Concurso Paulo Setúbal

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Concurso

Concurso Paulo Setúbal - Desenho

Foi muito prazeroso coordenarmos uma vez mais o 10º Concurso Paulo Setúbal e Prêmio Literário (Contos, Crônicas e Poesia). A cada ano que passa tem aumentado o número de participantes no concurso, e o alcance do prêmio é maior. Do Prêmio Literário, tivemos participantes num total de 92 municípios, inscritos de todo o Brasil, sendo 50 de outros Estados e 42 do Estado de São Paulo. Tivemos um total de 355 inscrições, com 252 escritores. Já do Concurso Paulo Setúbal, escolas públicas e escolas particulares participaram. Na modalidade artes visuais, foram 392 Inscrições de 19 unidades de ensino. Já na modalidade literatura, tivemos 70 inscritos na categoria redação. Do Paulo Setúbal Show, participaram as escolas: Colégio Bem Me Quer - Positivo, Nebam, “Barão do Suruí” e “Lígia Del Fiol”. O Paulo Setúbal Show é um game em torno de uma obra do escritor tatuiano Paulo Setúbal, que acontece no teatro “Procópio Ferreira”. Neste ano, o livro de Paulo Setúbal escolhido foi “Confiteor”, para reavivarmos a vida de Setúbal e também por ser o primeiro ano em que temos a participação do Museu Histórico “Paulo Setúbal” no concurso, que, depois de dois anos fechado para restauração e reforma, foi inaugurado em 2010. O resultado foi surpreendente, ressaltando que lançamos o concurso em maio, através de uma conversa com coordenadores pedagógicos, professores de educação artística, professores de português e diretores, no Museu “Paulo Setúbal”. Essa conversa foi realizada com os coordenadores de cada área do concurso escolar: professores Cimira Cameron (redação), Raquel Fayad (desenho artístico) e Sérgio Schmidt (“Paulo Setúbal Show”). Parabéns a todos que participaram, obrigado a todos que colaboraram mais uma vez para o sucesso dos concursos, obrigado à família Setúbal pelo apoio. Jorge Rizek Secretário Municipal de Cultura, Turismo, Esporte, Lazer e Juventude

Prêmio Literário Paulo Setúbal

Devido à rapidez que nos chegam imagens e informações, fica mais difícil cada ser humano entrar em contato com o seu mundo interior, pois este ato demanda tempo e dedicação necessários para entendermos e sabermos como fazer a leitura do mundo que nos rodeia e como devolvermos o nosso olhar através de uma linguagem. Desde o início, do concurso da Semana Paulo Setúbal, nos preocupamos em buscar meios para criar um desses momentos de mergulho interior, meios para despertar a criatividade e contaminar positivamente os alunos para a produção dos trabalhos. Buscamos atingir objetivos que nos devolvessem trabalhos onde cada aluno desenvolvesse e colocasse no seu desenho a sua percepção sobre o tema escolhido e o seu mundo. Os encontros com os professores, mais do que orientá-los, serviram para nos mostrar o empenho e dedicação dos mesmos ao participar e em seguida desenvolver, cada um à sua maneira, técnicas que renderam trabalhos de alto nível para o concurso. Creio que a frase a seguir do artista plástico Carlos Vergara ilustre bem o nosso objetivo: “Acho que a grande função da arte é essa: de acordar áreas sutis do ser humano que estão, muitas vezes, obscurecidas, esquecidas.” E ao convidá-los para visitar a exposição dos trabalhos vencedores, fica outra frase do mesmo artista: “Para olhar poeticamente você tem que se dispor a isso. Para fazer a obra demora e exige tempo. Exige tempo para ver. Exige tempo para que o trabalho se revele para você...”

Todos os anos há dez anos fazemos o concurso literário com os alunos do ensino fundamental e médio. Para nós é um trabalho muito interessante, pois acreditamos que o objetivo de despertar a vontade de ler, vem sendo desenvolvido a cada ano com maior número de crianças e jovens. O envolvimento de professores também tem aumentado de ano para ano. Num mundo cheio de atrações midiáticas com computadores cada vez mais sofisticados, o manusear de um livro de papel escrito há mais de 50 anos pode até parecer obsoleto. Mas não o é. Porque ler uma história, descobrir as palavras usadas naquele tempo leva a outras linguagens, a outras curiosidades. O brilho do olhar daqueles que são premiados, a tristeza passageira de quem não ganhou o prêmio este ano, mas a esperança de ganhar no próximo ano, nos leva a crer que estamos no caminho certo e quem sabe, não estaremos nos deparando com o Paulo Setúbal do século 21. Cimira Cameron

Raquel Fayad artista plástica e arte-educadora

Júri 2011 Tema: CONFITEOR

2011

10º Concurso Paulo Setúbal de Literatura e Artes Visuais 9º Prêmio de Contos, Crônicas e Poesias Paulo Setúbal 2º Concurso Paulo Setúbal de Fotografia 3º Paulo Setúbal Show

CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS

DESENHO

FOTOGRAFIA

ARTES VISUAIS

* Jaime Pinheiro

* Fábio Cabrera

* Marinês Bastos

* Maria Amélia Dalmatti Lima

* Fernando Foster

* Rodrigo Ricardo Rodrigues

* Mingo Jacob

* Ilza Eleutério

* Sueli Aduan

* Neil Milanezi

* Thony Guedes

* Rogério Viana

Tatuí, 14 de agosto de 2011

Suplemento especial do jornal

Projeto visual / diagramação: Erivelton de Morais


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Concurso

Ensino Médio 1º lugar Lucas Augusto Alves de Oliveira (8º ano) Colégio Bem-Me-Quer / Positivo

Vida-poesia: a de Paulo e a minha Nestes tempos tenho pensado muito sobre minha vida, nas pessoas que conheci e em tudo que realizei. As lembranças vêm e vão, rápidas, mas não efêmeras: lembranças e não apenas lembranças. E as memórias que tenho revivido encontraram-se com a minha leitura mais recente: Confiteor, de Paulo Setúbal. A obra, composta dos “retalhos” de vida deste escritor que tanto admiro, veio neste meu momento de reflexão, provar uma coisa que eu já intuía: a literatura está sim, muito próxima da vida. E a arte, a poesia e as coisas belas, não são privilégio de poucas pessoas. Todos nós podemos fazer poesia e viver poesia, basta olhar com mais atenção ao redor... Não basta, no entanto, olhar para somente as flores, os pássaros, as estrelas - que já foram inspiração dos poetas - mas é necessário também olhar para a vida. Nua e crua, assim como a vivemos. Sim, ela também pode ser poesia. Paulo Setúbal, em Confiteor, de certa maneira, comprova o meu pensamento: em modo “confessional”, como o próprio título do livro diz, inspira-se em suas lembranças para escrever a obra, que fora, no meu entender, a mais intimista e poética. Ele fala de Chico Pereira, que conhecera no início da vida: Seu Chico, como era chamado por todos, além de sábio era muito humilde. Todos os dias, às 17 horas, lá estava ele com um livro velho e bem amarelado que lia para todos que estavam ali, ele amenizava a dor de todos os idosos. Chico Pereira, como Paulo Setúbal, usava os livros para amenizar as dores e para mostrar que a vida poderia ser diferente do que se poderia enxergar. Seu Chico e “Seu Paulo” eram poetas da vida! Da mesma vida que mostra nas coisas pequenas, grandes inspirações. A relação de Paulo Setúbal com sua mãe por exemplo, fora referência para suas obras e para tudo o que viveu. Ele a descreve como uma pessoa forte, batalhadora, que lutou para cuidar sozinha de seus 9 filhos. As travessuras do menino Paulo Setúbal, também aparecem como inspirações: quando ainda era menino, tinha que cuidar

