Boletim Informativo - 2ª edição

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Ordem dos Advogados de Moçambique

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Boletim Informativo ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE | EDIÇÃO 02 | JUNHO 2012

O Bastonário "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos e nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons ". Martin Luther King Jr. A esta altura já todos temos consciência da gravidade e dos efeitos perniciosos das declarações e dos actos do Comandante Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Jorge Khálau. Poucos duvidam que depois daquela "frase assassina" proferida em viva voz, e dos actos de desobediência praticados pelos seus subordinados em Nampula, este ainda reúna condições objectivas para exercer o cargo de mais alto dirigente da PRM. Neste contexto, falar da censurabilidade da conduta de Jorge Khálau e da especial obrigação que tinha, em função do cargo que exerce, de não cometer tamanhas enormidades jurídico-constitucionais, seria repetitivo e enfadonho. Talvez, valha a pena dizer que as recentes tentativas do visado de dar o dito por não dito, afirmando publicamente que o Comando Geral da Polícia colabora com a justiça e que não desrespeitou as ordens de nenhum juiz são penosas e profundamente imbuídas de reserva mental. Este atabalhoado desmentido colocouo ainda numa posição mais fragilizada. Teria sido muito mais digno para Jorge Khálau admitir os erros cometidos e pedir desculpas. Afinal errare humanum est. Neste caso insólito, a nossa estupefacção já deu lugar à indignação e esta cedeu lugar à expectativa. À expectativa da intervenção do Chefe de Estado (que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição) que na qualidade de Comandante em Chefe

das Forças de Segurança ordene a substituição do Comandante Geral da PRM, por actuação incompatível com as responsabilidades do cargo que exerce, igualmente com o princípio da legalidade a que está vinculado e com o papel de um Comandante Geral da Polícia num Estado de Direito democrático. É verdade que a posição do Governo, através da Ministra da Justiça, foi clara e inequívoca. A senhora Ministra, depois de se confessar indignada, disse ainda que Jorge Khálau deveria conformar-se com a Constituição da República. Porém, não era novidade para ninguém que era suposto o Comandante Geral da PRM, tal como qualquer outro titular de cargo público ou qualquer outro cidadão, respeitar a Constituição da República, sem necessidade de receber incentivos verbais, recados ou reprimendas. Em adição, a indignação da senhora Ministra da Justiça, a nossa, ou de qualquer outro membro do exército de indignados que entretanto surgiu, não é bastante para resolver o problema essencial. Este é muito mais grave e não se resolve apenas com uma onda de indignação. Com o posicionamento sub judice, Jorge Khálau foi muito mais longe do que a mera prática, em autoria moral, de um crime de desobediência qualificada. Com as suas palavras e actos, o Comandante Geral da PRM tentou lançar as bases de uma espécie de Estado Policial em prejuízo do Estado de Direito Democrático. Se este episódio ficar impune, como até agora, abre-se inevitavelmente um perigoso precedente neste sentido que configura um retrocesso no processo de consolidação do Estado de Direito em Moçambique.

Gilberto Correia

Destaques EXAME NACIONAL DE ACESSO

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O II° CONGRESSO INTERNACIONAL DE ADVOGADOS DE LÍNGUA PORTUGUESA.

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Ponto de Vista O MÚTUO E OS TÍTULOS EXECUTIVOS 3 O ADVOGADO, O MAIOR OBSTÁCULO NO ACESSO À JUSTIÇA? 5 A QUESTÃO JURÍDICA DA MARCA “ÁGUA DA NAMAACHA”: PODE A MESMA CONSTITUIR MARCA?

