ESPECIAL 11 DE AGOSTO - TATUÍ 191 ANOS
Aos 191 anos, Tatuí acompanha ‘explosão’ da 3ª idade e soma exemplos de vida Da reportagem
Educação, saúde, moradia, habitação, segurança. As áreas comuns para qualquer administração costumam ser, na maior parte, pensadas para a faixa etária mais jovem e economicamente ativa. Ocorre que, com o passar dos anos e uma enxurrada de fatores, a pirâmide etária dos municípios brasileiros tem mudado. Tanto que especialistas projetam, para 2020, um crescimento acima do esperado da população idosa. Apesar de as discussões sobre o impacto do aumento dos idosos terem se acentuado com a reforma da Previdência, elas têm se mantido somente neste aspecto. Em Tatuí, embora não haja um debate mais amplo –com a participação efetiva e constante da sociedade em geral – a respeito do assunto, muito se fez e se pretende fazer para atender a esse público crescente. Alguns dos exemplos estão neste especial de 11 de Agosto, preparado pelo jornal O Progresso, por conta das comemorações aos 191 anos de Tatuí. A cidade de múltiplos adjetivos bem que poderia ganhar mais um: a de “Capital da Longevidade”. A terra do escritor Paulo de Oliveira Leite Setúbal, do jornalista Maurício Loureiro Gama e de industriais como Manoel Guedes Pinto de Mello e Laurindo Dias Minhoto, trata o idoso de modo especial. A começar pelo Lar São Vicente de Paulo. A entidade com 112 anos é uma das primeiras – senão a primeira – voltada ao trabalho com o idoso. Surgiu em uma época em que o conceito de atendimento e da rede de assistência nem existiam. É, portanto, exemplo de como os tatuianos cuidam bem de seus antepassados e os respeitam.
Com o passar dos anos – e dado o trabalho de preservação da memória a cargo de muitas personalidades –, o município passou a voltar os olhares para este “novo velho público”. Foi assim que surgiu o projeto Envelhecer com Qualidade de Vida, mantido pelo Fusstat (Fundo Social de Solidariedade de Tatuí). A iniciativa funciona na cidade desde 2005, mas tendo começado as atividades oito anos depois da criação do CMI (Conselho Municipal dos Idosos). Este último órgão atende reclamações de uma parcela da população que só aumenta. Dadas às circunstâncias, há o registro de outro fenômeno crescente: a de violação dos direitos dos idosos, assunto tratado pelo Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). A entidade também cuida de situação de abandono, negligência e monitora 25 idosos em situação de vulnerabilidade. Todas estas abordagens estão presentes neste especial, material cuja proposta é chamar ainda mais a atenção para as necessidades dos idosos. “Hoje, o cuidado do idoso eu digo que é a profissão do presente e do futuro porque, em 2020, a nossa população brasileira vai ser uma das maiores do mundo no sentido de população idosa”, destaca o presidente do asilo, Ivan Rezende Ferreira. Fora a entidade, o mercado de trabalho está cheio de oportunidades, conforme Rezende. De acordo com ele, a área de cuidados aos idosos é bastante abrangente. “As pessoas estão envelhecendo e, como tal, necessitam de atendimento, que ocorre cada vez mais dentro de casa. Então, é uma profissão bem profícua e ideal para quem está desempregado e tem perfil, porque tem que gostar”, observa. O olhar profissional também tem destaque no especial, como o demonstrado pela professora de educação física e personal trainner Luciana Clube Renascer da 3ª Idade é sinônimo de lazer para público de Tatuí e região Gonçalves, especializada no atendimento à terceira idade.
Entre as Lar São Vicente de Paulo é referência no atendimento ao público idoso na cidade alunas dela, está Célia Maria Oliveira A mudança física é sentida mais rapidamente, Holtz, que nasceu e cresceu em Tatuí. Aos 73 anos, ela tem propriedade para opinar mas se apresenta com mais ou menos intensidade a respeito de como os idosos se relacionam com o a depender do hábito da pessoa, como afirmam os município e vice-versa. “Envelhecer em Tatuí é muito especialistas ouvidos pela reportagem. O ponto em comum entre todos é a necessidade de manter mente bom. A cidade oferece inúmeras opções”, declara. Celinha morou fora de Tatuí por 30 anos, mas e corpo ocupados, como faz o advogado Simeão José voltou por conta do aspecto acolhedor da cidade e, Sobral. Aos cem anos de idade, ele é um dos exemplos também, para contribuir com o Lar São Vicente. Ela faz parte da diretoria e coordena o bazar permanente que Tatuí tem de como a vida deve ser. Modelo que merece respeito e o devido destaque, como se pode da instituição. Daí o cuidado com o público idoso. “A história da acompanhar neste especial. minha família está ligada ao Lar. Desde pequenininha vi meus pais e meus tios envolvidos na instituição”, lembrou. Também por isto, Celia se reconhece como “velha”. “Acho que não tem nada de pejorativo no termo. O correto é: passou dos 60, usar o termo velho”, ressalta. Para ela, a idade tem mais relação com a mente que com o físico, mas perpassa pela limitação do corpo. “Tudo fica muito mais lento. A O aposentado Carlos Henrique Serrão é exemplo percepção varia de pessoa de saúde e boa forma na terceira idade para pessoa, e não é que fez 60 anos e daí acabou”.
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Especial 11 de Agosto - Tatuí 191 anos
Aprendizado protege contra o ALZHEIMER Para especialistas, lapsos de memória não são coisas de idosos e merecem estudo Da reportagem
“Ser um eterno aprendiz”. Como diz a música de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha, a melhor forma de proteger o cérebro contra o mal de Alzheimer é o constante aprendizado. É a opinião de Paola de Campos, gerontóloga especialista em treino de memória e estimulação cognitiva. De acordo com relatório do ano de 2015 da ADI (Alzheimer’s Disease International), grupo internacional que estuda o mal de Alzheimer, a estimativa era de que o mundo tivesse mais de 46,8 milhões de pessoas com demência. Esse número praticamente dobrará nos próximos 20 anos. A cada 3,2 segundos, um novo caso de demência é diagnosticado no mundo. Daqui a 13 anos, em 2030, a taxa chegará a um por segundo. Dentre os 270 tipos de demências conhecidos pela medicina, a mais frequente entre os idosos é descoberta em 1906, pelo médico Alois Alzheimer. “O aprendizado é a melhor forma de se proteger contra o mal de Alzheimer. O cérebro não gosta de rotina, então, não adianta colocar os idosos para fazer tricô. Eles precisam aprender coisas novas, como tocar piano. Quem não é alfabetizado pode entrar no EJA (Ensino de Jovens e Adultos) e aprender a ler e escrever, mesmo que depois de velho”, recomendou. O conselho de Paola faz sentido, de acordo com estudos mais recentes sobre a principal doença neurodegenerativa. Pesquisa realizada em 2002 revela que a doença é mais frequente entre mulheres e em pessoas analfabetas do que em indivíduos com escolaridade superior a oito anos. No caso de idosos sem alfabetização, a incidência de Alzheimer é de 12,1%, enquanto que em pessoas com maior escolaridade é de apenas 2%. Das pessoas que têm a doença, 59% são mulheres e 41%, homens. Todavia, maior incidência pode estar atrelada ao fato de que pessoas do sexo feminino vivem mais. “Com certeza, teremos mais pacientes com essa doença, uma vez que estamos vivendo mais. E quanto mais longeva a nossa sociedade é, mais contatos com doenças de pessoas idosas as famílias terão. Uma delas é o mal de Alzheimer, que tem difícil diagnóstico”, declarou. A gerontóloga explicou que a ocorrência de Alzheimer está associada à quantidade de duas proteínas no cérebro: beta-amiloide e tau. No caso da primeira, a mesma proteína serve como proteção ao cérebro, mas, em excesso, prejudica a comunicação entre os neurônios. Quem tem maior grau de estudo possui um “fator de proteção”. O aprendizado faz com que os neurônios ganhem maior plasticidade e comuniquem-se melhor, estabelecendo novas pontes – chamadas redes neuronais – entre outras células do encéfalo. “A comprovação de que o aprendizado ajuda é que pessoas com o cérebro lotado de proteínas beta-amiloide e tau com elevado grau de estudo não desenvolveram Alzheimer, enquanto que outras foram mais prejudicadas e não tinham alfabetização”, observa. Um dos exemplos de idosos que possuem memória “impecável” é Simeão José Sobral. Com cem anos completados em novembro do ano passado, o advogado aposentado aproveita parte do tempo livre para ler e conhecer novas culturas. Sem advogar desde 1997, Sobral “ocupa a cabeça” com a leitura de livros praticamente todos os dias. Outra ocupação do advogado são as
