Apresentação da obra Pontos de Ordem, de Gilberto Correia
Minhas senhoras e meus senhores,
Não posso deixar de começar por agradecer ao Dr. Gilberto Correia e à W Editora o generoso convite que me dirigiram para vir fazer a apresentação dos seus Pontos de Ordem, nesta sessão de lançamento. Foram, por certo, os laços de amizade e mútua consideração que mantenho com o autor, forjados ao longo dos últimos vinte anos, que justificaram esse convite, pois haveria, certamente, quem, com muito maior qualificação e competência do que eu, pudesse aqui estar a discorrer sobre a obra. Conheço o Dr. Gilberto Correia desde o longínquo ano lectivo de 1993-94, quando, por um feliz acaso, fui seu professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da UEM. No ano lectivo seguinte – agora, já não por acaso – convidei-o para ser meu monitor e creio que constituímos, na altura, uma boa equipa pedagógica. Durou pouco essa parelha, porque a seguir cada um trilhou o seu caminho – ele iniciando a sua carreira de advogado e eu prosseguindo na magistratura judicial –, mas durou o suficiente para fazer nascer em ambos um profundo respeito mútuo. É, pois, com elevada honra e satisfação que aqui estou.
Caros amigos, Sou daqueles que entendem que apresentar um livro não é propriamente resumi-lo: essa é tarefa de quem se dedica, por gosto ou por dever de ofício, à actividade de recensão. Também não é interpretá-lo: seria fastidioso e desinteressante, num
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momento como este. Muito menos criticá-lo: isso exige de quem critica um nível de reflexão e de maturação argumentativa pelo menos igual, senão mesmo superior, ao do criticado. Entendo que apresentar um livro é, acima de tudo, revelá-lo na sua relação concreta com um leitor, que, neste caso, é personificado pelo próprio apresentador. Irei tentar fazê-lo o melhor que posso e, dessa forma, espero contribuir para a sensibilização dos presentes – se dela ainda necessitarem – tendo em vista a leitura dos textos que integram a colectânea.
Em Pontos de Ordem, o autor reúne as principais observações, análises, perplexidades e convicções formadas ao longo dos cinco anos do seu mandato como Bastonário da Ordem dos Advogados, e que foram sendo apresentadas nos diferentes espaços de intervenção pública em que esteve presente. No livro estão reproduzidos os discursos e comunicações feitas em sessões solenes, como a da sua tomada de posse e as cerimónias de abertura do ano judicial, nas Conferências nacionais e internacionais que a Ordem organizou ou nas quais se fez representar, nas sessões de entrega de carteiras profissionais aos novos membros – que, normalmente coincidem com a celebração anual da Semana do Advogado – nos editoriais assinados no Boletim Informativo da OAM e, ainda, nas cerimónias de tomada de posse dos órgãos sociais da Ordem a nível provincial. Os textos, no seu conjunto, deixam facilmente descortinar a clareza de raciocínio, a sobriedade da exposição, a ponderação, sagacidade e espírito crítico que são apanágios do autor. Porque a riqueza e a variedade das temáticas abordadas tornam praticamente
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impossível a tarefa de nos debruçarmos, em detalhe, sobre cada uma delas, irei seleccionar cinco temas que considero de particular interesse, não apenas pela recorrência com que foram tratados, mas também pela actualidade que mantêm. O primeiro refere-se, como não podia deixar de ser, ao modelo de advocacia que o autor considera mais consentâneo com um Estado de Direito Democrático em construção, como o nosso, e que a Constituição da República expressa e programaticamente adoptou. Logo no discurso da tomada de posse (pág. 22), o Bastonário Gilberto Correia afirmava: “… Temos a consciência de que há que preparar a advocacia do futuro, sem descurar o presente. Que o futuro passará por uma advocacia livre, independente, auto-determinada, auto-organizada, focalizada nos grandes combates pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pelos direitos humanos e pela erradicação da corrupção (…). Só uma advocacia técnica e deontologicamente bem preparada, uma advocacia empenhada e solidária, poderá ser útil à comunidade e ao país”. Estava dado o mote para um combate persistente, que iria atravessar todo o seu mandato, visando, não apenas, a dignificação do estatuto do advogado, enquanto actor privilegiado do sistema integrado de administração da justiça, mas também a afirmação da Ordem como um dos pilares fundamentais do complexo edifício em que esse sistema assenta. Na abertura do ano judicial de 2009 (pág. 35) fez recordar aos mais distraídos que