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A TRIBUTAÇÃO DAS MAISVALIAS DO CARVÃO E DO GÁS

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Ordem dos Advogados de Moçambique Embora alguns tentem desvalorizar as consequências danosas dos actos do Comandante Geral da PRM, é preciso não ignorar o seu valor simbólico, como também o sentido apelativo que tais incitamentos produzem na força que comanda. É preciso não esquecer que não se tratam de actos praticados por um Comandante Distrital da PRM, mas do seu Comandante Geral: o mais alto dirigente desta polícia. Por outro lado, a nossa perplexidade vai também, e sobretudo, para a reacção do digníssimo ProcuradorGeral da República (PGR) a este episódio. Segundo a imprensa, para além de solicitar ao Conselho Constitucional a apreciação da constitucionalidade do Regulamento da Polícia cuja aplicação absoluta e isolada das demais normas do nosso ordenamento jurídico Jorge Khálau defende, o PGR terá dito que não era sua prática comentar as afirmações de altos dignitários e dirigentes do Estado. Contudo, na mesma ocasião, não se coibiu de sublinhar que a Procuradoria a nível da cidade de Nampula cumpriu o seu dever. Disse ainda mais, que os arguidos ao se refugiarem nas instalações da Procuradoria revelaram a confiança que esta instituição merece por parte dos cidadãos como fiscalizadora da legalidade. Rematou ainda que a manutenção dos arguidos soltos foi graças à intervenção da instituição que dirige. Estas espantosas declarações do PGR merecem-nos várias considerações, a saber: A primeira das quais emerge do facto de que, na qualidade de fiscalizador e controlador da legalidade, o digníssimo PGR não pode omitir o seu posicionamento sobre tão grave atentado à legalidade. Não deve colocar os seus (maus) hábitos de não comentar declarações proferidas por altos dirigentes do Estado acima do seu dever de se posicionar e intervir na reposição da legalidade, onde e quando tais declarações consubstanciem manifestações penais e flagrantes violações à Constituição da República. Em segundo lugar, o digníssimo PGR encetou neste caso uma espécie de "fuga para a frente" ao solicitar a apreciação da constitucionalidade do Regulamento da PRM (que existe há muitos anos sem que tenha merecido da sua parte qualquer preocupação digna de realce), ao invés de agir sobre os actos e declarações ilícitas do Comandante Geral da PRM que consubstanciam o verdadeiro busílis desta problemática toda. Ao que se sabe não foi exercida e nem ordenada pelo digníssimo PGR qualquer acção penal contra Jorge Khálau. Em terceiro, o digníssimo PGR considera que que a sua instituição a nível da Província de Nampula cumpriu a sua missão ao intervir neste imbróglio. É inverosímil que o PGR julgue que num Estado de Direito a missão da Procuradoria da República é criar condições, por via da negociação particular, para que polícias cumpram ordens judiciais. Quarto, o digníssimo PGR espanta-nos ao afirmar que o facto dos arguidos soltos terem se refugiado nas

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instalações da Procuradoria seria uma demonstração da credibilidade da instituição que dirige (???). Ora, tudo indica que a Procuradoria funciona nas mesmas instalações do local onde os arguidos foram soltos e que, perante o cerco feito pelos agentes da PRM ao exterior do edifício, não tinham outra alternativa senão refugiar-se no gabinete de qualquer agente da autoridade que não estivesse no centro do conflito. Considerando que estavam em disputa acesa o juiz que ditou a ordem de soltura e a PRM que queria a todo o custo incumprila, só restava aos arguidos a hipótese de procurar ajuda na Procuradoria. Este inusual critério utilizado para medir a credibilidade da instituição dirigida pelo digníssimo PGR é totalmente desprovido de vitalidade e de razoabilidade. Muito menos serve de justificação, como eventualmente se pretenderia, para a omissão de um posicionamento mais firme contra Jorge Khálau. A Procuradoria não será credível pelas razões invocadas pelo digníssimo PGR. De modo nenhum será credível apenas por servir de coito a cidadãos que se refugiam nas suas instalações para não serem presos à margem da lei. Ou por promover intermediação negocial para que polícias sejam convencidos a obedecer a ordens judiciais. Será credível quando impuser, incluindo aos altos dignitários e dirigentes do Estado, o respeito pela lei. Será credível quando tiver um PGR que não usa de subterfúgios para não intervir situações difíceis. Apenas será credível quando o PGR deixar de ser fraco com os fortes - fraquezas amiúde demonstradas quando estão em causa cidadãos poderosos, como aconteceu a titulo meramente exemplificativo com o caso MBS ou com as habituais declarações violentas de Afonso Dhlakama. Não entendemos de que se vangloria o digníssimo PGR. Mas sempre diríamos que neste caso as suas palavras parecem ter o efeito exactamente contrário ao pretendido. Estamos, pois, perante uma situação em que a sociedade civil e a comunidade jurídica esperam, e já desesperam, pela actuação firme e exemplar de quem de direito. Enquanto isso não acontece, temos o senhor Comandante Geral da Polícia envolvido num esforço de apagar as evidências indeléveis do seu comportamento censurável e indesculpável; o digníssimo PGR receoso e omissivo e o Chefe de Estado a gerir este assunto com um "estrondoso" silêncio. Seja, depois de actos e palavras violentas contra a Constituição da República e contra o Estado de Direito, depois de ter sido autor moral de um crime de desobediência qualificada e depois de ter posto em causa a autoridade do poder judicial, o Comandante Geral da PRM continua firme e inabalável no seu posto de comando. Entretanto, por mero acaso, o Dicionário Priberam de língua portuguesa revela-nos que "Calhau" significa "pedaço de rocha dura" ou "pedra solta. Mas, é igualmente claro, que neste caso qualquer semelhança seria pura coincidência. Por uma Ordem empreendedora. O BASTONÁRIO OAM | EDIÇÃO 2 | JUNHO 2012