atividades do Rotary de Tatuí, clube de serviços presidido por ele até meados deste ano. Apesar de gozar de boa memória e ser ótimo contador de histórias, Sobral disse que percebera alguns lapsos de memória no final da carreira jurídica. “Achei que a minha cabeça estava um pouco perturbada pela idade, meu raciocínio estava um pouco lerdo, e advogado não pode ser lerdo na hora de pensar, temos que ser espertos para podermos defender e atacar. Daí, para não ficar sem fazer nada, pensei em me dedicar ao Rotary, algo que não exige que minha cabeça esteja tão boa e posso dar umas ‘mancadinhas’ sem que ninguém perceba”, comentou. Um dos segredos de Sobral é o afastamento do sofá e do televisor, principalmente, “por conta das roubalheiras que acontecem no país” e para “não ficar sem fazer nada e encurtando a vida”. “Tomei essa decisão. Enviuvei e dediquei-me mais ao Rotary, e achei que fiz bem, porque o Rotary me faz viver tanto tempo assim”, justificou. Para a gerontóloga, atitudes como a de Sobral são positivas em qualquer fase da vida, todavia, mais benéficas ainda durante a terceira idade. Conhecer novas línguas, culturas, pessoas, aromas e sabores. Fugir da rotina é uma das chaves para o envelhecimento saudável. “Bons hábitos de vida, alimentação, exercícios físicos, principalmente os de força, como malhação e pilates são ótimos para os idosos. Dormir bastante também faz bem e afasta o risco de desenvolver Alzheimer”, orientou. Paola listou os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença: diabetes, hipertensão, sedentarismo, alimentação incorreta, estresse, insônia, falta de escolaridade e rotina. “Vamos imaginar que todos nós tenhamos 50% de chances de desenvolver a doença. Então, vamos tomar atitudes saudáveis para que possamos nos prevenir das manifestações de sintomas”, aconselhou. Nos casos de idosos que já protagonizaram episódios de lapsos de memória, a especialista aconselhou a procura por um geriatra ou gerontólogo. O tratamento contra o Alzheimer, no início, é eficaz e pode ser feito pela via medicamentosa ou treinamentos cognitivos. “O médico geriatra ou o gerontólogo farão testes de raciocínio e treinamento de linguagem, e poderão aconselhar caso a caso o melhor caminho a ser tomado. O treino cognitivo e o tratamento medicamentoso puxam o freio de mão da doença”, frisou. O acompanhamento é realizado de forma multidisciplinar e envolve o geriatra, o gerontólogo e o cuidador de idosos à família. A troca de informações entre a família e os profissionais é importante para a evolução do paciente. Além dos lapsos de memória, a gerontóloga
Brunno Vogah
Para a gerontóloga Paola de Campos, conhecer novas línguas e culturas é benéfico à memória
destacou que os sintomas iniciais de Alzheimer e de outras demências são parecidos. Entre os mais conhecidos, está o esquecimento de palavras e fatos, mudanças repentinas de humor, desorientação no tempo e no espaço, repetição de histórias. Em alguns casos, o idoso chega a esquecer do que comeu na última refeição. “Eles apresentam falta de atenção, confusão e não conseguem ter uma conversa fluida, esquecem o que acabaram de falar e trocam o nome das pessoas. O próprio idoso percebe que está diferente, mas acaba associando o esquecimento à velhice, o que não é correto”, explicou. A velhice não é sinônimo de doença e esquecimento, esclareceu Paola. Falta de memória é vinculada à degeneração do cérebro, mas também pode indicar depressão, falta de vitaminas, ansiedade ou problemas que desviam a atenção. Até interação entre medicamentos ou efeitos colaterais podem influenciar na memória. “Precisamos ter atenção aos sintomas e levar ao médico, seja um geriatra ou neurologista. Serão os médicos que darão o diagnóstico e poderão dizer que tipo de problema o idoso está sofrendo. Quando antes iniciar o tratamento, melhor”, ressaltou. Tratando no início, evita-se a evolução para quadros mais graves da doença neurodegenerativa. Idosos podem perder a autonomia e a doença necessitar de maior poder de intervenção dos médicos. “Temos a ilusão de que perda de memória é comum no envelhecimento, que é normal, é coisa de idoso. Não é, e trata-se de caso de ir ao médico para investigar”, aconselhou. Para a psicóloga Maria Celia Azevedo de Abreu, autora de diversos livros sobre a velhice, as causas do mal de Alzheimer ainda são incógnitas para a ciência.
Além dos estudos sobre as proteínas tau e beta-amiloide e a ocorrência de Alzheimer, outras pesquisas apontam que cérebros de pessoas que sofrem da doença têm altas quantidades de alumínio. Ainda não se sabe se a quantidade do metal é em decorrência da doença – devido ao funcionamento irregular de órgãos – ou é causadora da demência. “Hoje, temos diagnósticos muito mais precisos em relação ao Alzheimer, mas a certeza só vem após a morte, depois de analisar o cérebro do paciente. Essa doença ainda é um mistério para a ciência”, constou. Maria Celia observa que a doença causa dor muito grande à família. Irmãos, filhos e netos do paciente devem unir-se em prol da qualidade de vida do idoso que sofre de algum tipo de demência. A palavra de ordem, após o diagnóstico, é “adaptação”. “A família precisa se adaptar. Sabemos de casos em que os filhos creem que o idoso que sofre da doença tem má vontade, está fingindo, chega a ficar com raiva. Com a longevidade avançando, a tendência é que tenhamos mais casos. Inclusive, acredito que a incidência está aumentando”, opinou. Professora aposentada da PUC (Pontifícia Universidade Católica), Maria Celia concorda que o grau de escolaridade pode ser um fator de proteção contra o Alzheimer. Uma linha de pesquisa da psicologia, chamada neuropsicologia, chama o processo de aprendizado de “ginástica cerebral”. “Coisas simples, como andar de costas, adivinhar o sabor dos alimentos e descobrir o frasco de xampu no banho com os olhos fechados podem ajudar. Uma ideia interessante é ensinar os idosos a mexerem em smartphones. É como aprender uma nova linguagem”, aconselha.
Especial 11 de Agosto - Tatuí 191 anos
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DIREITOS e rede ao idoso se complementam Em dezembro, conselho completa 20 anos de criação; órgão tem interação com Creas Da reportagem
Criado em 19 de dezembro de 1997, o CMI (Conselho Municipal do Idoso) completa 20 anos em Tatuí neste ano. O órgão deliberativo, consultivo e controlador de ações dirigidas à proteção dos direitos é formado por membros da sociedade civil e representantes da administração municipal. Em Tatuí, ele integra uma cadeia de proteção à pessoa com 60 anos ou mais, desenhada quando o número de idosos representava 9,22% do total da população. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que, há 20 anos, Tatuí tinha 88.129 habitantes. Destes, 8.134 eram idosos, e, portanto, seriam beneficiados com um conselho específico. Apesar de ser considerado “adulto”, o órgão paritário ainda engatinha no município. Falta maturar o conceito de participação. Prova disso é que a maior dificuldade do CMI tem sido a assiduidade dos membros. “Precisamos de fidelização. Acabamos tendo poucas pessoas trabalhando”, argumentou a presidente do órgão, Mirna Grando. Quando a participação acontece, ela não se dá na mesma intensidade – ou necessidade – que o órgão precisa. Sendo assim, o conselho acaba não atuando da forma como os membros gostariam, tornando mais morosa a criação e a implantação de políticas públicas voltadas à pessoa idosa. Para Cláudia Rosana Nascimento Ribeiro Fagundes, primeira-secretária do CMI, este comportamento se deve à falta de conhecimento da população sobre o papel do órgão. De acordo com ela, a comunidade ainda não descobriu a importância e a força do conselho na luta por melhores condições de vida. Na opinião da presidente do CMI, o órgão é “um dos mais fortes do município”, em função de poder gerar leis que atendem a um segmento da sociedade que não para de crescer. “Por mais que tentemos mostrar isso à comunidade, temos que estar atentos, e trazer mais pessoas para participar”, frisou Mirna. O ativismo no órgão tem responsabilidade compartilhada. Embora o poder público indique cinco representantes, é a sociedade civil quem nomeia os outros cinco. Esta indicação é feita por meio das entidades que elegem um membro para representá-las. Desta forma, o conselho agrega a sociedade, mas de maneira representativa, como acontece em eleições para vereador, com a diferença de não haver votação da população, mas nomeação por parte das instituições de classes. Mesmo existindo esta hierarquia, a presidente do CMI destaca que a população tem liberdade para acompanhar as reuniões do órgão. Os encontros acontecem na Casa dos Conselhos, na sede da Assistência Social do municíBrunno Vogah
pio, mas têm sido prejudicados pela falta de comprometimento. “O que temos percebido é que há falhas. Muitas pessoas vêm, mas, depois, somem. Vão perdendo o interesse”, disse Mirna. Os motivos são vários, mas, em geral, têm relação com pedidos de troca de indicações dos representantes. A “dança das cadeiras” acaba sendo empecilho para a elaboração de ações mais abrangentes, como o plano decenal. “Vamos ter que fazer, uma hora ou outra, esse trabalho”, mencionou a presidente. Segundo ela, o município precisará ter a proposta elaborada, votada e aprovada caso queira continuar recebendo recursos para atender ao público com 60 anos ou mais. A exemplo do que acontece com o PDE (Plano Diretor Estratégico) e os direcionados à cultura e ao turismo – já instituídos na cidade –, o voltado aos idosos permitirá não só a continuidade dos atendimentos, mas o recebimento de recursos para eventuais novos projetos. O projeto é considerado de suma importância pelo CMI, uma vez que dará condições ao Executivo de atender às demandas do segmento em longo prazo. “O idoso é a parcela da população que mais aumenta. E isto é um fenômeno mundial. O Brasil não está diferente disso, e Tatuí também não”, enfatizou. Em Tatuí, o conselho é mais acionado pelos idosos sempre quando há transgressão de direitos. Tanto que as procuras, quando partem do público da terceira idade, são, invariavelmente, para registro de reclamações. As queixas mais frequentes tratam do desrespeito às vagas de estacionamento. O Estatuto do Idoso assegura, aos idosos, o direito a ocupar 5% dos espaços destinados aos veículos. No entanto, o cumprimento da legislação depende de fiscalização e, por vezes, de sinalizações, como no caso de locais de paradas de veículos em shopping centers ou supermercados. Se não houver sinalização, conforme o CMI, não há como aplicar uma multa. Entretanto, a ocupação vai do bom-senso, mas perpassa pela questão dos deficientes. Outra queixa bastante comum é a falta de filas e guichês de atendimento prioritário. Este tipo de reclamação envolve mais bancos e supermercados. “Depende muito do humor da pessoa que está no local e se o estabelecimento está lotado. É algo que temos que ir com um pouco de cuidado, mas que, de forma geral, tem sido bem resolvido”, contou Cláudia Rosana. As reclamações sobre prioridades incidem em menor número sobre as agências bancárias. “O problema maior são os supermercados, lojas ou lotéricas, e as vagas de estacionamento, que nunca
