a população ainda não se deu conta de que Tatuí é produtora de doces e que o produto é fator de desenvolvimento. Segundo ele, por movimentar uma cadeia ampla (de produtores agrícolas a fornecedores de embalagens), o doce é fundamental para a retomada econômica da cidade. Em especial, na geração de empregos e na captação de novas empresas. “A questão do doce é o diferencial de Tatuí em relação às outras cidades. É um ramo de atividade que devemos explorar ainda mais”, acrescenta. Na visão do empresário, o doce e todas as atividades subsequentes que ele engloba terão a função de reequilibrar as contas, a partir da reabertura do turismo. “No mundo todo, o turismo caiu. E entendo que esta será uma das primeiras áreas a se recuperar rapidamente. É nisso que devemos investir”, pontua. Por conta da pandemia, Graziano argumenta que muitas pessoas ficaram sem viajar. E como estão ansiosas para o fim do isolamento social, a tendência é que mantenham os planos de conhecer novos lugares, mas em outros períodos. Contudo, como não há um período determinado para o retorno, eventos como a feira podem precisar ser adiados. O empresário lembra que ainda não se tem consenso sobre o protocolo adequado de funcionamento de grandes eventos. Não bastasse isso, todos os pre-

parativos precisariam passar por um novo método de avaliação de redução de risco de contaminação, implicando no fabrico, embalo e transporte. No caso da feira, os produtores precisariam, ainda, preocupar-se com o lançamento de novos doces. Da parte da organização, seria preciso haver uma mudança na dinâmica das visitas, se o acesso seria restrito para evitar aglomerações, se haveria a possibilidade de o visitante consumir no local, entre outros. “Tenho acompanhado, como qualquer cidadão, os acontecimentos e a expectativa sobre a Feira do Doce. Não creio, neste ano, que teremos uma mudança no cenário que já se estabeleceu na cidade e no país. Os governos têm uma visão melhor do que está acontecendo e do que poderá ser realizado”, avalia. A exemplo de Sinisgalli, Graziano destaca a importância da feira para a conquista do título de MIT (Município de Interesse Turístico). Segundo o empresário, o evento é um dos principais responsáveis pela classificação da cidade. Graziano conta que o fato de Tatuí já ter um produto turístico ajudou na viabilização. “Claro que não foi somente o doce, foi também a música. Mas tanto o doce quanto a música são os principais produtos da cidade, fatores para ela ser MIT e, possivelmente, uma estância turística, que é o próximo passo em que está caminhando”, diz. O próprio Comtur, na gestão de Graziano, executou vários projetos em parceria com a prefeitura. “No decorrer dos últimos q u a t r o anos em que estive à frente do conselho, as ações realizadas foram, justamente, para que Ta-

tuí se tornasse estância”, conta. Já como MIT, o empresário afirma ter acontecido melhora muito grande na infraestrutura da cidade. Mudanças no sistema viário, por exemplo, que motivaram a vinda de novos empreendimentos. “Os que já existiam acabaram sendo expandidos, caso do hotel Del Fiol e o Sítio do Carroção”, observa. Sendo estância, Graziano argumenta que o cenário mudará na cidade. A expectativa é que novos empreendimentos possam a se instalar no município, impactando não só na arrecadação de tributos como na geração de empregos. Na visão do empresário, a população tatuiana está começando a entender o objetivo principal do fomento ao turismo, não pelos números, mas pelos resultados práticos. Segundo ele, a área de turismo, impulsionada pelo doce, tem potencial muito grande de crescimento. Não bastasse isso, Graziano ressalta que Tatuí tem localização privilegiada, com ligações pelas rodovias Castello Branco (SP-280) e Raposo Tavares (SP-290) e conta com um aeródromo. Se elevada a estância, a cidade receberá recurso maior, da ordem de R$ 3 milhões, dinheiro que pode ser investido na capacitação turística. “Quando acontecer, com certeza, as pessoas vão começar a enxergar Tatuí diferente”, encerra.

