Especial 76ª Semana Paulo Setúbal

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02 14º PRÊMIO PAULO SETÚBAL CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS

CATEGORIA POESIA 1º LUGAR - ANDRÉ TELUCAZU KONDO (Jundiaí - SP) Poesia: “ALVORADA” 2ºLUGAR-JOSAFÁPAULINODELIMA(CampinaGrande-PB) Poesia: “BREVE COROGRAFIA DO ESCURO” 3º LUGAR - JOÃO ANTÔNIO PEREIRA (Porto Alegre - RS) Poesia: “COMO UM RIO ESTICADO AO CONTRÁRIO” MENÇÃO HONROSA - CEFAS DE CARVALHO SILVA (Parnamirim - RN) Poesia: “ÓBIDOS” MENÇÃO HONROSA - ROBINSON SILVA ALVES (Coaraci - BA) Poesia: “POESIA CABOCLA” MENÇÃO HONROSA - REGINALDO COSTA DE ALBUQUERQUE (Campo Grande - MS) Poesia: “O LENÇO” MENÇÃO HONROSA - GERALDO GONÇALVES (São Sebastião - SP) Poesia: “ALVORADA E POENTE” MENÇÃO HONROSA - RICARD LAHUD (Guarujá - SP) Poesia: “AMOR DE MÃE” CATEGORIA CONTO 1º LUGAR - JOÃO ANTÔNIO PEREIRA (Porto Alegre - RS) Conto: “AS PROPRIEDADES FÍSICAS DA ALMA” 2º LUGAR - AUGUSTO SÉRGIO BASTOS (Rio de Janeiro - RJ) Conto: “O PRIMO IRMÃO” 3º LUGAR - WILLIAM GUILHERME SAMPAIO (Valinhos - SP) Conto: “FOBIA” MENÇÃO HONROSA - VITO CESAR DE OLIVEIRA MANZOLILLO (Rio de Janeiro - RJ) Conto: “QUEDA LIVRE” MENÇÃO HONROSA - HÉLIO BATISTA BARBOZA (São Paulo - SP) Conto: “O ÍNDIO NO JORNAL” MENÇÃO HONROSA - OTACÍLIO CESAR MONTEIRO (Limeira - SP) Conto: “O MENINO ERA BOM” CATEGORIA CRÔNICA 1º LUGAR - IVANA FERRANTE REBELLO E ALMEIDA (Montes Claros - MG) Crônica: “A LADRA: CRÔNICA DE UMA MANHÃ DE SÁBADO” 2º LUGAR - ANDRÉ LUÍS SOARES (Vila Velha - ES) Crônica: “CARIDADE DE UMA NECESSIDADE BÁSICA” 3ºLUGAR-LUCÊMIOLOPESDAANUNCIAÇÃO(Canela-RS) Crônica: “Xifópagos” MENÇÃO HONROSA - LUIZ EDUARDO DE CARVALHO (São Paulo - SP)

Crônica: “ADIÓS AMIGO” MENÇÃO HONROSA - SARA REGINA ALBUQUERQUE FRANÇA (Maceió - AL) Crônica: “TOFFY” MENÇÃO HONROSA - ANDRÉ TELUCAZU KONDO (Jundiaí - SP) Crônica: “PROFESSORES”

15º CONCURSO PAULO SETÚBAL LITERATURA E ARTES VISUAIS

ARTES VISUAIS 1º LUGAR - GIOVANNI KIRSCHNER DE MORAES FOGAÇA 4º ano – ensino fundamental I Emef “Professor Firmo Antonio de Camargo Del Fiol” Professora: Vanderléa Martins Rossi 2º LUGAR - MARIA LUIZA SARAIVA GALVÃO 5º ano – ensino fundamental I Colégio Objetivo de Tatuí Professora: Neiva R. Telles 3º LUGAR - GIOVANA CUNHA DOS SANTOS 5º ano – ensino fundamental I Colégio Anglo Tatuí Professora: Teresa Cristina Batista Fonseca Neves MENÇÃO HONROSA - VITÓRIA ESTEFANI SANTOS DA SILVA 5º ano – ensino fundamental I Emef “Professor João Florêncio” Professora: Érica Fogaça MENÇÃO HONROSA - VINÍCIUS CECILIATO SEABRA MAYER 2º ano – ensino fundamental I Colégio Objetivo de Tatuí Professora: Neiva R. Telles MENÇÃO HONROSA - MAYUMI YÓLI CUNHA 5º ano – ensino fundamental I Emef “Professor José Galvão Sobrinho” Professor: Edson Aparecido Pinto MENÇÃO HONROSA - JOÃO BRUM LEITE DA SILVA TELES 4º ano – ensino fundamental I Colégio Objetivo de Tatuí Professora: Neiva R. Telles MENÇÃO HONROSA - ÂNGELA GREGÓRIA GONÇALVES DE PONTES 5º ano – ensino fundamental I Emef “Professora Eunice Pereira de Camargo” Professora: Renata de Sousa Morais MENÇÃO HONROSA - GILIADY OLIVEIRA DE PAULA 5º ano – ensino fundamental I Emef “Professora Lígia Vieira de Camargo Del Fiol” Professora: Daniela de Paula C. Barbosa

MENÇÃO HONROSA - FABIANA ROBERTA FARIAS 5º ano – ensino fundamental I Emef “Professor Eugênio Santos” Professora: Oleny Nogueira Avalone MENÇÃO HONROSA - KAUÃ WILLER DE MORAIS CLARO 5º ano – ensino fundamental I Emef “Professora Maria Eli da Silva Camargo” Professora: Ione Takenouchi Bieco LITERATURA - ENSINO MÉDIO 1º LUGAR - ODIMAR AUGUSTO MARTINS PROENÇA 1º ano – ensino médio Colégio Anglo Tatuí Professor: Mariana Fogaça Calvino 2º LUGAR - JÚLIA SANTOS RODRIGUES 2º ano – ensino médio Colégio Ideal Professora: Camila Vieira de Paula 3º LUGAR - JOSÉ TAKESHI TAKENOUCHI BIECO 3º ano – ensino médio EE “Deócles Vieira de Camargo” Professora: Silvéria Matias de Sousa MENÇÃO HONROSA - Victória Camargo de Oliveira 2º ano – Etim química Etec “Sales Gomes” Professor: Deison Hórnelas MENÇÃO HONROSA - Vitória Nogueira Soares 1º ano – ensino médio Colégio Presbiteriano de Tatuí Professora: Ana Maria Sbragia LITERATURA - ENSINO FUNDAMENTAL II 1º LUGAR - FERNANDA ANTUNES 9º ano – ensino fundamental II Colégio Anglo Tatuí Professora: Mariana Fogaça Calvino 2º LUGAR - MARIANA VIEIRA BARROS 6º ano – ensino fundamental II Eepei “Barão de Suruí” “Professora: Patrícia P. Miranda 3º LUGAR - LETHÍCIA PACHECO PEREIRA 9º ano – ensino fundamental II Colégio Presbiteriano de Tatuí Professora: Camila Nunes dos Santos MENÇÃO HONROSA - Beatriz Sales Bueno 9º ano – ensino fundamental II Colégio Anglo Tatuí Professora: Mariana Fogaça Calvino MENÇÃO HONROSA - Eduan Augusto Dias de Brito 9º ano – ensino fundamental II Emef “Professora Lígia Vieira de Camargo Del Fiol” Professora: Cleusa Elias C. Fidêncio

expediente O tabloide PAULO SETÚBAL é uma publicação da Empresa Jornalística O Progresso de Tatuí, patrocinado por iniciativa privada, com apoio da Secretaria de Educação, Cultura e Turismo, por meio do Departamento de Cultura e Desenvolvimento Turístico de Tatuí.