de duas vacas e essas duas vacas sempre se enfiavam no meio do mato e davam muito trabalho. Para resolver a situação, Paulo, um dia pediu a Nossa Senhora que ela fizesse com que as vacas não se enfiassem no meio do mato. Prometeu, em troca, que tornaria-se padre. O tempo passou, mas a promessa feita à santa não se cumpriu. Paulo bacharelou-se em Letras e, a poucos dias do inicio de suas aulas na faculdade de Direito, lembrouse da promessa feita na infância. Não a tirou da minha cabeça durante um dia inteiro: chegou à conclusão que deveria ser padre. Fez a entrevista no seminário e tudo estava certo - entraria 10 dias depois... Mas não compareceu. Resolveu que seria redator de um jornal. Começou trabalhando como revisor e, um dia, criou coragem e mostrou alguns dos poemas que tinha feito para seu chefe. Para sua surpresa um dos poemas foi publicado e Paulo, promovido a redator. Mas como a vida não se prevê, no dia em que iria começar o trabalho como redator, ficou muito doente. Segundo o médico, “estava meio fraco do pulmão”. Sua querida mãe, enviou-o a Campos do Jordão, para cuidar-se melhor. No entanto, durante o tratamento, Paulo entregou-se à vida boêmia. Quando percebeu que a morte chegara, um turbilhão de lembranças lhe veio à mente e, toda a sua vida – todos as alegrias, promessas, inseguranças – serviram para inspirar “Confiteor”, a sua última obra. Paulo morreu enquanto ainda escrevia Confiteor. O mais interessante é que eu, ao ler o livro e relacionar os conflitos do poeta aos meus – ainda poucos – sinto que Paulo Setúbal ainda está bem vivo. Como é possível? É que, as palavras eternizam a vida. Elas não se apagam e nem se acabam. Por isso, já decidi: se um dia quiser escrever um livro, vou me inspirar em Paulo Setúbal. Ele é da minha terra, amada Tatuí, e soube fazer o que acho bem bonito – transformar fatos em poesia. Situações concretas e “chatas” em histórias belas e interessantes, viagens interiores na beleza de Confiteor. Obrigado, Paulo!

Ensino Médio 2º lugar Thaís Fernanda de Oliveira (2º ano) E. E. “Ary de Almeida Sinisgalli”

Vida e Obra do Escritor de Tatuí Paulo Setúbal Falar sobre a obra do grande escritor Paulo de Oliveira Leite Setúbal, o nosso querido e amado Paulo Setúbal de primeiro momento me parece uma tarefa difícil, quase impossível. Lembro-me de quando estava no ensino Fundamental I, na Escola que frequentava sempre cantávamos o “Hino à Tatuí”, o qual dizia: “Tatuí, Cidade Ternura, Terra querida onde vivemos... Tens Filhos de grandes méritos, é justo que os louvemos... Nas Letras, Paulo Setúbal, recebeu seu galardão”, ou seja, Paulo era pra mim como alguém intocável, inalcançável, mas tudo mudou na primeira vez em que ouvi meu professor ler um capítulo de “Confiteor” – um livro no qual ele colocou ali grande parte de suas memórias, pude perceber então, que ele foi uma pessoa como qualquer outra, especial é claro, mas não muito diferente. No capítulo 5 do livro, ele narra um pouco da sua vida em Tatuí, conta desde como era a paisagem na época até lugares que ele se recorda. Nesse mesmo capítulo, descobrimos que ele perdeu o pai muito cedo, aos 4 anos e que sua mãe foi corajosa e guerreira, ela colocou Paulo na Escola do Seu Chico Pereira, para então poder trabalhar para sustentar seus nove filhos. Uma das inúmeras coisas em que eu gostei de saber, foi que ele sempre gostou de estudar em lugares populares, ele disse que gostava de viver no meio do povo, que fez grandes amigos e que mais para frente, foram eles que o ajudaram a se eleger deputado. Paulo sempre foi um aluno aplicado e aprendia tudo mais rápido. Não consigo me esquecer também, ao ouvir falar sobre a “Morena e a Manteiga”, duas vacas que deram certo trabalho. Era no pasto do “Seu Galdino” na saída da cidade que Paulo as levava e ia buscar, até aí tudo bem, a bagunça se dava quando as duas decidiam embrenhar-se no mato. Mas, deixando isso de lado, falemos um pouco sobre Religião, fica-

mos sabendo que Paulo Setúbal fez a primeira comunhão e que sua mãe ficou muito contente com isso, porém, em certo momento de sua vida ele deixou a religião e virou ateu. Paulo mudou com sua família para São Paulo e lá começou o curso de Direito, logo depois decidiu ser jornalista, arrumou um emprego no Diário “A Tarde”, foi aí que começou a ganhar notoriedade, porém, ainda nessa época os primeiros sinais de tuberculose, começaram a aparecer e infelizmente ele teve que interromper o trabalho, para poder repousar. Já em 1915, quando conseguiu terminar seu curso de Direito, exerceu a função em São Paulo, por um determinado tempo, porém, por conta da Gripe Espanhola, outra doença que ele teve, se mudou para Lages, em Santa Catarina e foi lá que ele conseguiu se transformar em um advogado bem sucedido. Por um longo tempo, Paulo Setúbal viveu uma vida imoral, com mulheres e jogos, mas depois se cansou dessa vida e voltou para São Paulo e conseguiu se firmar como advogado lá também. Começou então, a sua principal fase literária que o ajudou a tomar-se um dos escritores mais lidos. Nosso querido conterrâneo consagrou ou se então, na Academia Brasileira de Letras e foi nessa época que ele se viu em uma crise espiritual e começou a viver apenas cercado da família e longe de festas e começou a frequentar a Igreja da Imaculada Conceição, perto de sua casa e começou a ler a Bíblia. Foi quando deu iniciou ao “Confiteor”, onde ele narra sua conversão, mas infelizmente ficou inacabado e ele morreu em 1937 por complicações das doenças crônicas. Depois de tudo isso, aquele Homem que eu julgava ser tão diferente e tão distante da minha realidade, tomouse um Homem como todos os outros, a diferença que ele tocava a alma de quem lia seus romances e vai continuar tocando, afinal, ele ainda permanece vivo em seus livros.


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Concurso

Ensino Médio 3º lugar Letícia Coelho (1º ano) Colégio Bem-Me-Quer / Positivo

Ensino Fundamental 1º lugar Felipe Grando (8º ano) Colégio Bem-Me-Quer / Positivo

Ensino Fundamental 2º lugar Higor Pereira da Silva (7º ano) Colégio Ideal

O Sertanejo

Recomeço

Confiteor de Paulo Setúbal

Em 1893, logo no primeiro dia do ano, podese dizer que Tatuí tenha recebido um presente. Divino, devo dizer. Presente dos céus! A rude cidadezinha do interior de São Paulo pôde, enfim, comemorar o final da gestação que dera origem a Paulo de Oliveira Setúbal - o brilhante homem que, mais tarde, viria a se tornar advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista. Nascera em meio aos campos, em terras onde os grãos davam os mais variados frutos. Das grandes árvores folhudas, Paulo apanhava laranjas, goiabas, jabuticabas e araçás. Eram tantos! Deliciava-se ao degustar cada frutinho daquele, sentado ao pé das árvores; comia com prazer os pães e bolos caseiros que eram feitos para acompanhar o cafezinho preto; gostava do cheiro de mato das terras brejeiras e das serestas sertanejas, quase diárias. O sangue e a alma eram caboclos, de fato. Pertencia àquela terra, como se ela o completasse. O tempo que viveu longe de Tatuí fora difícil em certo ponto. Seu coração estava constantemente angustiado com o trânsito, a violência e a poluição das cidades grandes pelas quais passou. Guardava consigo saudade do povo humilde e gentil com que convivera ainda na infância. Porém, isso tudo não impediu que Paulo vivesse intensamente, e foi o que fez. Romances, viveu aos montes. Amou a muitas mulheres e muitas também o amaram. Desfrutou dos prazeres da carne intensamente, se me perdoa a indelicadeza. Acontece que sua alma perdeu não só a pureza, mas mais tarde perdeu a fé. Foi esse momento de conflito pessoal que Paulo Setúbal relatou em “Confiteor”, sua última obra publicada. O livro é muito mais do que a história de uma alma, é a história do drama espiritual vivido no Brasil daquela época, e que vem se repetindo desde então. As páginas relatam não apenas o sofrimento de um homem que chora e que sofre, mas também de várias gerações que foram desviadas de Deus. Ao ler “Confiteor”, pude compreender o sentimento que afligia Paulo e tantas outras pessoas, e celebrei o que aconteceu ao final de tudo. Creio que o “homem velho” nunca tenha morrido, mas que o “homem novo” tenha sido mais forte e grandioso. A fé que renascia naquele homem encheu-me de entusiasmo e me rendeu um tanto de ensinamentos que jamais esquecerei.