WAGNER EDUARDO GRAZIANO


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Meta é ampliar negócios e ‘app’ Estudo visa expansão; aplicativo e oitava edição ainda são incertos De todas as perspectivas, a ampliação da Feira do Doce é unanimidade entre o poder público, a Aprodoce (Associação dos Produtores de Doce de Tatuí) e os doceiros. Do ponto de vista do Executivo, a prefeita Maria José Vieira de Camargo explica que todo o trabalho está concentrado no crescimento do evento. Um dos primeiros movimentos feitos pela equipe de Maria José, amparada pelo secretário municipal Cassiano Sinisgalli, é o que ampliou, de três para qua-

tro, os dias da feira. O seguinte, em 2018, consistiu na formalização de todos os participantes como pessoa jurídica, o que permitiu a transformação da festa em feira e a consolidação dela como “o maior evento turístico do munícipio, sendo também o maior evento desse segmento do interior paulista”. Diante da importância da feira, a prefeita anuncia uma novidade: “Já solicitei um estudo para tornarmos o negócio do doce rentável para além da feira,

PREFEITA MARIA JOSÉ VIEIRA DE CAMARGO

junto à secretaria (de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude”, para analisarmos no que podemos crescer para fomentar ainda mais os negócios”. Maria José também conta que a viabilização de um espaço de eventos está sendo avaliado pela administração. Segundo a prefeita, há alguns projetos nesse sentido sendo discutidos, ainda internamente. A meta é buscar um ponto “bem localizado”, que comporte não somente a feira, mas outros eventos. “É um caminho que deverá ser seguido, sim. O seu modo de realizar é o que estamos discutindo e quais seriam as parcerias necessárias”, antecipa. A questão de um novo espaço vem sendo discutida pela prefeitura com a Aprodoce desde o ano passado. Conforme explica Sinisgalli, esse ponto tem sido levantado pelos produtores e por parte da população nas respostas obtidas pelo questionário que pode ser respondido pelos visitantes no totem do estande turístico. “Como produtor de eventos, vejo o crescimento da feira ano a ano, e também acredito que precisamos ter um espaço, até porque não penso só nesse evento em si, mas em outros que poderiam ser transferidos”, acrescenta. Entre as possibilidades, está a de que o futuro espaço seja coberto, com infraestrutura mínima, banheiros e com condições para receber melhorias. A meta é que o centro disponha de estacionamento. Como frisa a prefeita, Sinis-

galli relata que as propostas têm sido amplamente discutidas entre os interessados e o Executivo, com sugestões incluindo a construção de um empreendimento com ou sem parceria com a iniciativa privada. “No ano passado, coloquei essa questão na conversa que tivemos com os produtores, mas não vou transferi-los para uma área gramada. Teria de ser um local adequado, para receber mais visitantes e a nossa programação”, acrescenta. Além da feira, Sinisgalli lembra que eventos como a Festa de São Jorge, a Festa Junina do Bemfica e a programação do aniversário de Tatuí poderiam ser abrigados no novo espaço. Shows, eventos como o Tatuí Classic Car e o Carnaval também estão entre as atividades com possibilidade de serem transferidas. Um dos projetos em estudo prevê a construção com recurso do Ministério do Turismo. Outra possibilidade é que Tatuí possa viabilizar um centro de eventos a partir de recursos que viriam a ser transferidos com a elevação a estância turística. “Talvez não conseguíssemos concluir no primeiro ano, porque um espaço como este não é um projeto barato, mas seria um início”, argumenta. Atualmente, Tatuí é MIT (Município de Interesse Turístico) e, pela classificação, recebe entre R$ 300 mil e R$ 500 mil. Mas, como estância, o recurso poderia chegar a R$ 3 milhões. Com o dinheiro, Sinisgalli diz que seria possível iniciar o projeto. Contudo, além do recurso, será preciso encontrar um espa-

