Pandemia de Ternura
O jornal O Progresso – que alcançou os 99 anos de fundação neste dia 30 de julho - tem realizado edições especiais a cada aniversário da cidade, isso já há 26 anos, completados neste dia 11 de agosto, quando Tatuí, por sua vez, chaga aos 195 de fundação oficial.
Sempre, cada uma dessas publicações bus cou resgatar aspectos históricos do municí pio. Não por acaso, muitos desses trabalhos passaram a ser, inclusive, fontes de pesqui sa para curiosos, historiadores e, sobretu do, profissionais de educação e estudantes.
O primeiro especial a figurar conteúdo além das então tradicionais mensagens de felicita ções alusivas à data aconteceu em 1995, com a composição toda em torno de fotos do “ta tuianíssimo” Erasmo Peixoto.
Naquela oportunidade, reproduziram-se imagens em close de pontos variados da cida de, como uma espécie de jogo, pelo qual os leitores tentavam identificar de onde haviam sido clicadas. As respostas se encontravam no encerramento do caderno de aniversário.
A partir de então, ganharam espaço as repor tagens históricas propriamente – todas com a consultoria do não menos “tatuianíssimo” his toriador Renato Ferreira de Camargo, além da riqueza de imagens proporcionada por Peixoto.
A intenção maior, portanto, sempre foi re lembrar e valorizar as tradições, a cultura e as peculiaridades locais, com ênfase nos aspectos musicais, caipiras e, mais recentemente, nas virtudes turísticas e doceiras.
Independentemente do tema principal, em comum a todos os especiais, sempre um propó sito maior sobressaiu-se: a abordagem positiva da bela e rica história tatuiana – como esperado em quaisquer datas de celebração. É momento
de festejar! Como não ser assim?
E então o problema (mais um) vivenciado em 2021 por conta da pandemia: como ser “po sitivo”? Como festejar ou mesmo representar algo bom em meio a tantos desafios, sofrimen tos e perdas irreparáveis? Apelar ao passado tampouco amenizaria a realidade, que não tem como ser desconsiderada.
Com esta consciência, O Progresso optou por simplesmente não ignorar o presente e, em caráter excepcional, deixar o passado em sus penso. Se antes a intenção era reviver as gló rias já vividas, agora, o propósito é perenizar as atuais adversidades – porém, ressaltando a única perspectiva animadora do momento, que tem sido o trabalho incansável, ininterrupto e abnegado pela preservação da vida.
Assim, em 2021, a edição comemorativa deixa momentaneamente de focar no passado para dar lugar ao presente, cujo drama perpassa por histórias de superação e, particularmente, de desprendimento e compaixão vivenciadas pelos profissionais da área de saúde.
Intitulado “Pandemia de Ternura”, este es pecial pretende ressaltar e valorizar não apenas quem está dando exemplo de triunfos apesar das dificuldades, mas aqueles que, verdadei ramente, dedicam suas vidas a salvar a vida dos outros.
Para tanto, médicos, enfermeiros e demais profissionais da linha de frente de combate à Covd-19 figuram a publicação. Entre a pauta, depoimentos de profissionais das redes pública e privada sobre a rotina de trabalho imposta pela pandemia
Testemunhos mostram como a intensificação do trabalho diário acabou afetando-lhes até a vida pessoal, embora nem assim os afastando
da “missão” maior de enfrentar a doença – fí sica e mental.
Embora todos reconheçam as dificuldades apresentadas por uma “nova” enfermidade - sobre a qual não se tinha conhecimento, muito menos tratamento ou prevenção -, também se mostram unânimes quanto aos sentimentos de conquista e gratidão quando alcançam a vitória, representada por cada vida preservada.
Testemunhos de fortes abalos emocionais exemplificam, contudo, o tamanho do desa fio dos profissionais da Saúde na disputa pela vida, contra o vírus - uma luta, infelizmente, nem sempre afortunada e, por isto mesmo, tão fundamentada na fé e na esperança, além da própria ciência, conforme sublinhado por todos eles.
A vacinação é outro tema do especial, não por números e coberturas, mas pela perspectiva de quem, afinal, recebe (e reconhece) a imu nização como uma bênção e o caminho mais seguro e real para a garantia da própria saúde e a de seus familiares.
Finalmente, as sequelas emocionais carrega das pelos pacientes também são observadas, por meio da experiência e da visão de pro fissionais da área, que estão se desdobrando para mitigar os problemas “da alma” gerados pela pandemia.
Com esta abordagem inusitada – como exige o momento -, o jornal O Progresso , que sempre tem revisitado o passado em suas edições especiais para marcar o aniversário de Tatuí, agora registra o presente de luta pela vida para salvaguardá-lo ao futuro, a partir de uma grande homenagem aos pro fissionais da Saúde.
Suplemento comemora os 195 anos de Tatuí por meio de homenagem aos profissionais da Saúde
Mural na Santa Casa presta homenagem a profissionais de saúde tatuianos vitimados pela Covid-19 ao longo da pandemia
Edição especial de
195
anos de aniversário de Tatuí
11 de agosto de 2021
Unimed se ‘reinventa’ para vencer o novo coronavírus
Neste 11 de agos to, quando Ta tuí completa 195 anos, os profis sionais da Saú de terão passado dos 500 dias trabalhando sob nova e dura rotina imposta pela pandemia de Covid-19.
Durante todo este tempo, têm vivenciado inúmeras histórias de tristeza, mas, também, co lecionando vitórias ao lado de pacientes que obtiveram a cura.
“Há casos que não evoluem como o esperado; mas há muitos que beiram o milagre”, analisa a médica Rita de Cássia Coque da Cruz Beltrami, diretora clínica
com a Covid e a buscar o que tinha de melhor; o tratamento mais adequado é uma escolha, e foi isso que nossa equipe fez.”
Até setembro do ano passado, o hospital da Unimed Tatuí não havia registrado nenhuma morte por Covid, ressalta a profissional.
“Quer dizer que estávamos acertando. O vírus foi mudan do, e também nós fomos adap tando nosso tratamento. Numa epidemia em curso, é preciso fazer mudanças, adaptações, conforme os estudos vão sendo publicados”, observa
A diretora clínica compara a apreensão que sentiu agora, na pandemia de Covid, com o início da epidemia de Aids, acentuada nos fins dos anos 80.
Naquela época, ao trabalhar com o “novo”, os profissio nais de saúde também receavam se contami nar e não sabiam, ain da, como tratar a nova doença.
“Tudo era novo com relação à Aids. Amigos meus, um pouco mais velhos, vivenciaram a epidemia de meningi te e a apreensão pelo desconhecido também estava presente.”
Um dos que viveu a epidemia de me ningite mencionada por Rita é o médico Antonio Miramontes, ex-diretor clínico do Hospital da Unimed Tatuí, que nos anos de 1974 e 1975 concluía o curso de medicina em São Paulo.
que é o uso constante dos EPIs (equipamentos de proteção in dividual) e a higienização das mãos”, explica.
E deu certo: nenhum profissio nal foi contaminado no Hospital da Unimed Tatuí desde o início da pandemia, embora tenha ha vido casos de contágio fora do ambiente de trabalho.
MUDANÇA
DE ROTINA
A mudança da rotina e dos hábitos atingiu todos os funcio nários, incluindo equipes de saú de e profissionais da limpeza e da recepção, que se adaptaram ao novo momento.
tranquilidade. “Algumas pessoas se contaminaram lá fora; aqui, está todo mundo tranquilo, sa bendo como deve agir.”
Além dos cuidados extras para evitar a contaminação, a pande mia de Covid--19, permeada por uma epidemia local de dengue, elevou a demanda do hospital consideravelmente, levando à sobrecarga de trabalho e até mesmo à falta de leitos.
Porém, esses problemas tam bém foram contornados: am pliou-se o número de unidades de terapia intensiva de seis para 20 e houve aumento de 30% no número do pessoal da área de Covid-19.
A diretora clínica Rita destaca “o acerto da equipe, que conse guiu trabalhar coesa, tendo apoio financeiro da presidência da coo perativa médica para adquirir equipamentos e insumos para dispen sar o melhor tratamen to possível”.
A médica também acentua o empenho e o estudo da equipe médica, a dedicação e o zelo da enferma gem e dos outros pro fissionais, “que não se deixaram abater pelo medo ou pelo estres se, cumpriram as nor mas de segurança com atenção e mantiveram o tratamento respeitoso para com os pacientes”.
ça para funcionar; muitas vezes não encontramos o motivo, e quem sabe se algum dia sabe remos...”, pondera a médica.
A perda de vidas – um so frimento imenso para a fa mília – é sempre desgastante para a equipe de saúde, mas a postura profissional, além da sensibilidade, é reforçada pela médica.
“Não tenho o direito de so frer mais que a família e tenho o dever de estar presente para tentar amenizar aquela dor, da forma que eu sei”, sustenta Rita, concluindo: “Sim, porque a me dicina, assim como a vida, é feita de sorrisos e lágrimas”.
Pacientes que se recuperaram da Covid-19 no Hospital da Uni med Tatuí, apesar do doloroso período de sofrimento e incer tezas, têm boas lembranças, especialmente do tratamento dispensado pelos funcionários.
A orientação é de que nenhu ma queixa seja ignorada, que nenhum paciente tenha moti vo para sofrer além da própria doença.
“O momento de maior fragili dade do ser humano é na doen ça. Se você está frágil, precisa de um olhar mais delicado. É como todos fazemos aqui, desde os mé dicos até a equipe de limpeza”, assevera a diretora clínica Rita.
No caso da Co vid--19, em razão da falta de informações e da imprevisibilidade de evolução da doen ça, os pacientes ficam naturalmente mais ten sos, analisa a psicóloga Solange, que trabalha no Hospital da Unimed Tatuí desde agosto do ano passado.
“Inicialmente, temos que reconhecer como genuíno o que estão sentindo, genuíno e até esperado, porque se a reação fosse de muita calma poderia indicar que cindiram com a realidade”, esclarece.
do Hospital da Unimed de Tatuí.
Ela coordena, juntamente com dois outros profissionais, a equipe que trabalha diretamente nos cuidados de pacientes com Covid, o infectologista Marcus Vinícius Landim Stori Milani e o chefe da Unidade de Terapia Intensiva, Wladmir Faustino Saporito.
Assim como em outras pande mias na história recente, os pro fissionais de saúde não sabiam, de imediato, qual o tratamento mais eficaz contra o novo coro navírus.
Só havia uma saída: “Estudo e bom senso. Exercer a medici na é ter conhecimento técnico e bom senso”, resume Rita, forma da pela Faculdade de Medicina de Catanduva e especialista em reumatologia pela Santa Casa de São Paulo.
A equipe local, conta, debru çou-se sobre pesquisas médicas de diversas instituições no Bra sil e no mundo. “Nossa equipe médica passou a ler tudo o que estava acontecendo no mundo
“Eu nunca tinha vi vido uma epidemia, mas, como agora, pensamos: somos médicos, temos que tratar os doentes”, comenta. “Tratáva mos a meningite com 12 gramas de ampicilina, o que era uma novidade na época”, relembra.
Ao ouvir o colega, Rita pon dera que, em um hospital-escola, é possível ser “mais ousado”. “Num hospital de uma cidade pequena, não podemos simples mente experimentar sem uma base científica”.
“É preciso ter bom senso”, rei tera a médica, reprisando que a equipe estudou muitas pesquisas antes de escolher o tratamento para seus pacientes. “Tem que pôr na balança e ponderar o que é mais coerente e eficiente”, ar remata Miramontes.
Na época da Aids, por exem plo, o temor dos profissionais de saúde era com sangue e secre ções; agora, porém, apenas pela respiração a equipe já poderia ser contaminada.
“Mas não houve desespero. Nos preparamos e enfrenta mos, sem descuidar do básico,
A gerente de enfermagem Alessandra Rocha Lima explica que, além dos equipamentos de segurança, o hospital fez várias mudanças, como a diminuição dos lugares no refeitório, para evitar aglomeração, e a coloca ção de barreiras, impedindo a conversa durante as refeições, que poderiam redundar em contaminação.
Medidas duras, mas neces sárias, defende Alessandra. “A máscara, o distanciamento e a higienização das mãos são pri mordiais para amenizar isso (a contaminação), porque acabar não vai acabar”, acentua Ales sandra.
A enfermeira salienta que não houve descuido pelos pro fissionais. “Atendemos pessoas na porta do hospital, sentando na triagem na época do surto de dengue aqui em Tatuí, mas, de máscara e luvas, não peguei (Covid-19) e não levei para nin guém”, conta.
Em razão das rígidas normas de segurança, diz Alessandra, o clima entre os funcionários é de
“Não consigo en xergar este último ano e meio em que uma única pessoa tenha feito isso: foram várias pessoas imbuídas do mesmo sentimento”, reconhece.