são suficientes”, enfatizaram as representantes do órgão. Para primeira-secretária e a presidente, este tipo de queixa tem aumentado por dois fatores: o primeiro, o desrespeito às leis; e o segundo, e que não se pode resolver com multa, mas com planejamento, é o aumento da população idosa. “Esta faixa etária vem crescendo muito. Em 1968, quando eu era criança, um senhor morreu aos 68 anos de idade. Naquela época, ninguém falou: ‘Morreu moço’, apesar de eu achar que sim. Nos dias de hoje, se alguém morrer com 68 anos, as pessoas vão dizer que morreu criança”, ressaltou Mirna. A comparação feita pela presidente do conselho atenta para a inversão da pirâmide etária que tem sido registrada no país e sendo replicada em Tatuí. Como as pessoas estão vivendo por mais tempo e com qualidade de vida, o número de idosos só tende a aumentar, o que pode resultar em outras demandas. Dentro desse contexto, o CMI exerce papel importante, uma vez que pode viabilizar – ou pelo menos incitar para o debate – políticas públicas voltadas aos idosos. “A política municipal do idoso tem muito a ver com os aparelhos que atendem ao segmento, porque eles conhecem o público”, explicou Mirna. As informações transferidas ao órgão dão sustentação a debates e, por conseguinte, a sugestão de alternativas. No entendimento da presidente e da primeira-secretária, esta forma de interação deveria ser replicada por todos os conselhos. “Sou assistente social, e estou dentro do Conselho Municipal de Assistência Social. Participo, escuto, posso opinar, apesar de não ser um membro. Mas, trago dados, sei da força que o órgão tem”, declarou Mirna, mencionando a importância da participação dos representantes da sociedade civil para a criação de alternativas que atendam aos anseios da população. Os reflexos dessa ausência são potencializados pelo desconhecimento. Uma boa parte dos idosos, por exemplo, não sabe dos próprios direitos, conforme relatou a gerontóloga Paola de Campos. O resultado disto – e da falta de fiscalização – é que o Estatuto do Idoso, instituído em 2003, não é cumprido na totalidade. “Gostaríamos que 100% do que está lá (no estatuto) fosse colocado em prática. Mas, vemos que 30% foram. Não existe fiscalização suficiente, e os idosos ignoram os próprios direitos, e, quando sabem, não lutam por eles”, declarou. Há, ainda, uma parcela dos idosos que é enganada, como no caso de empréstimos consignados ou seguros
Mirna Grando pede que idosos tenham participação maior no Conselho Municipal do Idoso
Brunno Vogah
Nativa Quedevez de Souza afirmou que os idosos demandam atenção especial e especializada
contratados sem o consentimento, quando eles vão às agências bancárias uma vez por mês para receber benefícios ou aposentadorias. No país, a efetivação do estatuto também fica comprometida, na avaliação da gerontóloga, quando os idosos não se julgam merecedores do direito. Ainda de acordo com ela, a complexidade da questão envolve a cultura do brasileiro. “Acho que andamos muito devagar. Temos que construir uma sociedade que valoriza os idosos, porque não temos cultura de valorização, diferente dos indígenas e japoneses. Acho que podemos construir isso com as crianças”, avaliou. De modo geral, a gerontóloga entende haver contrassenso no que pensa o brasileiro. Isto porque as pessoas querem viver mais, ao mesmo tempo em que não querem ser velhas. Para piorar, tendem a classificar o idoso como sinônimo de doença, de pessoa que precisa de cuidados como se fosse criança, de alguém que não tem sexualidade e que não possui valor na sociedade. De acordo com a gerontóloga, esses mitos em torno da velhice atrapalham o entendimento da idade como um processo natural. A profissional explicou que a “desconstrução” deles perpassa pela mudança não só de comportamento das pessoas com relação à velhice, mas no modo como elas a discutem. “Gerontologicamente, quem está na velhice é velho, só que não conseguimos usar essa palavra, pois ela está associada às coisas velhas, como um tênis. Quando um tênis fica velho, as pessoas jogam-no fora e compram um novo. Então, sempre tem a valorização ao que é novo”, comparou. Para a discussão em torno da velhice, Paola ressaltou que a sociedade deve atentar para os preconceitos e o ageismo, termo criado em 1969, pelo médico gerontólogo e psiquiatra Robert Neil Butler, que diz respeito à discriminação ou estereótipos de pessoas ou grupo com base na idade dos indivíduos. Como a sociedade valoriza modelos de pessoas (ricas, brancas, jovens e magras), ela descarta quem não se encaixa nela. Uma mudança neste comportamento passa pela reflexão. “Precisamos pensar nisso, que somos um país que, em breve, será o quinto maior em número de idosos no mundo”, ressalta. Fora as questões de ordem cultural, o Brasil precisa pensar, conforme a profissional, em como fará para atender aos idosos. Paola reforça que a situação atual não é das melhores, isso porque faltam gerontólogos, cuidadores e instituições de permanência, além dos chamados centros de convivência. “Precisamos de aportes
para o envelhecimento, tanto na área da saúde, com profissionais – temos um geriatra para cada 6.000 idosos. Além disso, não temos polo formador de geriatras e gerontólogos nas áreas pobres do país”, alertou. Questões como moradia, esporte e educação também precisam ser repensadas pela geração atual. Entretanto, Paola sustenta que o tipo de abordagem, quando o foco são os idosos, precisa mudar. Um exemplo disto são os centros-dia, os locais para atendimento de idosos, chamados erroneamente de “creche do idoso”. “Quando falamos isso, estamos infantilizando a velhice. O idoso não volta a ser criança”, acentua a gerontóloga. “Se não mudarmos isso (a visão), teremos violência física, psicológica, financeira e institucional e muitos tipos de negligência, como o abandono que vemos na prática profissional”, acrescentou. Em Tatuí, casos de violências e negligências são atendidos pelo Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). A coordenadora do órgão, Nativa Quedevez de Souza, afirmou que os idosos demandam de atenção especial, porque, além de frequente, são um “público mais difícil” de ser trabalhado. O papel do centro é o de garantir os direitos, sejam eles aos adolescentes, jovens ou adultos. A equipe trabalha com aplicação de medidas socioeducativas, abordagens sociais (visitas) e realiza acompanhamento da população de rua. Recebe suporte e apoio do CT (Conselho Tutelar) e do segmento dos idosos. No caso dos velhos, a barreira enfrentada pelo Creas está não só na pessoa com 60 anos ou mais, mas em como se comportam os familiares dela. “Os filhos não estão sabendo lidar com a situação. Tem muito idoso negligenciado, a maioria da violência registrada na cidade é o abandono”, divulgou a coordenadora. Em boa parte dos casos atendidos, há um agravante: os idosos possuem problemas mentais. Nestas situações, em geral, a solução encontrada é a interna-
ção, mas até que esta medida aconteça, alguns deles ficam à mercê da própria sorte. A constatação do abandono depende de denúncia, que, no Creas, acontece de forma espontânea. As queixas são recebidas no próprio órgão, ou levadas por outras instituições, como o Conselho Tutelar e o MP (Ministério Público). Outro canal é o Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos. Na primeira quinzena de julho, o Creas registrou 17 denúncias em Tatuí. Elas são verificadas pelo órgão por meio de visitas. A equipe do centro vai até os endereços informados para constatar se as queixas de violência contra os idosos procedem. Os resultados das visitas são sempre inesperados, conforme apontou Nativa. “Nós já vivenciamos várias situações. Em uma delas, tivemos que chamar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) para socorrer uma senhora”, contou. A idosa que estava subnutrida e possuía ferimentos chegou a ser socorrida. Ela permaneceu internada por um período de sete dias. Entretanto, não resistiu e morreu. “Estava totalmente negligenciada na casa”, acrescentou a coordenadora. Conforme ela, o problema do abandono torna-se ainda mais grave quando o idoso vive sozinho. Se ele tem familiar, mas não recebe apoio, torna-se negligenciado. Porém, quando não possui parentes, precisa ser removido a uma instituição. No entanto, esta condição de vida não é exclusiva de idosos. Nativa ressaltou que algumas pessoas mais jovens (tanto homens, como mulheres) também não têm condições de gerenciar a própria vida. É o caso dos viciados em drogas (álcool e entorpecentes), ou de pacientes com demências. No município, a incidência de abandono total é baixa. Conforme a coordenadora, o velho que não recebe cuidados tem uma vida curta. “Eles morrem muito rápido. Então, acredito que, neste momento, não haja ninguém assim em Tatuí”, concluiu.