Projeto gráfico e diagramação: Erivelton de Morais Revisão: Ana Maria de Camargo Del Fiol Edição: Jorge Rizek Organização: Deise Juliana Voigt

Redação Praça Adelaide Guedes, 145 – centro - Tatuí - SP Fone: (15) 3251-3040 / oprogressodetatui.com.br Jornalista responsável: Ivan Camargo

15º Concurso Paulo Setúbal - Literatura e Artes Visuais 14º Prêmio Literário Paulo Setúbal de Contos, Crônicas e Poesias Coordenação: Jorge Rizek Apoio: Alessandra Barros e Deise Juliana Voigt Palestrantes: Cimira Cameron e Raquel Fayad

15º Concurso Paulo Setúbal Comissão julgadora Artes visuais: Marilda Rosa, Raquel Fayad e Thiago Lobo Literatura: Ary Roberto de Souza Pinto Cimira Cameron e Ivan Camargo 14º Prêmio Literário Paulo Setúbal Comissão julgadora Contos, Crônicas e Poesias: Eliane Ratier, Marcelo Nocelli e Ricardo Ramos Filho


03 editorial

TATUÍ NA OBRA DE PAULO SETÚBAL Pelo 15º ano consecutivo, tivemos o prazer de coordenar o Concurso Paulo Setúbal, ação voltada especificamente a estudantes do município de Tatuí, com objetivos de difundir e preservar a obra do escritor tatuiano Paulo de Oliveira Leite Setúbal, maior referência literária da história da cidade. Além do concurso escolar, foi realizado o 14º Prêmio Paulo Setúbal de Contos, Crônicas e Poesias, em âmbito nacional e com caráter de revelação e divulgação de novos talentos da literatura. Novamente, neste ano de 2016, as ações foram organizadas pela Secretaria de Educação, Cultura e Turismo, por meio do Departamento Municipal de Cultura e Desenvolvimento Turístico. Os eventos são parte integrante (e das principais) da programação especial “Tatuí – 190 Anos”. A realização somente foi possível por conta do apoio da família Setúbal. No 15º Concurso Paulo Setúbal, o tema trabalhado foi “Tatuí na Obra de Paulo Setúbal”, tendo como obras de referência “Confiteor” e “Alma Cabocla”. Ao todo, foram 60 alunos inscritos na categoria literatura e 53 na categoria artes visuais. Após serem indicados por suas escolas, os alunos participaram de palestra literária e oficina de artes visuais, ministradas, respectivamente, pelas professoras Cimira Cameron e Raquel Fayad. Os trabalhos concorrentes foram feitos durante as atividades, no Centro Cultural Municipal. Posteriormente, os trabalhos foram julgados por comissões lideradas pelas próprias palestrantes, além do escritor

Ary Pinto e do jornalista Ivan Camargo (literatura), e dos artistas plásticos Marilda Rosa e Thiago Lobo (artes visuais). Neste ano, participaram do concurso alunos dos colégios Anglo, Ideal, Presbiteriano e Objetivo; escolas municipais “Accácio Vieira de Camargo”, “Alan Alves de Araújo”, “Firmo Antonio de Camargo Del Fiol”, “João Florêncio”, “Teresinha Vieira de Camargo Barros”, “Eugênio Santos”, “Magaly Azambuja de Toledo”, “Eunice Pereira de Camargo”, “José Galvão Sobrinho”, “José Celso de Mello”, “Mauro Antônio Mendes Fiúsa”, “Sarah de Campos Vieira dos Santos”, “Maria da Conceição O. Marcondes”, “José Tomás Borges”, “Lígia Vieira de Camargo Del Fiol”, “Maria Eli da Silva Camargo”, “Maria Helena Machado”; além do Nebam “Ayrton Senna da Silva”, da escola de ensino integral “Barão de Suruí”; das escolas estaduais “Chico Pereira”, “Ary de Almeida Sinisgalli”, “Deócles Vieira de Camargo” e “Semíramis Turelli Azevedo”; e da escola técnica “Sales Gomes”. Os trabalhos concorreram nas categorias ensino fundamental – 1º ao 5º ano, desenho; ensino fundamental - 6° ao 9° ano, redação; e ensino médio - 1° ao 3° ano, redação. Os três melhores trabalhos de cada categoria, bem como a escola e o professor do melhor trabalho de cada categoria, são premiados. A premiação é de R$ 500, R$ 300 e R$ 200 para, respectivamente, 1º, 2º e 3º lugares em cada categoria. O professor do trabalho primeiro colocado recebe R$ 500 e a escola, uma impressora. No 14º Prêmio Paulo Setúbal, foram inscritos 178 trabalhos, entre contos, crô-

Jorge Rizek

nicas e poesias, vindos de diversas cidades dos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal. Os trabalhos foram avaliados por uma comissão julgadora formada por reconhecidos escritores. Integraram a comissão Ricardo Ramos Filho (escritor, com livros editados no Brasil e no exterior, publicados em Portugal e nos Estados Unidos; mestre e doutorando em letras pela USP e premiado roteirista de cinema); Marcelo Nocelli (escritor, editor e sócio-editor da Reformatório e Pasavento, com obras publicadas no Brasil, Alemanha e Itália) e Eliane Ratier (especialista em cultura e literatura pelo Centro Universitário Barão de Mauá, autora de “Estreia Poética”, “Cartões Poéticos”, “Mimos de Papel”, entre outros). A premiação é de R$ 800, R$ 500 e R$ 400, para o 1º, 2º e 3º lugares, respectivamente, de cada categoria. Tanto o concurso quanto o Prêmio Paulo Setúbal são ações tradicionais do município de Tatuí, que mostram a importância do escritor para a história não somente da cidade, mas de toda a literatura nacional. A organização da cerimônia de premiação foi um marco na história dessas duas ações literárias, já reconhecidas no Estado de São Paulo. Agradecemos a todos pela participação e apoio. Viva o imortal Paulo Setúbal!

Diretor do Departamento Municipal de Cultura e Desenvolvimento Turístico Coordenador da comissão da 76ª Semana Paulo Setúbal


04 14º prêmio paulo setúbal – contos, crônicas e poesias

POESIA 1º LUGAR André Telucazu Kondo Jundiaí - SP

“ALVORADA” “Mal brilha o primeiro raio Da aurora rubra e louçã, Eu monto um fogoso baio, E alegre, e lépido, saio Pelo esplendor da manhã” (“Alma Cabocla” – Paulo Setúbal)

Hipotecas, seguros, investimentos Em boi, em cana, em cifrão – e os sentimentos?

O sol quebra a casca da noite No intento de aurora O galo já não mais canta, ah! açoite! As galinhas ciscam algum terreiro de outrora

Passo em frente aos escritórios de baias E prossigo sem me prender a quaisquer raias Tempo, o asfalto cedendo em poeira Vento, já ouço o crepitar da fogueira

Abro a janela na ânsia de viver alvorada Mas a cortina de fumaça continua fechada Pássaros metálicos rugem no ar Cobras férreas pessoas a devorar

Eis me de volta à roça de meus pais Que já não mais estão nestes arraiais A enxada batendo em outros horizontes Semeando apenas lembranças aos montes Então, o que vim fazer neste lugar? Sob este luar?

No décimo-quinto andar Espicho a cabeça pra fora da gaiola Mas não sinto vontade de cantar A vastidão da metrópole me degola No canto busco a viola Mas ela se ausenta da cidade As cordas pretéritas, a muda vitrola E eu sem onde dedilhar a saudade Desço então para a minha lida Preparar as letras agrárias, oh! vida!

De nem sei quantos cavalos o carro Cruza avenidas empacadas, sem barro Onde deixei a rédea do destino? Por que deixei de ser menino?

Vim colher as saudades do olhar Pra saciar a fome cega d’alma Em ninho, deito a palha calma E sobre ela, nada mais vem me chocar Quebro a casca iluminada Renasço... e cresço pra cantar como dantes Ainda antes Da próxima alvorada!


05 14º prêmio paulo setúbal – contos, crônicas e poesias

POESIA 2º LUGAR Josafá Paulino de Lima Campina Grande - PB

3º LUGAR João Antônio Pereira Porto Alegre - RS

“BREVE COROGRAFIA DO ESCURO”

“COMO UM RIO ESTICADO AO CONTRÁRIO”

Meço a noite com os olhos fechados o cabelo solto, os braços abertos. Tenho um mundo! Meço a noite como quem voa! Albatroz solitário e vidente frágil istmo emoldurado pelo sal dos oceanos. Meu metro tem asas e tem arquétipos não tem algarismos - nem arábicos nem romanos não tem sete letras maiúsculas. Nada de conjunção de números! O meu metro tem tino. O meu metro não tem lógica. No meu tino tem Clarice, velo de lã e vidência No escuro, reticências do começo No final, reticências do breu absoluto Onde não há começo, onde não há fim! Mergulho de olhos fechados Nas veredas do desconhecido. Meus amuletos me salvam ou não me salvam dos vazios brutos da pedra. São antigos pergaminhos com segredos! Impressões de Atlas de outras eras cacos marajoaras, plaquetas de argila fenícias fios da barba de Sumé, lindas cartas corográficas de Atlanta. Ossos pétreos de outros seres. Neste escuro colossal

- Como um condor imaginário Bebi os fragmentos do tempo! Sob as vinhas, no pé do Olimpo andino Na luz tênue da aurora, li outras fábulas. Nas infindas noites, no bruxuleio de candeias de olivas, Li outras lendas! Meu Olimpo crispado por neve - das alturas vejo o seu mapa - mas estou cego! e como Homero, os olhos esbranquiçados, sou sujeito epifânico e sigo a litania subscrita no meu sangue... Vou criando como quem plaina sobre os abismos descrevendo com a alma os espíritos de todos os seres os legados de pretéritas escrituras de assombro, de pulsares gigantes e de vidência ciclópica. Vejo as dores da escápula do Titã (ameaçado)! vejo o diâmetro noturno da pupila lançando sua flecha escura na retina. São talvez as pestanas de sombra são talvez os sobejos do olhar Ensaiando os grãos moídos da loucura que vão solfejando minhas sobras de estrelas e meus cometas sob a doçura dos Aedos do céu e dos Poetas do mar.