CUIDADO COM AS PERDAS
Para enfrentar a tristeza e o desânimo causados pelas per das – o que é uma constante na atividade médica não ape nas agora, na pandemia –, Rita sabe ser fundamental a certeza de que o melhor tratamento disponível naquele momento fora dispensado ao pacientealém da humildade para aceitar que “há desígnios que não são humanos”.
“Se você tem conhecimento técnico e bom senso, geralmente, as coisas saem como você prevê. O que escapa da previsibilidade é de outra área, é a influência divina. Aí, você tem que respirar e aceitar o caminho que Deus vai conduzir.”
Por outro lado, muitas vezes, a equipe se surpreendeu com a cura de pacientes cujos prog nósticos não eram favoráveis. “Vários, muitos casos beiraram o milagre. Eu e meus colegas, a gente se sentava e punha a cabe
CORREDOR MUSICAL
A saúde recuperada, a vida restabelecida é motivo de sorri sos, comemoração. Foi pensan do nisso que o hospital particular da Capital da Música implantou o “Corredor Musical”.
A cada recuperação, com autorização do paciente e da família, a equipe organiza uma “solenidade” para a alta, com direito a escolha de música.
“Logo nas primeiras altas, fize mos esse trabalho de vir alguém com violão, funcionário nosso mesmo. Chamamos o que can ta melhor, ele vê a música, faz toda a preparação, é uma festa para sair”, explica Alessandra.
“É o momento de comemorar vitória, do paciente e da equipe colocarem para fora a ansieda de; todos brincam, cantam, se divertem, porque é uma vitória para a gente também”, completa a psicóloga hospitalar Solange Bezerra Leal.
ATENDIMENTO HUMANIZADO
“Num segundo mo mento, tentamos fazer com que o paciente assuma o controle, por que a condição mental influencia de maneira decisiva a recuperação física”, reforça a pro fissional
Solange lembra de pacientes que chegaram ao hospital com tanto medo que precisaram de intervenção da psiquiatra, com a administração de medicamentos para ansiedade.
“Havia casos de um medo paralisante, literalmente, em que a pessoa se recusava a fazer qualquer movimento, com medo de queda na saturação”, conta.
“Também nas famílias encon tramos muito desespero”, obser va. As restrições de visitas, para evitar contágio, também dificul taram o trabalho da equipe. Mas, sempre que possível, a psicóloga tem intermediado telefonemas ou videochamadas, para ameni zar a distância, a saudade entre pacientes e familiares.
Questionadas se, frente aos desafios da pandemia, as profis sionais pensaram em desistir, a resposta é uníssona: “De forma alguma”, assegura Solange; “Não me vejo fazendo outra coisa”, afirma Alessandra; “Nunca me passou pela cabeça ter outra profissão”, completa Rita, acres centando que “todo mundo aqui ama o que faz”.
Equipe do hospital particular conta como tem superado as dificuldades de lidar com uma doença desconhecida
Loriane
Comeli
Da
reportagem
Rita de Cássia Coque da Cruz Beltrami, diretora clínica do Hospital da Unimed de Tatuí
Alessandra Rocha Lima, gerente de enfermagem
Solange Bezerra Leal, psicóloga hospitalar
02
tempo para medo’
fixo de atendimento.
Com os primei ros casos confir mados do novo coronavírus no Brasil, ocorridas no final de fevereiro de 2020, todo o país ficou em alerta e di versos municípios começaram a preparar equipes de saúde para o acolhimento dos possíveis casos.
Na região, Tatuí foi uma das primeiras cidades a reunir os profissionais da área e traçar planos para o combate à doen ça, segundo aponta a secretária da Saúde, Tirza Luiza de Melo Meira Martins.
Ela lembra que a primeira ação realizada pelo órgão foi promover um treinamento para a assistência em casos suspeitos da doença. O encontro ocor reu no dia 3 de março de 2020, quando apenas cinco casos de Covid-19 haviam sido confirma dos no país.
Na ocasião, o médico infecto logista da Santa Casa de Miseri córdia, Marcus Vinícius Landim Stori Milani, orientou cerca de 50 profissionais de saúde da rede sobre as instruções contidas no plano de contingência do esta do, alinhado com o Ministério da Saúde.
Os participantes receberam instruções sobre como identifi car os possíveis casos suspeitos, bem como sobre os protocolos de acolhimento dos pacientes, isolamento e coleta de material para análise em laboratório.
Também foram abordadas estatísticas mundiais, definição de casos suspeitos, orientações para o preenchimento da ficha de notificação, procedimento de coleta para exames laboratoriais e fluxograma de atendimento.
“Em seguida, quando come çamos a ter casos mais perto do nosso município, fizemos uma equipe grande de planejamento para preparar e estruturar a rede pública de saúde para atender à demanda que chegaria. Como era uma coisa nova, que nunca tínhamos vivido, trabalhamos no escuro no começo. Mesmo assim, começamos a nos prepa rar”, frisa a secretária.
No dia 16 de março de 2020, uma segunda-feira, o município recebeu as primeiras notificações de suspeita da doença e a Secre taria de Saúde criou o Comitê Municipal de Prevenção e En frentamento à Covid-19.
“Dali começamos a estruturar toda a rede. O primeiro local que visitamos foi a Santa Casa, para identificar se havia possibilidade de ampliação e definir qual se ria a nossa capacidade máxima de atendimento”, lembra Tirza.
Antes mesmo de haver ca sos confirmados na cidade, 12 quartos do segundo andar do hospital foram reservados para os leitos clínicos exclusivos para internação dos pacientes sus peitos e acometidos pelo novo coronavírus.
No Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”, foi montado um consultório específico e re servado para o atendimento de
pacientes sintomáticos, separan do os casos suspeitos de Covid-19 dos demais pacientes que neces sitavam de atendimento.
Além disso, a prefeitura co meçou a disponibilizar, no site oficial da cidade, uma página exclusiva sobre o vírus, com bo letins diários sobre a evolução da doença, dados sobre prevenção, perguntas e respostas, vídeos e arquivos para download do Mi nistério da Saúde e da Secretaria de Saúde do estado de São Paulo.
Até então, os pacientes sus peitos haviam passado por testes e tiveram a doença descartada. O primeiro caso confirmado foi notificado do dia 20 de março de 2020, quando uma paciente de 52 anos testou positivo.
“Quando a pandemia come çou, eu sabia que teria um desa fio grandioso, e achava que iria ter medo de enfren tar a situação. Mas, a partir da confirma ção do primeiro caso em Tatuí, tínhamos tanto a fazer que não deu tempo de ficar com medo”, comenta a secretária.
No mesmo dia da notificação do caso positivo, um evento – restrito e com cui dados de segurança – reuniu líderes de igrejas, órgãos mu nicipais, Associação Comercial e Empre sarial, entre outras autoridades, para a apresentação das es tatísticas e de decre tos municipais que impuseram o fecha mento do comércio e dos órgãos públicos.
“Traçamos uma estimativa de quantas pessoas poderiam ser infectadas, quantos casos poderiam ser graves, quantos casos precisariam de leitos clínicos e de unidade de terapia intensiva, quantos estariam em atendimento domi ciliar, e fomos estru turando o sistema”, conta a secretária.
Uma das ações da Secretaria de Saúde também foi a implantação de um telefone de acesso público (0800), com funcionamento 24 horas, para esclarecer e orien tar a população sobre o novo coronavírus.
A linha servia para aproximar a população aos serviços de saú de, sem que a pessoa precisasse sair de casa e expor-se ao vírus.
Pelo telefone, profissionais de saúde atendiam 24 horas por dia, passando orientações e infor mações sobre a doença, tirando dúvidas da população.
Segundo Tirza, no início, mesmo tentando antecipar as estratégias de atendimento e adequar os espaços de saúde, foram necessárias diversas alte rações para definir um protocolo
“Acompanhávamos as porta rias emitidas pelo Ministério da Saúde e, diariamente, precisáva mos criar estratégias diferentes e específicas para cada tipo de ser viço. A doença ainda era desco nhecida, então, íamos mudando tudo, conforme as exigências iam surgindo”, ressalta a secretária.
“Tentávamos deixar tudo pronto para que as equipes de saúde pudessem atuar, porém, as regras mudavam de uma hora para a outra. Chegamos a reu nir a equipe de saúde diversas vezes de forma virtual e durante a madrugada para atualizar os protocolos para o dia seguinte”, acentua.
Tirza classifica o início da pandemia como um período “bastante desgastante” e ressal ta a dedicação dos funcionários
terapeutas, nutricionistas e até mesmo na limpeza geral.
“Todos os dias, também pro movíamos a capacitação e trei nando essas pessoas, atuando-as sobre as determinações que sur giam, ensinando os novos pro tocolos de atendimento e outras situações. Foi um ano de muitas mudanças”, observa a secretária.
Tirza pontua que, em paralelo à reestruturação do sistema de saúde, o órgão iniciou a testa gem dos munícipes com “testes rápidos”, para produzir um ma peamento sobre a real situação de contágio do novo coronavírus na cidade - o que também exigiu mudanças diárias.
“Vinha um teste específico; depois, vieram testes diferen tes, e precisávamos treinar as equipes a cada tipo de teste que vinha, para podermos realizar
inauguramos a UPA (unidade de pronto atendimento), que passou a dar suporte do atendimento da Saúde”, elenca a secretária.
Com relação às ações promo vidas neste ano, Tirza destaca o início da campanha de vacinação contra a Covid-19, em janeiro. “Na ocasião, os profissionais de saúde receberam o primeiro lote de vacinas, emocionados, e, até agora, cada lote que chega, nós comemoramos muito”, salienta a secretária.
Além das mudanças ocorridas no sistema de saúde, por meio da Secretaria Municipal, durante a pandemia, Tirza conta como a Covid-19 e as incertezas trazidas pela doença alteraram a rotina profissional e pessoal dela.
“Passei a ter o contato míni mo possível com os meus pais, principalmente no começo, por não saber exatamen te como era a atuação do vírus, e mudei totalmente minha rotina em casa, por medo de levar o ví rus para o meu ma rido e meu filho de quatro anos”, conta a secretária.
A rotina em casa, assim como em co mum a muitos pro fissionais da Saúde, era: tirar as roupas, os sapatos e correr para o banheiro para higienizar-se antes de ter contato com as pessoas que moram na mesma casa.
“Além disso, eu ia me adaptando dia a dia aos desafios. Pen sava na pandemia, no vírus, na doença e em tudo que ela pode ria causar, o tempo todo. E passei meses na correria, tentando me antecipar ao que poderia acontecer, para não deixar nada faltar na Saúde do município”, afirma Tirza.
teste e deu positivo”, relata. A profissional recebeu o resultado do teste positivo no dia 7, um domingo, cinco dias depois do início do tratamento.
“Fui uma das primeiras aqui da secretaria a se infectar e, como ainda era uma doença muito nova, passei muito medo, princi palmente por não saber como eu evoluiria”, lembra a profissional.
A secretária também conta que tinha medo de passar a doença para o filho e o marido.
“Fiquei isolada dentro de casa, em um dos cômodos, sem con tato com o meu marido ou com o meu filho, e vivi dias de muita preocupação”, aponta.
Conforme Tirza, a dor de per der um familiar para a doença e o fato de ter vivido a experiência de contrair o vírus e passar por isolamento a fez pensar em aju dar “ainda mais” a população.
“Graças a Deus, fiquei bem e, retornando, pelo fato de ter pas sado pela situação, adquiri uma empatia muito grande, e passei a pensar em formas de como aten der às pessoas acometidas pela doença, como poderia atender às famílias que tiveram perdas, como amenizar o sofrimento e passar orientações”, declara a secretária.
Ela também conta ter sofrido diversos impactos emocionais durante a pandemia, com a po sitivação do primeiro caso de Covid-19 na cidade, as mortes ocorridas e a perda de familiares e colegas de trabalho.
“Choramos muito aqui, tive mos medo, mas, ao mesmo tem po, parece que a gente queria vencer a doença, e não tivemos tempo de parar para sofrer. En contramos forças fora do normal para continuar trabalhando e não deixamos a dor nos abalar”, assegura.
Ela ainda reforça a atuação dos colegas da Secretaria da Saúde no apoio emocional dos profissionais. “Nós choramos juntos e demos força um para o outro. Tinha dias em que a gente não estava muito bem, outro vi nha e nos animava, e assim por diante”, diz a secretária.
da Saúde para o enfrentamento à Covid-19, que, segundo ela, trabalharam 24 horas seguidas durante vários dias.
“Só dei conta de todo o tra balho porque tenho uma equipe muito boa. Passamos muito mais horas aqui do que com a nossa família, e nos dedicamos 24 ho ras por dia para nos antecipar ao que seria necessário para o município e para oferecer o me lhor serviço”, acrescenta Tirza.