ço adequado, que possa ser acessível e tenha condições de abrigar eventos distintos. “Estamos dando um pontapé inicial, porque a tendência natural é a feira mudar de lugar. Poderemos ter alguma resistência no começo, porque o comércio do entorno poderia alegar que estaria perdendo nas vendas, mas nós estamos avaliando o impacto e como seria uma solução para a questão”, esclarece. Uma das possibilidades é ampliar o período de realização da Feira do Doce. Sinisgalli explica que, ao estipular uma semana ou uma quinzena, por exemplo, a tendência é que os visitantes “estiquem” a temporada. Com isso, poderiam aumentar ainda mais a procura pelo setor hoteleiro e os demais da economia local. Essa estratégia vai ao encontro da proposta de trabalho da Microrregião Turística “Raízes do Interior”, criada em 29 de junho de 2017, em consonância com a portaria 205/2015, do Ministério do Turismo. Ela é formada por Tatuí, Boituva, Cesário Lange, Quadra, Pereiras, Laranjal Paulista, Porangaba, Jumirim, Torre de Pedra e Cerquilho. Tem como objetivo promover o sincronismo das ações turísticas entre as cidades integrantes. A meta da microrregião é criar um circuito turístico baseado nas vocações das dez cidades. Caso a feira tivesse o período de realização estendido, os gestores e representantes turísticos e culturais formalizariam uma programação regional. “A ideia é que as pessoas venham a Tatuí para a feira, mas


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possam visitar um parque aquático (em Cesário Lange) em um dos dias e, no outro, façam um passeio de balão (em Boituva)”, exemplifica. Em Tatuí, a feira poderia viabilizar um microcircuito, interligando os equipamentos culturais. Entre eles, o Conservatório e o MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”). A intenção é sincronizar – ou programar – as atividades desses espaços para que elas aconteçam no período da feira. Como permaneceria mais tempo no município, o turista continuaria a consumir em bares, lanchonetes e restaurantes da cidade, assim como a visitar as lojas. Outra vantagem proporcionada por um espaço maior é possibilitar mais atividades. “Nós podemos ter muito mais atrativos, como “espaço kids”, para famílias, área de exposições, para feira de artesanato e até uma praça de alimentação”, enumera Sinisgalli. Segundo o secretário, a intenção é desenvolver, no novo espaço, o “Festival de Sabores de Tatuí”. Trata-se de evento gastronômico voltado à apresentação e venda de comidas típicas do município. Conforme ele, a prefeitura está avaliando se realiza o festival junto com a feira ou em outra data. “Eventos é o que não vão faltar para realizarmos no futuro espaço. E muitas iniciativas devem sair em parceria com a iniciativa privada”, enfatiza. A estimativa do secretário é de que, por contar com infraestrutura completa, o espaço venha a receber um grande pedido de atividades. Isso porque os produtores que queiram investir terão um espaço regularizado e com todas as autorizações, alvará da prefeitura e dos bombeiros, bastando somente pagar taxa. Para o projeto, Sinisgalli conta que a secretaria está pesquisando lugares viáveis e antecipa que já realizou visitas em “espaços bons” e está em negociação com os responsáveis. A prefeitura vai concluir o projeto para ser enviado ao Ministério do Turismo, com base no local selecionado. Uma terceira possibilidade é a construção do centro com recursos do próprio MIT. Nesse caso, Sinisgalli conta que o projeto pre-