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“… diante de um processo-crime determinado, o Procurador é um Advogado (o Advogado da República) e o Advogado é igualmente um Procurador (o Procurador do cidadão)”… [Por isso] “as regras do Estado de Direito não deveriam permitir que, perante um processo concreto, acusar um cidadão seja mais importante do que defendê-lo”. Esta ideia da necessidade de assegurar a igualdade de armas entre a acusação e a defesa no Processo Penal – um dos debates sempre em aberto quando se discute o direito constitucional aplicado – seria repetida mais tarde, noutras ocasiões. Mas, fora do âmbito estritamente processual, também no relacionamento com os demais operadores judiciários, designadamente com a Polícia e as magistraturas, o autor revela sempre muita firmeza no combate pelo respeito e consideração devidos ao advogado e pela valorização do papel deste no quadro das instituições judiciárias. Não posso deixar de apontar, pelo seu significado, o grito de indignação e a pronta denúncia pública do tratamento inqualificável dispensado pela Polícia a três advogados (dois dos quais estagiários), em momentos e circunstâncias distintas, aos quais dedicou alguns parágrafos nos seus discursos das cerimónias de entrega de carteiras profissionais, de Setembro de 2009 (pág. 226), e da abertura do ano judicial de 2010 (pág. 47). Tratou-se, de facto, de dois momentos de ignomínia que ilustram o longo caminho que ainda falta percorrer para que as normas da Constituição e da lei ordinária, respeitantes ao estatuto do advogado, sejam acatadas e assumidas por todos. Não se pense, porém, que a atitude do autor, na construção dessa “advocacia do futuro”, de que falava na tomada de posse, se resume a uma mera reivindicação corporativa ou de exaltação das virtudes da classe. No seu olhar para dentro, na avaliação introspectiva do desempenho dos seus pares, o ilustre Bastonário interrogava-se na cerimónia de entrega de carteiras profissionais, em Setembro de 2009 (pág. 222):
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“A pergunta que se impõe é a seguinte: a advocacia moçambicana tem contribuído para assegurar eficazmente o direito de defesa reconhecido a todos os cidadãos? Infelizmente, a resposta a essa pergunta, como todos sabemos, só pode ser negativa. Os mais acomodados dirão que somos muito poucos, cerca de 600 advogados, para satisfazer a demanda de acesso à justiça, num país com uma população de cerca de 20 milhões de habitantes. Dirão ainda que o Estado não cumpre com o seu papel impulsionador para o surgimento de uma advocacia social independente e que se afastou, de forma inaceitável, das demais responsabilidades que lhe são inerentes. É verdade! Mas, é só uma meia verdade. Porque o facto de sermos poucos não significa que devemos cruzar os braços (deveríamos ser poucos mas bons). Muito menos, que devemos aguardar que os números cresçam para começarmos a desempenhar com maior acuidade o nosso importantíssimo papel social e de interesse público. A realidade demonstra que os advogados no nosso país demitiram-se do seu papel social, que se acomodaram à sua função privada e que a maioria só trabalha em troca de um soldo” Mais adiante, acrescentava, com audácia e frontalidade: “O advogado deve ser mais um servidor da justiça do que um servidor do mercado. A sua consciência profissional deve estar ao serviço de todos os cidadãos e não somente ao dispor daqueles que podem pagar os seus honorários”. Devo confessar que considero reconfortante, para quem, como eu, fez a sua carreira profissional na judicatura e, em tantos momentos difíceis e dramáticos, teve de lidar com o clamor de justiça dos mais fracos, ler estas palavras de sabedoria e de elevação. Estou seguro de que a Ordem prosseguirá, nesta matéria, a mesma linha de orientação, tanto mais que me parece haver, quanto a ela, grande similitude de pensamento entre o anterior e o actual Bastonário, Dr. Tomás Timbane.