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O MÚTUO E OS TÍTULOS EXECUTIVOS - BREVES CONSIDERAÇÕES

POR STAYLEIR MARROQUIM* Dispõe a alínea c) do art. 46º do Código de Processo Civil, em atenção as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 1/2005, de 27 de Dezembro que “à execução apenas podem servir de base... os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º, ...”. Trata-se de uma disposição de uma importância inquestionável no âmbito da solução litigiosa dos conflitos. Permite-se, por esta via, que um documento particular (art. 373º do Código Civil) assinado pelo devedor, sem necessidade de reconhecimento notarial, através do qual se constitua ou reconheça determinada obrigação pecuniária, possa servir de base para a instauração de uma acção executiva, obviando, deste modo, a longa caminhada que muitas vezes caracteriza a acção declarativa. Com esta disposição registou-se um alargamento dos títulos executivos, pois, o regime anterior impunha, como condição de admissibilidade, que os referidos documentos particulares tivessem a assinatura do devedor reconhecida notarialmente (vejam-se a alínea c) do art. 46º e art. 51º, todos do C.P.C., na versão anterior a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 1/2005, de 27 de Dezembro), imposição esta que deixou de ser exigida. Sucede, porém, que o Decreto-Lei nº 3/2006, de 23 de Agosto (que entre outros aspectos, altera algumas disposições do Código Civil), aprovado quase oito meses após a alteração ao Código de Processo Civil de 2005, veio restringir novamente o âmbito dos títulos executivos.

É que este diploma, alterando o art. 1143º do Código Civil, determina que “o contrato de mútuo é válido se for celebrado por documento assinado pelo mutuário, com assinatura reconhecida presencialmente”. Ou seja, interpretando-o à contrario sensu, diz-se aqui que a inexistência de assinatura reconhecida presencialmente (pelo Notário, subentenda-se) do mutuário (devedor) determina a invalidade do contrato de mútuo. Deste modo, quando a alínea c) do art. 46º do Código de Processo Civil se refere aos documentos particulares enquanto títulos executivos devemos entender que estão excluídos os contratos de mútuo que não contenham a assinatura do devedor reconhecida presencialmente pelo Notário. É verdade que a necessidade de segurança jurídica impõe, em determinadas situações, a necessidade de introdução de determinada forma especial como condição de validade de certos negócios jurídicos, mas, essa mesma necessidade deve também ser temperada por uma outra, que é a da celeridade dos negócios. É que a necessidade de observância daquele requisito de validade do contrato de mútuo obriga a que, por exemplo, o empréstimo de 500,00 MT (Quinhentos Meticais), ou mesmo de uma quantia abaixo desta, somente seja válido se, primeiro, se reduzir o contrato a escrito, e depois, se contiver a assinatura do mutuário (aquele que pede emprestado) reconhecida presencialmente perante Notário. Se é certo que a redução a escrito pode não servir de obstáculo, igual afirmação não podemos reservar para o reconhecimento presencial da assinatura do mutuário. É, certamente, um contra-estímulo a celeridade dos negócios jurídicos, em particular, do contrato de mútuo, principalmente nos Distritos, eleitos pólos de desenvolvimento deste nosso vasto Moçambique que estão menos equipados com instituições públicas, mormente os Cartórios Notariais.