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Especial 11 de Agosto - TatuĂ 191 anos
Especial 11 de Agosto - Tatuí 191 anos
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Mercado vê idosos como a nova CLIENTELA Produtos e serviços adaptados para pessoas mais velhas são tendências na economia Da reportagem
Com um perfil diferente das gerações anteriores, os novos idosos buscam ter participação mais ativa na sociedade, com independência e aproveitando a vida. Mesmo com a crise atravessada pelo país, o mercado tem enxergado nos idosos um potencial de ganhos e oferecido produtos voltado à população acima de 60 anos. Academias, lojas de roupas e calçados, construção civil, serviços médicos, instituições de crédito e indústria de higiene e beleza. Aos poucos, a economia brasileira vai adaptando-se à nova clientela, que é exigente e sabe muito bem o que quer. Em Tatuí, quem saiu na frente pode ganhar pontos na participação do mercado. Com a proporção de idosos em 14,7%, de acordo com o SIS (Sistema de Indicadores Sociais), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há um mercado em potencial a ser explorado. Nos Estados Unidos, até a indústria cinematográfica se deu conta do público “maduro”. Exemplos são filmes como “RED – Aposentados e Perigosos”, estrelados por “sessentões” e “oitentões”, como Bruce Willis, Morgan Freeman e John Malkovich. Na Netflix, a série “Grace and Frankie” é protagonizada por atores como Jane Fonda, Lily Tomlim, Sam Waterson e Martin Sheen, todos septuagenários. A comédia está na terceira temporada e quebra tabus dos conflitos da terceira idade. Segundo informações do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), mais de R$ 40 milhões são injetados na economia tatuiana todos os meses. O montante se deve, em grande parte, à aposentadoria dos idosos. Dos 33.006 benefícios pagos, mais de 20 mil vão para idosos, perfazendo quase R$ 30 milhões. O volume de idosos aposentados é crescente, de acordo com o instituto. Entre janeiro de 2015 e dezembro de 2016, foram concedidos 1.984 novos benefícios de aposentadorias na cidade. Somente neste ano, até junho, foram solicitados 1.325 benefícios. O aumento do número de idosos na cidade fará com que a participação deles no PIB (produto interno bruto) tatuiano seja maior com o passar dos anos. Com base nas estimativas de 2014 do Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), tabuladas com dados do IBGE, os idosos
que recebem aposentadoria oficial contribuiriam com 0,9% de todas as riquezas produzidas na cidade. O número pode parecer pequeno, porém, é necessário lembrar que, segundo o INSS, 25% da população estão descobertos do benefício e 35% dos já aposentados continuam a trabalhar. A participação aumentaria levando-se em consideração os novos fatores. “O Brasil ainda não acordou para essa mudança que nós estamos tendo. As escolas de economia e administração já estão de olho nesta tendência faz tempo. Vários setores da indústria estão despertando para essa nova realidade e lançando produtos voltados aos idosos”, opinou a gerontóloga Paola de Campos. Uma das indústrias que viu nos idosos um filão a ser explorado foi a cosmética. Alçado à posição de segundo maior mercado para produtos de beleza do mundo, as empresas focaram no lançamento de produtos para idosos, tendo o mais conhecido deles os cremes anti-idade. Até o primeiro semestre de 2015, 35% dos lançamentos no mercado tiveram como foco esse tipo de mercadoria, de acordo com pesquisa realizada pela empresa britânica Mintel no Brasil. “As indústrias de equipamentos de mobilidade dentro de casa também terão avanços. Os idosos precisam de barras nas paredes, produtos adaptados para usar dentro de casa. O mercado está lançando diversos produtos voltados para as pessoas mais velhas”, declarou. Segundo a psicóloga Maria Celia de Abreu, mesmo em grandes centros urbanos, como São Paulo, é difícil encontrar roupas adequadas para idosos. Como o mercado da moda trabalha de forma padronizada - e magra –, é difícil encontrar produtos feitos nas proporções dos idosos. O sentimento da especialista, já septuagenária, é confirmado por pesquisa realizada pelo SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e pela CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas), no final do ano passado. Quase
Pesquisa do SPC Brasil informa que idosos sentem falta de produtos e serviços especializados
Fotos: Brunno Vogah
Idosos como o octogenário Carlos Henrique Serrão frequenta a academia diariamente têm vida ativa
67% dos idosos ouvidos disseram sentir falta de produtos pensados especificamente para atender às necessidades deles. Na ocasião, 29% tinham planos de comprar roupas nos meses seguintes, 19% queriam calçados e 19% gostariam de fazer viagens. A procura de tratamentos dentários estéticos foi mencionada por 12%. “Não é somente o conceito de colocar manga comprida nas roupas para velhos, mas toda a estrutura da roupa é diferente. A distribuição de gordura no corpo difere no idoso em relação aos mais jovens. O molde de corte não serve, é uma questão de proporção”, detalhou. A fundadora do Ideac (Instituto para o Desenvolvimento Educacional, Artístico e Científico)
contou que as dificuldades persistem durante a compra de calçados. É trabalhoso encontrar sapatos confortáveis, bonitos e seguros. “Mesmo em São Paulo, é difícil encontrar quem venda sapatos ortopédicos que sejam elegantes. Tem uma loja perto do meu consultório (nos Jardins), e tem gente que sai de Santana (na Zona Norte) para comprar aqui do lado. Eu brinco que lá é loja de calçados para velhinhas”, comentou. A pesquisa do SPC Brasil ainda destacou que 27% dos idosos pediram que as lojas sinalizassem os produtos com letras maiores. Para outros 34%, os rótulos necessitam ter letras que favoreçam a leitura por pessoas mais velhas.
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Especial 11 de Agosto - Tatuí 191 anos
O LAR E O RECANTO que acolhem os idosos Trabalho de entidades evidencia atenção e expõe situação de abandono na velhice Da reportagem
A necessidade de atenção e a situação de abandono são consequências da velhice. Também representam, em Tatuí, aspectos de trabalho vivenciados por duas entidades que atendem pessoas a partir dos 60 anos. O Lar São Vicente de Paulo e o Recanto do Bom Velhinho “Vale da Lua” amparam, juntos, 134 idosos. As instituições se somam à rede de assistência ao idoso do município, que contempla o Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e o Fusstat (Fundo Social de Solidariedade). A primeira entidade é mais antiga que o próprio conceito de atenção ao idoso. Com 112 anos, completados no dia 1º deste mês, o Lar atende a 80 pessoas. O ingresso se dá de duas formas. “Nós temos o idoso que veio trazido por familiares ou o que nos procurou por livre e espontânea vontade. Contudo, existe uma triagem”, explica o presidente da entidade, Ivan Rezende. O trabalho envolve a equipe de assistência social e uma avaliação da diretoria. “Se o idoso tem o perfil do nosso acolhimento, ele passa pelos profissionais da enfermagem e, depois, por um médico. Só então é inserido”, descreveu. Mesmo com todo este processo, a entidade já atingiu o limite da capacidade. Em função da restrição financeira, não consegue abrir para novos assistidos, o que ocasiona fila de espera. “Tem épocas que temos, tem vezes, que não”, citou Rezende. Ainda assim, as demandas em Tatuí acabam sendo atendidas, ainda que não imediatamente. Quando o Lar São Vicente de Paulo não dispõe de vaga, ele informa a rede municipal para acionar o Recanto. “Estes são os dois lugares que as pessoas mais procuram para atender aos idosos”, ressaltou. A maior dificuldade das duas instituições é com relação ao custo do atendimento. No caso do asilo, o número de idosos poderia ser maior, em função do espaço que a instituição dispõe para acolhimento. Entretanto, a entidade não tem como abrir novas vagas sem desequilíbrio nas contas. “Nossa capacidade financeira, com tudo que a lei exige, de número de funcionários, toda demanda, não permite que passemos deste número (80 idosos). Mas, hoje, temos outro braço de atendimento”, acrescentou. Rezende se refere ao projeto Bem-Estar no Lar, que completou um ano de atividades no dia 29 de julho. A iniciativa atende a 60 idosos, entre internos e externos. A ideia da diretoria é de oferecer atendimento diferenciado aos assistidos da instituição, permitindo que pessoas da comunidade participem. No mesmo sentido, mas de forma ainda conceitual, o Recanto do Bom Velhinho caminha para uma ação buscando melhorar a qualidade de vida dos internos. A instituição quer, conforme a assistente social Claudia Rosana Nascimento Ribeiro Fagundes, construir um “quadro consolidado” de voluntários.