Como um rio esticado ao contrário, como uma pedra à beira do caminho, como um dromedário perdido na Savana, como as urtigas selvagens de Estocolmo, como as portas abertas do Sol! Como o Sol, Joselena! assim é o Rock’n’Roll, e o Samba, e o Café! Assim é my soul, meus bolsos vazios e o chá das seis e meia. Como um rio correndo para a nascente, como os águas-pés cheios de bolhas, como a escravidão democrática das escolhas, como os braços colados ao corpo. (Só os vivos acreditam nos deuses. Os vermes sabem que o milagre da vida realiza-se no que está morto). Como a sagrada escritura dos analfabetos, como o Blues, Joselena! e o Chorinho, e o Soneto. Nossa ponte de safena prestes a ruir ao ruído dos grilhões que forjamos aquela noite... Assim é o amor: como um rio de lágrimas correndo para os olhos um rio esticado ao contrário...


06 14º prêmio paulo setúbal – contos, crônicas e poesias

CONTO 1º lugar João Antônio Pereira Porto Alegre - RS

“AS PROPRIEDADES FÍSICAS DA ALMA” ✓ {Encontro por volta das treze e trinta e cinco; despedida por volta das dezessete e cinquenta e oito.} Outono: Domingo: conversamos durante todo o sol da tarde. Depois, despedimo-nos com as mãos nos bolsos. Entrar em casa foi como encontrar um oásis onde miragens multiplicavam-se sobre o sofá: um pôr do sol, uma onda, uma estrada, um avião, uma igreja. Sobre a mesa, uma porção de esperança misturada com sorrisos desdentados. Desabada numa cadeira, a vida: arfante! - “Como consegui chegar até aqui?”. E, nas paredes, o silêncio fazia sombras esquisitas de formas mal definidas – mas bem conhecidas. ✓ {Amigos às vinte e quarenta e três, risadas até a meia-noite e onze, sono à uma e sete.} A rotina, às vezes, salva dos sobressaltos: uma boia para não se afogar no espaço vazio de dentro. ✓ {Ônibus às sete e trinta e oito, bater o ponto às oito e trinta em ponto.} Descontados os telefonemas de pessoas com nervos à flor da pele, o dia pode ser percorrido com tranquilidade. Um engarrafamento aqui, outro ali: insights que fazem doer as mãos e as mágoas. Fora disso, dia comum. Viver é fluir. Ir com a correnteza – nada contra nem a favor – tenho febres de esquecimento: nunca mais voltarei a ser.

✓ {Reunião às nove e trinta e dois, visita às onze e quatro, bater o ponto às doze em ponto, almoço às doze e dezessete.} Mastigação difícil: engulo cada grão de arroz como quem engole uma frase – com iscas de silêncios nas entrelinhas. Recuso a salada de estrelas, luas, rios, passeios, alface, cebola e tomate. Antes, eu contava as horas pelas demoras; agora, conto-as pelos segundos. O café chega quente como um olhar vazio, um olhar para baixo, para a comida servida ainda esperando por um garfo salvador: “Você tem fome de quê?”. ✓ {Terminar o almoço às doze e quarenta e um, caminhar nove minutos por três sóis e três sombras.} Chega a dar aflição a fumaça do cigarro subindo, desenhando plátanos e andorinhas no céu, e provocando um gosto amargo nos olhos. A luz do sol cai com uma força incomum sobre a calçada. O calor espalha-se com vigor pelo corpo: pela lua cheia pintada no céu como uma aquarela. E eu vou sentindo um frio que me aquece. ✓ {Bater o ponto às treze e trinta em ponto.} O eterno retorno dos atarefados. Tempo é dinheiro. E eu tenho muito pouco dos dois. ✓ {Telefonar às quatorze e três, visita às quatorze e trinta e oito, banco às quinze e

quarenta e quatro, cartório às dezesseis e trinta e sete, retorno às dezessete e quarenta e cinco.} Não sei qual o melhor retrato da vida: se esta pilha de papel na mesa ou aquela pilha de papel fotográfico na gaveta. Quase sempre esqueço as duas, entre uma e outra risada, à mesa, na memória; entre um e outro brinde por não sei que ou quem: tenho calafrios de esquecimento. E medo de perder para sempre o que não tenho. Acho que meu apego por alguns dias perdidos no tempo deve-se ao outono. Nunca fui muito bom com a leitura das estações. Hoje, porém, leio as ranhuras das folhas que caem das árvores como se eu fosse um vegetal a minha vida toda, como se meus olhos fossem verdes e eu tivesse duzentos anos. ✓ {Bater o ponto às dezoito em ponto, ônibus às dezoito e vinte e três, chegar em casa às dezenove e trinta e nove.} Reencontro as miragens fora de controle: falam alto, bebem, cantam, dançam, choram, gritam, riem – tenho alucinações com abraços. Deito sobre a grama, na sala. Perto de mim, um canteiro de amores-perfeitos balança suavemente, bafejado por uma brisa morna que acalma e faz dormir. Noite-rede – “imbalança, imbalança, imbalan-çá”. Tenho tremores de saudade. Quem sair primeiro, apaga a luz.


07 14º prêmio paulo setúbal – contos, crônicas e poesias

CONTO 2º lugar Augusto Sérgio Bastos Rio de Janeiro - RJ

“O PRIMO IRMÃO” O primo mais velho levou para o túmulo a imagem de Nhá Chica, de quem era devoto. O mais novo recebeu os cumprimentos, agradeceu a oferta de companhia e carona. Aguardou que todos os parentes e amigos se retirassem, e dirigiu-se ao portão principal. Já passava das cinco horas da tarde. O sol ainda brilhava; calor, insuportável. O Cemitério São João Batista, em Botafogo, estava vazio. Caminhou lentamente até o Túnel Velho que liga o bairro a Copacabana, onde nasceu e ainda mora. Não conseguia deixar de pensar em Moisés, não o profeta, mas o primo irmão que acabara de ser enterrado e que tanto admirava. Invejava o fervor que ele demonstrava ao abraçar as causas que lhe eram simpáticas. O seu modo de se expressar, sempre preocupado em transmitir com exatidão o que queria falar. Moisés fazia questão dos termos precisos: “José, você não é meu primo irmão, a bem dizer, é meu primo cruzado patrilateral, filho da irmã do meu pai”. Gostava de usar a expressão “a bem dizer”, dar conselhos e proteger o primo. Moravam juntos há mais de 30 anos. José ia perdido nas curvas da memória, quando deu conta de que nunca havia feito aquele percurso a pé. Percebeu estar no meio do túnel com mais dois ou três passantes apressados, mas não havia barulho de carros. O silêncio profundo, como o do Cemitério, o incomodava. De repente, tiros, gritaria, sirene de polícia. Jogou-se ao chão e pediu proteção à Nhá Chica. Quando se levantou, ileso, já era o silêncio. Dois bandidos mortos, um pedestre e um policial feridos. Só então se lembrou de mais uma advertência do falecido: – Só passo pelo Túnel Velho se for de carro e, assim mesmo, carregando a Nhá Chica. Não quero ser vítima de assalto ou bala perdida. Você sabe que não sou de dar mole pra bandido. Mas deu. Ontem, na Linha Vermelha, no tiroteio entre duas facções do tráfico de drogas, foi baleado mortalmente. Não estava com a imagem de sua maior devoção. A devoção por Nhá Chica começou no dia 17 de junho de1998, numa viagem que fizeram a São João Del Rei, Minas Gerais; mais precisamente, como gostava Moisés, ao distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno. Uma viagem longa, mas a dupla estava acostumada. Foram no carro de Moisés; José nem dirigir sabia. O objetivo era conseguir peças para a loja de antiguidades que tinham no Shopping dos Antiquários, em Copa-