Existem diversas qualidades em Paulo Setúbal, a fé é uma delas e da qual irei falar. Um ano antes de sua morte ele teve um encontro com Deus, o que o fez mudar completamente sua vida, já que era um mundano, talvez pervertido em sua juventude cheia de emoções e calor. Num determinado momento de sua vida teve dúvidas a respeito da publicação de um romance que havia escrito, foi o livro para o qual mais se dedicou era “O Filho”, lá estavam paixões e amores não correspondidos revividos ao longo de 300 páginas escritas sem a presença de Deus. Foi então, que já doente teve seu primeiro encontro com Cristo. Tudo mudou para ele, tinha agora a vida tranquila e escrevia confissões. Às vésperas da publicação toma a dura decisão de queimá-las, deixando tudo o que escreveu para seguir os passos e o conselho de Cristo. Isso me faz pensar na fragilidade de um homem beirando a morte, que na força de sua fé deixou pra trás, uma vida e seguiu, mas, agora em paz. Que estranha fé e paixão nos fariam abandonar uma vida inteira pelo desconhecido? A fé que move montanhas teria realmente se manifestado em Paulo? Será que como ele também eu terei essa coragem? Esquecer o que vivi e começar tudo outra vez? Para Plínio Corrêa de Oliveira “‘Confiteor” é um grito lancinante de gerações inteiras que foram desviadas de Deus”. Se pensarmos bem, falta em cada um de nós, jovens e adolescentes, um pouco desse confessar, admitir erros e tentar repará-los mesmo que em pequenos gestos. Há uma canção que nos convida “Vamos começar colocando um ponto final pelo menos já é um sinal de que tudo na vida tem fim”. Então, como Paulo o que quero agora é colocar um ponto final e acordar para um novo começo. O que me espera?

Antes de Paulo Setúbal encontrar com Cristo ele era um sofredor, um fracasso. Ele conta que quando Cristo entrou em sua morada, transformou-a com flores, pássaros cantando... Já que a casa dele estava linda, ele começou a perceber que a felicidade era diferente da felicidade que o mundo sonha. Paulo Setúbal escreveu um bilhete para o Padre Z falando que tinha queimado o seu livro de 300 páginas e que nele não havia nada sobre Deus. Paulo Setúbal foi à missa e quando voltou para sua casa foi ver sua filha doente, e em troca do presente de natal, ela pediu que queimasse o livro. E Paulo deu uma caixinha com as cinzas do livro. Paulo disse para sua filha que ela só iria entender as cinzas do livro quando ela lesse as maiores páginas do livro Evangelho. Paulo disse que não adiantava nada ir à missa e depois a noite sair com mulheres pagãs e na igreja ser uma pessoa e a noite ser outra. Paulo começou a relembrar de Tatuí sua terra natal, das boas plantações e da escola do seu Chico Pereira e seu pai morreu quando ele tinha quatro anos e sua mãe ficou para cuidar de nove filhos sozinhos. Sua mãe recebeu duas vacas como pagamento e elas se chamavam Morena e Manteiga que iam pastar todos os dias e Paulo tinha que levá-las e buscá-las no meio do mato onde tinham bicho. Paulo não aguentava mais, e então fez uma promessa, se elas não fossem mais lá, ele iria virar padre e assim foi e os professores falaram para sua mãe para enviar Paulo para São Paulo para continuar seus estudos, mas sua mãe não tinha condições e o pouco que tinha mandou para São Paulo. Paulo diz que não pode sair de Tatuí sem falar de Chico Pereira, o homem mais rico que ele conheceu. Um homem que aceitava homens para almoçar e jan-

tar em sua casa, e ele começou a frequentar o asilo e foi morar lá. Paulo continuou em São Paulo e frequenta o Ginásio de Nossa Senhora do Carmo em que ele gosta muito. Os meninos de São Paulo faziam coisas erradas e ele começou a fazer igual. Os filósofos faziam palestras, eles não entendiam, mas eles amavam os filósofos. Eles amavam poesias e piadas, mas mesmo se não resolvessem em nada, eles liam. Fala novamente sobre as poesias que Paulo e seus amigos, os da geração de 1900, eles gostavam porque eram coisas de adolescentes. Fora as poesias e seus amigos amavam o cantor Alfredo Musset. Voltaire tinha como filho espiritual Jacque Rolla que Voltaire chamava a Cristo pelos seus amigos. Musset morreu e só foram encontrálo depois de sua morte. Quando Paulo terminou o ginásio, fui a ser um irmão Carmo, ele aceitou ficou muito feliz e honrado, mas ao longo do tempo ele já não lembrava mais que era um irmão Carmo. Paulo resolveu ser advogado e se lembrou de sua promessa, e ficou com aquilo na cabeça. Paulo resolveu ser padre, sua mãe ficou feliz e seus colegas zombavam dele, e alguns dias depois começou a fazer o seminário. Paulo decidiu ser padre, e continuou a ser adjurado, mas ele ainda queria ser parte da redação do jornal e conseguiu, foi comemorar com seus amigos no bar, e no dia seguinte sua mãe teve que chamar um médico, porque Paulo estava fraco do pulmão e ficou triste porque teve que deixar a faculdade por um tempo. Paulo voltou para Tatuí, mas logo voltou à São Paulo para refazer seus exames, mas não estava recuperado, o médico sugeriu levar Paulo para Campos do Jordão, mas ir para lá seria difícil, sua mãe vendeu o anel do seu falecido marido para pagar a viagem de Paulo.


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Concurso

Confiteor de Paulo Setúbal Campos do Jordão era simples. Paulo não queria saber de seu tratamento e ia a festinhas, dançava, e numa das festas ele conheceu uma moça, e eles namoraram e depois eles se separaram, Paulo falou se eles se reencontrassem de novo, ele iria falar sobre Deus a ela. Paulo esqueceu realmente de Deus, nem queria saber mais dele, pois se ele existisse não teria essas guerras, Paulo teve a gripe Espanhola e teve que mudar de Estado, foi para Santa Catarina e foi morar com seu irmão mais velho. Lá em Lages em Santa Catarina, dois anos e nada de ir à igreja. Paulo ia a rodeios, tomava chimarrão e sentiu falta de São Paulo e voltou para lá. No caminho até Lages são três dias de viagem, Paulo viajou com sua mulher, comprador de gado e um estancieiro. E um dos dias era a vez do estancieiro e estava chovendo até que eles acharam um rancho, não tinha nada para comer, mas pela manhã um café com leite que estava delicioso. Na hora de pagar, o dono falou que não precisava, o estancieiro insistiu e pagou, pagou pouco e Paulo achou ruim e acabou contando uma parábola da Bíblia. Paulo voltou para São Paulo para continuar ser advogado, até no colégio de freiras ele encontrou sua noiva. Mas acabou morrendo. Encontraram folhas em uma gaveta, no qual dizia para publicar o livro. Conta seu amigo, que Paulo mudou muito, que toda semana ele ia para a missa. Ele era um bom homem, que deixou marcas.

Ensino Fundamental 3º lugar Thiago Luiz Ayres Barbosa (9º ano) Colégio Ideal

Confiteor de Paulo Setúbal E o que nos traz esta mensagem comovente, escrita entra a vida e a morte, umas e outras sentidas em toda a agudeza pungente de sua realidade? Traz-nos o encontro entre Paulo Setúbal com Cristo Jesus; do literato elegante com o Crucificado do Calvário, da inquietude contemporânea com a fonte eterna da paz, da criatura com o seu Criador. “Faz um ano que me encontrei realmente com o Cristo... O Cristo apareceu de improviso no meu caminho... Perguntei-lhe ansioso: Quem sois vós? Ele me disse: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Paulo se encontrava em uma situação um tanto crítica, uma situação de dúvidas, extrema dúvida. Queimar ou não queimar o livro? Considerando que um cristão pagante não devia publicar tal blasfêmia. Sua mulher estava então do lado da igreja. Ele tinha também uma filha, pobre menina aquela, deitada em sua cama enferma quando seu pai foi a visitar, quando seu pai teve uma grande surpresa. Ela pedira a ele de presente de natal, um presente adiantado, que queimasse o livro, e ele o fez. Deu a sua filha uma pequena “bonbonier” com as cinzas do livro, e radiante ficou a garota. Queimou seu primeiro livro de pura fantasia, trezentas páginas bem ricas que deviam entrar naquela semana para o prelo, ele queimou com uma grande dor, pois era seu trabalho, seu trabalho ávido e duro de meses e meses. Ele viveu uma boa parte de sua vida em Tatuí, a Cidade Ternura. Fez lá sua primeira comunhão, a qual se lembra com muito carinho. Morena e Manteiga eram uma das vacas que ele cuidava, mas isso o agoniava, pois elas se embrenhavam no mato e ele tinha que se entranhar também para procurá-Ias. Após sua comunhão começou a rezar com fé para que a Virgem fizesse com que elas não se embrenhassem no mato e então fez uma promessa: “Eu, quan-