cisaria ser feito em etapas. Depois de concluído, o projeto selecionado será submetido ao Comtur (Conselho Municipal de Turismo) ,para apreciação e votação. “Este é o futuro. Nós temos que pensar grande, e a Feira do Doce tem tudo para, a cada ano, estar ainda melhor”, ressalta. Para Sinisgalli, o evento em Tatuí tem tudo para seguir os passos da Fenadoce (Feira Nacional do Doce), de Pelotas, no Rio Grande do Sul. A iniciativa acontece em um centro de eventos, que abriga programação diversa, nos moldes que Tatuí está almejando. A futura transferência de espaço atenderá a uma antiga reivindicação dos comerciantes e de parte da população que reside no entorno da Praça da Matriz, onde atualmente a feira é realizada. Sinisgalli diz que o trânsito é o maior entrave da feira, em função da necessidade do fechamento de trechos para a montagem da estrutura da feira, restringindo a circulação de motoristas. O futuro centro é considerado “muito mais viável e interessante” do que a ideia de criação de um “mercadão do doce”. A proposta deste último é criar um espaço destinado para concentrar a venda de doces em estandes permanentes. “A cidade já tem as doceiras e doceiros que estão constituídos e comercializam seus produtos em pontos comerciais ou pela internet. Nós, por enquanto, não temos a demanda de um mercadão, mas, para a Feira do Doce, sim”, aponta. De olho nos turistas, Sinisgalli diz que a municipalidade pensa em realizar, no novo espaço, convenções e outras feiras, como a de tatuagem, além da Marcha para Jesus. Atrações musicais, atualmente centradas em espaços menores em vários pontos da cidade, também devem acontecer no futuro centro, a exemplo de Cerquilho, que tem um espaço no molde projetado para Tatuí, com áreas coberta e externa. “Oportunidades vão se criando. Por exemplo, podemos ter a Festa das Nações, abrigar atividades que são realizadas pelos Rotarys e Lions. Há muitos eventos com potencial forte de atrair turistas”, acrescenta. Em paralelo ao centro, a prefei-

tura está auxiliando a Aprodoce no lançamento de um aplicativo de celular voltado ao comércio eletrônico dos doces caseiros. A plataforma deve estar disponível nas lojas de aplicativo dos sistemas Android e iOS e consiste em uma ação de “médio prazo”. Sinisgalli explica que a proposta está sendo desenvolvida pela DJ System. “Nós pedimos a eles para ver se conseguem ceder gratuitamente”, comenta. O aplicativo não será exclusivo para a Aprodoce, porque permitirá que outros produtores não associados e empresários de outros setores possam estar na plataforma. No entanto, a intenção é inserir todos os doceiros que participaram da mais recente edição da feira. Posteriormente, mesmo os que não estejam constituídos na figura de MEI (microempreendedor individual) poderão se cadastrar e vender pelo “app”. Os critérios, conforme o secretário, serão definidos pela Aprodoce. A secretaria está apoiando a iniciativa, estabelecendo uma espécie de “ponte” entre ela e a empresa desenvolvedora. Sinisgalli acrescentou que, de início, os associados terão mais destaque no aplicativo, com mais produtos e imagens. Já quem não for vinculado à instituição poderá ter itens em venda, mas com menos recursos. “Não vejo que isso vá prejudicar as vendas, apenas é um diferencial”, avalia o secretário. De acordo com ele, em tempos de pandemia, o aplicativo tem como principal função devolver a capacidade de venda e produtiva aos doceiros da cidade. Além disso, deverá movimentar o serviço de entregas, ainda em estudo. Sinisgalli antecipa não haver um modelo definido: se a Aprodoce vai constituir um acordo com entregadores ou se vai terceirizar, por meio de cadastro. Para este ano, os planos para a Feira do Doce não estão definidos. Sinisgalli explica que, em razão da quarentena, não há consenso para a realização da oitava edição. De acordo com o secretário, todo o processo necessário para que a feira aconteça já foi cumprido. Sinisgalli conta que os departamentos de Turismo e Cultu-