cabana. Visitaram várias fazendas e fizeram boas compras: quadros antigos, objetos de prata e cerâmica, um oratório do século XVIII em perfeito estado e outras peças. No caminho de volta para a pensão onde estavam alojados, entraram numa lojinha de artesanato e se depararam com uma pequena imagem, medindo uns quinze centímetros de altura. Sentiram um calafrio ao tocarem na “santinha” de terracota. Alguma coisa acontecera. Nunca tinham ouvido seu nome, mas logo ficaram sabendo a história. Era a Nhá Chica. Ela nascera exatamente ali naquela casa, em 1808. Motivo de orgulho da cidade, aos que criam ela atendia a todos os pedidos e curava os enfermos. Nhá Chica, Francisca de Paula de Jesus, analfabeta, filha de escrava, mudou-se, ainda criança, para Baependi, outro município mineiro, não muito longe de Santo Antônio. Nessa cidade, morreu no dia 14 de junho de 1895, sendo sepultada somente no dia 18, no interior da capela por ela construída. Sem recursos, contou sempre com doações e esmolas. Essa capela, após várias reformas, é hoje o Santuário de Nossa Senhora da Conceição. Ainda em vida, Nhá Chica passou a ser aclamada pelo povo como “a Santa de Baependi”, por sua fé e clarividência. Conta a lenda, que durante os quatro dias do velório as pessoas que ali estiveram sentiram exalar-se de seu corpo um misterioso perfume de rosas. Os primos não tiveram mais dúvida: compraram a imagem, que não era antiguidade, mas um objeto de devoção. Souberam então que no dia seguinte, 103 anos depois do sepultamento, o corpo da futura Beata seria exumado. Para a cerimônia, sem a presença de público, eram esperadas Autoridades Eclesiásticas e membros do Tribunal Eclesiástico pela Causa de Beatificação de Nhá Chica. Não pensaram duas vezes; no dia seguinte, bem cedo, foram para Baependi. Rapidamente, deixaram as malas e as peças adquiridas no primeiro hotelzinho que encontraram e, levando apenas a imagem da “santinha”, foram para a Igreja, onde se apresentaram como observadores enviados pela Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, ideia sugerida por José, e inicialmente rejeitada por Moisés: “Não, não somos meliantes, não podemos agir assim. E se formos descobertos?”. Ao que o primo mais novo retrucou: “E você, sabichão, tem uma ideia melhor?” Não tinha, e para encerrar a discórdia sentenciou: “Concordo, mas, a bem dizer, acho que não vai dar certo”. Mas deu. Não foram questionados e tiveram a oportunidade de presenciar a repetição do milagre: o perfume de rosas se fez sentir durante toda a exumação. Voltando de Minas Gerais, a vida nunca mais foi a mesma. Deram conta de que o apego às coisas materiais, dali em diante, estaria em segundo plano. Ambos solteiros, filhos únicos e órfãos passaram a dedicar grande afeto à futura Beata, oficialmente re-

conhecida pela Igreja em 2013. Moisés muito mais do que José. A imagem ficava sempre com Moisés. No único dia em que saiu de casa sem ela, foi baleado na Linha Vermelha. Anualmente, faziam uma peregrinação a Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno e traziam novidades. Moisés mais entusiasmado. O outro, sempre tentando uma explicação científica para cada novo milagre que lhes era relatado, logo recebia uma advertência: “Não creia apenas aquilo que a razão explica”. E logo complementada, em tom professoral: “Não me olhe com essa cara de gozação. Usei “aquilo” em vez de “naquilo” porque é o correto. O uso que dei ao verbo crer é ‘ter por certo’, ‘dar como verdadeiro’”. A canonização era dada como certa por Moisés. José levantava questões que colocavam em dúvida este próximo passo. Muitas vezes chegaram a discutir feio por este motivo, mas José sabia como encerrar o entrevero lançando mão de alguma piada e pronto, abraçavam-se e caíam na risada. Essas lembranças faziam parte das reflexões diárias de José e agora tomavam conta do seu pensamento. Acabara de enterrar seu maior amigo, o mais devoto da “santinha”, assassinado com uma bala perdida e ele salvando-se milagrosamente num outro tiroteio. Uma ponta de remorso levou-o a decidir que na próxima viagem a Santo Antônio, iria comprar uma imagem da Nhá Chica. Seguiria o último conselho do primo, que já no leito de morte do hospital, lhe disse em tom de despedida: “Mantenha o senso de humor, mas não perca sua fé”. E continuou a caminhar lentamente, carregando a dupla ausência, a da Nhá Chica e a de Moisés. Já próximo de casa, parou em frente à loja do McDonald’s da Rua Hilário de Gouveia. Suava bastante; o calor continuava forte. Lembrou-se das tantas vezes que davam uma paradinha para tomar sorvete, sempre entremeadas com lições e divergências. O falecido nunca perdia a oportunidade de se mostrar preciso nas observações e repetia: “Esta é a loja mais antiga do McDonald’s no Brasil. A bem dizer, foi a primeira a ser inaugurada na América do Sul”. E ele ficava bravo quando o primo respondia: “E daí?”. Pronto. Começava a discussão, sempre levada para o lado da gozação. O mesmo acontecia quando iam escolher o sabor. Moisés só tomava de chocolate (“feito de amêndoas de cacau torradas, fruto já cultivado pelos astecas, que lhe deram o nome e...”). José, por gosto ou só para contrariar, escolhia o de creme. Mas hoje, a saudade era grande. Saudade das lições e, por que não, das alegres “brigas”. Na hora de fazer o pedido, ficou em dúvida: creme ou chocolate? Decidiu, como sempre: “Um de creme”. Mas antes que fosse servido, pela primeira vez, mudou de ideia: “Não, não, quero um misto”. E, deixando o atendente atônito, prestou uma última homenagem ao primo irmão: “A bem dizer, por favor, um misto escrito com ‘s’”.


08 14º prêmio paulo setúbal – contos, crônicas e poesias

CONTO 3º lugar William Guilherme Sampaio Valinhos - SP

“FOBIA” Diante da porta de vidro, mirava o próprio reflexo. Cabelos desgrenhados, suor brilhando na testa, peito arfando cansaço de subir. Pouco mais se distinguia sob a luz solitária e pálida da arandela próxima. Olheiras fundas, óculos de grau, roupas amarrotadas, bege e azul-marinho: o estado de desarranjo era irrecuperável. Aguardava inerte sobre o capacho. Tocara a campainha havia pouco, inútil tocá-la outra vez. Bastava esperar e a porta se abriria na hora certa. Olhos míopes e cansados perscrutavam a superfície lisa e semitransparente. A abstração baralhava as imagens: poltronas chaise no asfalto, néons de um hotel boiando no ar – peixes de éter num aquário vazio. Carros subiam a rua em velocidade, atravessavam a sala, chocavam-se contra a parede de grafiato salmão e desapareciam. Pendurados no teto, semáforos alternavam cores: verde; amarelo; vermelho. Siga. Atenção. Pare. Siga. Intrigante ausência de intermédio entre parar e seguir. Para vencer a inércia é preciso sempre um impulso. Um disparo. Ruptura. Recuperado o fôlego, batimentos cardíacos normalizados, o jogo de cores e reflexos se tornou entediante. A mão despertou com um frêmito antes de voltar à naturalidade e abolir em concha a fusão dos ambientes. Semáforos se apagaram. Tapete circular em vez de asfalto. Prateleiras, revistas da semana, jornais do dia, cafeteira de cápsulas, tudo no lugar de sempre. Pela manhã e à tarde, a faxineira passa uma flanela embebida em álcool pelos móveis e parte, deixando além do rastro de limpeza, o cheiro antisséptico do líquido evaporado. Um relógio preso à parede oposta arrastava pesadamente os minutos. Marcar o tempo é ofício ingrato, lâmina de fio duplo. Uma névoa quente e branca encobriu os ponteiros, fez lembrar o vidro, a porta fechada. Inconsciente, o indicador esboçou quatro paralelas verticais, depois traçou sobre elas uma transversal, ao mesmo tempo em que os músculos do peito se apertavam sobre as costelas do lado esquerdo. A luz da arandela vacilou um instante. A cabeça se virou rapidamente na direção da suposta ameaça, os pelos do ouvido se eriçaram, sentidos em alerta: resquícios de antepassados selvagens na memória genética. Pupilas dilatadas a despeito da luz clara e branca. Sobre a fina camada de cristal leitoso, sobressaía o pequeno crânio albino de olhos