do ficar homem serei padre!” e desde então as vacas se encontravam no pasto, arrumadinhas, prontas para serem levadas. Seu Chico o homem mais rico daquela terra, e claro o mais conhecido. Grande homem ele. Todos os dias seu Chico ia até o Asilo S. Vicente com um livro velho na mão e os lia para os velhinhos de lá. Quando a última parte de sua família morreu, seu Chico vendeu sua casa, doou o dinheiro e foi morar no asilo onde lá morreu junto com seus amigos. “E Jesus, sorrindo, mansamente passam o livro velho as mãos do seu eleito..., - Santo Chico, são cinco horas. Pode “principiar a leitura...” Antero do Quental, o santo Antero, como Paulo o apelidava. Esse era pra ele o poeta mais profundo e nobre do pensamento. Era o vate que cantava com altissonância. “A ideia”. Antero pregava este ideal de peregrinar beleza: o “Não-ser”, o “Nada”, o “Nirvana”. Nirvana era uma religião filosófica e menos fantasmagórica inventada pelos homens. Ímpio varou os seis anos do ginásio. Ao acabo deles, o quadro de sua vida: Era filho de uma mãe católica, frequentava uma escola católica, rezava todos os dias uma Ave-Maria no intervalo de cada aula. Mas seu coração adolescente já havia sido poluído, pensou seriamente em levar a peito seus deveres de cristão, ser como sua mãe. Paulo se torna bacharel e trata logo de se matricular em uma faculdade de direito. Ele estudava todos os dias, a todo momento, mesmo sendo difícil. Estava ele certa tarde a ler com atenção uma página, aliás, viva e interessante sobre o conceito das “etiquetas” do Direito Romano. Tinha sob seus olhos o volume do professor que foi mais tarde seu grande amigo

Dr. Reinaldo Porchat. E então de repente lhe vem uma imagem à cabeça: “Ergo os olhos súplices para a Virgem. Lá em cima, no seu nicho, sorria Nossa Senhora, linda, linda com o Menino nos braços, um resplendor cintilando-lhe a cabeça, o manto azul-celeste borrifado de estrelas de prata. Digo-lhe: - Eu quando ficar homem serei padre!” Ele ficou seriamente conturbado, tirou os olhos do livro e o coração voltou para sua infância, começou a cismar-se com uma boba promessa. “Eu devia ser padre. Devia cumprir a promessa feita à virgem.” Paulo cismado com isso decidiu ser padre. Foi até o diretor da faculdade e o contou a historia, o bondoso diretor foi com ele a um seminário falar com um padre que os encaminhou ao arcebispo o qual concordou com tudo. Paulo se dirigiu então para a sua casa para dar as novas notícias a sua mãe, e ela amou, ficou radiante, no entanto apenas ela gostou, pois seus amigos não. Com a influência de seus amigos ele desistiu, e não foi. Janeiro... Sua desistência não podia ter obtido outra conclusão a não ser essa: o retirar com violência da igreja. Ele então parou de ir às missas, disse um basta para os padres. Com a idéia de trabalhar na redação de um jornal correu atrás, mas ao chegar lá só tinha vaga de revisor e ele aceitou. Seu chefe leu um poema seu e por sua alegria o empregou na redação. “Desejava apenas esse mundo e deseja apenas esses desleixamentos.” Infelizmente, fora as últimas palavras que havia escrito. Sua saúde está num ponto crítico. Conversou com um sacerdote antes de morrer, pedindo perdão, de todos os pecados para Deus. Morreu ele, lendo alguns livros sobre o evangelho em quatro de maio de 1935.


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Concurso

1º lugar João Paulo Vaz Rio de Janeiro / RJ

Os meninos Nenhum de nós sabe com certeza como e quando os meninos começaram a aparecer. Foi durante uma daquelas tréguas que podiam se estender por semanas ou meses. As tréguas eram cada vez mais longas e sempre bem-vindas. No início, descansávamos, lubrificávamos as armas, remendávamos uniformes. Deitávamos na sombra, e a satisfação de continuar vivo nos engordava. Depois, vinham o tédio e a preguiça. Quando me dei conta da presença constante dos meninos, essa fase já havia começado. Nem é preciso dizer que nosso acampamento não é lugar para crianças. Na verdade não é lugar para ser humano algum, só nós mesmos, que não temos outra escolha e já não somos exatamente humanos. O normal teria sido expulsá-los. Mas o comandante não se mexeu e ninguém se sentiu na obrigação de tomar a iniciativa. Iniciativas de qualquer tipo eram cada vez mais raras entre nós. A série infindável de pequenas vitórias e derrotas sem consequência havia acabado com a esperança e o medo que nos faziam bravos. Ninguém mais esperava vencer essa guerra que se diluiu no tempo, na inutilidade dos tiros sem alvo visível, na falta de sentido das mortes aleatórias. O fato é que, mais por inércia nossa do que por qualquer outra coisa, os meninos foram ficando. Dormiam junto à porta da cozinha, comiam os restos da nossa comida, faziam pequenos serviços - apanhavam água no poço, lavavam as panelas, matavam ratos. A matança dos ratos foi o que primeiro me fez prestar atenção neles. Passavam horas imóveis, atiradeiras nas mãos, espreitando a caça. Então um deles esticava devagar a borracha, disparava e, de algum canto escuro, um guincho de desespero anunciava a precisão da pedrada. Lembro bem da tarde em que eu me debatia num sonho especialmente mórbido. As imagens eram as de um filme antigo, mudo, em preto e branco. Estávamos num pântano, cercados pela fuzilaria inimiga. Balas e granadas silenciosas nos arrancavam pedaços, mas ninguém morria nem se importava muito, apenas continuávamos a chafurdar na massa escura, onde já não era possível discriminar o sangue da lama. De repente, um silvo intermitente de alarme de bombardeio quebrou o silêncio do sonho. Acordei assustado. A meu lado, aos guinchos, uma ratazana arrastava desesperada a coluna partida e os quartos traseiros paralisados. Antes que eu acabasse de

entender o que acontecia, um dos meninos surgiu na minha frente e esmagou a cabeça do bicho com uma pedrada de misericórdia. O que me surpreendeu naquele dia foi a expressão, no olhar dele, de satisfação com o próprio poder. Durou talvez uma fração de segundo, e imagino que só a percebi porque, mal acordado, eu me achava naquele estado semiconsciente em que a intuição ainda não está submetida à razão. A surpresa não foi tanto pela expressão em si, mas por reencontrá-la justo no olhar de um deles. Satisfação, desejo de poder eram sentimentos que ninguém ali experimentava havia tempo. E, nos olhares dos meninos, até então, eu só tinha percebido a fragilidade dos famintos, a paciência com que esperavam restos das nossas refeições, a subserviência com que lavavam as panelas. A trégua se prolongou além da nossa capacidade de contabilizar o tempo. Durava tanto que, embora ninguém o dissesse nem a si próprio, já começávamos a dar a guerra por encerrada. Prova disso era o desinteresse pelas armas empoeiradas, amontoadas num canto. De vez em quando, alguém lembrava que era preciso lubrificá-las. E ficava nisso. Até que um dia, ao acordar de manhã, dei com um dos meninos desmontando o fuzil do Gomes. “Ta fazendo o que aí?” - perguntei. “O Gomes mandou”. Estranhei. Ninguém podia mexer em arma de ninguém. Aquilo mostrava a que ponto tinha chegado nosso desleixo. Resolvi falar com o Gomes ou com o comandante, mas, como os dois ainda dormiam, fui tomar café e acabei me esquecendo do caso. Nos dias seguintes, alguns meninos desmontaram e lubrificaram outros fuzis. “’O meu pode deixar que eu mesmo faço” - avisei. Mas continuei adiando a tarefa e, mais tarde, quando percebi meu fuzil tão limpo quanto os outros, não me animei a reclamar. Na verdade, meu interesse por ele, àquela altura, era nenhum. Pouco tempo depois, num final de tarde, eu acompanhava o percurso de uma ratazana, à espera da pedrada que a abateria. Atrás da cozinha, havia um muro baixo sobre o qual se erguia outro mais estreito. A ratazana vinha pelo degrau formado entre o topo de um e a base do outro. Protegida pela sombra, dava alguns passos em direção ao latão de lixo da cozinha, parava, fareja o ar, dava mais alguns passos. Sentado ao lado do latão e encostado no muro, aproveitando ele também a proteção da sombra, o Batista se masturbava. A ratazana vinha pouco acima