Nos meses seguintes, além de aumentar os leitos (clínicos e de UTI) e adequar a estrutura físi cas da Santa Casa, a Secretaria de Saúde reforçou a equipe de profissionais, com médicos espe cializados em UTI, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisio
tudo da maneira correta e da melhor forma possível”, enfatiza a secretária.
Já no mês de julho, com o aumento do número de casos, a Secretaria de Saúde inaugurou o “gripário” municipal na Santa Casa, com atendimento reserva do às pessoas com sintomas de Covid-19.
Centralizando o atendimento necessário para detecção e tra tamento da doença, o equipa mento começou funcionando de segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 17h, e, posteriormen te, passou a oferecer o serviço 24 horas.
“Depois de reestruturar tudo isso para atender aos pacientes com Covid-19, em 2020, também
No final do mês de abril, em meio à correria para rees truturar o sistema de saúde e treinar as equipes para o aten dimento dos pacientes acometi dos pela Covid-19, Tirza conta ter perdido o avô para a doença.
“Ele morava em São Paulo, então, não o vi antes de mor rer. Além disso, assim como todas as famílias, nós também não pudemos fazer velório, nem conseguimos nos despedir como ele merecia. Foi muito difícil”, confessa a secretária.
Ainda sentindo a dor da perda do avô, Tirza testou positivo para a doença e precisou se afastar presencialmente da Secretaria de Saúde. No dia 2 de junho, co meçaram os primeiros sintomas e ela ficou em total isolamento.
“Tive dor de cabeça, um pou co de dor no corpo e congestão nasal. Já tive aquele alerta, fiz o
Durante o último ano, além de cuidar da gestão da pasta da Saúde, Tirza atuou em campa nhas de vacinação domiciliares e visitas nas unidades de terapia intensiva, no gripário e nos pos tos de saúde.
“Eu precisava estar nos lugares para saber se tudo estava indo bem e saber das necessidades de cada lugar. Só estando no meio da situação para saber qual a ne cessidade. Na Santa Casa, passa mos dias e dias estudando o que poderíamos fazer. Eu queria ver de perto como estava a situação e, também, estar próximo dos profissionais”, argumenta.
“Independe do cargo que ocupo, eu sou uma profissional da Saúde; fui preparada para cuidar das pessoas. Então, meu papel é cuidar. Além de tudo, tenho muito amor pelo que faço e por poder ajudar o próximo”, conclui a secretária.
‘Sem
Secretária municipal da Saúde Tirza Martins aponta ações da rede pública contra a pandemia de Covid Diléa Silva Da reportagem
Secretária da Saúde, Tirza Luiza de Melo Meira Martins
Dilea Silva Ga er a Manguei a Parabéns Parabéns A Ramos & Souza parabeniza a Acidade Ramos & Souza parabeniza a cidade de Tatuí pelos seus 195 danos. e Tatuí pelos seus 195 anos Desejando, que o Dmunicípio esejando, que município continue a cprosperar ontinue a prosperar R A M I C A R D ACRESP d 03
‘Apoio psicológico é fundamental’
A psicóloga Lucimara de Paula fala sobre o aumento na procura por atendimento na área psicológica durante a pandemia de Covid
Com as demandas surgidas desde o início da pan demia, os profis sionais da Saúde têm se desdobrado para conse guir atender a todos, aumentan do cargas de trabalho e dedi cando-se ainda mais à profissão.
Com o psicólogo, não é dife rente. Os profissionais voltados à saúde mental e emocional também precisaram se adaptar à nova realidade e “têm papel fundamental nesse período que a sociedade atravessa”, confor me a psicóloga clínica Lucimara Rosa Ribeiro de Paula.
Atuando na rede pública de saúde, a profissional conta ter vivenciado, nos últimos meses, uma alta procura pelo atendi mento no consultório. Segun do ela, na medida em que a pandemia foi se alastrando, o psicólogo acabou tendo muito mais trabalho.
“Sempre tivemos como objeti vo acolher o sofrimento humano e oferecer escuta especializada a este sofrimento, mas, com o advento da pandemia, isso ficou muito mais requisitado”, revela a psicóloga.
Ela diz que, com o novo co ronavírus, o psicólogo clínico passou a atuar além do apoio preventivo e da intervenção precoce, serviços geralmente oferecidos nas consultas voltadas à saúde mental.
“Agora, também temos como objetivo aliviar o sofrimento mental e emocional gerado e agravado pela pandemia, por meio de um trabalho de aco lhimento e escuta qualificada”, detalha a profissional.
Para Lucimara, o novo co ronavírus fez com que muitos transtornos mentais surgissem. Ela conta que, desde março do ano passado – período que coin cide com o início da pandemia -, passou a atender pessoas que antes nunca tiveram nenhum incômodo ou transtorno mental.
De acordo com a psicóloga, no período, a procura pelo aten dimento psicológico nos postos de saúde aumentou em pelo menos 40%. Ela aponta a nova demanda como resultado do isolamento social.
“Em dias normais, antes da pandemia, eu atendia em mé dia sete pacientes. Depois da pandemia, cheguei a atender até dez pacientes no mesmo dia, a maioria com queixas sobre an siedade e insegurança causadas pelo novo vírus”, revela.
Lucimara ressalta que todas as incertezas da atualidade im pactaram diretamente na saúde mental da população em geral.
“Uma vez que a pessoa precisa ficar isolada em casa, ela pensa dia e noite nas incertezas trazidas pelo vírus. Isso acaba gerando incômodos e até mesmo trans tornos mentais que acabaram fazendo aumentar a procura por atendimento”, reforça.
Pelos atendimentos realizados por ela, na ESF “Estratégia de Saúde da Família”, da vila An gélica, e no CapsAD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) – onde atua na rede pública -, os casos mais comuns durante a quarentena são de baixa autoestima, ansiedade, depressão e síndrome do pânico.
“Também atendi muitos casos de TOC (transtorno obsessivo compulsivo), ideação suicida, automutilação, comportamen tos alimentares desordenados, estresse e pessoas com sentimen tos negativos, como angústia, raiva, desinteresse, descrença, carência, solidão, entre outros gerados pela pandemia”, com pleta a profissional.
Além dos “efeitos colaterais” que resultaram na procura de no vos pacientes, Lucimara aponta haver casos em que a Covid-19 agravou os transtornos mentais e emocionais que já acometiam a população antes da pandemia.
Nos postos de saúde, como exemplo, a profissional cita ter atendido casos das pessoas com TOC que já têm mania de limpeza exagerada. Conforme Lucimara, alguns pacientes já tomavam 20 banhos por dia, ou limpavam a casa a cada dez minutos, e, agora, juntaram a necessidade de manter os cui dados com o exagero gerado pelo transtorno.
“Por isso, digo que, sobretudo nestes tempos de pandemia, nós psicólogos precisamos estar ali, prontos para atender esses casos, oferecer a escuta especializada e ajudar as pessoas a estarem externando o sofrimento e ali viando os sintomas”, enfatiza.
Já no CapsAD (responsável
Diléa Silva Da reportagem
CapsAD, o acompanhamento é permanente, para que não haja recaída. Conheci um senhor que passou 30 anos longe da bebida e voltou a beber durante a pan demia. Ele deixou de trabalhar, de ter vida social, e isso pode ter agravado a dependência”, salienta.
Outra demanda surgida a par tir da pandemia, segundo Luci mara, é o atendimento de pacien tes com estresse pós-traumático, condição que atingiu pessoas acometidas pela Covid-19 e pro fissionais da Saúde que lidam diretamente com a doença.
“Atualmente, minha maior demanda de atendimento é a de estresse pós-traumático. São pessoas que passaram por inter nação em longos períodos, per deram amigos e familiares para a doença e profissionais de saúde que também lidam com essas problemáticas e precisam estar ali no hospital, dando apoio ao sofrimento do outro”, observa
sáveis” para atenuar os quadros de ansiedade manifestados tanto por profissionais de saúde quan to por pacientes.
“Muitas vezes, dentro do hos pital, nos deparamos com aque les pacientes em fase terminal ou com problemas graves de saúde. Nesse momento, o psicólogo vai estar ali, acolhendo o sofri mento, amenizando situações e ajudando o paciente a lidar com as consequências emocionais do adoecimento”, conta a psicóloga.
Com os pacientes, a atuação da equipe vai desde o momen to da internação até a alta mé dica. São feitas visitas aos leitos clínicos de pacientes com pato logias diversas, na ala de isola mento dos casos confirmados e suspeitos da Covid-19, além de consultas individuais com o ob jetivo de realizar escutas sobre as queixas de cada um.
“Também realizamos um tra balho especial com os familiares dos pacientes internados, e ti
palmente nos casos de pacientes diagnosticados com a Covid-19. Conforme a profissional, por tratar-se de uma doença nova e pouco conhecida, psicólogos têm se unido a médicos para repassarem informações sobre os pacientes às famílias.
Além dos pacientes e profissio nais de saúde, a equipe também atende a funcionários de diver sos setores do hospital, atuantes na linha de frente do combate à pandemia (corpo clínico, ad ministrativo, limpeza e portaria, entre outros).
“Aqueles que estão na linha de frente também passam pelo medo do adoecimento. Viram pessoas próximas adoecerem e até morrerem por conta da Co vid-19. Além disso, estão sobre carregados, e tiveram que passar por um processo de adaptação extremo, que provoca forte im pacto na saúde física e psicoló gica”, destaca.
Ela acrescenta que o objetivo da equipe é garan tir que ninguém fique sem atendi mento. “Dentro de um hospital, temos inúmeras questões e dificuldades. Por isso, aquele que buscar ajuda será prontamente aten dido”, garante.
Com o surgi mento de novos transtornos, agra vo dos sintomas dos pacientes já acometidos por doenças mentais e emocionais e a incerteza causada por uma pandemia sem precedentes, assim como os ou tros profissionais de saúde, a psicó loga viu a rotina de trabalho mudar do dia para a noite.
“Sou formada há 14 anos e tra balho em Tatuí por mais de 11, já havia passado por muita coisa, mas, nunca tinha vivi do algo parecido com o que estou vivenciando atual mente. Além de aumentar minha carga horária, mu dei toda a minha rotina em casa e passei a me dedi car à psicologia quase que 24 horas por dia”, comenta Lucimara.
Ela ainda explica a função da psicologia na área clínica da saúde mental, alertando existir pacientes com necessidade de terapia multiprofissional e me dicamentosa (não oferecida no consultório do psicólogo).
“O psicólogo trabalha na saú de por meio da escuta especia lizada, mas conseguimos identi ficar os pacientes que precisam de ajuda de outros profissionais e fazemos o encaminhamento para o neurologista, psiquiatra ou outras especialidades para um tratamento em conjunto”, detalha a profissional.
Ela apontou que a melhor maneira de cuidar da saúde mental é procurar a ajuda de profissionais, como psicólogos, terapeutas e psiquiatras. Além disso, é necessário manter “há bitos simples”, como a prática de atividades físicas e organizar a rotina domiciliar.
“Dentro de casa, é possível or ganizar uma rotina de limpeza, autocuidado, exercícios físicos e outras atividades, como estu dar, ler, assistir filmes. Tudo isso ajuda a promover nossa saúde mental”, sustenta Lucimara.
“Além disso, converse com al guém, mantenha contato com as pessoas por telefone ou internet, evite excesso de informações, coma alimentos saudáveis e aproveite o tempo em família”, acrescenta.
Para as pessoas em trabalho ou estudo remoto, as dicas da psicóloga são: “Procure manter o mesmo ritmo, como se fosse ir ao trabalho ou à escola; vista-se de forma adequada, não trabalhe ou estude de pijama, deitado na cama ou sofá; estabeleça um ho rário e fique longe de barulhos e interrupções; e faça pequenos intervalos, tal como ocorre no trabalho e na escola”.
A psicóloga ressaltou que o município tem uma rede de aten dimento psicológico atuante. Na ESF da vila Angélica, o serviço é prestado de segunda-feira a sexta-feira, com o objetivo de atender ao maior número de pacientes.
“Se alguém precisar de ajuda, de alguma orientação ou infor mação, pode me procurar na ESF da vila Angélica. Estamos estendendo e reforçando o nos so atendimento individual, para não haver aglomerações. Mas, a intenção é atender ao maior número de pessoas possível”, completou a profissional.
Estudos apresentados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e pelo Ministério da Saúde indicam que o Brasil teve crescimento dos problemas rela tivos à saúde mental-emocional nos últimos anos.
pelo atendimento em saúde mental e emocional de depen dentes químicos, tidos como população de risco para a Co vid-19), além dos transtornos já citados, a principal preocu pação, conforme a psicóloga, é com a “recaída”.