Fotos: Brunno Vogah
O Recanto do Bom Velhinho trabalha com a capacidade máxima, ressaltou a presidente
Por meio deles, criar um roteiro de oficinas e outras atividades que possam ser realizadas de maneira permanente, e não esporádica, como na atualidade. Outra dificuldade do Recanto, semelhante à de milhares de instituições sem fins lucrativos pelo país, diz respeito às finanças. Com capacidade para atender 60, mas com 54 idosos, a entidade luta para seguir funcionando. Pelos parcos recursos que obtém, não consegue aumentar as vagas. “Financeiramente, é inviável, principalmente, da parte dos recursos humanos (funcionários), que nós temos pouco”, argumentou Ana Aparecida de Lima Santos. A presidente da instituição ressaltou que o grupo atuante no espaço trabalha no limite da capacidade. “Não temos dinheiro para pagar mais pessoas. Então, para que não se torne um depósito e para que tenhamos um atendimento mais humano, nós não temos como aumentar as vagas”, acrescentou. Em Tatuí, o Recanto apresenta dificuldades além do número de assistidos. Elas incluem o tipo de atendimento necessário. É o caso de idosos com problemas mentais ou portadores de doenças, como Alzheimer, que exigem cuidados intensivos e uma equipe de profissionais especializada. “Sentimos falta de mais um local de atendimento na cidade. Acredito que deveria ter mais um abrigo que comportasse idosos com demência que são muito mais graves, até porque não existem mais hospitais psiquiátricos”, observou a assistente social. No caso do Recanto, que deveria atender pessoas com 60 anos ou mais, parte dos assistidos está fora deste perfil. Esse descompasso ocorre porque não existe, na cidade, uma instituição específica para atender pacientes mentais. Conforme a presidente, muitas famílias têm recorrido à Justiça para garantir
Instituição localizada no Vale da Lua está aberto para receber doações, segundo José Joaquim Cassandre
> continuação
o atendimento a pessoas com 40 anos, por exemplo. No caso do Recanto, 13 dos 54 assistidos estão nesta condição, sendo internados por intervenção. Apesar de não ser idoso, esse tipo de público exige mais cuidados e, com o tempo, consome mais tempo e dedicação da equipe, uma vez que envelhece. “Muitos que entraram aqui, hoje, se tornaram idosos, mas exigem um atendimento mais focado, cuidados mais específicos”, relatou a assistente social. Para prestar o atendimento necessário, a instituição faz uso de boa parte dos recursos. Internos com problemas mentais, por exemplo, precisam ter acompanhamento de psicólogo, profissional que não faz parte do quadro do Recanto. Neste caso, as consultas são particulares, e precisam ser pagas pela entidade. O custo deste tipo de atendimento envolve, ainda, o deslocamento dos idosos até os consultórios. Daí a dificuldade da instituição ser maior. Por outro lado, o Recanto se mantém em função da boa vontade dos tatuianos. A população doa roupas, mantimentos e outros itens. “Vamos suprindo as necessidades com isto. Quando não tem arroz ou feijão, fazemos uma arrecadação, e assim por diante”, contou Ana Aparecida. Voluntários e pessoas ligadas a clubes de serviços, grupos de jovens e pastorais também contribuem com fraldas. Este é um dos itens mais consumidos pela instituição. A maioria dos idosos faz uso de fralda geriátrica, que são mais caras. Funcionários dão suporte para atender às demandas de outros itens, como os alimentos para a nutrição diária. “É um trabalho muito bom, muito bem feito. O que falta para nós são mais condições”, ressaltou a presidente. Apesar do “aperto”, a instituição tem trabalhado para atender melhor aos assistidos. Conseguiu, por conta de projeto aprovado pelo CMI (Conselho Municipal do Idoso), reformar um espaço a ser transformado em centro de convivência. O órgão liberou, por meio do FMI (Fundo Municipal do Idoso), R$ 110 mil, empregados na reestruturação de um ambiente. Por iniciativa do Rotary Club “Cidade Ternura”, o recanto inaugurou um novo refeitório no ano passado. O clube de serviços doou R$ 120 mil e a Prefeitura entrou com a mão de obra. Inaugurado em maio de 2016, o espaço tem capacidade para 80 usuários. “Isso representou uma economia grande para a entidade, porque, se dependesse somente de nós, não teríamos condições de fazer a obra”, disse a presidente. Todos os projetos desoneraram a instituição, que oferece, diariamente, café da manhã, almoço, café da tarde, café da noite e chá para os internos. As refeições são servidas em horários pré-determinados, por causa
Mercado vê idosos como a nova CLIENTELA
Em Tatuí, a educadora física Luciana Gonçalves se especializou no condicionamento físico de idosos. De acordo com a treinadora, as metas de jovens e velhos são totalmente diferentes durante a musculação. Enquanto os mais novos focam na aparência, os idosos preferem treinos de caráter funcional. “Eles não olham para a linha “quero ficar marombada” ou “sarada”. O foco é na qualidade de vida. Tenho uma aluna que diz que a profissão dela é ser avó, e ela tem a mesma disposição física dos netos dela. Então, o treino que passo é mais funcional”, contou. Os idosos recebem treinamentos individuais, focados na complementação das atividades realizadas em casa, de forma que a atividade física ganhe caráter compensatório, reduzindo as chances de lesões e dores nos alunos.
“Tento equilibrar o que a pessoa mais faz no dia a dia. Dou exercícios que sejam compensatórios, para que eles não desenvolvam algum tipo de patologia no músculo esquelético, o que é mais normal de acontecer”, frisou. O público dela é mais exigente, garantiu a educadora física. Os idosos fogem da monotonia na academia e representam cerca de 30% do total de alunos que frequentam o local. “Eles pedem chá, café da manhã e são o centro das atenções. Eles ditam o que agrada e o que não agrada, e nós obedecemos. São exigentes, entretanto, formam um público fiel”, comentou. Ao frequentar academias, os idosos passam a consumir produtos que antes eram comprados apenas por jovens, como os da linha “fitness”. Roupas especiais para a prática
esportiva, como calças “legging”, camisetas com malha que absorve suor, desodorantes, squeezes (garrafas de água), passaram a figurar nas “listas de desejos” dos mais velhos. O ensaio do mercado em atender aos idosos pode ser afetado pela atual crise financeira vivida pelo país. Com o nível de desemprego batendo os 13% no país, os mais afetados são os idosos. A renda das famílias reduziu e fez com que muitos aposentados voltassem a trabalhar, e até usarem a própria aposentadoria para sustentar filhos e netos desempregados. Na atual crise brasileira, as duas “pontas” do estrato demográfico são as mais afetadas: os jovens de classe média e baixa não conseguem trabalho e dependem dos idosos, que voltaram a ser “arrimo da família”.
“Se tivéssemos a economia mais equilibrada, o idoso poderia receber a aposentadoria, usar o pé de meia dele consigo próprio. O dinheiro que ele usaria para passear, enfeitar-se, ele usa para ajudar o neto desempregado ou, então, ajudar a pagar a pensão alimentícia de descendentes”, frisou Maria Celia. A especialista disse torcer para que a economia volte a crescer, melhorando o mercado de trabalho e livrando os idosos do fardo de carregar as famílias nos ombros. “A classe alta tem uma sobra de gordura que acaba não prejudicando os velhos das famílias. O desemprego tem consequências, uma delas é o prejuízo da qualidade de vida dos idosos. Muitos deixam de trocar de óculos, comprar aparelho de surdez por conta dessas
novas obrigações”, lamentou. A situação econômica tem dado “mais trabalho” para os órgãos garantidores de direitos, como o Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Segundo a coordenadora Nativa Quedevez de Souza, aumentou o número de denúncias de abuso financeiro a idosos. “Tem filhos que pegam o cartão do benefício dos pais e não repassam ao idoso todo o valor sacado. É frequente, também, casos de empréstimos consignados feitos sem o consentimento. O idoso paga um preço altíssimo por desvios de filhos e netos”, comentou. A coordenadora lembrou, ainda, que casos deste tipo podem ser denunciados diretamente no Creas, pelo Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos, e no Ministério Público.