dele. “Vai cair na cabeça do Batista” - pensei quando ela parou, levantou o focinho mais uma vez e eu esperei ouvir a retração do elástico de uma atiradeira. Mas o que se escutou foi um tiro de fuzil. O impacto da bala jogou a ratazana para cima. O corpo se esborrachou contra o muro e caiu despedaçado na cabeça do Batista, que, no susto, saltou de onde estava, e, saiu tropeçando na calça arriada. Aquilo tinha ultrapassado qualquer limite e a única atitude razoável era chutar todos os meninos fora do acampamento no mesmo instante. Mas o batalhão inteiro explodiu de rir com a cena do Batista, aos tropeções, cara e peito salpicados do sangue da ratazana, tentando suspender a calça. Nossas gargalhadas desarmaram sua fúria e ele não fez mais que arrancar o fuzil das mãos do menino e berrar meia dúzia de palavrões. É curioso o modo como as mudanças acontecem. Embora, entre o início daquela última trégua e agora, o batalhão e a própria guerra tenham mudado radicalmente, não é tão simples entender como e quando o processo se deu. Mas ter permitido o acesso dos meninos às armas foi, sem dúvida, um divisor de águas. Desinteressados de um poder que não nos levava a lugar algum, deixamos que os meninos o exercessem. O poder das armas. No que passaram a andar de fuzil a tiracolo, eles foram mudando de atitude. Não esperavam mais os restos das nossas refeições. Comiam junto. Não lavavam mais as panelas, não apanhavam água no poço. Promoviam caçadas coletivas em que alguns meninos revolviam o lixão enquanto os outros alvejavam as ratazanas em fuga, e nós éramos obrigados a buscar proteção contra a fuzilaria. De vez em quando um de nós protestava, mas sempre esperando que os outros assumissem alguma atitude, e a reação não passava disso. O comandante não dava uma ordem havia tanto tempo que ninguém mais tomava conhecimento dele. Quando, durante uma das caçadas, uma bala ricocheteou no muro e atravessou sua cabeça, encaramos o fato como um acidente. nada mais. Enterramos o corpo sem qualquer cerimônia especial, exceto por uma salva de tiros que os meninos resolveram disparar. Hoje entendo que, num ambiente como o nosso, as armas - sejam elas fuzis ou atiradeiras - são a principal fonte de virilidade e energia espiritual. Sem elas, chafurdamos no pântano da indolência. Não acho que isso explique tudo. Mas o fato é que, dias atrás, quando a trégua afinal terminou, continuamos lavando panelas. Da guerra se encarregam agora os meninos.

2º lugar Nerino de Campos Belo Horizonte / MG

Gina-Regina O dia estava chuvoso, ideal para ficar na cama, cortinas fechadas, cobertas até a cabeça, mas Rodrigo estava se preparando para o vestibular e levantou-se cedo, contra a vontade, para comprar o jornal. Nada do que lia nos jornais o interessava. Não queria saber dos escândalos no Congresso, do fracasso das novas medidas tomadas para combater a criminalidade, dos sequestros, guerras no Oriente Médio, enfim, nada disso o interessava. Não queria saber, mas lia diariamente sobre aquelas baboseiras para, pelo menos, chegar ao vestibular sem complexo de culpa. Foi andando sob a marquise, atravessou a rua correndo para não se molhar e chegou até a banca de jornal. Pegou O Globo e o Jornal do Brasil nas pilhas protegidas por plásticos transparentes que ficavam do lado de fora da banca. Chegou a pegar o jornal de Petrópolis, deixando-o novamente no lugar. No curso pré-vestibular os professores haviam mandado os alunos lerem também os jornais da cidade, no entanto ele não conseguiu. Se os outros jornais, que são considerados uns dos melhores do Brasil, não o atraiam, imagina aquelas porcarias que existem em Petrópolis, que só falam de crimes, anúncios de vendas e aluguéis de casas, e ainda por cima, dedicam uma ou mais páginas ao futebol local. Ao tentar pegar o jornal, notou que não havia ninguém atrás do balcão. As pilhas de jornais e revistas estavam arrumadas de maneira diferente, porém, o Sr. Ismael não estava lá. Ouviu um barulho vindo de dentro da banca e chamou: - Sr. Ismael?”... Tentou olhar lá dentro, mas o balcão era grande, impedindo-o de enxergar o chão. - Um momentinho. - respondeu uma voz de mulher. Rodrigo ficou esperando e ouvindo o barulho de um móvel sendo arrastado no interior da banca. Quando ia perguntar se a pessoa precisava de ajuda, viu subindo em um tamborete uma garota loura, muito bonita. Do tamborete, subiu para um banco mais alto. - Desculpe a demora. - ela disse sorrindo. Era uma anã. O seu rosto e seu sorriso


07

Concurso

Gina-Regina eram lindos. Rodrigo ficou olhando sem saber o que dizer. O senhor Ismael não está? - disse finalmente. - Não, ele vendeu a banca para o meu pai. - Engraçado, ninguém disse nada, que a banca seria vendida. - O meu pai fechou o negócio muito rapidamente com o Sr. Ismael. Comprou essa banca e outra na Rua do Imperador, lá perto da rodoviária. Ele está lá e eu aqui. Pelo jeito você é freguês assíduo desta banca. - Sim, eu sempre compro os jornais aqui. “A cabeça dela é proporcional à cabeça de qualquer pessoa. Só o corpo é pequeno.” – pensou Rodrigo, novamente sem saber o que dizer. - Você nunca viu uma anã? - Já, mas nunca havia conversado com uma. Qual é o seu nome? - Regina. Regina Ramos Bavaresco. A Regina é uma homenagem que o meu pai quis prestar à Elis Regina, à qual era apaixonado, mas pode me chamar de Gina, como os meus amigos. Aqui eu não tenho nenhum amigo, mas no Rio tenho bastante. - Ah, você é do Rio. - Sou. Estou em Petrópolis há duas semanas. Meu pai tinha três bancas na Tijuca e foi assaltado tantas vezes que resolveu se mudar para Petrópolis. Lá ele tinha empregados trabalhando. Ele só cuidava da parte administrativa, mas aqui ele não conhece ninguém e ainda não quis colocar uma pessoa para trabalhar para ele. “Será que o pai dela também é anão’?” - pensou Rodrigo, já se sentindo mais à vontade. - Eu não me importo de trabalhar na banca - continuou Regina - Todas as vezes que um empregado ia embora eu ficava trabalhando até o meu pai arrumar outro. - Além disso, o que você fazia no Rio? - Você acha que eu só trabalhava na banca ou ficava em casa? - Claro que não, só quero saber. Chegou uma senhora pedindo o JB. Regina pegou o jornal, dobrou e estendeu a mão. A Senhora entregou-lhe o dinheiro e ficou observando-a sem dizer nada. Seu olhar era maternal, cheio de ternura. Rodrigo ficou olhando a arrumação que Regina fizera na banca. O banco estava numa posição estratégica, colocado de

uma maneira que ela dificilmente desceria ou se levantaria para pegar alguma coisa. A senhora pegou o troco e saiu. Viu como ela ficou assustada? Eles ainda não se acostumaram comigo. O que a gente estava falando? Ah, sobre o que você fazia no Rio. Estou no segundo ano do segundo grau. Fiz a transferência para o Colégio de Aplicação. Vou estudar à noite. No Rio eu era uma espécie de mascote da turma. Quando eu chegava, havia sempre um engraçadinho para me pegar no colo e me levar para a sala de aula. Fiz um trato com eles: Quem tivesse tomado alguma coisa ou puxado um fumo não me pegaria mais. Uma vez eu quase caí do ombro do Marcelo. Ele tem quase dois metros de altura e estava completamente de porre. Os outros garotos, me vendo naquela situação, seguraram o Marcelo. A metade o segurou e a outra me agarrou, senão eu teria me machucado. - E a praia, você curte? - Claro. Sempre passo o verão na casa de uma amiga, no Arpoador. A gente tem uma turma grande na praia do Arpoador. Quando eu vou para lá, passo o dia na praia, vendo o pessoal surfar. Eu não sei por que, mas os garotos da praia acham importante serem meus amigos. Já até surfei algumas vezes. Eu tive um namorado chamado Bruno que tentou me ensinar, porém não gostei muito. Acho que tive medo. - Eu nunca surfei. - Disse Rodrigo. “Será que o Bruno é anão?” - Às vezes me dá muita preguiça de descer a serra para pegar uma praia, atualmente o que eu gosto mesmo é de dirigir o carro do meu pai. Ele só liberou o carro para eu dirigir em Petrópolis, mas eu sempre vou para essas cidades aqui perto, só para pegar a estrada. Para o Rio eu ainda não tive coragem de ir. Eu já curto outro tipo de esporte. Dirigir, para mim, só se mandar fazer um carro especial, porque a minha perna não chega ao acelerador. Gosto muito de natação. Foi difícil aprender, mas hoje em dia fico horas nadando na piscina. É uma pena que o verão de Petrópolis seja tão curto. Realmente, no inverno daqui, nem um louco teria coragem de entrar numa piscina. Você conhece o inverno petropolitano? Não, mas deve ser muito gostoso. Eu adoro o frio.