“Os dependentes químicos possuem maior fragilidade, até pelas lesões causadas no cérebro pelo uso excessivo de álcool e drogas, e precisam de atenção redobrada, principalmente ago ra, com a pandemia”, alerta a psicóloga.
Ela explica existir uma dife rença no atendimento do Cap sAD com os oferecidos nas uni dades básicas de saúde, indican do que, no caso dos dependentes químicos, mesmo com o paciente em bom estado de saúde física e mental, é necessário acompa nhamento permanente.
“Nas UBSs, atendo pessoas com doenças mentais que po dem ter alta médica. Já no
a psicóloga.
Lucimara conta ter atuado por dois meses na equipe de psico logia hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Tatuí, ação reforçada na pandemia para dar atendimento a profissionais, pa cientes, familiares e consultorias para a “humanização” da Saúde.
O serviço já era oferecido no hospital havia alguns anos pelo psicólogo Rodolfo Rodrigues, contudo, há aproximadamente três meses, formou-se uma equi pe com novos profissionais para o suporte psicológico.
“O ambiente hospitalar sem pre comportou muitos transtor nos emocionais que necessita vam de apoio psicológico, mas agora, com a pandemia, as coisas ficaram mais tensas, e os psicó logos também estão tendo uma importância muito grande no ambiente hospitalar”, enfatizou.
Ela acentua que, no hospital, os profissionais especializados em saúde mental são “indispen
vemos o apoio de uma equipe multidisciplinar, com médicos de diversas especialidades, en fermeiros e outros profissionais, visando à assistência integral do paciente”, informa a psicóloga.
O atendimento é oferecido a todos os pacientes que apre sentam necessidade de acom panhamento. A demanda por intervenção psicológica ocorre por procura espontânea e enca minhamentos médicos.
Lucimara informa existir aten dimento até mesmo para os pa cientes mantidos nas unidades de terapia intensiva. Segundo ela, mesmo não tendo contato direto com os pacientes, ela dava suporte ao corpo clínico na ava liação das condições emocionais dos pacientes.
Atualmente, a psicóloga não atua mais na Santa Casa, mas destaca a comunicação como outro ponto importante nos serviços oferecidos pela equipe psicológica do hospital, princi
“As pessoas pre cisam muito do psicólogo e, nos postos de saúde, nosso atendi mento é tão importante quanto os outros. O próprio sistema público de saúde reconheceu essa importância do acompa nhamento psicológico, e hoje estamos em todos os lugares”, acrescenta a profissional.
Lucimara também falou da importância da escuta especia lizada, explicando que, muitas vezes, externar os sentimentos para pessoas leigas, como fami liares e amigos, pode agravar os sintomas e os transtornos.
“O psicólogo estuda o sofri mento humano para entender que não se trata de frescura ou falta de fé, coisa que as pessoas com transtornos acabam escu tando. Conversar pode ajudar a mitigar os problemas, mas, às vezes, não existe preparo para entender o sofrimento. Por isso, quem tem um transtorno precisa de um atendimento que só um es pecialista pode oferecer”, afirma.
A OMS aponta que, atualmen te, no Brasil, 5,8% da população (12 milhões de pessoas) sofrem de depressão (maior taxa da América Latina, a segunda den tro das Américas e a quinta do mundo).
Em relação aos “transtornos de ansiedade”, o Brasil é o re cordista mundial, com 9,3% da população com algum desses problemas. E, quando a ques tão é o suicídio, o país ocupa a oitava colocação no planeta em relação à contagem absoluta de mortes autoprovocadas, com 12 mil anuais.
“Por isso, ressaltamos que é importante as pessoas procura rem orientação profissional. Não tenham vergonha, pois a consul ta com o psicólogo é como outra qualquer. Além disso, existem os serviços gratuitos, como o 188 do CVV (Centro de Valorização a Vida), que oferecem suporte e ajuda para questões emocio nais”, conclui a psicóloga.
Lucimara Rosa Ribeiro de Paula atende pacientes de segunda-feira a sexta-feira na ESF
Diléa Silva 04
uma guerra atirando no escuro’
Diretora
Quando vi que a Covid-19 come çou a se espa lhar na China, por trabalhar na área de saúde, já sabia que era só uma questão de tempo para começar a ter casos aqui em Ta tuí. Então, comecei a me preo cupar”, relata a médica Maria Laura Lavorato Matias.
A profissional, formada há 16 anos, é diretora clínica da Santa Casa de Misericórdia de Tatuí, onde também atua como gine cologista e obstetra na mater nidade “Maria Odete Campos Azevedo” e fez parte da equipe responsável por coordenar as primeiras ações de combate à Covid-19 no município.
Ela conta que a dificuldade em atender aos pacientes aco metidos pela doença em países como China e Itália - mais bem estruturados na área de saúde que o Brasil – fez acender na equipe de saúde tatuiana “um sinal de alerta”.
“Tudo foi muito difícil no co meço. Precisamos nos preparar com os recursos e as poucas in formações que tínhamos e, pior do que saber da transmissão do vírus, era não saber como lidar com ele, já que ninguém sabia quase nada sobre a doença”, ressalta a médica.
Em fevereiro de 2020, Maria Laura e outros profissionais de saúde, como médicos, enfermei ros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem e outros especia listas, reuniram-se para traçar um plano de ação, baseado nos cenários vividos até então nos países onde o vírus já havia se alastrado.
No mês seguinte, a administra ção formou o Comitê Municipal de Prevenção e Enfrentamento à Covid-19. Maria Laura informa que, “mesmo com as incertezas trazidas pelo vírus”, Tatuí foi uma das primeiras cidades a reunir profissionais e autorida des visando combater a doença.
“Começamos a reunir estatís ticas de como a doença poderia progredir e, mesmo ainda sem nenhum caso na cidade, senta mos para discutir quais ações se riam cabíveis de forma imediata para atender à população que chegaria aos hospitais”, salienta a profissional.
Na primeira reunião, após a formação do comitê, realizada em 20 de março, o município tinha registrado um caso suspeito de Covid-19. Foram, então, apre sentados possíveis cenários epi demiológicos para o município.
Na ocasião, o comitê começou a alertar sobre a necessidade de conscientização da população e de se seguir à risca as orientações de prevenção, permanecendo-se em casa e evitando-se o conta to social.
No mesmo dia, a prefeita Maria José Vieira de Camargo assinou dois decretos sobre ado ções de medidas temporárias e emergenciais para o enfrenta mento à pandemia, formalizan do emergência e determinando o fechamento de atividades pú blicas, comerciais, industriais e de serviços considerados não essenciais.
Conforme os documentos, a medida foi tomada tendo em vista as orientações do decreto estadual 64.865, de 18 de março, bem como as recomendações do Ministério da Saúde, con siderando a necessidade de se evitar a propagação da doença e de tomar-se providências para o combate ao vírus.
Maria Laura aponta ter co meçado todas as ações no hos pital, “ainda com muito medo”, por não saber exatamente o grau de transmissibilidade do novo coronavírus, nem o grau de proteção necessário para a equipe do hospital, pelo risco de exposição dos profissionais a uma alta carga viral.
“Estávamos lidando com uma situação inédita e totalmente arriscada. Então, decidimos oferecer proteção máxima, em equipamentos e de tudo o que a gente podia, para manter a
individual, nada disso. Graças a Deus! Mas, vi cidades pró ximas sofrerem com a falta de insumos, e tínhamos medo de que isso ocorresse aqui tam bém”, reforça.
Outra situação difícil elencada pela médica refere-se a questão pessoal e emocional enfrentada por ela durante a pandemia, ao percorrer os corredores da Santa Casa e deparar-se com pacientes que tiveram a vida abreviada pela doença e profissionais de saúde abalados pela situação.
“Muitas pessoas têm a falsa
cia a médica.
“É muito triste ver pessoas aqui sofrendo no hospital, com uma doença que abreviou a vida de jovens e idosos. Vi pessoas perderem o pai, a mãe o irmão... Algumas vezes, chorei, até mes mo vendo televisão, quando fa lavam da quantidade de mortes. Foram momentos muito difíceis, mexeram muito com a questão emocional”, acrescenta Maria Laura, emocionada.
Nos momentos de pico da pandemia, toda a rotina da rede pública de saúde foi alterada
a linha de frente atender os pa cientes, e ali eu tive ainda mais contato com pessoas acometidas pela Covid-19, desde jovens até idosos lutando para sobreviver”, testemunha a profissional.
Ela relata ter uma rotina exaustiva, com longas jornadas de trabalho e rigor na paramen tação para evitar infecções pelo novo coronavírus. Além de toda a alteração na rotina hospitalar, ainda sofreu mudanças na vida pessoal.
“Moro sozinha, e foi um pou co mais tranquilo neste sentido, porque não preci sava me preocupar em levar o vírus para dentro de casa e contaminar outras pessoas. Mas, mes mo assim, deixei de ver os meus pais com a frequência que eu os via”, aponta.
Com pais incluí dos no grupo de risco (acima dos 60 anos e com comorbidades), Maria Laura con ta ter passado mais de oito meses sem encontrá-los. “Eles moram em São Pau lo, não os via todo dia e foi difícil ficar tanto tempo falando com eles apenas por telefone e internet”, assevera.
A visita pôde acontecer depois que os pais e a médi ca foram vacinados contra a Covid-19. A imunização, acentua ela, protegeu-a efeti vamente da doença. Mesmo estando ex posta ao vírus, Maria Laura não contraiu a enfermidade.
pela responsabilidade em lidar com vidas humanas.
“Me questionei várias vezes se eu ia dar conta de tudo isso, e acho que todo profissional da Saúde passou por isso. Mesmo que não seja na pandemia, tem algumas situações que testam a nossa capacidade, e nós não te mos o direito de errar”, enfatiza a médica.
“O erro de um engenheiro, de um administrador ou de qual quer outra profissão que não seja na área da Saúde pode ser cor rigido, ou, de repente, ter uma aresta para reduzir o dano; já o profissional da Saúde não tem este direito. Nosso erro pode custar a vida de uma pessoa. Somos testados diariamente e, na pandemia, isso ficou mais intenso”, adiciona.
Conforme Maria Laura, mes mo com todos estes fatores, a desistência nunca foi uma op ção. Para a médica, os desafios trouxeram ainda mais força para continuar na medicina, profissão a qual ela conta ter desejado desde a infância.
“Sempre quis ser médica, mi nhas bonecas e brinquedos eram todos operados, tinham pernas amputadas para depois eu aju dar a curá-las. Enfim, eu vivia brincando de consultório e de hospital, cresci pensando em ser médica para ajudar o mundo”, relata a profissional.
Formada e em atuação, Maria Laura agora diz ver a profissão como uma forma de “tentar mu dar o mundo, fazendo o bem”.
“Claro, a gente sabe que não vai conseguir isso, mas cada pessoa que conseguimos ajudar faz tudo valer a pena. Acho que isso é uma característica comum dos profissionais da Saúde. Então, desistir nunca é uma opção”, reitera.
segurança dos nossos funcio nários. Mesmo assim, ficamos tensos, enfrentamos uma guerra atirando no escuro”, exemplifica a médica.
Mesmo definindo antecipa damente as ações de combate ao vírus e prevenção à doença, Maria Laura afirma ter passado períodos difíceis, principalmente pelo cargo que ocupa, frente à diretoria clínica do único hospi tal público da cidade.
Segundo ela, quando os go vernos (federal, estadual e mu nicipal) começaram a distribuir recursos para os municípios se prepararem para a pandemia, os hospitais enfrentaram a falta dos materiais e insumos necessários para o abastecimento.
“O mundo inteiro estava con sumindo os mesmos produtos, então, o começo foi bem com plicado. Depois começamos a entrar numa engrenagem e con seguimos fazer tudo funcionar melhor”, menciona.
Apesar da alta procura por in sumos em todo o mundo, Maria Laura afirma não ter enfrentado a falta de materiais na Santa Casa. Conforme a médica, o es toque já existente foi suficiente para atendimento nos primeiros meses, até a aquisição de novos materiais.
Ela, inclusive, aponta ter su prido, no começo da pandemia, algumas cidades da região que enfrentavam a falta de medica mentos, equipamentos de prote ção individual e outros insumos.
“Tatuí é muito abençoada. Em nenhum momento enfren tamos falta de medicação, nem de equipamentos de proteção
impressão de que a área médica está acostumada a ver pessoas morrerem, mas isso não é ver dade. A situação que vivemos, principalmente nos momentos de pico da Covid-19, nos deixou abalados de diversas formas”, acentua a profissional.
Conforme Maria Laura, mui tos profissionais, assim como ela, passaram a relatar problemas emocionais gerados pela pande mia, com a perda de pacientes, incertezas e consequências leva das para a vida pessoal.