Especial 11 de Agosto - Tatuí 191 anos Fotos: Brunno Vogah
O lar atende a 80 idosos, entretanto, recebe para atividades moradores das imediações
da rotina dos internos. “Eles dormem cedo e acordam cedo. Nós mantemos o hábito”, contou Ana Aparecida. Os 54 internos fazem uso de seis banheiros, sendo um deles para cadeirante. Eles são atendidos por funcionários que se revezam em jornadas específicas, como a de 12 por 36 horas. A equipe de atenção é formada por auxiliares de enfermagem e cuidadores. Estes últimos trabalham durante oito horas por dia, tendo direito a seis folgas no ano. No total, a instituição emprega 22 pessoas. Como o Lar São Vicente, o Recanto do Bom Velhinho deveria atender pacientes de grau um e dois. Contudo, recebe pessoas com grau três de dependência. A resolução 283, do Ministério da Saúde, classifica os idosos em três graus de dependência. Os do grau um são considerados independentes, mesmo que requeiram uso de equipamentos de autoajuda; os do grau dois dependem de ajuda para realizarem até três atividades de autocuidado para a vida diária (como alimentação, mobilidade e higiene); e as de grau três requerem assistência em todas as atividades de autocuidado. No Recanto, os doentes mentais demandam mais da equipe. A instituição também enfrenta obstáculos para compor o quadro de funcionários toda vez que há uma troca. Em particular, para atender aos 24 idosos do sexo masculino. Conforme Claudia Rosana, a entidade tem dificuldade na contratação de homens para a função de cuidador. Embora não seja determinante, os cuidadores do sexo masculino teriam menos dificuldades para assistir aos homens. ABANDONO E TERCEIRIZAÇÃO Por oferecer cuidados 24 horas por dia, as entidades são vistas como soluções mais recorrentes pelas famílias com idosos dependentes. No caso do Recanto do Bom Velhinho, diferente do Lar São Vicente de Paulo em tipo de público, o entendimento gera uma espécie de “terceirização”. “A família acaba deixando aqui porque entende que nós vamos resolver tudo. Na hora de deixar os idosos, até fazem promessa, mas, quando temos algum problema e precisamos acioná-las, elas não vêm”, lamenta Ana Aparecida. Este tipo de situação é recorrente na instituição. Recentemente, o Recanto precisou internar um idoso por 45 dias na cidade de Sorocaba. Todos os custos tiveram de ser cobertos pela entidade, uma vez que os familiares não se responsabilizam por nada. Normalmente, os custos são cobertos pelas aposentadorias dos internos. Entretanto, os valores são menores que as despesas por assistido. Segundo a presidente, cada idoso custa R$ 1.800 por mês, quase o dobro do piso do salário mínimo, de R$
934, valor mais comum recebido pelos idosos. No caso da instituição, as despesas descritas não contabilizam a alimentação, apenas os custos com medicamentos e a folha de pagamento dos funcionários. O Recanto ainda recebe R$ 23 mil por ano, repassados pela Prefeitura, para manter a estrutura. Entretanto, segundo a presidente, o valor não é suficiente para pagar a estadia dos pacientes, que, no mês, gira em torno de R$ 199 mil. Além do “abandono financeiro”, os idosos que vivem no Recanto sofrem com a ausência dos familiares. Dos 54 idosos, dez, no máximo, recebem visitas esporádicas. “Tem vezes que não registramos uma única visita por mês. Os idosos choram, tanto que não comemoramos datas especiais”, conta Claudia Rosana. Dias dedicados às mães e aos pais são riscados do calendário da instituição e substituídos por eventos. O motivo é que, por não terem mais contato com familiares, os idosos se sentem abandonados e, portanto, podem entrar em depressão. “É melhor que nós façamos ações diferentes”, explicou. Para animar os internos, a instituição promove bailes e festas. As atividades são feitas com ajuda de voluntários que, no momento, ainda não estão cadastrados. Os colaboradores são de igrejas, grupos de jovens e clubes de serviços e promovem, esporadicamente, distribuição de lanches e ações visando a interação. Nos próximos meses, o Recanto pretende realizar cadastramento de voluntários. A intenção é criar um cronograma de trabalho, com dias e horários, e tornar a participação dos colaboradores mais sólida na entidade. Claudia Rosana antecipou que a instituição pretende criar regulamento e uma espécie de contrato, prevendo uma participação mais constante. De acordo com a assistente social, a medida é necessária não só para garantir mais segurança para quem ajuda e para o Recanto, como benéfica para os internos. “Eles (os assistidos) acabam criando vínculo com as pessoas, mas, se elas não voltam, ou não estão mais em determinado projeto, os idosos sentem a falta”, argumenta. Parte da “resistência” em se tornar voluntário permanente deve-se ao tipo de público a ser trabalhado. Ana Aparecida afirmou que encontrar pessoas dispostas a atender idosos é mais complexo que com crianças. “Aqui, as pessoas têm que trabalhar com a morte, todos os dias; já com as crianças, não, é alegria”, declarou. O resultado disso é que muitos dos idosos assistidos pela entidade se sentem duplamente abandonados. Primeiro, pela família e segundo, pela falta de voluntários.
A assistente social Claudia Rosana Fagundes avalia os idosos a serem admitidos no Recanto
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Especial 11 de Agosto - Tatuí 191 anos
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SAÚDE no ‘pós-60’ pede ações preventivas Psicóloga e gerontóloga aconselham vida social e hábitos saudáveis durante a velhice Da reportagem
Apesar de ser recomendada em todas as fases da vida, a medicina preventiva ganha maior importância no limiar da velhice. Algumas doenças, como hipertensão, diabetes e osteoporose, ficam mais “perigosas” depois dos 60 anos. Mesmo com a recomendação de especialistas, os homens tendem a comparecer menos nos consultórios médicos de psicólogos ou gerontológicos, de acordo com a psicóloga Maria Celia Azevedo de Abreu e com a gerontóloga Paola de Campos. No consultório da psicóloga, no bairro dos Jardins, em São Paulo, mais de 75% dos frequentadores são do sexo feminino. A “estatística” da gerontóloga caminha também para a predominância de idosas sobre os idosos em maior proporção: 80%. Segundo Maria Celia, a maior longevidade das mulheres pode contribuir para a maioria feminina nos consultórios, contudo, não é a única explicação para a tendência. Na opinião da professora aposentada da PUC (Pontifícia Universidade Católica), as mulheres tendem a ter mais cuidado com a saúde que os homens. “Os idosos que procuram o consultório são diferenciados, no sentido de que eles saem de casa e procuram um curso, uma atividade. Eles têm sonhos e estão buscando algo para fazer. Todos sabem das dificuldades e limitações que o corpo e a saúde impõem, mas, ainda assim, eles se mostram mais otimistas com a vida”, opinou. A maior parte das doenças relacionadas à velhice é tratável, se diagnosticadas no início. A osteoporose, enfermidade que afeta os ossos e os deixa mais frágeis, pode ser debelada com medicamentos, adequações na alimentação e exercícios físicos. No caso da hipertensão arterial e da diabetes, doenças que podem reduzir a expectativa de vida do paciente, o médico pode indicar tratamentos medicamentosos e alterações na alimentação, como redução do consumo de sódio e açúcares. “Precisamos mudar a mentalidade e focar na prevenção de doenças. Check-ups sistemáticos para detectar doenças no começo, visitas regulares ao médico. Tanto o idoso quanto a família dele devem ter atenção na saúde”, acentua Maria Celia. A preocupação com a saúde após a terceira idade deve começar ainda na juventude. Para isso, os jovens devem ficar “vigilantes” aos hábitos cultivados. Sedentarismo, alimentação desbalanceada e o consumo de álcool e drogas podem ter implicações décadas mais tarde e transformar a senescência (velhice com saúde) em senilidade (velhice doente). A melhoria da qualidade de vida durante a velhice passa por políticas públicas volta-
das à terceira idade, sobretudo as voltadas à saúde e ao bem-estar. De acordo com o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Tatuí possuía 12.697 idosos, o que equivalia a 11,83% da população na época. Passados sete anos desde a contagem oficial, estimativas do IBGE apontam que a proporção de idosos no Estado de São Paulo está maior, em 14,7%. Aplicando o mesmo percentual ao número estimado de moradores de Tatuí, as pessoas com mais de 60 anos já somariam mais de 17 mil. Apesar do número expressivo, a cidade conta com número reduzido de gerontólogos – especialistas em envelhecimento humano – e geriatras – médicos especializados em cuidados à pessoa idosa. “Desde a década de 1970, nosso país passa por um “boom” de envelhecimento populacional. Diferentemente dos países europeus que tiveram um século de adaptação, nós estamos vendo a nossa população envelhecer rapidamente. Faltam profissionais em muitas regiões do Brasil, e devemos aumentar a oferta de serviços voltados aos idosos”, opina Paola. No tema de serviços voltados a idosos, entendem-se não apenas os relacionados à saúde em si, mas os espaços de lazer e recreação, práticas esportivas e locais de atenção social e de garantias de direitos. O próprio Estatuto do Idoso, sancionado em 2003, não foi aplicado na plenitude e é considerado como “jovem” pela gerontóloga. Tatuí tem oferta de serviços voltados aos idosos considerada boa, a exemplo de projetos como o Envelhecer com Qualidade de Vida, do Fusstat (Fundo Social de Solidariedade), e o Bem-Estar no Lar, do Lar São Vicente de Paulo. “A cidade tem uma referência que é o projeto do Fundo Social. Quanto mais ele tiver vida ativa na sociedade, melhor para a saúde física e psicológica. Temos que incentivar os idosos a participarem de atividades em grupo e restabelecerem as redes sociais”, declarou Paola. Tanto a gerontóloga quanto a psicóloga insistem que as boas condições de saúde na terceira idade passam pelo bom relacionamento familiar e com a socialização com a comunidade. “É natural que a pessoa, conforme vai envelhecendo, ela vá perdendo familiares, pessoas da mesma faixa etária. Os filhos têm as próprias famílias, assim como os netos. Cultivar amizades e estar envolvidos em projetos são fatores importantes para distrair a mente”, acentua Paola.