Chegou outro freguês. Um senhor com um cachorro Poodle marrom, todo peludinho. O cachorro está no colo para não se molhar e o senhor colocou-o no chão. Os dois pararam de conversar e ficaram esperando o freguês se decidir. Ele estava procurando alguma revista na prateleira e se esforçava tentando enxergar o que queria. Finalmente se decidiu e pediu uma Infu. Estava na parte mais alta da prateleira e Regina teve de ficar em pé no banco para pegar a revista. Estava com uma calça Jeans colada ao corpo e Rodrigo a imaginou quase do seu tamanho e pensou que, no tempo em que estivera conversando com ela, apesar de estar vendo todo o seu corpo em cima daquele tamborete, não estava sentindo que ela era pequena. Ela era simpática, extrovertida, e ele já havia notado seus peitinhos debaixo da camisa de malha, também colada ao corpo. Eram bem delineados e ele se imaginou tocandoos de leve. O freguês foi-se embora e Rodrigo disse que iria também. Você volta amanhã? - perguntou Regina com ar de desânimo, - Claro. Todos os dias compro o jornal. Por falar nisso, você ainda não comprou. É mesmo, havia me esquecido. Já peguei, mas não paguei. Vou levar o Globo e o JB. Rodrigo voltou para casa, mais uma vez tentando não se molhar. “Uma anã!’’’- pensou ele - “Até que é bonita a garota. Bonita e inteligente, pena ser uma anã. Será que o Bruno é anão? Amanhã vou perguntar isso a ela. Não, não vou perguntar nada! Não tenho nada com isso, e além do mais não vou me envolver com uma anãzinha. Logo eu, o Rodrigão da Dezesseis desfilando com uma anãzinha pela cidade. Já pensou se a Kátia me visse? E a Andréia, a Karla, iriam morrer de rir. É claro que a coisa não passaria de amizade, mas as pessoas não iriam entender. Hoje em dia ninguém mais acredita em amizade. Saiu, tá comendo! O peitinho dela me pareceu tão gostoso. Não, não quero pensar nisso, Imagina ela no meu colo, como se fosse minha filha. Para o Bruno, tudo bem. Ele deve ser um anão menor do que ela. Cara de sorte esse Bruno...

Apesar de ser anão, conseguiu uma mulher linda daquela. Ela tem um sorriso, um astral diferente. Além de ser anã, se chama Regina por causa da Elis. Coisa mais cafona! O anãozinho do pai dela é que escolheu. O sobrenome até que vai: Bavaresco. Gina, nem pensar: Re-Gina, Va-Gina. Não, Gina, não! Não quero ninguém chamando-a por apelido. Eu conheço uma Regina muito bonita e respeitada, apesar de ter um sobrenome comum: Regina Pereira de Souza. Será que ela aceitaria me ver desfilando - como amigo, é claro - com uma anãzinha? Eu poderia apresentá-las assim: Regina, Regina. É claro que a Regina maior ficaria um pouco assustada e iria deixar para rir em casa, Em casa todo mundo tem coragem. Quero ver alguém fazer mal à Regina na minha frente. Meu Deus, porque essa garota não é um bagulho e burra? Assim ela sofreria menos e eu também. Se ela fosse burra e feia eu não estaria pensando nessa bobeada. Teria comprado o jornal e, no máximo, teria sentido pena ao vê-la, e depois me preocuparia mais com o troco do que com a sua estatura física ou suas palavras. Os olhos dela são mais bonitos do que os da Karla. Ah, a Karla. Quando eu me apaixonei todo mundo começou a falar que ela era puta, e eu, em vez de aproveitar, saí fora. Se fosse hoje ela estaria ferrada. Nessa época eu ainda não era o Rodrigão da Dezesseis. Hoje eu tenho um nome a zelar, não posso ficar saindo por aí com qualquer uma.” Nesse dia Rodrigo não leu os jornais. Não estudou e não quis sair também. Ficou em casa xingando a Regina, xingando os seus amigos por falarem demais, e tentando entender porque as pessoas têm tanto que se meterem na vida dos outros. Afinal de contas ele era livre para escolher quem bem entendesse e chegou ao ponto de sentir ódio da Regina inteira e amar o seu rosto com toda a intensidade. No outro dia levantou-se cedo, colocou a melhor bermuda, a melhor camiseta, o melhor tênis, perfumou-se e foi comprar o jornal. Iria convidá-la para sair à noite, e no caminho começou a odiá-la por ouvir daquele rosto tão meigo, um não tão frio e impiedoso, odiou também o Bruno nessa hora.


08

Concurso

3º lugar Mauro Martiniano de Oliveira São Paulo / SP

No Velório As duas comadres se vestiram com o traje tradicional de dia de luto, a fim de irem ao funeral do compadre Dito que estava sendo velado no velório municipal. Colocaram aquelas roupas pretas típicas desses dias; se maquiaram; se apossaram de suas inseparáveis bolsas contendo em seus interiores aqueles kits diversos; deram risadas de algumas passagens na vida do falecido compadre..., mas quando lembravam do “evento” para o qual estavam indo, ensaiavam um ar de tristeza e até mesmo disfarçavam um pequeno chorinho. Pelo caminho as comadres iam tecendo alguns comentários sobre o finado compadre: - Éééé... comadre Rosinha, compadre Dito se foi. Homem bom toda vida, não é mesmo? - dizia Luzia. - É verdade! Homem igual não se vê mais por aí não - respondeu Rosinha. Tantos anos casados com a comadre Lázara. Sabe Luzia, não sou de fazer fofoca, e você sabe muito bem disso, mas acho que o compadre agora vai poder descansar. Coitado, deve ter sofrido muito com o gênio da Lázara. - É mesmo né... - concordou Luzia. Apesar de que não via o compadre há vários meses. Ultimamente estava procurando evitar ir até lá. Parece que a comadre Lázara não fazia muita questão de receber visitas em sua casa. Cada vez que ia visitá-los... hum!. ... ela fazia uma cara... - Eu também! - falou Rosinha. Você acredita que uma vez fui fazer uma visitinha pra eles, e a comadre Lázara sequer saiu do quarto pra me cumprimentar... - Não acredito!!! Mas que falta de consideração!... disse Luzia numa expressão de grande surpresa. - Pois pode acreditar! Nesse dia, o compadre é que ficou me fazendo “sala”. Até perguntei pela comadre e ele me falou sem muito convencimento, de que a comadre não estava muito boa e por isso estava deitada. Mas não me deixou vê-la. Disse que ela estava com muita dor de cabeça e por isso se encontrava cochilando um bocadinho. Aí o Dito me serviu um cafezinho, e eu meio que sem graça, tomei e mais do que depressa, me despedi desejando melhoras à Lázara e fui embora. Situação chata aquela. Também... não voltei mais lá... - Deus me livre comadre me acontecer uma coisa dessa! - falou Luzia. - Que situação desagradável. Agora é que não vou mais lá mesmo. E assim, entre umas e outras lembrancinhas e considerações sobre a vida do compadre Dito e sua mulher Lázara, as duas comadres chegam ao velório. ********* O velório municipal nesse dia estava repleto de pes-