Com essa situação, a direto ra clínica reforçou a equipe da psicologia hospitalar - já exis tente para o atendimento dos pacientes -, incluindo um servi ço voltado à escuta e apoio dos profissionais da Saúde.
“Acho que falo por todo mun do aqui do hospital: tivemos momentos desesperadores. Eu mesmo passei por períodos de síndrome do pânico e acorda va com sensação de falta de ar. Chegava a abrir janela, ligar ventilador etc., com medo de não conseguir respirar”, revela.
Além de preocupar-se com a saúde física e emocional, Maria Laura conta ter perdido noites de sono devido à responsabilidade frente ao hospital, preocupada em oferecer o melhor serviço e não deixar faltar nada.
“Quando acordava de ma drugada, ficava pensando no hospital, se estavam precisando de mais alguma coisa e se não tinha deixado passar algo. Teve noites em que acordei e vim parar aqui na Santa Casa, no meio da madrugada, para ver se estava tudo bem”, confiden
para atender à demanda. Pro fissionais de saúde que estavam de férias ou afastados, mas em condições de trabalhar, foram convocados e passaram a atuar na linha de frente.
Com isso, Maria Laura atuou no gripário e na UPA (unidade de pronto atendimento), além de continuar os plantões como gine cologista e obstetra e cuidar da diretoria clínica da Santa Casa.
“Teve uma época em que to dos os profissionais acabaram ajudando no atendimento do gripário. Todo mundo foi para
“Tomei a vacina e fiquei entre alguns sortudos que não contraíram o vírus. Acho que tive sorte também. Mesmo imunizada é possível contrair o vírus, e me vi em situações na emergência, por exemplo, que pensei: acho que agora eu peguei. Mas, usando os equi pamentos e tomando cuidado, não tive Covid-19”, exemplifica.
Ao ver pessoas próximas, familiares e amigos morrerem em decorrência da Covid-19, Maria Laura também expõe ter vivido momentos de incerteza quanto à escolha da profissão,
A força para continuar, con forme a médica detalha, também vem da fé e das coisas que dão certo. “Ficamos muito cansados e vemos muitas coisas tristes no hospital, mas tudo isso é com pensado quando vemos um paciente vencendo a doença”, declara a diretora.
“Não tem dinheiro no mun do que pague você ver aquela pessoa que, às vezes, você viu ali, até perto do leito de morte, sair daqui recuperado e voltar feliz te agradecendo pelo aten dimento. Ou até mesmo se não agradece, só o fato de estar bem é gratificante”, conclui a médica.
‘Enfrentamos
clínica da Santa Casa expõe luta da rotina hospitalar desde o começo da pandemia de Covid Diléa Silva Da reportagem “
A ginecologista e obstetra Maria Laura Lavorato Matias
Diléa Silva 05
Vacinação contra a Covid-19 traz
esperança’
Momentos marcan tes, de emoção e gratidão, estão fazendo parte da rotina da enfer meira Lilian Miranda de Camar go, 39, profissional da rede pública de saúde que tem atuado como vacinadora na campanha de imu nização contra a Covid-19.
De acordo com ela, entre os milhares de tatuianos já vacinados, muitos choraram por estarem re cebendo “uma dose de esperança para a vida e de dias melhores”.
“Vi muitos se emocionarem. Vários choraram e externaram o quanto estavam gratos por re ceberem a imunização. Muitos não acreditavam ter chegado a vez de tomar a vacina, tamanha era a ansiedade e a felicidade por estarem se protegendo de um ví rus, muitas vezes, mortal”, revela a enfermeira.
Em pouco mais de seis meses de imunização, ocorreram dias em que mais de mil pessoas passaram pelo drive-thru da vacinação no estacionamento do novo paço municipal, onde a enfermeira atua. Contudo, algumas reações impactaram e ficaram marcadas na memória, segundo Lillian.
“Teve uma mulher que mar cou muito. Ela chegou com um hino religioso tocando no carro, segurando o terço e com muitas lágrimas rolando no rosto”, des creve Lilian, acrescentando ter sido “muito bonito e satisfatório”
acompanhar a aplicação.
A Coronavac, produzida pelo instituto Butantan, foi a primeira a ser aplicada em Tatuí. A campanha começou no dia 21 de janeiro imunizan do os profissionais de Saúde e, logo depois, os idosos.
A vacinação com o imuni zante da Oxford/AstraZene ca teve início pouco tempo depois, no dia 29 de janeiro. Posteriormente, em julho, o município também recebeu doses da Biontech/Pfizer e da Janssen (dose única).
Nesse período, a campa nha havia atingido mais da metade da população com pelo menos uma dose contra a doença e mais de 20% com o ciclo completo de imuniza ção, somando as aplicações de segunda dose e dose única - o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) es tima que Tatuí tem 122.967 moradores.
“Com a vacinação chegan do em cada vez mais pessoas, será possível evitar muitas mortes e continuar reduzindo o número de internações por Covid-19”, enfatiza a enfer meira, ressaltando a impor tância da campanha.
Para Lilian, ver pessoas que não querem tomar a vacina ou escolher o imunizante é “revol tante e triste”.
“Acho que é falta de empatia.
Nós precisamos vacinar o quanto mais pessoas, porque o vírus está aí”, menciona a enfermeira, lem brando que a doença já matou quase 500 pessoas em Tatuí.
“Muitas pessoas perderam pa rentes, amigos próximos e sofrem por saber que muitos deles não tiveram a oportunidade de serem imunizados. Quem tem a chance
e está no público-alvo precisa pensar nisso e ter empatia”, adiciona Lilian.
A enfermeira ressalta que as medidas de prevenção devem continuar mesmo após a vaci nação, para evitar que a con taminação aconteça, alertando que a vacinação também serve para proteger de versões mais graves da doença.
“É essencial tomarmos a vacina, mas o uso da máscara, além de ser obrigatório por lei, é indispensável, assim como a higienização correta das mãos e o distanciamento social”, orienta Lilian.
Na vacinação, a enfermeira viveu momentos reconfortan tes, mas a maioria dos dias não foi assim. Antes da pandemia, Lilian atuava na Central de Va gas de Exames e na auditoria da Secretaria da Saúde.
Contudo, com a dissemina ção do novo coronavírus e o aumento no número de pes soas contaminadas na cidade, a enfermeira viu a rotina de trabalho mudar drasticamente.
Ela, assim como os outros pro fissionais de saúde, deixou de ter lugar fixo e passou a atuar onde fosse necessário.
Durante os últimos meses, trabalhou com a equipe do SAD (Serviço de Atendimento Domi ciliar) nas campanhas de imuniza ção contra a gripe e a Covid-19, atuou nas visitas domiciliares com
a equipe de combate à dengue e no “gripário” - serviço voltado ao atendimento exclusivo de pacien tes com suspeita e positivos para a Covid-19.
“Sou disposta, e sempre quero fazer alguma coisa, não consigo ficar parada. Então, cada dia eu estava em um lugar diferente. As ações vão até às 18h, por aí. De pois, vou para a secretaria para ter minar o que ficou parado do meu serviço e fico lá até às 22h mais ou menos”, conta a enfermeira.
Durante as ações diárias em meio à pandemia, Lilian também conta ter presenciado momentos de dor, sofrimento e exaustão, principalmente quando atuou no gripário, para o qual vão os pacientes com Covid-19.
“Vários dias no gripário foram muito corridos. Em uma semana de pico no número de contami nações e internações, passamos momentos de agonia e correria para tentar salvar os pacientes que chegavam, um após o outro, todos com sintomas fortes da doença. Al guns chegavam pedindo socorro, com falta de ar, foi desesperador”, reconhece a enfermeira.
Lilian aponta terem ocorrido diversas mudanças na rotina dela a partir da pandemia. Além da carga horária quase dobrada no trabalho, a enfermeira enfrentou o medo do vírus e de não “dar con ta” do cansaço físico e emocional.
“No começo, não sabíamos ainda como era o vírus e os peri
‘doses de
Enfermeira Lilian Miranda de Camargo compartilha relatos da campanha de imunização no município Diléa Silva Da reportagem Dilea Silva
Lilian
Miranda na campanha de vacinação contra a Covid-19 06
gos dele. Então, fiquei uns quatro meses sem ver a minha família. Mas, ainda precisei ficar em casa, com meu marido e meus filhos, e tinha muito medo de levar o vírus para eles”, declara
Pelo noticiário, Lilian acompa nhava o aumento de casos e o “as sustador” número de mortes ocor ridas em decorrência da doença e, com as incertezas de como o vírus se espalharia pelo país, passou a ter crises emocionais.
“As notícias me deixaram mui to assustada, e eu ficava com medo do que poderia acontecer. Chorei muito por medo de morrer, de contaminar minha família”.
“Fiquei uns três meses assim, aí parei de me concentrar no que estava acontecendo no país e passei a focar no que eu estava vivendo aqui na cidade, para não aumentar a ansiedade e poder aju dar da melhor maneira”, relata a enfermeira.
O método usado para dimi nuir a ansiedade foi deixar de acompanhar os noticiários pela televisão. “Eu precisava de força para continuar e não estava con seguindo me concentrar no que estava acontecendo aqui. Então, até hoje, não assisto TV”, admite.
Segundo ela, o juramento de ajudar o próximo, feito na forma tura da faculdade de enfermagem, a fé em Deus e o apoio da família não deixaram que ela desistisse da profissão e deram-lhe forças para continuar trabalhando.
“Por mais que às vezes eu sofra, nunca vou largar minha equipe, meus colegas de trabalho e mi nha profissão. Vou até ao fim e, para isso, também conto com a ajuda do meu marido e dos meus filhos, que sempre me apoiam”, acrescenta.
A chegada do trabalho para casa também sofreu mudanças. “Antes, eu chegava e ia direto ver meus filhos e meu marido; agora, não entro em casa sem tomar um banho e trocar toda a roupa e os sapatos”, assegura Lilian.
O protocolo usado por ela, para não levar o vírus para casa, deu
resultado. A enfermeira testou positivo para a doença na últi ma semana de dezembro do ano passado, mas nenhum familiar foi contaminado.
Lilian explica que teve sintomas leves, como a falta de paladar e olfato. Mesmo assim, manteve-se isolada dentro de um quarto e fi cou sem ver os filhos e o marido, que moram na mesma casa, por mais de dez dias, aguardando até o final do período considerado de risco de transmissão da doença.
“Tentei me isolar o máximo possível na minha casa e, graças a Deus, ninguém pegou, só eu”, completa a enfermeira, dizendo ter sido abençoada por ter sin tomas leves e alcançado a cura da doença.
“Eu vi amigos perdendo familia res, perdi colegas de trabalho, vi muitas pessoas passando mal por conta do vírus e não sabia como seria comigo, quando e se eu pe gasse. Foi um alívio ter passado bem por essa situação”, confessa a enfermeira.
Lilian é formada pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e, desde 2005, também atua na rede pública tatuiana. Ela conta ter sido “escolhida” pela profis são, a qual conheceu e acabou por “apaixonar-se”.
“Sou aquela pessoa que sem pre sonhou com isso. Na verda de, queria muito me casar e ter filhos. Meu irmão, que é médico, acabou me incentivando a entrar para a enfermagem, e resolvi fa zer os dois: casei-me e comecei a estudar”, revela.
Conforme Lilian, com o apoio do marido, ela fez a inscrição no curso uma semana antes da data do casamento e, depois de conhe cer a profissão, acabou “pegando gosto” pelo trabalho de ajudar o próximo.
“Eu não fazia ideia de que profissão iria seguir, acho que foi uma coisa que Deus me apontou o caminho e eu segui. Hoje, sou exemplo para a minha filha, que está fazendo faculdade de medi cina”, conclui a enfermeira.
“Gratidão e alegria”
Aposentada exprime o sentimento de ser vacinada
Em meio às milhares de pessoas vacinadas em Tatuí, está a aposentada, Adriana Rodrigues, que, aos 58 anos, recebeu a primeira dose da vacina e, muito emocionada, destacou a impor tância da imunização contra o novo coronavírus.
Adriana esteve no drive-thru, que funciona no estaciona mento da nova prefeitura, no dia 11 de junho - dia em que o município passou a vacinar pessoas sem comorbidades a partir da faixa etária dela.
“Fui uma das primeiras a chegar no local para ser vacinada e não acreditava que já tinha chegado a minha vez. Esperei muito pelo dia da imunização contra a Covid-19 e fiquei muito feliz quando ele chegou”, ressalta.
Adriana trabalhou por mais de 20 anos na Secretaria Mu nicipal da Saúde, como assessora de gestão da pasta, e disse que, ao descer do carro, no dia da vacinação, não conseguia nem falar com a equipe de saúde e as ex-colegas de trabalho.