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Por isso, merece, a meu ver, total solidariedade a reivindicação do autor, no discurso de abertura do ano judicial de 2009 (págs. 37-38), para que sejam atribuídos à Ordem, por parte do Estado, os indispensáveis recursos financeiros que lhe permitam exercer o seu importante papel de prestador de serviços públicos, e para que, de igual modo, jamais a Ordem seja excluída dos Planos Estratégicos que venham a ser definidos para o sector. O segundo tema que gostaria de evidenciar é o da reforma do sistema de justiça, a que o autor prestou igualmente atenção redobrada e que, pelo seu carácter transversal, merece ser sublinhado. Onde a questão apareceu abordada com maior profundidade foi durante os trabalhos do 1º Congresso para a Justiça, sob o lema “Todos juntos por uma justiça de qualidade, pronta e mais credível”. No seu discurso de abertura do Congresso (pág. 105), encontramos as seguintes palavras: “É indisfarçável que o nosso sistema de administração de justiça continua em crise. Uma crise que tem um pouco de tudo. É, simultaneamente, uma crise de meios e de resultados; de celeridade e de qualidade; de previsibilidade e de credibilidade”. Mais adiante, o autor relembra que, para combater essa crise, muitas reformas já foram ensaiadas ou realizadas. Os resultados é que ficaram, invariavelmente, muito aquém do esperado. A principal razão apontada, com a qual não podíamos estar mais de acordo, é a de que “… tais reformas não resultam de uma visão holística e harmoniosa do sistema (…). A percepção que temos é que neste sector são promovidas reformas pontuais, descoordenadas, assentes em paliativos, retoques ou remendos. A máquina da administração da justiça parece
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clamar por uma reforma profunda, horizontal e global, feita a partir da aprendizagem obtida com os erros do passado, da projecção das necessidades futuras e do conhecimento e experiências colectivas acumuladas” Como resultado dessa falta de visão estratégica, da ausência de uma perspectiva partilhada por todos e cada um dos sujeitos intervenientes no cenário da justiça, que – nunca o esqueçamos –, deve englobar a Polícia de Investigação Criminal (ou Polícia Judiciária, se preferirem), “… volvidos cerca de 37 anos de independência nacional temos ainda uma justiça cara, de difícil acesso e extremamente morosa. Paira no horizonte uma sensação permanente de que a verdadeira reforma do sector, a mãe de todas as reformas, ainda está para ser feita”. Sinto-me confortável reproduzindo aqui este entendimento, esta maneira de ver as coisas, porque, como muitos sabem, tive o privilégio de coordenar uma equipa de trabalho, quando ainda exercia as funções de director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, que elaborou um conjunto de propostas legislativas do qual se destacava o abortado “anteprojecto de lei de bases do sistema de administração da justiça” e incluía, também, os anteprojectos de lei orgânica dos tribunais judiciais e dos tribunais comunitários, bem como o anteprojecto de lei do acesso à justiça e ao direito. Todas estas propostas foram acolhidas pela UTREL, mas, por razões que desconheço, só a lei orgânica dos tribunais judiciais viria a ser aprovada pela Assembleia da República. Todavia, as alterações introduzidas, quer de substância quer de filosofia, foram tantas que dificilmente se lhe reconhece alguma relação com a proposta original. No anteprojecto de lei de bases, que tinha sido objecto de ampla discussão, tanto em Maputo como na Beira, Nampula e Inhambane, envolvendo todos os actores judiciários – Ordem dos Advogados incluída –, bem como organizações da sociedade
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civil, estruturas comunitárias, confissões religiosas, etc. (estou a reportar-me aos anos de 2004/2005), várias questões foram inventariadas, entre elas, a necessidade de um sistema integrado, que pusesse em permanente articulação o Judiciário formal, profissionalizado, e os diferentes mecanismos não judiciais de resolução de conflitos reconhecidos pelo Estado ao abrigo do famoso artigo 4 da actual Constituição. Por isso, estou igualmente sintonizado com a ideia de que devemos prosseguir “a busca comprometida de soluções para que em Moçambique a justiça seja previsível e acessível a todos; seja administrada em tempo económica e socialmente tolerável e com padrões que se aproximem das concepções colectivas de justiça predominantes na nossa sociedade” (discurso de abertura do 1º Congresso para a Justiça, pág. 108). O terceiro tema que quero referir é um daqueles a que nenhum magistrado judicial ou do Ministério Público, nenhum advogado, nenhum cidadão e, provavelmente, muito poucos oficiais e agentes da PIC podem ficar indiferentes. Trata-se, como é bom de ver, da sempre prometida