Brunno Vogah
Para a psicóloga Maria Celia Azevedo de Abreu, as mulheres são mais numerosas nos consultórios
Um meio que os idosos têm para manter-se na rotina dos filhos e dos netos é ter uma vida ativa no ambiente virtual. Perfis em redes sociais, como o Facebook, Twitter, Instagram, e em aplicativos de trocas de mensagens, como o WhatsApp, fazem a diferença no dia a dia, de acordo com Maria Celia. “Uma queixa constante que temos aqui no consultório é a solidão. Eu questiono aos idosos qual a responsabilidade deles nesse processo de exclusão da família. Pergunto se o idoso tem WhatsApp para conversar com os netos, pois os jovens não têm tempo para comer bolinho de chuva e tomar café na casa da avó”, constatou. De acordo com a psicóloga, apesar de não terem o treino motor nos dedos para o manuseio de smartphones, os idosos podem aprender a manusear telas táteis. A maior dificuldade deles seria entender o funcionamento do aparelho. “A primeira atitude dos idosos é de rejeitar a tecnologia e as redes sociais. Nós explicamos o valor que os aparelhos têm no mundo, nas comunicações e na ciência. Daí, todos entendem que se trata de algo muito importante no mundo em que vivemos”, frisou. Alguns pontos de conflitos entre idosos e jovens é no valor dado à memória. Enquanto os antepassados admiravam o aprendizado de maneira decorada, os jovens buscam informações a um “Google” de distância.
NOVOS COMPORTAMENTOS De acordo com a psicóloga, homens e mulheres mudam de comportamento com a chegada da velhice. Enquanto algumas mulheres que vivenciaram de maneira mais intensa a vida dentro de casa passam a frequentar clubes, homens passam a ter cotidiano mais caseiro, com o enfoque em atividades manuais. “O homem desenvolveu mais o lado de sair de casa, daí, ele passa a fazer o conserto de objetos, pintar paredes, e prover na manutenção. Já as mulheres passam a desenvolver mais a parte mundana, das relações sociais, conhecer pessoas e até abrir negócios”, comentou. Com as vivências domésticas e “mundanas”, tanto homens quanto mulheres encerrariam o ciclo das relações sociais de formas diferentes. É como se, inconscientemente, a pessoa tivesse a necessidade de prover uma vivência que não havia tido até então. “O ciclo se fecha”. Maria Celia lamenta o fato de muitos idosos costumarem delegar a filhos e netos tarefas que eles próprios poderiam fazer “perfeitamente”. Ao atribuir aos jovens a tomada de decisão, ele estaria dando a entender a familiares que não teria mais a capacidade de tocar a própria vida. “É ruim para o velho que está sendo preguiçoso e para o jovem, pois tomadas de decisões com pouca idade é algo doloroso. Se o idoso tem a capacidade de fazer, ele que vá e faça. Os velhos têm que remar contra a corrente”, aconselha.
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CLUBE E PROJETO têm público idoso cativo Renascer e Envelhecer atendem expectativas de quem busca atividades e diversão Da reportagem
Brunno Vogah
As noites de sextas e sábados – e, por vezes, as tardes de domingo - não são as mesmas em Tatuí há algumas décadas. Com população crescente, a concentração de pessoas em um mesmo local e comum, eventualmente, até, redundando em confusões. O comportamento poderia ser facilmente atrelado somente a jovens, contudo, os idosos têm se tornado similares – em alguns aspectos, pelo menos. “Temos o seu Rubens Cardoso, que tem 90 anos e vem para dançar. Tem os que vêm para jogar. E ainda existe o pessoal que vem, arranja namorada e também briga”, contou Niedja Soares, 62 anos, presidente do Clube Renascer da 3ª Idade. Situações como esta têm se tornado cada vez mais comuns no cotidiano do público idoso. Em especial, porque Tatuí está “envelhecendo”, e, para acompanhar este movimento, novas ações estão sendo associadas a “veteranas”. Uma delas é o Clube Renascer, que completa 29 anos de funcionamento no mês de setembro. Na cidade, ele pode ser considerado uma entidade “visionária”, por se propor a reunir o público idoso de forma a mantê-lo ativo. “A construção foi feita pelos sócios, devagar, até chegar ao ponto em que estamos”, relatou a presidente. De acordo com ela, a entidade vem se renovando. Por ser composto por idosos (como sócios), o clube é considerado um espaço voltado ao “ambiente familiar”. Entretanto, tem sido cada vez mais comum a presença de pessoas solteiras circulando pelo salão de dança. A estrutura é composta por salão com ar-condicionado e área de recreação, no qual são realizados bingos, aulas de artesanato e disputas de sinuca. Os associados podem, se assim desejarem, fazer aulas de dança e ginástica, além de disporem de uma pequena academia. Tudo é mantido pelos 700 associados ativos. Porém, o número de pessoas com direito a usufruir dos benefícios sobe para mil. Isto porque sócios com mais de 80 anos não pagam mensalidade, conforme reza o estatuto da entidade. Por ser um dos poucos espaços de lazer dos idosos, o clube tem registrado procura crescente. Tanto que a diretoria vai providenciar, neste mês, um recadastramento. A entidade quer aproveitar o censo para, além de atualizar o número de associados, registrar dados de contatos dos idosos, no caso de algum incidente. “Às vezes, um infortúnio acontece e, se um sócio passa mal nas dependências do clube, nós precisarmos entrar em contato com a família. Então, é um dado que precisamos acrescentar”, informou a presidente. Quem paga mensalidade tem direito a descontos no atendimento de profissionais, como cabeleireira, manicure e barbeiro. A entidade ainda oferece café com leite e pão com manteiga, diariamente, enumerou Niedja. Ela preside a entidade, auxiliada por Maria José Ortega, a Mazé, 64 anos, diretora social, e Maria Inês Chioquiete, 73, secretária. Embora seja uma entidade voltada a idosos, o clube tem como associados um público que ainda não entrou para a terceira idade. “Acima de 45 anos pode ser sócio”, explicou Niedja. “Menos que isso pode frequentar, mas não ser sócio. Na verdade, até abrimos um pouco, pois, antes, era maior que 50. Muita gente com 45 não tem onde frequentar”, acrescentou. De modo a atender a esse público e a manter a saúde financeira, o clube optou por abrir as portas para os não idosos. Também acrescentou, no “cardápio” dos serviços, a realização de excursões. São, pelo menos, duas viagens ao ano, uma com destino mais curto e outra com trajeto um pouco maior. A última viagem foi para a cidade de Praia Grande. “Ficamos quatro dias”, contou Mazé. Além da recreação, o Renascer acaba por ter outra função para quem passou dos 60 anos. As atividades realizadas pelo clube ajudam os associados na recuperação da própria saúde. “Temos um caso de uma senhora que teve derrame e ficou sem fala. Ela manteve os movimentos, mas perdeu a fala. Ela faz artesanato e, hoje, a danadinha conversa”, comentou. Em outro exemplo, Niedja relatou que uma das associadas conseguiu superar a depressão por frequentar as atividades que visam não só manter o corpo ativo, mas a mente em trabalho constante. “Ela sofreu acidente, passou por cirurgias, teve câncer. Chegou deprimida, mas está ótima”, acrescentou. Além da dança, o clube oferece espaço para práticas esportivas, as quais têm preferência do público masculino. Entre elas, sinuca, bocha e canastra. As mulheres buscam mais o artesanato e a ginástica, atividades mantidas com as mensalidades (R$ 30 com desconto para quem paga pontualmente). O clube ainda arrecada
O aposentado Euripes de Almeida Proença e a esposa são frequentadores do Envelhecer, do Fusstat
com a bilheteria dos bailes. A contribuição de sócios representa 70%, e os outros 30% são obtidos com a renda de eventos. Mesmo com a crise financeira, que afetou o número de bailes realizados nas sextas e sábados, o clube tem tido presença de jovens, principalmente, às sextas-feiras. Todavia, a quantidade de jovens diminuiu, em função do desemprego. Niedja explicou que, além da questão econômica, o clube disputa público com outros locais, o que fez com que a diretoria repensasse a forma de administração. A equipe não só reviu os salários, mas formou caixa para realizar as adequações solicitadas pelo Corpo de Bombeiros e os reparos por conta da enchente que atingiu as instalações no início deste ano. “Isso vai consumir um pouco as nossas reservas, mas estamos trabalhando na raça”, comentou. Em média, o Clube Renascer tem público de 400 pessoas, que precisam de mesas e cadeiras para se acomodar. Não fosse esse detalhe, o número poderia ser maior. “O pessoal não aguenta ficar muito tempo em pé”, explicou Niedja. Por mês, o volume de pessoas é de 2.000, somando-se os eventos à noite e almoços. O número é expressivo e se complementa, no tocante ao lazer, ao trabalho desenvolvido pelo Fusstat (Fundo Social de Solidariedade de Tatuí). A entidade é presidida pela professora Sônia Maria Ribeiro da Silva e atende, atualmente, 180 idosos nos períodos da manhã e da tarde. Eles frequentam o projeto Envelhecer com Qualidade de Vida, que funciona no Parque Ecológico Municipal “Maria Tuca”. A exemplo do Clube Renascer, a iniciativa representa um ponto de encontro, de estímulo às práticas de atividades físicas, e age como um remédio natural para os males da solidão. Lauri Franco de Oliveira, 70 anos, é exemplo do efeito recuperador do projeto. Ele participa de atividades desde o início da ação, no ano de 2005. Com ajuda dos voluntários e professores, ele superou o passado de amargura, que tinha reflexos na velhice. “Fiquei três anos internado por alcoolismo”, conta. Quando criança, Oliveira teve problemas com o pai. “Ele era alcoólatra, também”, lembra. Já adulto, replicou o comportamento. “Passei 15 anos bebendo. Fiquei internado por três anos e, depois, vim para o projeto”, relata. A vida dele mudou a partir do momento em que começou a frequentar o Envelhecer, no qual ocupa a cabeça com conversas com os amigos e trabalha o corpo nas atividades de ginástica. “Parei de beber faz tempo. Bebi mais de 3.000 litros de pinga e cerveja. Agora, estou bem melhor”, reforça. O motivo que faz Valdomiro da Silva Proença, 71 anos, pular cedo da cama é o prazer de estar com amigos. Ele também frequenta o Envelhecer e busca interação no espaço. Ele conheceu a iniciativa por meio de pessoas em comum. “É uma maravilha. A equipe toda é fantástica”, opina o maestro. Proença é regente da Banda Regimental da GCM (Guarda Civil Municipal) e tem um histórico incomum para músicos. Ele ingressou no Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” aos 43 anos. Permaneceu por 15 anos, até se formar regente. Depois, concluiu os estudos do ensino médio via EJA (Ensino de Jovens e Adultos) e fez curso superior de artes plásticas.