“Fiquei fora de mim de tanta felicidade. Só conseguia cho rar e agradecer a Deus, a ciência e o SUS por poder estar re cebendo a primeira dose da vacina na minha cidade”, acres centa a aposentada.
Quando a vacinação começou a ser realizada em Tatuí, Adriana passou a seguir diariamente as postagens da prefeitura nas redes sociais para acompanhar a evolução da imunização no município e saber em qual dia a faixa etária dela seria in cluída no público-alvo da campanha.
“Começou com os idosos e, quando foi baixando a idade e achei que seria a minha vez, chegou a vez das pessoas com comorbidades. Fiquei superansiosa aguardando, dia após dia, a minha vez”, descreve a aposentada.
Um dos motivos da emoção no momento da aplicação da vacina, segundo Adriana, foi saber que muitas pessoas mais jo vens ainda não tinham recebido a imunização, além de lembrar daqueles que partiram antes “da sorte de serem imunizados”.
“Acho que todos nós esperamos este momento com muita ansiedade. A dose traz expectativa de dias melhores, de vida e de esperança, pois faz mais de um ano que estamos perden do pessoas queridas para esta doença e passando por muita tristeza”, comenta Adriana.
Para a aposentada, apesar de algumas pessoas terem receio, a imunização “é extremamente importante”.
“Temos visto o resultado dela com redução no número de internações e mortes. Hoje, me sinto feliz e confiando ainda mais na ciência e no SUS. Fiz a minha parte, pois essa é só uma batalha na guerra contra o coronavírus”, completa Adriana.
A aposentada completou 59 anos no mês de julho, “com a alegria de já ter tomado a primeira dose do imunizante. A segunda dose Adriana deve receber no dia 1º de setembrodata que ela também “aguarda ansiosamente”.
Arquivo pessoal
Diléa Silva Da reportagem
Adriana completa 59 anos comemorando a primeira dose contra a Covid-19
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Superando desafios pela
Avida do profissional de saúde já era marcada por muitas horas de trabalho, pressão e estresse. Po rém, com a chegada da pandemia de Covid-19, a rotina se agravou de maneira inédita.
A O Progresso , grande parte dos profissionais de saúde relataram nunca ter passado por situação tão intensa e desafiadora quanto a atual. Entre tanto, foram unânimes em dizer que, enquanto há desafios, também existe “a sensação de estar cumprindo uma missão”.
De acordo com a enfermeira Marília Bernar do, diretora da Atenção Básica de Saúde - em atuação no “gripário” do município desde a inauguração do serviço destinado à Covid-19 –, a maioria dos profissionais “se entregou inteira mente na pandemia”.
Ela destaca: “Existe o medo de adoecer, a insegurança, choramos inúmeras vezes, mas, ao mesmo tempo, oferecendo ajuda, trazendo conforto e aliviando a dor dos pacientes, temos a sensação de dever cumprido”.
Abordando o trabalho da enfermagem nos tem pos da pandemia, a profissional da rede pública de saúde, formada pela PUC (Pontifícia Univer sidade Católica) de Sorocaba, afirma que, em 14 anos de carreira, nunca viveu uma realidade tão desafiadora como agora.
Marília conta como foi a rotina de trabalho dos profissionais de saúde durante a pandemia e detalha mudanças ocorridas desde o primeiro caso confirmado de Covid-19, na China.
“No começo, era tudo uma novidade, mas tam bém era muito tenso. Acho que, assim como a maioria da população, todo o profissional de saúde estava com medo do que estava por vir, por não saber qual seria a dimensão da doença”, relata
Com o primeiro caso confirmado no estado de São Paulo, em fevereiro de 2020, o município co meçou a se preparar e planejar ações de combate
à Covid-19. Ainda sem nenhum caso registrado na cidade, Marília disse não ter cogitado “que a situação fosse ficar tão grave”.
“Eu tinha esperança de que tudo passasse rápi do e não tinha a menor ideia do que enfrentaria. Com o passar dos dias, fomos vendo a doença chegar cada vez mais perto, até que ocorreu o primeiro caso confirmado no município”, decla ra a enfermeira.
A partir de março de 2020, com as determi nações de isolamento social e um caso positivo na cidade, Marília diz ter mudado totalmente de rotina. A Secretaria de Saúde recebeu o primeiro lote de testes para a Covid-19 e a enfermeira foi designada a atuar na testagem.
Quatro meses depois, já em julho de 2020, o número de casos aumentou e a Santa Casa de Mi sericórdia inaugurou o “gripário”, centralizando os serviços de testagem e atendimento reservados a pessoas com sintomas da Covid-19.
Desde então, Marília passou a atuar como enfermeira no local, onde permanece há pouco mais de um ano. Nesse serviço, aponta ter pas sado os momentos mais marcantes, desafiadores e exaustivos da profissão.
“No gripário, passei por dias muito tristes, acompanhei e atendi muitos pacientes em estado grave; vi mães, filhos e famílias inteiras desespe radas com pessoas acometidas pela Covid-19; presenciei e, também, vivi muita dor e cansaço físico e emocional”, testemunha a enfermeira.
Segundo ela, um dos maiores desafios da pro fissão durante a pandemia é manter-se “firme” no trabalho quando ocorre a perda de um pacien te. Ela revela que, muitas vezes, o profissional acaba se envolvendo e sente-se parte da família dos hospitalizados.
“Lidar com a morte é muito triste. Inúmeras vezes, quando eu chegava em casa, desabava de chorar. Não é porque trabalhamos na área de saú de que nós lidamos bem com a morte. Para nós,
‘missão de salvar vidas’ Marília Bernardo fala dos cuidados e preocupações na linha de frente de combate ao novo coronavírus Diléa Silva Da reportagem
Marília Bernardo
afirma ter optado por estar na linha de frente Dilea Silva 09
cada paciente que morre é mui to dolorido”, assegura Marília.
A enfermeira explica que a interação com o paciente ocor re já no primeiro atendimento, durante o oferecimento dos exames clínicos, da detecção da doença, dos medicamentos e outros serviços necessários para o tratamento.
“Neste meio tempo, o pa ciente vai interagindo, conta a história dele e nós (profissionais de saúde) acabamos criando um vínculo com a pessoa, o que torna ainda mais difícil superar a dor da perda”, argumenta a enfermeira.
Além de prestar os primeiros atendimentos, nos períodos de pico da doença (entre maio e junho), quando os leitos clínicos e de terapia intensiva da Santa Casa ficaram superlotados, o gripário serviu de apoio para a internação dos pacientes.
Segundo Marília, quando o sistema de saúde quase entrou em colapso, o gripário chegou a ficar com pacientes em esta do “crítico” por três dias, até o surgimento de vagas para internação.
“Nestes casos, nós criamos ainda mais vínculos, sem contar que moramos em uma cidade pequena e, muitas vezes, já co nhecemos o paciente. Então, cada pessoa cuidada por nós que evolui mal e acaba fale cendo é uma perda imensurá vel e muita tristeza”, reforça a enfermeira.
Marília acentua que testemu nhar o adoecimento das pessoas, a perda de colegas de profissão e acompanhar pacientes que tiveram a vida abreviada pela Covid-19 causou abalo físico e emocional em diversos profis sionais da Saúde.
“A gente sabe que, acabando isso - e espero que esteja no fim -, os profissionais de saúde vão pre cisar de muita terapia. Ninguém vai sair 100% saudável. Acredito ser impossível não ficar abalado com a situação que vivemos”,
observa a profissional.
A enfermeira ainda elenca a perda de amigos e familiares, o adoecimento, a tristeza, o cansa ço devido à correria para salvar vidas e altas cargas de trabalho como situações geradoras do desgaste dos colegas.
“Nossa carga de trabalho é pe sada, não dá nem para mensurar o quanto é necessário dedicar-se à profissão. Por isso, digo que é uma missão. É preciso gostar de ajudar o próximo e estar dis posto a abdicar de muita coisa para seguir na área”, aponta a enfermeira.
Outro desafio dos profissio nais de saúde no período da pan demia, pontuado pela enfermei ra, é manter-se saudável e não levar o vírus para casa, devido ao contato direto com pacientes contaminados e à exposição de alta carga viral presente nos ambientes onde atua, como hospitais e unidades de saúde.
Marília ressalta que a maior preocupação é seguir os pro tocolos à risca (higienização, avental, máscara, “face shield”, luvas, touca e todos os itens necessários) para poder sair do trabalho sem levar o vírus para casa.
“Tenho um filho pequeno de oito anos que vinha correndo me abraçar quando eu chegava em casa. Tudo isso mudou com a pandemia. Agora, chego, tiro toda a roupa na garagem e entro correndo sem ver ninguém até tomar banho”, assegura.
Marília ainda fala da preo cupação com os pais, contudo, confessa não ter deixado de vê -los. O pai tem 65 anos, e a mãe, de 57 anos, também é técnica de enfermagem e atua no am bulatório de curativos da rede pública de saúde.
“Até tentei me afastar no co meço, mas eles não aceitaram. Até porque, minha mãe não pa rou de trabalhar. Claro, sempre tomamos muito cuidado, mas op tamos por continuar nos vendo, mesmo que, às vezes, de longe”,
menciona a profissional.
Conforme a enfermeira, por terem sido os primeiros a receber as duas doses da vacina contra a Covid-19, os profissionais de saúde acabaram tendo menos chances de mortes e internações, mas ela também reforça que a vacina não evita a doença.
Marília reitera ter mantido todos os cuidados e protocolos exigidos para evitar se expor ao vírus. Mesmo assim, conta ter testado positivo para a doença, em junho deste ano.
“Os sintomas foram leves por conta da vacina, porém, tive muito medo. O fato de ter vis to pessoas saudáveis evoluírem para quadros graves me deixava insegura. Além disso, eu tinha muito medo de transmitir o vírus para alguém da minha família”, pontua.
Mãe e esposa, Marília relata que, além dos medos pela saú de física, passou por momentos difíceis e solitários em casa, por conta do isolamento – necessá rio para evitar a transmissão da doença.
“Quase enlouqueci sozinha no meu quarto, sem contato com os meus pais, com o meu mari do e com o meu filho. Não via a hora de passar o período de risco de transmissão para poder voltar a trabalhar e a ver minha família novamente”, comenta a enfermeira.
Apesar dos desafios, Marí lia – que é responsável pela coordenação dos 17 postos de saúde do município - garante ter optado por atuar na linha de frente para ajudar as pes soas em vez de ficar somente na parte administrativa.
“É impossível você ser en fermeiro, ver uma tragédia acontecendo e não correr jun to com os colegas para fazer alguma coisa pelo próximo. Acho isso humanamente impos sível”, pondera a enfermeira, acrescentando ver a profissão “como uma dádiva”.
“Quando comecei a fazer a
faculdade, com 17 anos, já não tinha a menor dúvida de que havia escolhido a profissão cer ta. É muito bom poder cuidar, confortar e aliviar a dor do outro. Acho que é uma profissão muito abençoada”, reforça.
Ela conta ter escolhido o ofí cio quando criança, seguindo o exemplo da mãe. “Sempre pensei em algo na área da Saúde, e ver minha mãe tra balhando na área só fortale ceu minha vontade, pois ela,
para mim, é um exemplo de ser humano e profissional”, acentua Marília.
Para ela, ser enfermeira é motivo de orgulho. “Ver os pacientes recuperados e com saúde é a nossa recompensa por tudo que passamos. Poder ajudar as pessoas é gratificante, me dá muito orgulho. Também me orgulho muito da equipe de saúde daqui de Tatuí. São grandes guerreiros”, completa.
A enfermeira também classi
fica a pandemia como o início de um novo período para os profissionais da enfermagem, devido ao reconhecimento da importância da profissão ocor rida desde então.
“Acho que o profissional da enfermagem e da Saúde como um todo nunca foi tão valorizado e reconhecido como agora. De repente, isso pode influenciar nas nossas condições de trabalho e até mesmo trazer melhorias ao setor”, conclui Marília.
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‘Pacientes precisam da gente!’
Afisioterapeuta Elis Rena ta de Oliveira concluiu, há sete anos, o curso su perior dos sonhos dela, mas nem nos piores pe sadelos imaginava que iria enfrentar, em tão pouco tempo depois, uma ba talha tão decisiva, lutando contra um inimigo invisível: o vírus da Covid-19.
Na chamada “linha de frente” de combate à pandemia, Elis passou a manter-se mais exposta ao vírus, que se mostraria implacável contra mais de quatro milhões de pessoas no mundo, incluindo milhares de profissionais de Saúde e seus próprios pacientes, paren tes e conhecidos.
“A gente estuda sobre epidemias e pandemias na faculdade, mas não tinha noção do que seria uma pandemia de verdade”, diz a fisioterapeuta, que tra balha na Santa Casa e no Hospital da Unimed de Tatuí.