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Poderia pois o Legislador, em relação ao mútuo, condicionar a sua validade a redução a escrito, mas impor a necessidade do reconhecimento presencial da assinatura a partir de determinada quantia, libertando-se daquele formalismo os contratos que incidissem sobre quantias inferiores àquela. Frise-se que solução semelhante já constava do texto primitivo do art. 1143º do Código Civil que exigia a escritura pública, como condição de validade, para o mútuo de valor superior a 20 Mil Escudos (moeda que teve curso legal em Portugal). Isso permitiria, por um lado, a flexibilização da celebração do contrato de mútuo quando o mesmo incidisse sobre valores de pequena importância, e por outro, a segurança para o comércio jurídico pela imposição da redução do contrato à forma escrita (para mútuo de pequena importância) e (para além da redução à escrito) do reconhecimento presencial da assinatura (para mútuo de grande importância). Claro que ficaria por determinar os limites de pequena e grande importância... mas isso muito facilmente se conseguiria, podendo-se usar um critério que visasse determinar um valor fixo ou então usar um critério análogo ao da Lei do Trabalho (para efeitos de fixação da indemnização) ou da Lei da Organização Judiciária (para efeitos de fixação da competência dos tribunais), que é o de fazer corresponder determinado limite a certo número de salários mínimos. * Advogado CP nº 491

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Normas e estrutura do conteúdo dos artigos para publicação no Boletim Informativo da OAM 1. Tamanho Máximo do artigo deve ser 2. 3. 4. 5. 6. 7.

de 1000 palavras; Tamanho Mínimo do artigo deve ser de 400 palavras; Espaço entre linhas 1,5; Formatação texto justificado; O conteúdo deverá ser entregue em ficheiro do Word; Uma fotografia tipo passe com fundo branco; Os colaboradores têm a liberdade para desenvolver o texto da maneira que julgar indicada, entretanto devem constar quatro elementos:  Título;  Sumário do Artigo (máximo 100 palavras);  Texto principal; e  Conclusão.

A equipa técnica reserva-se o direito de publicar ou não o artigo que lhe seja enviado. Os critérios de selecção:  Anterioridade no envio dos artigos;  Discricionariedade de acordo com a actualidade, ou originalidade do tema. Solicita-se aos articulistas a revisão prévia dos seus artigos, constituindo os erros ortográficos base para o atraso na publicação do artigo. Os texto deverão ser enviados para o seguinte email: geral@oamoz.org, até ao dia 10 de cada mês. Laurindo Saraiva

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O ADVOGADO, O MAIOR OBSTÁCULO NO ACESSO À JUSTIÇA? A Advocacia é uma das profissões mais antigas e das mais nobres que o Mundo teve a honra de hospedar. Quem a escolhe deve saber o verdadeiro valor que ela tem perante a sociedade o que acarreta uma responsabilidade acrescida. Como em qualquer profissão, existem aqueles que a abraçam de corpo e alma, buscando a todo o tempo o aperfeiçoamento das técnicas do seu exercício, preocupados com o seu bem-estar e o dos seus cúmplices, outros, poucos se interessam pela causa colectiva, buscando tão-somente o proveito próprio. ”A maioria das organizações doentes desenvolveu uma cegueira funcional em relação aos próprios defeitos. Elas não sofrem por não poder resolver seus problemas, mas porque não podem ver seus problemas”. John Gardner Foi-se o tempo em que alguém se licenciava e pendurava seu diploma na parede e vivia dele. Hoje, os tempos são outros e exigem uma nova abordagem às exigências cada vez maiores dos preciosos clientes. A informação propaga-se a velocidade já mais vista e qualquer pessoa pode ter a resposta básica sobre qualquer assunto possível, bastando para isso perguntar ao doutor Google. Mas falando do Google, sabiam quantas perguntas são feitas ao Google por dia ou por hora? Segundo a ComScore, que é líder mundial na mensuração digital, refere em dados aproximados que são feitas 34 mil perguntas por segundo, 2 milhões por minuto, 121 milhões por hora, 3 bilhões por dia e 88-bilhões por mês. Isto, somente no Google. Existem outros tantos como o yahoo, msn, etc. etc. O mais intrigante não é o número de perguntas feitas actualmente e sim a quem eram feitas estas perguntas há 10 ou 15 anos atrás. Obviamente que os três bilhões de respostas que hoje as pessoas tem, suscitam outras reacções, pois uma sociedade bem informada tem um outro nível de exigências. Mas o papel do Advogado perante a Ordem não se resume no pagamento de “quotas” e na participação em Assembleias Gerais, que aliás, é o que se tem visto nos dias de hoje. E mesmo as Assembleias Gerais resumem-se a pouco mais de meia dúzia de Advogados e Advogados Estagiário que sempre