ra concluíram desde a confecção do edital até os planejamentos de custos. “O departamento jurídico da prefeitura já analisou o material. E nós estamos somente com a data em aberto e os prazos da seleção dos doceiros”, cita. Segundo ele, tanto a equipe como os doceiros estão mantendo as esperanças de poderem realizar o evento ainda neste ano. “Nossa equipe está preparada e confiante que vamos fazer. Ainda temos esse sonho”, destaca. Em razão da pandemia, Tatuí segue determinação do governo do estado de São Paulo. Até o fechamento desta edição (sexta-feira, 7), a cidade estava classificada na fase laranja do Plano São Paulo, criado a partir da atuação coordenada com municípios. “Não podemos fazer uma festa sabendo que há risco de as pessoas se contaminarem, dado o número de visitantes”, afirma Sinisgalli. A perspectiva do secretário é de que, caso o município seja autorizado a realizar o evento, a feira registre queda de 50% na frequência, inclusive entre os próprios produtores. Por outro lado, em função da quarentena estipulada desde março – e da queda nos rendimentos –, o evento representaria uma retomada da economia em geral na cidade. No entanto, Sinisgalli sustenta ser preciso avaliar o cenário. De acordo com ele, seria preciso que todos os setores responsáveis por atender aos turistas estivessem funcionando, para que os resultados se mantivessem nos mesmos padrões. “Não dá para fazer só porque é ano político. Temos de ter consciência e pensar na segurança das pessoas. Estamos em conversa com a Aprodoce desde o início do ano, quando chamei os representantes para uma reunião”, conta. A partir de dados da Secretaria Municipal da Saúde, incluindo gráficos e projeções de evolução da Covid-19, Sinisgalli conta ter ocorrido um primeiro entendimento. Em princípio, a feira passou de julho para setembro e, depois, para outubro. Atualmente, a secretaria avalia a possibilidade de

realizar o evento em novembro, em função das determinações do governo estadual. A questão é que, em novembro, estão programadas as eleições majoritárias e proporcionais (para prefeito e vereadores). Pensando na realização dos pleitos, Sinisgalli antecipa que a prefeitura cogitou, novamente – e em consenso com os produtores-, em transferir a feira para o período de 9 a 12 de outubro. Nessa data, o evento teria duração de quatro dias, como de costume. Ocorre que, ainda em julho, o governo de São Paulo autorizou a retomada de “grandes eventos” para o dia 12 de outubro, exatamente o dia em que a feira terminaria. “Nós tivemos que descartar essa data e partir para um estudo mais aprofundado”, diz Sinisgalli. De acordo com o secretário, se optasse por outubro, Tatuí teria de competir com rodeios de cidades como Barretos e Americana. Em se realizando a feira, a prefeitura teria de adotar novas normativas, como controle de acesso de entrada, distribuição de álcool em gel, fiscalização do uso de máscaras e higienização dos espaços ao final de cada dia de evento. Além disso, o festival de música teria de ser feito com restrições. A preocupação do secretário é com a descaracterização do evento, caso medidas mais duras precisassem ser realizadas. Para ele, o objetivo precisa ser na concretização de ações que permitam a expansão do evento e não na redução. A prefeita Maria José enfatiza que o desejo de realizar o evento neste ano “é claro”. Ela, entretanto, salienta que a concretização da feira vai depender da situação epidemiológica de Tatuí e região, considerando que a iniciativa “tomou grandes proporções e que existe uma circulação de pessoas muito grande”. “São milhares de pessoas por dia na Feira do Doce. Temos que aguardar e pensar também na opção de uma feira maior em 2021, com mais dias; ou termos até duas edições no próximo ano. São decisões que não serão tomadas agora e envolvem um diálogo maior com os produtores de doce”, conclui.