soas, tendo em vista as salas destinadas a velar os mortos estarem todas ocupadas por algum féretro, fazendo com que fosse muito grande o número de parentes e amigos enlutados que ali estavam para prestarem as últimas homenagens aos seus entes queridos. Assim que adentraram naquele velório, Luzia e Rosinha, em sinal de reverência às pessoas enlutadas e à própria memória do falecido, inclinaram suas fontes e se dirigiram a uma daquelas salas reservadas para o cortejo fúnebre. Ao se aproximarem do ataúde que se encontrava centralizado no interior da sala, foram logo fazendo o sinal da cruz e rezaram baixinho uma Ave-Maria e um Padre-Nosso pra alma do finado, e, ainda com as cabeças abaixadas, após é claro, de algumas gotas de lágrimas teatrais, começaram a cochichar entre elas: - Olha só comadre - cochichou Luzia, como estava acabado o compadre Dito. Se eu o visse pelas ruas, não o reconheceria. - É mesmo comadre! - respondeu Rosinha. Tão vaidoso que era o compadre, e agora... triste vê-lo neste estado. Que pena... pelo jeito devia ter perdido até o gosto de viver. Os cabelos dele estavam sempre muito bem aparados e pintados... É bem verdade que aquelas tintas que usava nos cabelos não eram das melhores, mas estavam sempre com uma cor moderna e bonita... mas agora, hum!... estão tão branquinhos ... - E Luzia indignada comentou: - Éééé... Rosinha, não queria falar, e você também sabe que não gosto dessas coisas, mas acho que o compadre deve ter sofrido um bocado nesses últimos tempos... pra não falar a vida toda, e ninguém me tira da cabeça que foi em virtude do gênio da comadre Lázara. Só pode ter morrido de desgosto! - É mesmo, coitadinho. Mas agora ele vai poder descansar em paz - respondeu Rosinha. E assim, entre uns e outros cochichos, Luzia continuou: - Que estranho! Compadre Dito nunca gostou de usar bigode. E engraçado, ele também não tinha essas “entradas” tão salientes na testa. Ele sempre se orgulhou de sua cabeleira, apesar da idade. Olha só que dó... estava ficando bem calvo. Aí Rosinha respondeu: - O Dito devia estar perdendo os cabelos de tanto ouvir a comadre Lázara falar e reclamar dos outros. - Você tem razão Rosinha - esbravejou baixinho Luzia. Eu não queria crer nisso. Mas agora tenho certeza que a comadre Lázara não gostava mesmo dele. Tanto é, que não veio nem se despedir do finado. Não a vejo neste velório... - É mesmo comadre! - pasmou Rosinha. Que coisa!...

Que desfeita e falta de respeito para com o compadre Dito. Também não estou vendo nenhum de seus filhos. Pobre coitado... quanto esse homem não deve ter sofrido em sua vida... Imagina isso... Nem seus filhos vieram se despedir. E o cochicho continuava, só que desta vez até choraram um pouquinho de verdade pelo triste fim do compadre. E Rosinha, com a voz parcialmente embargada pela comoção do momento, disse: - Aliás, Luzia, não estou vendo nem mesmo a Lori..., nem o compadre Tião..., nem a tia Sofia... A verdade é que não estou vendo ninguém conhecido???... Que esquisito! Neste instante, favorecida com o silêncio peculiar do velório, Luzia ouviu uma fala de voz feminina bem atrás dela, perguntando em tom baixinho: “ - Tia, quem são essas duas aí que não saem mais do lado do caixão do tio Chico?” “ - Não sei não! - respondeu também em tom baixo uma outra voz feminina: Já perguntei pra todo mundo e ninguém as conhecem e nem as viram tão mais gordas. Devem ser mais umas das tantas vagabundas que o seu tio Chico tinha pela cidade. Safado!!!...” Ouvindo isso, Luzia discretamente ergueu a cabeça e olhou para os lados e cantos daquela sala para ver se realmente não via ninguém conhecido da família. Olhou para os rostos de cada pessoa ali presente, - nessa hora já sem as lágrimas nos olhos - não vendo ninguém com rosto familiar ou qualquer outro conhecido. Continuou então a correr os olhos em volta daquela sala, quando viu entre os castiçais e as velas que ornamentavam aquele funeral, uma coroa de flores com uma faixa em seu centro com os seguintes dizeres: “Francisco Theodoro - Saudades de Esposa, Filhos e Netos”. Visto isso, Luzia deu um leve toque com o cotovelo em Rosinha para lhe mostrar que haviam entrado em sala errada daquele velório, e ainda por cima chorado por um outro defunto. E assim, devagarinho foram se afastando de próximo do caixão do “Francisco Theodoro”, procurando sair de “fininho” daquela sala, pedindo licença às pessoas - parentes e amigos daquele finado, e foram em direção a uma outra sala, onde de fato devia estar sendo velado o corpo do compadre Dito. No momento em que saiam daquela sala e passavam entre as pessoas, ainda ouviram baixinho novamente uma voz de mulher - provavelmente a viúva de Francisco, dizer a seguinte insinuação: “- Sem-vergonhas, vai ver que também eram amantes do finado Benedito!”


09

Concurso

1º lugar Fredy Nabhan Tatuí / SP

2º lugar Sérgio Bernardo Nova Friburgo / RJ

3º lugar Ileides Joana Muller Campo Grande / MS

A propósito da morte

Fila nossa de cada dia

Ferro a brasa

Mais que tudo, me interessa a morte com seus sussurros e suas fronteiras secretas, com seu desenho impreciso e sua pressa. Mais que tudo me interessa a morte, as lápides pomposas, as “saudades eternas” e, sobretudo, o desconhecido, abrindo os braços em púrpura, conduzindo para o nunca mais. Mais que a morte me interessa o medo, o impalpável, o nada saber, as sombras do outro lado desta rua que chamamos vida e que só atravessamos em última instância. Uma viagem cujo fim não se conhece. Um intuir de liberação e de leveza. Um vôo pelo espaço sem limite, ao sabor de nova gramática, de estranhas geometrias... A hora da prestação de contas (os céus, infernos e purgatórios do catecismo às quintas feiras). - “Eu me confesso a Deus, todo poderoso e a vós, padre que pequei muitas vezes por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa ... “ Culpados somos todos por estas vielas de cinza, por este hesitar entre o desejo e a preguiça, pela indiferença e pelo sono, pela ausência de luta, pela posse de toda as mentiras... Culpados somos todos (sem direito a perdão) por esta luz de poucas velas que nos impede de enxergar mais longe, através das portas fechadas, além do além, depois do fim. E nos deixamos ficar entre as brumas tateando e tombando, a inventar histórias loucas de seres com grandes asas anunciando filhos a mulheres virgens. E assombramos nossas noites com bruxos vermelhos espalhando enxofre e fogo nos solitários orgasmos da adolescência. Diabos terríveis povoando nossas camas, retardando nosso gozo, castigando os primeiros tesões. Mais que tudo, me interessa a morte, brilhando nos círios, refletida nas flores meio murchas, murmurada no parir da aurora entre café e cachaça, em meio ao riso disfarçado e à lágrima de cansaço. Esta morte sempre igual, de panos pretos e galões dourados, solene e intocada a recolher sua safra. Esta morte incessante e inevitável como as gotas de uma chuva de verão a buscar o chão sedento. Mais que tudo me interessa a morte que encontrei pela primeira vez num dia de sol, vestindo a menina atropelada. Lembro como se fosse hoje: O corpo mal coberto com jornal, mãe gritando, as velas, o sangue esparramado, o sapato atirado longe e um pequeno furo no calcanhar da meia...