POR WILLIAM TELFER*

marcam presença, seja lá qual o motivo da reunião, merecem estes o nosso elogio e louvor. O Advogado é uma extensão da Ordem onde quer que ele esteja. Dai que deve ser nossa preocupação constante participar activamente das actividades da Ordem. Senão não valerá a pena termos uma estrutura que nos acolha. Sim, os Advogados devem ser o ponto de partida para toda e qualquer actividade que se pretende na Ordem. Refiro-me por exemplo a nossa responsabilidade como Juristas, que pelo inconformismo que nos é impregnado pelo exercício da profissão, devemos suscitar debates e repudiar factos que atentam contra as mais elementares cláusulas do nosso contrato social. É lamentável ver-se a Ordem somente em duas ocasiões, na abertura do ano judicial e na semana do Advogado. E a nossa luta, a luta de classe, aquela apregoada por Karl Marx e outros com os quais me identifico, esta luta dificilmente surtirá os efeitos desejados se estas declarações não forem multiplicadas pelos Advogados por todos os quadrantes da sociedade. Quem deve se insurgir contra o tratamento desumano que os Réus sofrem nos Tribunais são os Advogados. Lembro-me ter lido um artigo do Bastonário a esse respeito mas ficou-se entre nós. Somos uma classe inconformada por injustiça e como disse Rosseau, quem abraça a profissão de Jurista deve em primeiro lugar saber o significado da palavra Justiça. O que assiste-se na nossa Ordem e isso é lamentável, é que só existe discussões, bate bocas e até mesmo pequenos fóruns onde assistem-se acesos debates nas vésperas de uma Assembleia Geral que vá discutir assuntos de elevada preponderância. Quando termina, dispersamo-nos para nos vermos uma vez e outra. OAM | EDIÇÃO 2 | JUNHO 2012


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Qual é o futuro que pretendemos para nossa Ordem? Uma Ordem empreendedora como pretende a actual direcção? Se sim, não iremos a lado nenhum se nós, os Advogados não pormos a máquina a funcionar. Quem torna a Ordem empreendedora são os Advogados, e estes trabalhando sincronizados e com um único objectivo. Do contrário, poderemos ter inúmeras iniciativas por parte da Direcção da Ordem que devo admitir são importantes e tem sido muito úteis, mas estas soarão como tambores vazios, e não produzirão os efeitos desejados. Um Advogado deve preocupar-se em limpar seu quintal e ajudar a limpar o do vizinho. Este espírito deve governar nosso dia a dia. Da mesma forma que pleiteámos e até uns chegam a deitar fumaça pelas ventas, mas quando o Juiz bate o martelo, olhamos um para o outro, não para desferir o golpe final, mas para conversarmos como amigos e colegas. E assim as nossas vidas continuam. O Advogado é peça-chave na formação da sociedade actual e contribui activamente para o funcionamento regular das instituições públicas. O que conta não é o que acontece a uma pessoa, mas como essa pessoa responde ao que acontece a ela. Não basta sermos optimistas, temos que perceber o mundo a nossa volta para não sermos surpreendidos com as mudanças. O que vale uma moeda de ouro no fundo do oceano? Nada! Do mesmo modo que nada valerá tanto conhecimento se não aplicarmos juntos e em prol da nossa Ordem. Não nos esqueçamos nunca, que se não fizermos o nosso papel na sociedade, alguém o fará por nós, resta saber se gostaremos do produto final e se algum dia teremos uma segunda oportunidade de o fazer