pretos e saltados, cuidadosamente postado entre as minúsculas patas dianteiras. Queixo apoiado na borda, qual criança que estica o pescoço por cima do balcão em loja de doce. O corpo projetava sua silhueta na semitransparência da arandela, boneco de papel no teatro de sombras, deixando somente adivinhar a pele lânguida e escorregadia. Movimentos suspensos. Sinais fechados na rua vazia. No âmago, asco. No cérebro, ruptura. Sangue fluindo rápido para as pernas, adrenalina envenenando cada membro, impulso de correr para longe. Mas não. Pés fixos no piso de cacos de cerâmica, tornozelos vibrando, tendão de Aquiles tencionado, panturrilha enrijecida e joelhos rangendo sob o peso do tronco. Olhos pretos atentos. Sangue frio, corpo petrificado. Respiração novamente entrecortada, um aríete no peito tentando romper a barreira do tórax. Medo exalando dos poros. Narinas dilatadas. Predador e presa. Os olhares se sustentam. A visão periférica capta o reflexo do vermelho que impede os carros de quebrarem o silêncio e evidencia o perigo iminente. O cérebro tenta racionalizar, convencer o corpo de que não há ameaça. Em vão. O reflexo se torna verde. O nojo vence o esforço racional, olhos se fecham. Dá as costas para a porta. Atrás de si, ainda a presença anunciada do ser reptiliano, congelando a espinha. Na mente alucinada, o ser cresce, despedaça a arandela e cai estatelado no chão. Depois, coloca-se de pé nas patas traseiras, a cauda fria se estendendo pela rampa da varanda, serpenteando até o gramado. O ser cresce mais, ocupa toda a entrada, cobrindo a porta com seu corpo gelado, órgãos insinuados sob as escamas finas: sangue bombeado pelo coração, pulmões se dilatando elasticamente para receber o oxigênio inalado e solto pelas ventas. Vidro outra vez nublado de calor e umidade alveolares. Dedos contraídos dentro dos sapatos. Polegar direito aninhado na palma da mão, esmagado pelos adjacentes. Pulsação acelerada no metacarpo nodoso. Dentes cerrados, pescoço e omoplatas trêmulos de tensão. De repente, o próprio corpo se transforma: perde os sapatos, pés afinados até se perderem. Calças caem, cintura ovalada. O tronco se expande rasgando o tecido azul-marinho em trapos. Óculos se partindo no chão. Com pequenos estalos, a coluna perde as vértebras. A pele solidificada, cabeça minúscula atrelada ao tronco. É Gregor

Samsa desperto, posto diante de outro ser transfigurado e faminto. O monstro percebe a mutação, atento aos movimentos, ouvidos côncavos no crânio outrora frágil. Posta-se, novamente, em posição de lagarto, cada uma das quatro patas ocupando um metro quadrado de retalhos de cerâmica vermelha. Desloca-se em impulsos curtos, ondas de choque espasmando músculos. Vence depressa a distância da presa. A respiração do gigante desfolha as asas – inúteis – nas costas. As patas tateiam o tronco à procura de qualquer mecanismo de defesa. Nada. No último impulso, a cauda do predador derruba um vaso velho coberto de líquens. O estrondo quebra o silêncio. Assustado, desiste da caça, abandona a cauda, escala rapidamente o muro de cor creme e desaparece entre as telhas. Um demônio de sangue frio, oculto entre as vigas de carvalho. Olhos abertos, avenida escura. Inspira controladamente pelo nariz. Ainda o semáforo verde. Asfalto úmido. Expira pela boca. Membros recuperados. Inspira. Néons acesos na fachada do hotel. Tudo tão real. Os dedos se movem, soltos, nas mãos. Expira. Mundo indiferente. Inspira. Humano ou inseto, efêmero. Cabelos embranquecendo, dentes caindo. Entretanto a rua, sempre a mesma (ou outra idêntica noutro lugar, com seus próprios semáforos, perpetuando virtualmente sua existência), enquanto a artrite come as juntas e a hipertensão faz as artérias explodirem. Fecha os olhos, procura se concentrar. Expira de uma vez e quase desmaia. Ouve o tilintar de um sino. Porta aberta. Bem a tempo. Olhos postos na varanda: porta de vidro, poltronas chaise, revistas da semana. Parada no vão entre os umbrais, uma figura amiga sorri, jaleco branco, braços abertos no gesto de acolher. Sorriso sem jeito tentando disfarçar. Rubor envergonhado nas faces exangues de desespero. Olhada rápida para o telhado. Tolice. Devaneios infantis. Com um meneio de cabeça, espanta os maus pensamentos. Pés, tranquilos, caminham de volta à entrada. Abraço, saudações, último tremor de adrenalina evaporando, deixando para trás somente o suor frio nas axilas: tudo em paz. Porta fechada. Silêncio. Reflexos do semáforo piscando amarelo. A cauda abandonada do réptil se contorcendo, ainda viva, sob a luz da arandela incólume.


09 14º prêmio paulo setúbal – contos, crônicas e poesias

CRÔNICA 1º lugar Ivana Ferrante Rebello e Almeida (Montes Claros - MG)

2º lugar André Luís Soares Vila Velha - ES

“A LADRA: PEQUENA CRÔNICA DE UMA MANHÃ DE SÁBADO”

“CARIDADE – UMA NECESSIDADE BÁSICA”

Foi um alvoroço. As gentes corriam desordenadamente; alguns gritavam, com a boca espumando de raiva: Pega ladrão! Pega ladrão! Segurei firme a mão de minha filha, procurando afastá-la do tumulto, mas fomos espremidas num canto da parede de uma loja, enquanto uma pequena multidão se formava, ali bem próximo. - O que foi, mãe? Perguntou-me a filha, a vozinha tremendo de susto, a mão segurando-se à minha com mais força. Olhei à volta. Como saber ao certo? As pessoas ajuntavam-se curiosas. Ouvi alguns rugidos, mas não conseguia distinguir de onde vinham, nem a quem eram dirigidos. Olhei para minha filha, cujos olhos estavam muito abertos de espanto, como se fossem engolir a balbúrdia que interrompera a manhã de sábado. - Acho que pegaram um ladrão... Caímos em estado de enfaro: mais um ladrão no centro da cidade. Um pivete, talvez? Essas leis que protegiam fortemente os menores estavam fabricando meliantes – era o pensamento geral. A urbe, mal contendo seus disparates, cuspia fumaça preta e violência, cotidianamente. - Vamos embora... e saí puxando minha filha. Mas não estava fácil nos desvencilhar daquilo; quanto mais queríamos nos safar, mais pessoas ajuntavam-se, curiosas, ensandecidas, alimentadas pela indisfarçável carência que ronda todos os habitantes da cidade. Afinal, quem nos roubara as manhãs tranquilas de sol, a paz dos quintais abertos, a poesia de uma pipa enovelando-se no céu? Antes de começarmos a nos mover, a multidão foi-se abrindo, aos poucos. A polícia, na pele de dois jovens de pouco mais de vinte anos, os olhos

Talvez seja verdade que o mundo atual tenha se rendido ao capitalismo. A utopia socialista – que pregava contexto mais igualitário, sem o advento da propriedade, com tudo pertencendo ao coletivo – parece estar morta ou adormecida. No entanto, considerando-se que os recursos naturais são finitos e, ainda, que as oportunidades não chegam a todos, a caridade pode ser o elo entre essas duas doutrinas, elevando-as conjuntamente a um patamar ético e filosófico mais nobre – onde o humanismo sobreponha-se ao consumismo; e onde dividir seja tão importante quando somar. Em grande parte dos países, os esforços governamentais para reduzir a pobreza têm sido insuficientes. Isso pode ser forte indício de que o atual engajamento precisa evoluir; pois não basta apenas a atividade estatal – é preciso que todo cidadão seja mais generoso para com os menos afortunados. No mundo industrializado tende-se a crer que o volume de empregos diminui quase na mesma proporção em que cresce a tecnologia. E se no Ocidente isso ainda não chega a ser um caos, quando se engloba também o lado oriental do planeta tem-se que algo próximo de dois terços da população mundial é composto por pessoas sem renda. Diante desse cenário – longe dos

ainda espantados, chegara. Eles tinham cassetetes. Ainda nos foi difícil reconhecer o que, de fato, acontecera. Parece que uma moça entrara numa loja de roupas e escondera, sob a blusa, algumas peças. Vimos quando ela, tão jovem como os policias, era arrastada, sob gritos, urros e empurrões. Seus braços foram algemados para trás; não pude ver seu rosto. Alguém soltou uma cusparada, que pegou em cheio na cara da moça: - Agora você vai ver o que é bom, vagabunda! O ódio também pegou em cheio em seu rosto jovem. Então, pude perceber sua imediata reação. Seu corpo, já muito magro, encolhera-se todo, diminuindo-se instantaneamente. Procurei seus olhos. Que olhos? Ela enfiara a cabeça no peito com tanta força que parecia que o queixo, trêmulo, ia furar o peito. Sua silhueta, mesmo em pé, parecia dobrar-se, em posição muito semelhante a de um feto... Meu Deus! Aquela ladra fora um feto, algum dia... Ela, jovem menina, sem nenhuma pretensa beleza, fora diminuindo, diminuindo, enquanto a multidão curiosa agigantava-se, ante sua passagem. Ela, a ladra, torcia as mãos nervosas, atrás do corpo, e se apequenava cada vez mais, querendo desnascer. A moça foi levada. Não vi seus olhos. Mas os meus ardiam de culpa e vergonha. Segurei firmemente a mão de minha filha, mas não consegui dizer nada. Amanhã, eu veria a pequena notícia no jornal. Hoje, a sacola de compras do sábado, que antes me parecera leve, pesava muitas toneladas. (Crônica de 4 de junho, 2016).