Esse cenário desconhecido e assus tador, somado ao elevado número de pacientes e às constantes perdas, fez Elis adoecer, não de Covid-19 (que ela contraiu em maio do ano passado, mas se recuperou em duas semanas, após tratamento em casa), mas de ansiedade.
Ela está, inclusive, fazendo tratamen to para poder dormir melhor, algo di fícil no momento. Até mesmo relaxar nos momentos de folga não tem sido fácil, confessa.
Mesmo com a contratação de mais profissionais já atuando na área dela, a sobrecarga emocional não diminuiu. Ainda que com mais pessoas para reve zar o trabalho, é quase impossível para Elis se desligar dos hospitais.
Primeiro, porque não se pode visitar a família ou fazer alguma atividade de lazer para descontrair; depois, porque o sofrimento vivenciado no trabalho se “agarra à mente”, dificultando o des canso. Com insônia diária, a situação foi piorando e somente à custa de re médios a normalidade voltou.
“Antes, eu saía do hospital e con seguia ‘desligar’. Hoje, não. A gente vai para casa e continua pensando no paciente, como ele está, como está evoluindo, se melhorou, se piorou, as intercorrências, as emergências”, con fidencia.
“Fica com aquilo na cabeça, sonha, tem pesadelo, e lidar com isso tem sido difícil. É bastante ansiedade. É difícil dormir, tenho pesadelos. Eu trabalho à noite e, na noite em que estou de folga, tenho dificuldade para dormir”, acrescenta.
Como Elis, centenas de profissionais de saúde também manifestam sofri mento emocional. “Está todo mundo no mesmo barco. As intercorrências acontecem toda hora e a equipe está com sobrecarga emocional. Acho que isso afetou a todos”, comenta.
Uma pesquisa realizada pela Funda ção Oswaldo Cruz (Fiocruz) em todo o Brasil e divulgada em março revelou que parcela considerável dos profissio nais de saúde que trabalham no aten dimento de pacientes com Covid-19 apresentou problemas emocionais.
As alterações mais comuns são per turbação do sono (15,8%), irritabilidade, choro frequente e distúrbios em geral
(13,6%), incapacidade de relaxar e es tresse (11,7%), dificuldade de concentra ção ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida, tristeza e apatia (9,1%), sensação nega tiva do futuro e pensamento negativo ou suicida (8,3%) e alteração no apetite e no peso (8,1%).
Segundo a Fiocruz, a pesquisa “Con dições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19” se trata do “mais amplo levantamento sobre as condições de trabalho dos profissionais de saúde desde o início da pandemia”.
Isso porque, segundo a entidade, o estudo analisou o ambiente e a jornada de trabalho, o vínculo com a instituição, a vida do profissional no período ante rior à pandemia e as consequências do atual processo de trabalho, envolvendo aspectos físicos, emocionais e psíquicos desses trabalhadores.
Entre os entrevistados, quase a me tade dos profissionais de saúde que atuam na linha de frente da Covid-19 disseram que há excesso de trabalho. A sondagem também mostrou que 45% precisam ter mais de um emprego para se manter e que 14% disseram estar no limite da exaustão.
Para Elis, uma das principais angús tias é ver alguém não conseguir respi rar. “A gente vê o paciente sofrendo, porque é uma angústia muito grande
sentir falta de ar. Acho que é uma das situações mais angustiantes que se tem: querer respirar e não ter ar entrando nos pulmões. Isso dá uma agonia muito grande. Nós, fisioterapeutas, lidamos di retamente com a parte respiratória do paciente. Então, é angustiante, a gente sofre muito junto com eles.”
Como fisioterapeuta, ela trabalha di retamente com esses casos, de pacientes que estão com dificuldade respiratória. “A gente começa atuando logo no iní cio, quando o paciente dá entrada e seu quadro começa a se agravar com um processo inflamatório”.
“Aí, começamos os exercícios respi ratórios, para prevenir complicações cardiorrespiratórias, e indicando oxige noterapia quando o paciente apresenta queda de saturação, para evitar que a lesão aumente e o paciente precise de um tratamento mais invasivo”, explica a fisioterapeuta.
“Se a doença avançar, aplicamos técnicas de ventilação mecânica não invasiva; se for preciso entubar na UTI, a gente atua nos ajustes ventilatórios para evitar mais lesões pulmonares”, detalha Elis
Especialista em atendimento a pa cientes críticos internados em UTI, Elis já trabalhava em hospitais antes da pandemia de Covid-19. Não era fá cil devido à fragilidade dos enfermos,
mas, agora, o que piorou, conta, é o número crescente de pacientes e o fato de a doença ainda não ser completa mente conhecida.
Aliás, nos primeiros meses, as equi pes estavam “no escuro”, lendo tudo que lhes aparecia de estudos em outros países. “Tudo era muito novo, e come çamos a buscar informações de outros países”, lembra.
“A situação na Itália era bem triste. Começavam a surgir cursos, que fa zíamos depois do expediente. A gente ia se adaptando e conhecendo com o que ia começar a lidar”, relembra. “No começo, o trabalho foi bem difícil, mas fomos nos adaptando.”
Elis conta que, além da falta de es tudos e protocolos de tratamento, ha via o medo de se contaminar. “É claro que trabalhávamos com os devidos cuidados, mas isso podia acontecer”, reconhece.
Quando colegas de trabalho ficaram doentes, a perspectiva foi se tornando realidade. “Alguns profissionais fica ram em estado grave, e aí começou a ‘cair a ficha’, que o próximo poderia ser qualquer um de nós”, observa Elis.
Pelo que ela recorda, pelo menos duas pessoas da linha de frente foram a óbito. “Foi, sim, uma tristeza, espe cialmente para quem trabalhava dire tamente com essas pessoas.”
Atualmente, com um pouco mais de conhecimento sobre a doença, Elis conta que outra dificuldade é a própria Covid-19, que não segue uma trajetória regular em todos os casos.
Pelo contrário, a evolução se mostra bastante incerta e acaba causando de sorientação nos profissionais de saúde, que precisam, então, aceitar a situação e continuar o trabalho.
“A Covid em si é uma doença muito cruel, é como se fosse uma caixinha de surpresas: o paciente estava evoluindo bem, e a gente achava que ele sairia bem. E, então, num certo momento, sem um motivo claro, tem uma piora, uma complicação renal, pulmonar, cir culatória faz com que regrida e acabe indo a óbito”, relata.
“Acontece também de termos pa cientes muito graves que, num ponto, começam a apresentar respostas. É quando a gente começa a se animar, e vê que tudo valeu a pena. Muitos rece bem alta, e a gente se emociona com o reencontro da família”, ressalta Elis.
Por fim, além de todo o estresse do trabalho, houve o necessário afasta mento da família. Casada, Elis passou a conviver apenas com o marido e, praticamente, encerrou o contato físico com os pais, irmãos e avó. “Até hoje, mesmo vacinados, a gente se vê muito pouco, e isso faz muita falta.”
O marido de Elis teve Covid-19 neste ano, mas também não precisou de in ternação. Os outros parentes próximos não se contaminaram.
Para além disso, o mais difícil, diz ela, é saber que tantas vidas se perderam a despeito dos esforços das equipes de saúde. Ela também presenciou muito sofrimento dos pacientes, alguns com medo da morte, outros com uma inten sa dificuldade de respirar.
Ainda viu famílias devastadas, sem poder sequer visitar seus parentes aca mados. “Quando os pacientes não estão entubados e sedados, a gente trabalha com eles, tenta acalmar, porque en volve muita ansiedade, ficam agitados, com medo”.
“A gente vai trabalhando a parte emocional, explicando como vai ser, e levando para o lado positivo, dizendo que estamos ali para ajudá-los, para que possam voltar para casa, para a família”, conta a profissional
Vivendo o drama da Covid-19 há mais de 500 dias, Elis evita pensar no futuro – concluiu uma pós-graduação a distância, mas adiou viagens e não fez mais planos. Chegou a tirar férias de um dos empregos, mas permaneceu trabalhando no outro.
“Até não acabar tudo isso, não tem como a gente planejar o futuro. Um dia tudo acaba, e aí a gente descansa”, conforma-se. “Agora é hora de ajudar os pacientes, porque escolhemos ser profissionais da Saúde.”
“Sofremos com a perda de um pa ciente, mas temos outros para cuidar. Então, tem que manter a esperança e continuar lutando, continuar buscando informação, conhecimento e ver o que a gente pode dar de melhor para aque les pacientes que estão ali, precisando da gente”, conclui Elis – firme e forte!
Mesmo sob estresse constante, fisioterapeuta que trabalha em dois hospitais da cidade prioriza missão de salvar vidas
Loriane Comeli
Da
reportagem
A fisioterapeuta Elis Renata de Oliveira
Arquivo pessoal 11
Milagre da cura por uma técnica de enfermagem
Fabiola Oliveira passou oito dias internada na UTI da Santa Casa com quadro grave da doença Diléa Silva Da reportagem
Neste feriado de 11 de agosto, a técnica de en fermagem do Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto” Fa biola Vieira Bueno de Oliveira, 42, tem um motivo a mais para comemorar. Além de celebrar o aniversário do município, a profissional comemora um ano de um “milagre”.
Acostumada a tratar de pa cientes no serviço de emer gência, a profissional se viu do outro lado em agosto de 2020, ao ser internada com o novo coronavírus na Santa Casa de Misericórdia.
No começo da pandemia, por ter leucemia linfática crô nica e estar incluída no grupo de risco, Fabiola ficou afastada da profissão, assim como outros profissionais de saúde com co morbidades.
Contudo, com o aumento na quantidade de casos e o baixo número de profissionais em atuação, ela acabou voltando para o pronto-socorro e, mesmo seguindo os protocolos, acabou contraindo a doença.
De acordo com Fabiola, os sintomas começaram com dores nas pernas e sem que ela perce besse ser Covid-19. Entretanto, os sintomas evoluíram rápido e, em menos de três dias, houve acometimento físico e pulmonar.
“Cheguei a trabalhar com do res nas pernas, por não saber que também poderia ser Covid-19; depois, comecei a sentir dores no peito e percebi que minha respiração não estava normal. Como eu estava no PS, resolvi comentar com um médico so bre os meus sintomas, e já me afastaram”, conta a enfermeira.
Na primeira tomografia, Fa biola descobriu que estava com mais de 30% do pulmão compro metido pelo vírus, e os médicos decidiram interná-la na área de leitos clínicos reservados ao tra tamento da doença.
“A partir da confirmação, co mecei a passar pelos piores dias da minha vida. Devido à minha comorbidade, fiquei muito in segura e passei a ter ataques de ansiedade, por achar que não iria sobreviver”, relata a enfermeira.
Fabiola passou dois dias em um leito da ala clínica da Co vid-19 no hospital público e, depois, precisou ser transferida para a unidade de terapia inten siva, onde passou mais oito dias até a recuperação.
Fabiola explica que um dos piores fatores de medo, no caso dela, era ter atendido pessoas acometidas pela doença e ter visto muitos pacientes com Co vid-19 serem internados e não sobreviverem.
“Conheço os procedimentos que precisam ser realizados nos casos mais graves e, mesmo se dada, sabia o que estavam fa zendo comigo, isso me deixava aflita. Meus colegas tentavam
não me preocupar, mas não adiantava, porque eu sabia o que estava acontecendo até pe los barulhos que ouvia”, justifica a enfermeira.
recuperar e estar aqui hoje con tando como eu venci”, salienta a enfermeira.
Para Fabiola, o modo como o paciente enfrenta a doença faz
a família, o mais difícil foi o processo de reabilitação. “De morei um pouco para voltar à minha rotina, por conta das medicações e do tratamento
Ela voltou a trabalhar no final de dezembro, depois de passar por fisioterapia, aprender a co mer novamente e passar pelo processo de reabilitação. “Quem
mal, a doença prejudica muito a saúde”, completou.
Com o retorno ao trabalho, a técnica de enfermagem alega ter aumentado ainda mais os cuidados com os protocolos de segurança e prevenção e conta ter passado pelo medo de pegar novamente a doença.
“A minha sorte é que trabalhei pouco tempo sem estar imuniza da. Em janeiro, já começaram a vacinar contra a Covid-19, e cor ri tomar a vacina. Depois disso, fiquei mais tranquila quanto ao medo de morrer pela doença, mas continuo tomando todos os cuidados”, cita a enfermeira.
Fabiola trabalha no pronto -socorro há 15 anos – mesmo tempo de formatura como téc nica de enfermagem - e, desde o ano passado, com o término do curso superior em enferma gem, passou a atuar também na UPA (unidade de pronto aten dimento).
“Sempre tive vontade de ser enfermeira. Comecei com o cur so técnico para poder ajudar o próximo e, depois, busquei a faculdade para realizar o sonho de ser enfermeira”, conta a pro fissional.