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EXAME NACIONAL DE ACESSO

POR TÂNIA WATY* Aprovado o Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique, pela Lei nº 28/2009, de 29 de Setembro, e estando estabelecido no nº 2 do artigo 143º a competência do Conselho Nacional de definir as regras e princípios gerais do Estágio, foi aprovado o Regulamento de Estágio Profissional da Advocacia. Foram profundas as alterações ao anterior modelo e regime de estágio profissional da advocacia, com destaque para o encurtamento do período do estágio profissional dos anteriores 24 meses, divididos em 3 períodos, para os actuais 14 meses, fraccionados em 2 períodos, e ainda as avaliações intercalares, primeiramente o Exame de Aferição e posteriormente o Exame Nacional de Acesso, último estádio para a obtenção da Carteira Profissional de Advogado. Depois de 14 meses e em Outubro de 2011, o primeiro grupo de Advogados Estagiários finalizou nos termos do novo Estatuto e Regulamento, habilitando-se para se candidatem a realização do Exame Nacional de Acesso (ENA). Foram 90 advogados estagiários da OAM e técnicos jurídicos do IPAJ que se inscreveram para o 1º Exame Nacional de Acesso que se realizou a 14 de Janeiro de 2012, com cerca de 80% de aprovados, os resultados foram de 68 aprovados e 22 reprovados. O 2º Exame Nacional de Acesso, realizado a 14 de Abril, menos concorrido, com 60 candidatos, teve resultados menos positivos com 33 aprovações e 27 reprovações. Com mais de 300 advogados na segunda fase de estágio prevê-se um número considerável de advogados estagiários a serem avaliados a 7 de Julho e a 6 de Outubro do presente ano, avizinhando-se que se possa ultrapassar ainda este ano a barreira de 1000 Advogados. *Advogada CP nº 710

* Advogado

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O II° CONGRESSO INTERNACIONAL DE ADVOGADOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E ASSEMBLÉIA GERAL DA UALP. POR GILBERTO CALDEIRA CORREIA*

Realizou-se de 24 a 26 de Maio de 2012, no Centro de Convenções de Talatona em Luanda, sob o lema Advocacia, Estado de Direito e Desenvolvimento, o 2° Congresso Internacional de Advogados de Língua Portuguesa. A sessão solene de abertura, ocorrida na noite de Quinta-Feira, dia 24 de Maio (que iniciou com cerca de 90 minutos de atraso) foi presidida pelo Vice-Presidente da República de Angola, Dr. Fernando da Piedade Dias dos Santos ("Nandó”), em representação do Chefe do Estado angolano Eng° José Eduardo dos Santos. A primeira intervenção coube ao Bastonário anfitrião, Dr, Manuel Vicente Inglês Pinto, que leu a mensagem de boas vindas. Seguiu-se a intervenção do Presidente em exercício da União dos Advogados de Língua Portuguesa (UALP) e da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Ophir Cavalcante Júnior. Na sua intervenção, o Presidente da UALP deu a conhecer que os advogados falantes de língua portuguesa já constituíam cerca de 20% da população mundial de advogados e que aí residia a força da advocacia de língua portuguesa e que a cada evento do género se torna ainda mais forte, por proporcionar uma maior integração jurídica dos advogados falantes da língua portuguesa. Destacou os objectivos da UALP, designadamente a defesa da democracia, da justiça e da concepção dos advogados como defensor da cidadania e das liberdades. Frisou ainda que o exercício da advocacia impõe que os advogados não aceitem que a profissão seja vista com um cariz exclusivamente comercial, sublinhando a relevância do papel social dos advogados como defensores dos direitos humanos, da solidariedade e da liberdade dos cidadãos. A última intervenção da noite de abertura coube ao Vice-Presidente da República que saudou, em nome do Presidente da República de Angola, as delegações visitantes oriundas dos países de expressão portuguesa (Moçambique, Brasil, Portugal, Cabo Verde, GuinéBissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) e da Região Administrativa Especial de Macau e desejou a todas uma agradável estadia na capital angolana. Coube a este alto dignitário do Estado angolano proceder à abertura formal do 2° Congresso de Advogados de Língua Portuguesa. O dia terminou com um cocktail de confraternização entre os participantes oferecido pela Ordem dos Advogados de Angola.

No dia 25 de Maio, Sexta-Feira, iniciaram os trabalhos propriamente ditos e foram apresentados, de acordo com o programa, vários temas de interesse, a saber: 