debates acadêmicos –, pouco importa se o capitalismo venceu. Fato é que distribuir renda e oportunidades torna-se cada vez mais imprescindível. Do contrário, as guerras, o narcotráfico, a prostituição infantil, a corrupção e outras disfunções sociais se tornarão incontroláveis. Nesse sentido, cada um terá que doar o que puder. Os ricos devolverão à sociedade grande parte do que ganharam – esse procedimento já até vem sendo praticado por alguns jovens empreendedores que, mais recentemente, ganharam bilhões no segmento da informática. Contudo, ninguém escapará ao apelo da caridade. Quem não tem dinheiro ou bens em excesso doará trabalho, prestando serviços comunitários dos mais variados. De modo natural – como é sua única forma viável – a caridade será voluntária e desvinculada de doutrinas religiosas ou jogos políticos. Quando a maioria de nós for caridosa, as pessoas de má-fé não conseguirão tirar proveito disso. Ser caridoso não será sinônimo de fragilidade, como ainda hoje parece ser aos olhos de muitos. Porque doar se tornará algo comum e quase tão vital quanto respirar. Contudo, há quem indague: ‘– Então, terei que trabalhar por mim e por outros que não trabalham?’. A resposta é ‘– Sim’. Mas isso não terá sabor >


10 14º prêmio paulo setúbal – contos, crônicas e poesias

CRÔNICA >

de logro ou exploração, porque mesmo aqueles aos quais se volta a caridade também terão algo a doar – senão na mesma hora e proporção; depois, quando já socialmente inclusos, na medida do possível. Porque a caridade é, em termos gerais, a ajuda imediata; o auxílio bem vindo que antecede a ação governamental, evitando que as pessoas se entreguem ao desespero e, por conseguinte, ao crime, à doença e à morte. Essa convergência natural para a caridade é simples de entender. Nós – seres humanos – não viemos a esse planeta para corroê-lo, como se fôssemos ferrugem. Nem para nos digladiarmos em prol de metas financeiras a alcançar. Muito menos para entulhar coisas que, muitas vezes, sequer usamos. Viemos a esse belo corpo celeste para brindar a vida. Viemos a uma festa, onde a ordem é partilhar – ao máximo – amor, paz, bem estar e felicidade. Na conjuntura atual, somar é ainda sinônimo de sucesso. Entretanto, que real felicidade alguém pode ter quando, após conquistar tudo, ao olhar ao redor percebe que tantos milhares não conquistaram nada? A felicidade – que hoje se viabiliza em raros e rápidos flashes – deve ser coletiva, presente nos momentos em que se encara o mundo sem sentir medo ou angústia. Daí poder-se dizer que a caridade é uma necessidade natural do ser humano. Porque somos deuses em desenvolvimento e viemos à Terra para aprendermos a ser divinos, por meio da difícil missão de zelar uns pelos outros.

3º lugar Lucêmio Lopes da Anunciação Canela - RS

“XIFÓPAGOS” - Somos gêmeos xifópagos unidos pelo mesmo cérebro, cada qual com seu próprio mundo, sua vontade de existir. Um de nós encara a vida de maneira prática e objetiva, creditando ao esforço individual todas as causas do sucesso; não existe sorte. Esse se chama Newton, um engenheiro atormentado pelo suplício de ter que ganhar a vida no estressante ambiente da construção civil. Já Érico, o outro gêmeo, que tem uma concepção mais romântica do viver, enxerga o mundo sob a luz da lua e à deriva no revolto mar das sensações. As palavras tanto lhe servem de alimento interior, em forma de livros, quanto de matéria-prima para composição das próprias obras. Sua alma sensível mal consegue resistir à luz do dia, infestada pelos demônios da realidade. - Tenho grande afinidade pelas ciências exatas, desprezo a filosofia, as artes ou qualquer outra coisa composta por elementos impossíveis de serem mensurados. Nosso salário, por exemplo, representa uma medição do valor agregado ao trabalho que realizamos, do qual não fazem parte sentimentos, emoções ou mesmo sonhos latentes em nosso peito. Por pensar assim, desde cedo me tenho dedicado à labuta, não medindo esforços para conquistar meu espaço no mundo competitivo de hoje. Embora meu irmão Érico quisesse muito cursar Letras, a engenharia acabou vencendo a luta. Mas não foi nocaute, ganhei por pontos. Além do mais, essa disputa não acabou aí, ela veio atravessando os anos até chegar aos dias atuais, sem me permitir encontrar um dia sequer de paz. - Dinheiro não me parece a coisa mais importante do mundo, sou diferente do meu irmão: ele não consegue encontrar alegria nas coisas simples do dia a dia. Para mim, basta se abrir no jardim uma flor, e o meu sorriso se abre também. Não preciso de riqueza alguma para contemplar as imagens diante de mim; captar a essência dos seres que a formam. Adoro penetrar a alma alheia, ou quem sabe criar almas novinhas em folha com seus mundos imaginados. Não me importo de ser pobre, contanto que possa levar a vida escrevendo. Quero construir versos em vez de edifícios; não me interessa a frieza do concreto e sim o calor humano; prefiro o som das rimas ao barulho infernal das construções. Já o Newton escolheu viver preso aos planos materialistas, trabalhando vinte e quatro horas por dia sem se dar tempo algum para ser feliz nem proporcionar felicidade a quem quer que seja. - Quem disse que não me sinto feliz? Minha felicidade consiste no respeito que as pessoas demonstram por mim, muito diferente do desprezo que me teriam, caso eu fosse apenas um escritor sem fama. Além do mais, é motivo de

grande orgulho poder apreciar as obras por mim construídas, pois elas representam verdadeiros monumentos erguidos em homenagem aos meus esforços e inteligência. Some-se a essas coisas a satisfação de poder desfrutar, junto com a família, de todo o conforto que um bom salário pode trazer. Isso tudo depois de ter passado a infância inteira acorrentado nas masmorras da pobreza... Que felicidade poderia ser maior que essa? - Ele confunde prazer com felicidade: prazer é a alegria do corpo; felicidade, a da alma. E sua alma não goza nunca. Justamente por acontecer apenas na matéria, o prazer sentido pelo Newton diferente muito do êxtase existencial vivido por aqueles que trabalham com algum tipo de arte. - Esse discurso até que seria bem interessante, caso não houvesse outras pessoas envolvidas na questão. Se o Érico não se importa de ser pobre – o que eu duvido muito -, ele pelo menos deveria procurar saber o que pensam sua esposa e filhos a respeito disso. Não vejo muito sentido nessa história de chegar à felicidade por meio da criação literária, sem se incomodar com as agruras trazidas pela falta de dinheiro. Sobre os frágeis alicerces da poesia não é possível construir nenhum futuro sólido. - Chega de tanta dualidade em mim; do quente e do frio, do preto e do branco, do sim e do não existindo simultaneamente. Torna-se impossível a uma só pessoa trilhar dois caminhos tão diferentes ao mesmo tempo. Ter mais de uma alma a princípio parece uma coisa boa, mas apesar de sermos um e outro, não somos dois, não nos somamos; ao contrário, nos diminuímos; ou pior ainda, nos dividimos, nos anulamos tanto que no final das contas ficamos quase nada. Somos xifópagos frontais, de modo que quando um dá um passo à frente, o outro tem que recuar no mesmo instante. E assim temos levado a vida, dando passos para frente e para trás, sincronizadamente; indo e voltando pelo mesmo caminho, tendo que percorrer distâncias enormes sem sairmos do ponto inicial. Por vezes temos a sensação de que um de nós convenceu o opositor a desistir de ir em frente, e que o caminho finalmente se encontra aberto para o rival. De repente a situação se inverte, e aí, quem convencia passa a ser convencido. Temos um guerreiro e um sonhador aqui dentro, sem saber qual dos dois nos representa de verdade. Vivemos entre a terra e a Lua, ora amando os números, ora as letras. Esforço contra inspiração; espada versus caneta; mente de um lado, espírito de outro. Embora existam dois paraísos à nossa espera, não vamos chegar a nenhum deles: viveremos para sempre no maldito inferno da indecisão.