Por conta do conhecimento da área, Fabiola acredita ter sido pior para ela passar pelos dias de internação do que para os leigos no assunto.
“Quando me disseram ‘vamos te internar por precaução’, eu já não acreditei. Na época, estava tudo lotado, precisavam de mais leitos. Eles não iam me internar se não fosse grave”, enfatiza.
“Na UTI, foi ainda pior: eu via de perto as chances de ser entubada e morrer com a doen ça. Não cheguei a ser, mas fazia exercícios frequentes pela via respiratória, um procedimento feito com o respirador, porém, com uma máscara que joga pressão de ar no peito”, explica.
Conforme Fabiola, durante a internação, ela se lembrava de todos os pacientes mais novos e com quadros menos graves do que os dela, os quais ela atendeu e viu evoluírem mal, chegando a óbito em poucas horas.
“Não pensava em mim, pen sava na minha filha de 16 anos, em não poder ver ela crescer, não acompanhar a realização dos sonhos dela. Eu só pensava em sobreviver para poder ficar sem pre com a minha filha”, reforça.
Durante a internação, para aguentar os momentos de incer tezas, dores, impotência e angús tias, a técnica de enfermagem conta ter se apegado a Deus e à fé “inabalável”.
“Acredito que minhas orações e o fato de eu ter me apegado com Deus nos momentos mais difíceis da doença é que me aju daram a vencer a Covid-19, me
diferença na evolução do quadro clínico do paciente.
“Acho que acreditar em algo maior faz a gente ter força. Vi pessoas aqui receberem tudo o que era possível em termos de tratamento e ainda assim não aguentarem. Então, eu tinha mais fé em Deus do que em qual quer outra coisa”, acrescenta.
Segundo Fabiola, todos os dias e nos momentos de medo, era a oração que a acalmava. Ela ainda classifica a recuperação como um milagre, por ter visto pacientes com quadros menos graves de saúde morreram em decorrência da doença.
“Tenho certeza de que foi um milagre. Fiquei em uma situação muito grave, tive muita fraqueza, não conseguia nem segurar um copo sozinha. Parece que o vírus corrói tudo por dentro: o sangue, os músculos, o corpo todo. Se não fosse Deus, eu não conse guiria passar por isso”, assevera.
O êxtase da cura foi tão grande que Fabiola afirma não se lem brar dos momentos que passou após receber a alta médica. “Só vi que tinha bastante gente no corredor, me esperando passar”, menciona.
“Na verdade, sei que meus colegas de trabalho estavam lá, mas não consegui reconhecer ninguém. Só me emocionei, chorei muito e, a todo tempo, agradecia a Deus por poder sair do hospital e estar vendo a luz do dia novamente”, diz Fabiola.
Segundo ela, ao deixar a Santa Casa e retornar para
Conforme Fabiola, o que mais marcou em todo este tempo de pandemia “é saber que Deus não nos abandona”. “Ele está do nosso lado, na hora do medo, da alegria e, em tudo, Ele foi bom”, conclui a enfermeira.
necessário. A gente fica muito fraca”, argumenta.
passa pela Covid-19 precisa ter um tempo para voltar ao nor
Diléa Silva
Fabiola Oliveira
volta ao trabalho após cinco meses de afastamento TERNURA Pandemia de expediente O caderno especial “Pandemia de Ternura” é uma publicação comemorativa aos 195 anos de emancipação política de Tatuí Editor IVAN CAMARGO Reportagem DILÉA SILVA LORIANE COMELI Diagramação ERIVELTON DE MORAIS Arte-final ALTAIR VIEIRA DE CAMARGO Publicidade LÍVIA A. RODRIGUES DE OLIVEIRA Revisão ANA MARIA DE CAMARGO DEL FIOL 12
Continuar traba lhando na linha de frente do com bate ao novo co ronavírus, após perder amigos e colegas de tra balho para a Covid-19, é um dos maiores desafios dos profissionais de saúde, relata a enfermeira Ro berta Lodi Molonha, responsável técnica do Pronto-Socorro “Eras mo Peixoto”.
A profissional conta que, no início da pandemia, ela e grande parte dos enfermeiros, técnicos de enfermagem e médicos da unida de de emergência “passavam por cima” do medo da contaminação para prestar socorro aos pacientes.
Segundo ela, por estar na linha de frente e viver em contato direto com o vírus, a maioria dos profis sionais temia apenas contaminar os familiares.
Ela pontua haver muitos fun cionários do pronto-socorro, prin cipalmente com pais idosos, que deixaram as casas e passaram a morar com colegas de profissão para evitar a transmissão do vírus.
Conforme Roberta, os funcio nários que não tiveram opção e precisaram continuar morando com os familiares redobraram os cuidados com a paramentação e viviam em constante inseguran ça devido à doença, ainda des conhecida.
“Ninguém sabia como seria a situação, e aqui estávamos cara a cara com o vírus. Era um protocolo aqui e outro em casa. Percebi que o medo maior era levar a doença, parece que eles não tinham medo
de pegar, mas tinham medo de passar”, afirma a enfermeira.
Os primeiros casos de profis sionais da Saúde contaminados com a doença fizeram com que a realidade começasse a mudar e
a preocupação, aumentar.
Nesse período, o que, no início, parecia distante, assustou os pro fissionais, que passaram a perder colegas de trabalho para a doença.
“Na correria do dia a dia, nós
Heróis’
queríamos salvar as pessoas que chegavam ao pronto-socorro e não pensávamos em mais nada, até que perdemos colegas de pro fissão. Foi como se tivesse ‘caído uma ficha’, mostrando o quanto
estávamos expostos”, descreve.
O pronto-socorro perdeu três funcionários para a doença. A primeira foi a médica Jacqueline Cardoso Vieira, falecida em 19 de dezembro de 2020. A profis
sional atuava como plantonista na unidade e no Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) de Tatuí.
O segundo caso ocorreu no dia 7 de abril deste ano, vitimando Elias Vieira, funcionário público com quase 30 anos de carreira. Ele trabalhava como porteiro no pronto-socorro desde 2014.
E, no dia 24 de abril, faleceu a técnica de enfermagem Clara Lúcia da Mota Moura. Ela era funcionária pública desde 2003, atuou no pronto-socorro por mais de 17 anos e, desde o ano passado, passou a trabalhar no “gripário”, atendendo pacientes acometidos pela Covid-19.
“Nós fomos sentindo uma per da atrás da outra, e isso abalou muito os nossos profissionais. De uma hora para outra, eles passa ram a sentir um medo que não tinham e começaram a expressar uma fragilidade nunca vista”, re vela Roberta.
Percebendo o medo e a tristeza dos colegas de trabalho, a respon sável técnica organizou um evento interno para marcar a despedida dos funcionários falecidos e criou um mural com fotos, denominado “Verdadeiros Heróis”.
O painel, fixado em uma das paredes da entrada do pronto -socorro, exibe (ao centro e em preto e branco) fotos dos três membros da equipe falecidos em decorrência da Covid-19 e, em volta, imagens dos profissionais em atuação no local.
Conforme Roberta, a ideia do memorial surgiu de “uma hora
‘Verdadeiros
Pronto-Socorro Municipal cria “memorial” pelos profissionais vítimas da Covid-19 Diléa Silva Da reportagem Diléa Silva
A responsável técnica Roberta Molonha
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para outra”, com a intenção de “homenagear os falecidos pelo trabalho que realizaram no PS, além de incentivar e fortalecer os colaboradores atuantes”.
“Depois da perda da Clara, a equipe ficou visivelmente abalada, não conseguiam se concentrar no trabalho e passaram a sentir muito medo. Então, senti a necessidade de arrumar uma forma de dar forças para eles continuarem e surgiu a ideia da homenagem”, acrescenta Roberta.
O painel foi inaugurado em 27 de abril deste ano, três dias após a morte da técnica de enfer magem Clara Moura. Na data, o espaço reuniu os familiares dos funcionários falecidos e os cola boradores em atuação em uma noite de oração e “homenagens emocionantes”.
Segundo Roberta, a cerimônia serviu para dar ânimo à equipe, que àquela altura encontrava-se impactada pelo falecimento dos colegas e pelo estresse do traba
lho na linha de frente do combate à pandemia.
“A equipe ficou emocionada. Além disso, alguns acabaram expondo os medos e angústias vividos e tiveram a oportunidade de, por um momento, demons trar a saudade e a frustração por tantas vidas perdidas”, ressalta a enfermeira.
“Às vezes, na nossa rotina de tra balho dentro do pronto-socorro, temos que passar por cima desses sentimentos para continuarmos.
A homenagem foi uma como ção geral entre todos”, afirma Roberta.
A enfermeira ainda lembra que, na época, a equipe aguar dava uma terceira onda da pan demia e não sabia o que esperar no pronto-socorro quanto ao vo lume de pacientes e à gravidade da doença.
“Precisávamos que todos os co laboradores estivessem inteiros e fortes para continuar nessa guer ra”, explica a enfermeira. Rober
ta ainda destaca que a instalação do mural se tornou um marco na “humanização no ambiente de trabalho tão duro daqueles profissionais”.
“Apesar de não podermos trazer de volta pessoas tão que ridas e que estiveram conosco por tantos anos, senti que, da quela forma, todos poderiam, mesmo que de uma forma triste, entender a importância e o valor dessas pessoas. E que estávamos tristes, sim, mas o serviço não po dia parar, pois ainda temos uma longa caminhada pela frente”, justifica a enfermeira.
Roberta aponta que, antes da morte dos colegas, a equipe já estava “desgastada”, por ter pas sado momentos de apreensão com outras duas funcionárias que precisaram ser internadas em de corrência da doença.
Expostas a alta carga viral na unidade de emergência, as técni cas de enfermagem Luzia Biscal quini e Fabiola Vieira Bueno de
Oliveira foram acometidas pela forma mais grave da Covid-19.
Luzia passou 27 dias entre a vida e a morte, na unidade de terapia intensiva da Santa Casa de Miseri córdia e Fabiola (reportagem nesta edição) ficou dez dias no hospital público, sendo oito na UTI.
Ao descrever a rotina no hospi tal e falar sobre a situação atual, a enfermeira cita que, além de li dar com a perda de profissionais da Saúde e colegas, há a relação com os pacientes, no momento do diagnóstico, e familiares.
“Quando um paciente entrava aqui, nós fazíamos de tudo para ele se salvar e podermos dar uma boa notícia para a família, mas nem sempre foi assim. Infelizmente, perdemos muitas pessoas para a Covid-19”, lamenta a enfermeira.
Para Roberta, o que mais im pressiona na Covid-19 é o desen volvimento rápido da doença. Segundo ela, muitos pacientes chegaram ao pronto-socorro com sintomas leves da doença, com
quadro estável, e, em poucos mi nutos, precisavam de entubação.
“Muitas vezes, a sensação é de frustração, pois fazemos tudo o que está ao nosso alcance. Gra ças a Deus, conseguimos oferecer tudo o que era necessário, não per demos nenhum paciente por falta de algum insumo, medicamento ou material, mas tem hora que a doença não te dá tempo, não te dá chance”, enfatiza.
No pico da pandemia, Rober ta relembra ter passado por mo mentos “agoniantes” e de “grande impacto emocional”, chegando a assinar quatro ou cinco atestados de óbitos por dia, de pacientes de idades diversas.
“Tive uma fase de crise emocio nal muito forte, já não suportava mais ver tanta gente morrendo.
Em dez anos de trabalho na área da Saúde, nunca tinha visto algo parecido com isso. Cheguei a pensar em pedir para sair do tra balho, tamanha era a pressão aqui dentro”, reforça.
Para finalizar, a enfermeira con ta um dos casos mais marcantes, referente a um jovem que entrou na unidade andando, com quadro estável, e morreu pouco tempo depois, devido ao agravamento dos sintomas respiratórios.
“Ele chegou bem, conversou comigo. Eu o deixei dar um sinal para os pais (que eram idosos), o levei para internar e, pouco tem po depois, ele morreu. Quando eu soube, fiquei muito abalada. Eu tinha acabado de atender ele aqui, vi quem ele era, vi os pais dele, foi muito difícil. Era como se tivesse morrido alguém da minha família”, lembra, emo cionada.
“Nós atendemos muitas pessoas com a doença, para nós nunca é fácil perder um paciente ou vê-lo precisar ser entubado, mas cada vez que vemos ou sabemos de colegas enfrentando a doença, nos retorna o questionamento: será que eu posso ser a próxi ma?”, finaliza.
Jacqueline Cardoso Vieira, médica do “PS”
( 19 de dezembro de 2020 )
Elias Vieira, porteiro do “PS” ( 7 de abril de 2021 )
Clara Lúcia da Mota Moura, técnica de enfermagem ( 24 de abril de 2021 )
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