e eternamente adiada reforma da Polícia de Investigação Criminal, que o autor considera “a mais urgente e importante reforma do nosso judiciário” (discurso da cerimónia de abertura do ano judicial de 2012, pág. 76). Como o próprio constata, “Não é novidade para ninguém que existe a percepção generalizada de que temos uma investigação criminal ineficiente, ineficaz e fragilizada por problemas internos e externos de diversa índole. Problemas ligados à falta de adequados recursos humanos, financeiros e tecnológicos, bem como a uma estruturação incorrecta desta polícia estão, dia após dia, a tornar esta importante instituição da administração da justiça cada vez mais distante dos resultados que a sociedade civil espera que produza. Esta percepção amplia-se quando estejam em causa três grandes males que apoquentam a nossa sociedade: a criminalidade violenta, a criminalidade organizada e a corrupção. É um contra-senso propalarmos uma vontade
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arreigada de combater o crime organizado e a corrupção e, simultaneamente, pugnarmos por manter a PIC tal como está, adiando ‘sine die’ as necessárias reformas”. Pouco mais há a acrescentar sobre este assunto. Creio que a grande maioria dos operadores judiciários e, em geral, dos académicos e profissionais a quem este tema mais directamente interessa (como ficou, aliás, bem saliente durante os trabalhos do 1º Congresso para a Justiça), está de acordo com esta pertinente observação de Gilberto Correia, no discurso da cerimónia de abertura do ano judicial de 2013 (pág. 86): “Todos conhecemos os argumentos dos que defendem a reforma profunda da PIC e a respectiva retirada desta polícia de natureza judiciária do Ministério do Interior. Mas, do lado oposto, são secretos e insondáveis os argumentos dos que insistem em manter as coisas tal como estão. Reina um estrondoso défice de debate em relação aos fundamentos dos que preferem ver a PIC como um departamento do Ministério do Interior”. Resta esperar que essa manta de secretismo que impede o avanço das reformas preconizadas se desvaneça um dia e que o assunto possa ser levado a uma discussão séria, responsável e esclarecedora, porque a eficiência da prevenção e da repressão do crime e a segurança pública dos cidadãos e das outras pessoas jurídicas dependem, em larguíssima medida, do desempenho deste precioso instrumento de auxílio ao Ministério Público e aos tribunais. O quarto tema que saliento é o da corrupção no Judiciário. O autor aborda-o, sem receios nem tabus, em várias das suas intervenções. Identifica causas, aponta caminhos de reforço da sua prevenção e combate, exemplifica com factos concretos que por muitos de nós são conhecidos. Não preciso de fazer aqui mais citações. Limito-me a convidar os leitores a procurarem nos discursos de abertura dos anos
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judiciais de 2011 (pág. 63) e 2013 (pág. 89) alguns subsídios para o debate deste problema. Em meu entender, a míngua de resultados no combate ao flagelo da corrupção já não tem a ver com a falta ou deficiência dos instrumentos legais, com a exiguidade de meios para o levar a cabo (embora reconheça que este é um sério constrangimento a considerar) ou com a deficiente qualificação dos agentes envolvidos. O factor decisivo é, sem qualquer dúvida, a falta de uma clara, inequívoca e determinada vontade política dos titulares dos órgãos de decisão, ao mais alto nível. Como diria o Bastonário Tomás Timbane, “nós não somos ingénuos”: os sinais emitidos nos casos mais recentes mostram que os jogos de influência, os actos de pressão ou de intimidação sobre o Judiciário, só não são exercidos ou desencadeados, de forma velada ou manifesta, quando não estão em causa interesses políticos, económicos ou de outra índole de certas pessoas ou instituições. Neste tipo específico de criminalidade, mais do que em qualquer outro, domina a regra de que a lei só é implacável para o “peixe miúdo”, desvanecendo-se em brandura quando o alvo é o “tubarão”. Basta lembrar o triste episódio de Moatize, nas vésperas do último acto eleitoral para os órgãos municipais. Creio não ser necessário acrescentar mais nada. O quinto e derradeiro tema para o qual chamo a atenção dos leitores é o do inadmissível e condenável défice de cultura de Estado e de respeito institucional, protagonizado pelo Comandante Geral da PRM, Jorge Khálau, em mais do que um dos seus pronunciamentos públicos. Trata-se de um assunto de extrema gravidade, envolto em inevitável polémica, que o autor – em minha opinião – analisa muito bem, principalmente no editorial do Boletim Informativo nº 2 da OAM (págs. 121 e segts.). Nesse texto, o antigo Bastonário não só manifesta o seu assombro por uma das “frases