11 15º concurso paulo setúbal

LITERATURA ENSINO MÉDIO 1º lugar – ODIMAR AUGUSTO MARTINS PROENÇA (1º ano) Professora: Mariana Fogaça Calvino Colégio Anglo Tatuí

“ENTRE DIÁLOGOS E MUGIDOS” Lá estava ele, o pequeno menino Paulo Setúbal a procurar suas vacas, Manteiga e Morena, no pasto do seu Galdino. Ele estava preocupado com elas, mas ambas nem se importavam. Estavam apenas relaxando e conversando no emaranhado do mato. - Estava gostoso o capim hoje, não é mesmo? – disse Manteiga. - Estava igual a todos os outros dias – respondeu Morena. - Nossa, como você reclama demais, Manteiga. - E falando em reclamar, acho que nosso dono deve estar praguejando aos céus para tentar nos achar. - Acho difícil Paulo agir desse jeito, você não vê o quanto ele é religioso? Deve estar rezando para nos achar, e não praguejando. - Foi isso o que quis dizer, tá? Não sou tão boa em expressar o que penso. - Acho que é porque você não pensa, afinal é uma vaca. - Como se você não fosse uma. E sim, eu percebo o quanto Paulo é religioso, você não nota o tanto de promessas que ele faz a Nossa Senhora? - Soube que nesses dias ele fez uma promessa para ser padre. - Acho difícil, ele não vai suportar o celibato. Ele é um garoto apaixonado! Outro dia ele declamava: “São tantas as que me

amaram! São tantas as que eu amei”. - Como é habilidoso com as palavras. Certamente será advogado. Não percebe o jeito que ele usa dos vocábulos para defender seu professor Chico Pereira? - Talvez, mas acho que ele merece um cargo com mais respeito ainda. Ele vai ser político. Talvez um vereador ou presidente. - Então vai ser deputado, é o meio termo perfeito. - Se bem que, como ele é habilidoso com as palavras e um garoto apaixonado, talvez seu destino tenha a ver com a poesia. Sim, ele vai ser poeta. Olhe essa terra que moramos, com essa brisa, essas árvores, esses morros, esses pássaros. É uma inspiração divina esse lugar. - Acho que não devemos pensar nisso agora. Paulo é apenas uma criança, talvez seja um pouco de tudo quando crescer. - Silêncio agora, nosso dono se aproxima, deve estar exausto de tanto nos procurar. E as vacas olhavam para a paisagem sem demonstrar expressão, que no código delas significa muitas risadas. Paulo Setúbal então as achou e mal sabia ele que suas vacas se divertiam às suas custas todos os dias naquele mesmo pasto.


12 15º concurso paulo setúbal

LITERATURA ENSINO MÉDIO 2º lugar – Júlia Santos Rodrigues (2º ano) Professora: Camila Vieira de Paula Colégio Ideal

3º lugar – José Takeshi Takenouchi Bieco (3º ano) EE “Deócles Vieira de Camargo” Professora: Silvéria Matias de Sousa

“FILHO DE GRANDE MÉRITO”

“TATUÍ, CIDADE DE VENCEDORES”

Como já dito no próprio hino de nossa cidade “Nas letras, Paulo Setúbal recebeu seu galardão”. Diante disso, já não restam dúvidas sobre a influência do autor em Tatuí. Desde a infância seu talento fez com que chamasse a atenção de seu professor Chico Pereira, que reconhecendo suas qualidades, encorajou a mãe dele a leva-lo à capital. Paulo Setúbal deixou Tatuí, mas Tatuí ainda continuou em suas poesias e romances, do começo ao fim. Famoso pelos romances históricos, começou e terminou sua carreira como escritor contando sua própria história. Como bom entusiasta, exaltava a beleza de tudo. Alma Cabocla, seu livro de estreia, e Confiteor, sua obra póstuma e inacabada, retratam com carinho a cidade natal, mostram a realidade do interior da época. Alma Cabocla por si só, no próprio título, já revela muito do autor. Paulo Setúbal fez jus à filosofia que seguia. Schopenhauer fala sobre as etapas da vida: a vaidade, a dúvida, o desejo e, por fim, a remissão a Deus. Paulo ilustra tudo isso: após anos negando a religião se redimiu a Deus. Diante de tanta honra no mundo profissional, só se tornou realmente realizado quando encontrou a Deus – isso é claramente retratado em Confiteor. Tuberculoso, se entregou à religião e nos deixou aos 44 anos. Setúbal foi a figura icônica que faltava, um motivo de orgulho aos tatuianos. Paulo Setúbal fez parte da Academia Brasileira de Letras. Paulo Setúbal dá nome ao museu histórico da cidade. Talvez ele seja a inspiração, o exemplo do quanto de artístico pode haver no caboclo. Tatuí, só tu nesta alma cabocla e parnasiana de Paulo ficaste.

Acordei com o cheiro do café preparado por minha mãe com coador de pano, no qual me senti na época colonial com sítios, casarios, ruas de terras, onde Tatuí possui lembranças e com vivenciamento à modernidade. Tomei banho lembrando-me do ecoar do som das cachoeiras, as lavadeiras no rio, brincadeiras da infância. Sentamo-nos à mesa para refeição matinal, em que o leite exalou aroma de espuma, no qual o café dominava com a sua coloração forte naquele branco como neve. Saindo de casa, pedi a minha mãe a sua benção. O sol estava baixinho no horizonte, igual à casinhola de seu Chico Pereira. Era pintada de azul, com uma porta e um par de janelas. Seu Chico foi o meu primeiro professor, na qual a paixão de ensinar o dominava, homem humilde, poucos recursos financeiros, entretanto, transbordava de tanta cultura, conforme o andamento de sua vida. Chico visitava todos os dias os seus amigos no asilo São Vicente de Paulo, às cinco horas em ponto dependurava o seu chapéu e encostava sua bengala num canto. Em que encontrava logo em seguida, embaixo do seu braço, um livro de folhas

amareladas – que foi encontrado também no andamento da vida. Seu Chico sentava-se com os seus amigos Libório, Pega-Boi e Zeca-Ruivo. Contava a história que continha em seu velho amigo, aos seus mais velhos amigos, em que ficavam com os olhos cheios de encanto. No final do conto, seu Chico respondia com todo orgulho aos famulentos à curiosidade. Às sete horas em ponto, Chico retirava o chapéu pendurado e retirava sua bengala encostada num canto, despedia dos seus amigos e voltava para sua casinhola baixa, de cor azul, com uma porta e um par de janelas. Com a ajuda de seu Chico, ele ascendeu a chama que estava dentro de mim, em que me tornei escritor, advogado e jornalista brasileiro. E posso dizer: “E, na doçura que encerra; Esta simpleza daqui; Viver de novo, na serra; Entre as gentes desta terra; A vida que eu já vivi...”. Essa cidade que amo tanto possui pessoas que são vencedoras, que deixam as lembranças do passado na memória e convivem diariamente com elas e vivenciam em um mundo de vencedores, que podemos chamar de Tatuí.


13 15º concurso paulo setúbal

LITERATURA ENSINO FUNDAMENTAL II 1º lugar – Fernanda Antunes (9º ano) Professor: Mariana Fogaça Calvino Colégio Anglo Tatuí

“LAR” Letras... palavras... frases... versos... Escrever, esse era o dom de Paulo Setúbal, menino humilde, apesar de rico, que nascera dia primeiro de janeiro, na nossa Tatuí, cidade que ele amava tanto. Como sei disso? Suas palavras me mostraram. Como mágica, ele me fez voltar no tempo. Fez-me ver as paisagens, com arredores sem morros. Fez-me imaginar o algodão doce, macio e risonho, que ganhava tons arroxeados com o pôr do sol calmo da tarde de verão, que, facilmente, nos tirava sorrisos maravilhados, com os detalhes e momentos únicos que nos foram concedidos para respirar fundo e pensar: “Talvez a vida seja muito mais bela do que realmente é”. Fez-me ir com ele nos campos de seu Galdino, procurar por Manteiga e Morena, que insistiam em se esconder no mato com cobras, levando o garoto a fazer promessas, que também fiz junto dele. Sim, eu senti tudo. Senti o gosto da laranja-lima, da goiaba, da jabuticaba que ele tirava e comia, direto do pé, deliciando-se enquanto caminhava pelas ruas de terra. - Olá, Zé Colaço! – ele cumprimentava

a todos com um sorriso, que sempre era retribuído, pois aqui foi, e sempre será, a Cidade da Ternura. Com suas palavras, apreciei diferentes cheiros, de rosas, de girassóis e até mesmo do querosene, que acendia os lampiões durante as noites calmas, estreladas e simpáticas, que se misturavam ao horizonte, do qual conseguíamos ver com clareza de sua casa, repleta de imensas janelas, que ficava na atual rua 11 de Agosto. Não, nunca estive lá. Nunca precisei. Seu sentimento de afeto, colocado no papel de forma tão singela, contudo, tão bela. E quando saiu da cidade para seguir seus estudos, senti sua saudade. Saudade que martelava o peito em um ritmo constante. Voltar. Voltar. Assim como ele, eu, leitora, quis voltar. Voltar para os meninos humildes de sua terra, a quem podia confiar algo simples, porém extremamente complexo, chamado amizade. Voltar para o lugar em que rabiscos se tornaram letras. Letras, frases. Frases, parágrafos. E parágrafos, tornaram-se livros de sucesso, que foram proporcionados por seu rico professor.