Frequentando o projeto do Fundo Social há um bom tempo, Euripes de Almeida Proença, 70 anos, tenta “malhar” outra parte do corpo que precisa de cuidados na velhice: a mente. “Gosto de artesanato e da oficina de memória. Tem muita coisa que nós (os idosos) não fazemos porque não ativamos a memória”, observa. O idoso também gosta do convívio proporcionado pelas atividades e, em especial, do fato de sentir-se ativo. “Depois dos 60, a gente pensa que tem que ficar só dentro de casa, que já passou a vida inteira. Depois que entramos no projeto, vemos que ainda podemos fazer muitas coisas, inclusive, ginástica, movimentos que a gente pensa que não consegue mais fazer”, completou. Natural do Espírito Santo, Inaíde Rodrigues Folador, 74 anos, encontrou no Envelhecer um acolhimento. “Sinto-me muito amada. Gosto das atividades e somente não pulo por conta da resistência nas pernas, mas faço atividade física”, conta. Moradora da vila Esperança, a idosa comenta que não se vê mais discriminada pela doença que a acometeu quando jovem. Aos 19 anos, Inaíde teve hanseníase e chegou a ficar internada no leprosário da cidade de Itu, o hospital-colônia “Dr. Francisco Ribeiro Arantes”, o Pirapitingui, inaugurado em 1937. Para a fisioterapeuta e coordenadora do Envelhecer, Luciana Picchi, o melhor do projeto é a recuperação dos idosos. “Eles são animados, amam a vida, gostam de ir todos os dias, passam a manhã inteira conosco”, comentou. Boa parte dos idosos chega ao projeto com histórico de depressão. O quadro psicológico muda à medida que eles começam a participar das atividades físicas e a conversar com os colegas. “Eles saem do estado de depressão e começam a viver com alegria, saúde e disposição”, testemunha Luciana. A meta do projeto também é proporcionar melhor qualidade de vida aos idosos. Daí a inclusão de atividades físicas, de estímulo à coordenação motora e à mente. Com as atividades, os idosos conseguem recuperar a flexibilidade e a disposição. “Sabemos que o envelhecimento é um processo natural e que, se a pessoa tem uma prática de atividades físicas, caminhadas e boa alimentação, vai manter a flexibilidade, a força muscular e a disposição”, destaca. O grupo que pratica atividades físicas apresenta disposição acima do comum - mais que os jovens, conforme ressaltou a fisioterapeuta. A explicação é que os idosos são mais dedicados e buscam não resultados físicos, mas o bem-estar. “Isso retarda a necessidade de usar bengala”, destaca Luciana. Embora os exercícios visem fortalecimento e qualidade de vida, não evitam problemas como artroses, mas tendem a reduzir os efeitos. A prática ajuda aos idosos a terem menos dores. Também faz com que eles consigam lidar melhor com efeitos e a controlar a hipertensão e diabetes. Além da fisioterapeuta, o projeto conta com médico, enfermeiro, psicólogo e terapeuta ocupacional. Os profissionais atuam sob supervisão da Sônia Ribeiro, que acompanhará, também, a participação da equipe tatuiana nos Jori (Jogos Regionais dos Idosos), com início no próximo dia 31 deste mês. Os atletas do município competirão em 13
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Brunno Vogah
modalidades e participarão da cerimônia de abertura com uma apresentação de dança. A equipe treinou por dois meses para não fazer feio diante da plateia, na cidade vizinha de Itapetininga. Só a participação já denota mudança no comportamento deste público. Com o passar dos anos, a terceira idade passou a ficar mais independente e a manter as mesmas atividades que praticava antes de cruzar a linha dos 60 anos. “Acho que os idosos de hoje são diferentes dos de antigamente. A maioria está em movimento, está participando da sociedade. Os de antes se trancavam em casa e não tinham opção de lazer. No Envelhecer, todos os dias eles têm ocupação, festas, aulas de dança, de tricô, crochê, modelagem e violão”, enumerou Sônia. Segundo ela, os “septalescentes do século 21” não têm a mesma mentalidade dos adolescentes, mas sabem viver a vida e buscam cuidar da saúde. Isso porque não têm mais – e não precisam manter – as preocupações da juventude. Criado pela então presidente do Fusstat, a atual prefeita Maria José Vieira de Camargo, o Envelhecer com Qualidade de Vida atende quase 200 idosos. Apesar de ser considerado pequeno, dentro do universo de 16.967 idosos (estimativa projetada conforme a porcentagem de crescimento da população, com base nos dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de vagas é suficiente para atender à demanda atual. Mas, o panorama pode mudar, uma vez que os próprios idosos tendem a procurar meios para se manterem ativos. Esta visão se deve, em parte, à maneira com que os próprios idosos se enxergam e enxergam as demais pessoas. “Era diferente para mim. Antes, eu via todo mundo velho
quando chegava à terceira idade. Na adolescência, sempre nutri respeito aos idosos, mas via pessoas com 40 e poucos anos já como velhas. Agora, não mais”, observou Sônia Ribeiro. De acordo com ela, a percepção sobre a idade muda conforme os anos, mas acompanha uma tendência atual. O idoso do século 21 é mais ativo, busca mais exercícios e a estar mais presente na sociedade, seja exigindo, seja consumindo. “Tem muitos idosos cuidadosos. Antes, também se morria muito jovem”, ressaltou. A presidente do Fundo Social tem, na família, exemplo de como o ativismo é importante. Ela é filha do ex-prefeito e professor Paulo Ribeiro, que viveu até os 93 anos. “Ele era jovem, sempre foi jovem. Tinha dores, mas participava de tudo. Jogava baralho, ia à seresta. Não deixava de sonhar”, relembra. Como o pai, Sônia Ribeiro procurou ocupar a mente e o físico. Mesmo quando se aposentou, ela não parou de trabalhar e estudar. Ingressou em curso de violão, começou a fazer aulas de dança e a estudar inglês. “Sempre cansei de ficar parada. Nunca consegui ficar parada, mas não esperava, também, presidir o Fundo Social. Acho que é uma missão”, vaticinou. A presidência da entidade é, para Sônia Ribeiro, um desafio pessoal. Também uma motivação para superar momentos difíceis da vida particular. “Eu perdi, no ano passado, uma grande amiga, e acompanhei de perto toda a doença dela. Foi repentino, mas é diferente. É uma perda constante. Eu preciso ocupar a minha cabeça para não pensar mais
Inaíde Rodrigues Folador disse ter encontrado no projeto do Fusstat um verdadeiro “acolhimento”
nisso”, contou a presidente. Além de não querer ficar parada, Sônia Ribeiro conta que faz da atividade no Fundo Social uma razão para celebrar a vida, os desafios que ela reserva e as novidades. “Minha felicidade é ver as pessoas felizes”. Ela também celebrou, no ano passado, a chegada de um neto. “Entrei em uma fase que não tinha vivido antes. Eu trabalhava, tive meus filhos trabalhando, não tive minha mãe para ajudar. Nunca pude curtir meus filhos. Então, quando chegou meu neto, comecei a curtir, dentro do possível”, comenta. Para dar conta do recado, a presidente acorda cedo. O dia dela começa às 7h30 e, dependendo da agenda, só termina às 21h.
expediente O caderno “Especial 11 de Agosto - Tatuí também ‘Capital da Longevidade” é uma edição especial comemorativa aos 191 anos de Tatuí. Edição: Ivan Camargo Reportagens: Cristiano Mota / Brunno Vogah Projeto gráfico e diagramação: Erivelton de Morais Arte final: Altair Vieira de Camargo (Bisteka)
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