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Marca ‘sabor inovação’ Clara & Cia. cria tradição de lançar um doce por dia Uma das primeiras empresas a acreditar no potencial da Feira do Doce, a Clara Doces & Cia. se firmou como a marca mais conhecida da região. E a explicação pode estar no “sabor inovação”. Além de manter viva a tradição familiar, as proprietárias Clara Maria Brandão Fonseca e Fernanda Rodrigues Fonseca Ribeiro têm grandes responsabilidades e participação no crescimento do maior evento turístico e gastronômico do ramo doceiro do município. Em vários momentos, a história da Feira do Doce e da empresa delas se entrecruzam. Particularmente, pela ligação que o evento e a Clara Doces & Cia. mantêm com o turismólogo Jorge Rizek. Clara Maria esteve presente na primeira experiência realizada por Rizek com os doceiros, o embrião do atual evento. A iniciativa aconteceu na praça Martinho Guedes (Praça da Santa). “Sempre acreditamos no trabalho que o Rizek desenvolveu”, conta Fernanda. Foi por essa confiança que Clara Maria, a filha e a equipe participaram da então Festa do Doce, em 2013. “Quando o Rizek nos convidou, foi uma alegria. Tudo o que ele toca vira ouro, no sentido de que dá certo”, argumenta Fernanda. Mesmo sabendo da capacidade do turismólogo, a empresária relata que o resultado da festa surpreendeu. “Nós ficamos assustados com a primeira vez, porque foi uma experiência muito boa, melhor até do que esperávamos”, destaca. A partir da segunda, a Clara Doces & Cia. não parou de criar novidades. A começar pela preparação. Em todo ano, a empresa interrompe temporariamente a produção externa (aniversários, casamentos, festas corporativas) com o objetivo de se preparar para atender à demanda dos visitantes da Feira do Doce.

Os funcionários ficam dedicados inteiramente aos preparativos pelo período de uma semana. Em média, a Clara & Cia. contrata seis pessoas em regime temporário a mais, todo ano. A equipe extra ajuda a reforçar o “staff” por oito dias, conforme o planejamento realizado. Fernanda explica que mantém a agenda da empresa em aberto no período que compreende a primeira e a segunda semanas de julho, em dias próximos ao feriado do dia 9 (Revolução Constitucionalista de 1932). Uma vez definidos os dias da feira, a empresa abre uma das semanas para atender pedidos que eventualmente apareçam. “Mas, a preferência é da feira”, conta. O trabalho da equipe consiste em produzir os doces aclamados da empresa e em fabricar novidades. “Para nós, tornou-se uma obrigação lançar um produto a cada dia de feira, bem elaborado e que não pode ser um beijinho com cara diferente”, diz Fernanda. A empresária explica que o objetivo é surpreender os visitantes da feira, instigar a curiosidade e manter o estande repleto com produtos não só visualmente bonitos, mas de paladar “insuperável”. “Nós queremos que as pessoas não só visitem a feira, mas o nosso estande todos os dias”, declara. Para atingir esses objetivos, Fernanda conta que ela e a mãe desenvolvem um trabalho de pesquisa profundo. Garimpam novos ingredientes, técnicas e sabores. Para isso, realizam viagens para conhecer novos lugares e doces e, a partir das experiências, extraírem novas ideias de produtos. Fernanda sustenta que essa troca de informações é importante exatamente por conta da diversidade. A empresária e a mãe já realizaram vivências gastronômicas em várias partes do Brasil. “A mais importante aconteceu em Paris”, lembra.