Mas não rico de dinheiro. Rico de serenidade, caridade. Sim, o mesmo homem que recebeu uma homenagem, pequena, comparada a tudo que fez, no entanto, importante. Seu nome, em uma escola, presente em nosso hino e na boca das pessoas, que dificilmente o esquecerão. “São cinco horas. Lá vem ‘seo’ Chico!” Admito que chorei nas passagens dele no livro de Setúbal, Confiteor (um livro que, infelizmente, por sua morte, não fora concluído). Mas até a pessoa mais fria, com o coração da pedra mais duro, se emocionaria. Eu estava lá. Via tudo. Ouvia seu Chico ler a bíblia no asilo. Sentia o crescer da fé. Caminhava a seu lado, em passos lentos, ao som de sua bengala, que vez por outra batia mais forte no chão. Mas tudo isso, na visão do gênio cauteloso com detalhes, genuíno na forma de escrever e enamorado pelas lembranças. Vi pelos olhos de Paulo Setúbal. Sim, agora eu posso dizer que conheço mais de Tatuí, das pessoas que antes a habitavam, e das paisagens, que em grande parte já se alterou. Mas que ainda é o mesmo lugar que ele chamava de casa. De Lar.


14 15º concurso paulo setúbal

LITERATURA ENSINO FUNDAMENTAL II 2º lugar – Mariana Vieira Barros (6º ano) Eepei “Barão de Suruí” Professora: Patrícia P. Miranda

3º lugar – Lethícia Pacheco Pereira (9º ano) Colégio Presbiteriano de Tatuí Professora: Camila Nunes dos Santos

‘TATUÍ NA VISÃO DE PAULO SETÚBAL: MEMÓRIAS INESQUECÍVEIS”

“PAULO SETÚBAL, UM SÍMBOLO PARA TATUÍ”

Paulo Setúbal achava sua cidade incrível. Morou grande parte de sua vida em Tatuí, uma cidade com gente simples, honesta e de bem com a vida. Tatuí para Paulo Setúbal era um ponto de descanso, onde podia contemplar a natureza sem estresse e preocupações. Setúbal tinha muitos amores “platônicos”, grandes amigos, velhos tropeiros, grandes contadores de história, muitas amigas que viraram “mães”; plantava seus próprios alimentos, pescava seus próprios peixes e colhia os sorrisos das pessoas para quem recitava seus poemas. Ele encantava as pessoas com seus maravilhosos poemas, sempre contando como Tatuí era bela e simples, a adorava, para Setúbal era a melhor cidade do mundo. Ele tinha seus lugares prediletos. Ele sentia aquele cheirinho de comida de mãe, e se apaixonava ainda mais. Depois de um bom almoço, ia escutar muitas histórias de velhos tropeiros. Paulo também encontrava seus “amores” debaixo da sombra das árvores e lá namorava. Ficava lá por horas e recitava seus inesquecíveis poemas para suas jovens namoradas. Ele encantava a todos com seu jeito de eterno galanteador. Partiu amando e admirando a cidade de Tatuí, levando consigo o encantamento pela vida.

Um poeta, um escritor, um advogado, ou um redator. Grandes profissões, uma luta extrema para conquistá-las, mas para Paulo Setúbal não era difícil, ele apenas acreditava nos seus sonhos, conquistando todas essas profissões, e com sua alma caridosa, chegou aonde realmente queria e deveria estar. No dia 1º de janeiro de 1893, em Tatuí, uma pequena cidade no interior de São Paulo, Paulo de Oliveira Leite Setúbal nasceu. Uma pessoa como qualquer outra, trazendo um enorme significado para sua cidade natal. Paulo teve uma vida pouco sofrida. Com apenas quatro anos de idade seu pai faleceu, deixando todas as dificuldades de cuidar de uma enorme família com nove filhos para sua mãe. As dívidas do armazém de secos e molhados do pai ficaram à tona. Os clientes pagavam como podiam, dessa forma, um de seus clientes os pagou com duas vacas, Morena e Manteiga, que foi muito útil para a família. Todas as tardes, suas vacas saíam para pastar, e como de costume, Setúbal ia de encontro com elas. Durante o caminho, ele rezava para encontrá-las bem. Até que um dia, por ter um temperamento elevado, ele decidiu fazer uma promessa à Maria: se ele encontrasse suas vaquinhas bem, se tornaria padre. Ele as encontrou, e sua promessa ficou em vão. Por ter um ótimo desenvolvimento escolar, um de seus professores, Chico Pereira, homem bom e caridoso, elogiou Paulo, dizendo que o mesmo deveria estudar em São Paulo, pois tinha potencial e que iria longe, pelo fato de Tatuí estar com o estudo enfraquecido. E foi exatamente o que aconteceu, ele se mudou juntamente com a família para São Paulo. Mas não foi tão simples assim, sua mãe teve que vender muitos de seus bens para conseguirem concluir a mudança. O menino cresceu e cursou faculdade de direito, não esquecendo o fato de que ainda tinha o sonho de se tornar jornalista. Durante sua faculdade, Setúbal lembrou da promessa que fez à Maria quando criança, e quis cumprir. Tentou se tornar padre, e para isso teria que ir em uma prova que haveria para fazer seminário, mas isso não aconteceu, pois seus irmãos e amigos eram ateus, começaram a zombá-lo e fizeram sua cabe-

ça. Com isso, ele voltou à faculdade de direito e a completou. Paulo era um excelente advogado e um ótimo professor, seus trabalhos o ajudaram a pagar as contas e sustentar sua família juntamente com a mãe. Voltando ao sonho, Paulo decidiu entrar em uma revista, mas ao chegar lá, não ocorreu como planejava. O colocaram como revisor. Mesmo não gostando muito, com seu gesto de humildade, aceitou o trabalho. No momento em que revisava, ele realizava seus poemas, pois não estava feliz fazendo o que não queria, seu planejamento era ser redator. Em um dia qualquer, ele pediu para que seu patrão lesse o que ele fazia, porém, ele nem ligou. Setúbal, cansado daquilo, decidiu pedir demissão, mas, teve uma surpresa, um de seus poemas seria publicado. Sua alegria foi imensa por ter conseguido o que queria. Dedicou-se muito à escrita. Seu editor, Monteiro Lobato, o admirava demais. Suas obras eram românticas, as pessoas se encantavam ao ler. No auge de sua carreira, ele teve tuberculose, e acharam melhor Paulo ficar hospedado em Tatuí, numa fazenda da família, pois o ar era puro, e ajudaria na recuperação. Durante o tratamento, escrevia “Alma Cabocla”, onde foi retratada grande parte de sua vida. Ao melhorar, essa obra foi publicada, e foi uma das mais famosas que teve. Voltando para São Paulo, entrou na Academia Brasileira de Letras, o que é muito difícil de se conseguir. Casou-se e teve filhos, sua vida estava ótima, até a tuberculose dominá-lo novamente. Sem chances para ter uma vida longa, começou a escrever uma obra na qual ele confessava suas falhas e defeitos, chamada “Confiteor”. Infelizmente, não conseguiu terminá-la, e um padre que Setúbal procurou antes de sua morte para voltar-se à religião, terminou-a por ele. Essa foi a história de um verdadeiro marco para Tatuí, que nos mostra que independente de onde nascemos, e do tamanho da nossa riqueza, que nunca é tarde para corrermos atrás dos nossos sonhos, que sempre há esperança, todos têm potencial e sempre há de existir fé para lutar pelo que queremos. “Que o meu pensamento brote espontâneo do coração e tombe sincero da pena.”


15 15º concurso paulo setúbal – literatura e artes visuais

ARTES VISUAIS

1º lugar Giovanni Kirschner de Moraes Fogaça 4º ano – ensino fundamental I Emef “Professor Firmo Antonio de Camargo Del Fiol” Professora: Vanderléa Martins Rossi

2º lugar Maria Luiza Saraiva Galvão 5º ano – ensino fundamental I Colégio Objetivo de Tatuí Professora: Neiva R. Telles

3º lugar Giovana Cunha dos Santos 5º ano – ensino fundamental I Colégio Anglo Tatuí Professora: Teresa Cristina Batista Fonseca Neves



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