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assassinas” (sic) de Khálau, proferida no início do mês de Maio do ano passado1, como revela a expectativa que se gerou na sociedade quanto à intervenção firme do Presidente da República, no sentido de exonerar e substituir o referido ComandanteGeral, e, também, a sua perplexidade face à reacção, que considera inapropriada, do Digníssimo Procurador-Geral da República. Quanto à gravidade das inusitadas declarações, o autor escreve: “Com as suas palavras e actos, o Comandante-Geral da PRM tentou lançar as bases de uma espécie de Estado Policial, em prejuízo manifesto do Estado de Direito democrático. Se este episódio ficar impune, como até agora se encontra, abre-se inevitavelmente um perigoso precedente, o qual configurará um retrocesso no processo de consolidação do Estado de Direito em Moçambique”. No que à intervenção do Chefe de Estado diz respeito, a expectativa seria completamente gorada no decorrer do tempo. Dias depois das controversas declarações, por ocasião das festividades do “Dia da Polícia”, o Presidente reiteraria a sua total confiança na corporação e no seu Comandante-Geral e, mais recentemente, no último 3 de Fevereiro, Dia dos Heróis moçambicanos, atribuiu mesmo a Jorge Khálau, como reconhecimento dos seus “actos excepcionais de coragem, sacrifício, solidariedade, empenho pessoal e dinamismo de direcção”, a Ordem Samora Moisés Machel do 1º Grau (Jornal A Verdade, edição de 4 de Fevereiro)…
De acordo com a notícia publicada no jornal “O País” em 01.05.2013, a frase reportar-se-ia a uma decisão do Tribunal Judicial do Distrito de Nacala, que mandou restituir à liberdade o Comandante distrital e mais três agentes da PRM, acusados por Jorge Khálau de envolvimento em tráfico de armas, e teria sido do seguinte teor: “Nós conhecemos as leis. Nós não obedecemos a nenhum juiz. Nós tomamos as nossas medidas internas. Agora dizem que (o regulamento) está ultrapassado! Muito obrigado! O Código Penal de que ano é? 1886. Só o Regulamento da Polícia é que está ultrapassado? Houve violação de normas internas (…)”. 1
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Sobre a reacção do Procurador-Geral da República, o autor considera que o Digníssimo magistrado “não deve colocar os seus (maus) hábitos de não comentar declarações proferidas pelos altos dirigentes do Estado acima do seu dever de se posicionar e de intervir na reposição da legalidade, onde e quando tais declarações consubstanciam manifestações penais e flagrantes violações à Constituição da República” (pág. 124). E critica o facto de o PGR ter encetado “uma espécie de ‘fuga para a frente’, ao solicitar a apreciação da constitucionalidade do Regulamento da PRM (...), ao invés de agir sobre os actos e as declarações ilícitas do ComandanteGeral da PRM que consubstanciam o verdadeiro busílis desta problemática toda” (idem). Têm os leitores, naturalmente, a liberdade de se posicionarem sobre estas questões, que são tudo menos despiciendas. A mim, fica-me a sensação – quase a certeza – de que, num Estado de democracia mais desenvolvida e consolidada, dificilmente os acontecimentos teriam o desfecho que tiveram entre nós. Isso só pode significar que, aqui, como noutros domínios da Governação, a luta continua por um país mais justo, mais democrático e em que os valores, princípios e normas consagrados na Constituição e nas leis sejam respeitados por todos, governantes e governados.
Minhas senhoras e meus senhores, Além destes temas, que achei pertinente destacar na minha apresentação de Pontos de Ordem, vários outros assuntos relevantes são tratados na obra agora posta à disposição do público. Como já mencionei, seria impossível debruçar-me sobre todos eles. Mas estou seguro de que, à medida que penetrardes na leitura, descobrireis reflexões e recomendações, sempre bem elaboradas e fundamentadas, sobre várias matérias que se prendem com a gestão interna da Ordem, com a imperiosa necessidade de
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ratificação do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional – na medida em que a não ratificação “enfraquece o Estado de Direito, coloca em causa a credibilidade internacional do Estado moçambicano e permite que os responsáveis por crimes contra a humanidade vejam o nosso país como um refúgio seguro” (pág. 51) –, assim como as questões relativas ao processo de selecção, recrutamento e formação de advogados e magistrados, aos avanços e retrocessos na organização prisional do país, à importância do envolvimento dos cidadãos e das organizações sociais no processo de revisão constitucional ainda em curso, e outras matérias relevantes. Não quero, como é evidente, adiantar-me às vossas expectativas, nem aumentar a curiosidade, que vos deve estar a dar cabo da paciência. Comprem o livro (passe a publicidade) e façam bom proveito da leitura. Muito obrigado.
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