É fato consumado, ponto pacífico, ninguém contesta: fila há muito virou instituição nacional. Há fila para tudo, em todos os lugares, e até onde não devia, lá está ela. Do banco, do ônibus, do caixa do supermercado, dos órgãos públicos. Não importa a espécie, ela é sempre um paradoxo: todos juram que detestam, mas, no fundo, até que lhe têm simpatia. Quem certa vez não se flagrou, em plena fila, numa animada conversa com a pessoa da frente, ou com a de trás, ou com as duas ao mesmo tempo? Mesmo eu, que prezo muito as palavras escritas, mas não me sinto à vontade com as mesmas faladas, confesso que já fiz de alguns um ponto de encontro. E assunto de fila é algo próprio; não venham, na do ônibus, meter a lenha no governo, que isso é papo exclusivo da fila do banco. Como também não cometam a insensatez de maldizer o custo de vida na fila da lotérica - lugar de amenidades. Reservem toda a veemência para quando estiverem na do caixa do supermercado. Algumas filas talvez durem a eternidade - a dos aposentados parece estar fadada a ser desse “time”; outras, tristemente efêmeras, têm o tempo de vida subordinado à duração de um estoque, como a fila da cesta básica à porta das instituições assistenciais. Há filas tristes (a dos hospitais) e filas alegres (a da bilheteria dos circos). Filas que começam de madrugada e avançam pelo dia, ou filas relâmpagos; filas inúteis, que um funcionário desmancha com a recomendação de se voltar no dia seguinte; e até aquelas em que se entra sem sequer saber qual a sua finalidade. Existem filas humilhantes, como, há alguns anos, a “fila da fome”. Em contraste, existe a do passaporte. E no meu tempo de aluno havia aquelas apelidadas de “forma”, em que o futuro se alinhava com alarido nos pátios das escolas. Não importa o tipo, fila é artigo de consumo diário, parte fixa do cotidiano, e, embora “indiana”, muito brasileira, com certeza. Se um dia desses, por força do hábito, enfim criarem a da “justiça social”, não se esqueçam: eu estou na fila!

Ainda guardo comigo um antigo ferro de passar roupas. Instrumento pesado, com cabo de madeira e compartimento interno onde as brasas eram cuidadosamente colocadas. Aquecido, permitia passar uma relativa quantidade de roupas. Quando o calor diminuía, as brasas, que viravam cinzas, tinham de ser assopradas ou trocadas por outras para a continuidade da tarefa. Passavam-se somente as roupas melhores, as “de sair”. E ninguém reclamava. Com o fogão aceso, aproveitava-se para torrar amendoim, estourar pipoca, fazer bolachas, doces ou outras guloseimas que faziam a alegria de todos. Com muitos irmãos, todo o trabalho era dividido e tudo virava festa com a mãe ou uma irmã mais velha no comando. A tarefa de passar a ferro não ocupava tanto tempo e nem ganhava destaque na cozinha. Era absorvida pelas outras que simultaneamente aconteciam ao redor do fogão a lenha. Naquele tempo, o tempo era mais sólido e permanecia por mais tempo em nossa casa. Hoje o tempo é líquido. Escorre por entre as horas Não há mais espaço para ferro a brasa, fogão a lenha, irmãos reunidos, sorrisos soltos, nem festas diárias... O progresso que acelerou o tempo levou eletricidade para a nossa casa. O ferro, muito mais leve, se aquece por um fio, a lenha virou gás, a brasa virou carvão, o trabalho foi facilitado, as conversas e os risos silenciaram, o relógio assumiu o comando, conhecemos a tecnologia, e a luz na ponta dos dedos apagou aquela poesia. Sem brasas para se aquecer, os velhos ferros viraram peças de decoração ou compõem cenários de museus, despertando a curiosidade das novas gerações que necessitam de longas explicações para entender o funcionamento. É a vida moderna soprando as cinzas para acender lembranças.


10

Concurso

1º lugar Ronald Freitas Anunciação Cipó / BA

2º lugar Luiz Carlos Mariano da Rosa Rio de Janeiro / RJ

Pacto A didática de Manoel “Borboleta é uma cor que avoa.” Clarice, sete anos, aluna da Escola Estadual “Monteiro Lobato”

Lá pelas tantas Manoel sorri: Sorri árvore, sorri pedra, vento Sorri pássaro. Manoel entortou de azul minha poesia Deixou na esquina do verso sua caixa de palavras sem parafuso. Pôs música em minha gramática sem humor Pescou luzes com o anzol da interrogação. Manoel mastiga silêncio e cospe beleza no chão de seu pantanal. Abraço desinventa saudade em seu idioma Será que poesia desacorda a maldade dentro dos homens? Tenho tido tendência pra encolhimentos. Dia desses encolhi pra cisco no coração de certa moça. ...além dos ventos ainda permaneço por lá. Qualquer vento ajuda redemoinho preguiçoso, Amor que pode encolher pra arranha-céu. Ajuntamento de madrugadas pode virar poesia Agora sigo eu e a moça no mundo das coisas de Manoel. O homem enquanto coisa é sempre maior.

Ah! Quando não mais ouvires a minha voz, Porque tornou-se um eco oco do pretérito, Como a imitação de um gregoriano cântico... E as tuas sílabas morrerem, fugitivas, Nos ângulos agudos das fronteiras das paredes... Serei o sagrado silêncio de uma igreja Dentro das ruínas de uma barroca gruta! Ah! Quando não mais beijares estes meus lábios, Porque se tornaram mitológicas formas, Como as tênues linhas das pétalas de rosa... E a tua saliva se fizer um nó ácido, Uma gota suja de dor na boca áspera... Serei o vinho que transborda do cristal, Que à procura da tua língua esvai-se, todo! ... Ah! Quando não mais tocares as minhas mãos, Porque se tornaram esboços metafísicos, Como o cósmico estrépito de muitas asas... E a tua carícia se fizer assimétrica, Diante da “Ausência-em-Si”, do “Nada-em-Pessoa”... Serei a sombra do adeus de um nômade instante, Um fio de arrebol resistindo ao crepúsculo!... Ah! Quando não mais vires o meu rosto (cógnito), Porque se tornou um artifício da arte, Como o busto de mármore de uma escultura... E a tua face transmutar-se em outra, incógnita, Diante da corrosiva macrobiose... Serei uma raiz cirúrgica em teu tórax, Uma fenda sofrível em teu coração!...

Ah! Quando não mais tiveres os passos meus, Porque ininteligíveis signos se tornaram, Como os rastros sem rumo de qualquer anônimo... E o teu destino fizer-se um eterno claustro, Um auto-exílio na Ilha do Desespero... Serei o prelúdio da tua consciência, O epílogo histórico da tua Vida!... Quando não puderes mais amar-me -- “eu-homem”, Porque tornei-me um predicado da saudade, Como o adjetivo de um mais-que-perfeito tempo... E o amor se fizer platônico, sonambúlico. .. Um soro alienista, um néctar anestésico... Serei um pronome oblíquo entre o Ontem e o Sempre, Um sujeito oculto -- porque morri!... Perdoe-me!

3º lugar Sebastião Bonifácio Junior Muriaé / MG

Repouso O Fim Resiste. Instaura-se Apenas quando o Tempo insiste em ruir. Ao redor do rosto nascem rugas: Vingativas, mutilam a face vaidosa da idade,

Ah! Quando não mais sentires teu o meu corpo, - Porque se tornou uma silhueta exangue, Como a arqueológica imagem de um “ex-Ser”... E os teus femíneos instintos vomitarem Febris humores, hormônios, secreções múltiplas... Serei o inodoro que banhará a came, E o magma vulcânico fluindo em teu íntimo!

Que ainda existe e ri uns sorrisos amarelados No preto-e-branco das fotografias do álbum. A verdade cai da cama, ressuscita na lápide, Surge somente nos jazigos perpétuos - perto Das lascas envernizadas, do campo florido e Do anjo imortal -, sem pompa nem fronhas. É na cidade conhecida como cemitério que o velho, após a casa cair, dieta e descansa.


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Concurso

Ensino fundamental 1º lugar Lucas Gabriel Alves (4º ano) Escola: Teresinha V. de Camargo Barro

1º lugar Junior Miranda

O homem mais rico de minha terra Confiteor - Capítulo V 2º lugar Maria Helena Machado Almeida

Capítulo 6 O homem mais rico de minha terra...... A casa dele, lembro-me bem , era uma casinhola baixa, pintada de azul, com uma porta e duas janelas, modestíssima......... Nessa casa todas as manhãs, à hora do almoço, entravam uns homens maltrapilhos, pés-nochão, que viviam pela cidade ao deus-dará...

Ensino fundamental 2º lugar Jean Carlos da Silva Ribeiro (5º ano) Escola: Accácio Vieira de Camargo

“Palavra da Vida Eterna” ...Sobre aquela palavra que, ela só, é a palavra da vida eterna. Sobre aquela palavra que, ela só, é a fonte saciadora de água viva. A única que mata essa sede do infinito que vive, torturante, nas almas delas e fidalgas. Pág 100

Confiteor - Capítulo V

3º lugar Vladimir Lima Ferreira

Ensino fundamental 3º lugar Letícia Victoria Serverio de Jesus (2º ano) Escola: Accácio Vieira de Camargo

“Mestre Chico” Capítulo 6 O homem mais rico de minha terra

Confiteor - Capítulo II



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