Na “Cidade Luz”, Clara Maria e Fernanda percorreram várias docerias. As duas partiram para a busca de novos sabores, produtos e equipamentos de fabricação, tendências trazidas ao público da cidade e visitantes da Feira do Doce. Mas, até atingir esse estágio, foi preciso muito açúcar e dedicação. A história da Clara & Cia. remonta ao ano de 1942, quando a dona de casa, Clara Rocha (bisavó da Clara), começou a vender compotas caseiras para os amigos, fazendo com que ficasse conhecida pelos doces. As filhas também aprenderam as receitas e Zulmira Rocha (avó de Clara) seguiu o caminho, acrescentando a venda de fios de ovos e balas de alfiniz. De Zulmira, a tradição passou para Idalina da Rocha Brandão (mãe de Clara). “Lucha”, como era conhecida, formou-se professora e trabalhava na profissão, mas a paixão pela doceria era tanta que ela dividia o tempo entre as aulas e horas na cozinha para o preparo de novas receitas. Idalina passou também a oferecer queijadinhas, bom-bocado e bolos este último, muito procurado para festas de aniversário e casamentos. Tudo era feito dentro de casa, ainda junto com Zulmira, por meio de encomendas e propaganda “boca a boca”. Lucha teve duas filhas, mas somente Clara “pegou o gosto” pela doceria. Aos oito anos, Clara ajudava a avó e a mãe. “Meu serviço era pingar o suspiro para assar, era só isso que eu fazia, mas eu gostava de estar perto”, conta a doceira. A menina cresceu, também se formou professora primária e, a exemplo da mãe, dividia o tempo entre as aulas e a produção de doces, ensinando o oficio às duas filhas: Fernanda - que trabalha com ela - e Roberta Fonseca - que, atualmente, mora em Rio Claro (SP), onde também trabalha com doces. O sonho de abrir a doceria veio de

Idalina. “Como a gente atendia as pessoas em casa, minha mãe sempre quis ter uma loja, mas não tinha condições. Quando ela morreu, tomei este sonho para mim e decidi abrir o negócio”, lembra Clara. Com o apoio das filhas, a doceira reformou a casa em que morava para abrigar a doceria, e a loja foi inaugurada no dia 31 de março de 2013. Desde então, atende clientes de diversas localidades, da região, do estado e até mesmo de fora do país. “Minha mãe trabalhou até os 84 anos aqui comigo na doceria e, depois, deixou-a para nós. Morávamos junto com ela, e eu a ajudava. Quando ela faleceu, há cerca de dez anos, as meninas já estavam ajudando e, hoje, vejo minhas netas seguindo neste caminho também. Elas adoram!”. Já consolidada, a loja tem entre as clientes mais assíduas personalidades famosas, como Vera Holtz. A atriz, que também é tatuiana, ajudou a doceria a ficar ainda mais conhecida por dar declarações à imprensa, dizendo que gosta do bolo de leite condensado com nozes, cocada e ameixa da Clara Doces & Cia. A receita é uma das poucas da família que permaneceu no cardápio com as atualizações ao longo dos anos, mas ainda é tão famosa que ficou conhecida como “Bolo dos Holtz”. “Sempre que ela (a atriz) vem para Tatuí, quer este bolo para comer. Depois que ela falou, todo mundo que vem de fora chega aqui procurando este bolo para experimentar, além do de brigadeiro com morango, que também é receita da família e faz sucesso”, garante. Fernanda é formada em processamento de dados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Após

a conclusão da graduação, trabalhou por pouco mais de um ano na área, sempre voltando a Tatuí aos finais de semana para fazer doces com a mãe. “Está no sangue: você não consegue parar. Faz falta! Eu estava lá em São Paulo, um dia, liguei, contei para minha mãe que parecia que não era aquilo que eu queria, e ela me disse para vir embora. Isso foi muito bom. Tive apoio para empreender e não me arrependo”, comenta Fernanda. Ela ressalta que todas as mulheres da família “são grandes exemplos de pessoas fortes e determinadas”. E é por meio desses exemplos que elas seguem até hoje, buscando melhorar cada vez mais os produtos e serviços oferecidos. “Quando a gente está esmorecendo, a outra vai lá e fala: ‘Não! Vai lá, procura outro curso, precisa aprender mais’. E a gente sempre está aprimorando. Minha mãe é o meu maior exemplo. Ela me apoiou quando eu não sabia o que fazer e me fez acreditar que tudo ia dar certo”, reconhece Fernanda.

FERNANDA RODRIGUES FONSECA RIBEIRO


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