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A advocacia nas Constituições dos países de língua portuguesa (Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia de Portugal). O sistema da Commonwealth e a cooperação com a advocacia de língua portuguesa (Dra.Thoba Ndlwaty, Presidente da SADC Lawyers Association). A apresentação da Organização para a Harmonização do Direito de Negócios em África (OHADA) - Dra Domingas Baião da Guiné-Bissau. Advocacia e a reforma do judiciário, Dra Sófia Veiga de Cabo-Verde Advocacia, magistratura e Ministério Público equilíbrio necessário (Dr. Roberto Busato do Brasil). A advocacia e o ensino de direito - qualidades e oportunidades (Prof. Doutor Raul Araújo de Angola). O sigilo profissional, relação de confiança advogado/cliente e os crimes de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo (Dr. Sérgio Ferraz do Brasil). A inserção da advocacia no mundo globalizado e na CPLP (Dr. Cézar de Britto do Brasil). Actuação do advogado na mediação e na arbitragem (Dr. Miguel Cançado do Brasil). Advocacia, reforma e justiça fiscal (Dr. Ricardo Candeias de Portugal). Advocacia corporativa, corporated governance e responsabilidade social das empresas - Drs. Manuel Gonçalves e Octávio Van-Dúnem ambos de Angola). Contrato de trabalho, conflitos laborais e personalidade nas relações laborais (Dr. Nuno da Mata de Macau). Exigibilidade judicial dos direitos económicos e sociais (Prof. Eugénio Moreira da Guiné-Bissau). Defesa da propriedade, desapropriação e actuação dos poderes públicos (Dr. Guilherme Posser da Costa de São Tomé e Príncipe). OAM | EDIÇÃO 2 | JUNHO 2012


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No final deste longo dia de trabalhos, ainda ocorreu uma sessão denominada tribuna livre que versava discutir as perspectivas da advocacia de língua portuguesa, ao que depois seguiu-se uma sessão de debates com que se encerraram os trabalhos do dia. O dia 26 de Maio, Sábado, iniciou com uma sessão de debates como continuação dos debates do dia anterior. Depois, ocorreu uma palestra sobre o controlo difuso da constitucionalidade proferida pelo Dr. Sérgio Ferraz, advogado brasileiro. Por último, mas não menos importante, passou-se à leitura e votação das conclusões, terminando assim os trabalhos deste II° Congresso de Advogados de Língua Portuguesa. Logo de seguida, deu-se início à cerimónia de tomada de posse dos novos órgãos sociais da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), na qual o Bastonário cessante Manuel Vicente Inglês Pinto cedeu o lugar ao novo Bastonário Hermenegildo Cachimbombo que passa a ocupar o cargo para um mandato de 3 anos. Entretanto, cumpre destacar as brilhantes apresentações feitas ao Congresso pelos advogados moçambicanos que foram convidados a palestrar. A primeira, na manhã de Sexta-Feira, feita pelo Dr. Filipe Sitói sobre o tema prerrogativas do advogado - direitos dos cidadãos e a segunda no final do mesmo dia sobre a advocacia e a protecção do meio ambiente, proferida pelo Prof. Doutor Teodoro Waty. Ambos receberam aplausos e elogios dos congressistas presentes, elevando com a qualidade e profundidade das respectivas apresentações o nome da advocacia moçambicana a patamares bem altos a nível da UALP. Ainda no contexto da participação moçambicana no evento, não poderíamos deixar de referir que, para além de ter sido a maior delegação da história da nossa jovem Ordem a participar num evento sobre a advocacia fora do país, fomos também a maior delegação visitante a participar naquele Congresso, com cerca de 37 advogados. Por outro lado, durante a manhã de Sábado, em paralelo aos trabalhos da plenária do Congresso, ocorreu a Assembleia Geral da UALP. Este órgão decidiu marcar a segunda Assembleia Geral do ano (a UALP reúne-se ordinariamente 2 vezes por ano) para o dia 15 de Setembro na cidade de Maputo e o 3° Congresso da Advocacia de Língua Portuguesa para o Brasil, dentro de 2 anos. * Gilberto Correia, CP nº 103.

A QUESTÃO JURÍDICA DA MARCA “ÁGUA DA NAMAACHA”: Pode a mesma constituir marca de um único empresário?

POR VÂNIA XAVIER* A aplicação das leis é mais importante que a sua elaboração." (Thomas Jefferson)

Numa altura em que, a empresa proprietária da marca ÁGUA DA NAMAACHA lançou no mercado o seu portal de internet com o nome de domínio; www.aguadanamaacha.co.mz; sem nos esquecermos que esta empresa tem louvado a cultura nacional ao associar-se ao grande nome da pintura Moçambicana: Malangatana, importa analisar, e apenas com interesse meramente académico, a questão jurídica da marca ÁGUA DA NAMAACHA. Para tal, importa situarmos as marcas no ordenamento jurídico moçambicano, por via do Decreto 4/2006 de 12 de Abril que aprova o Código da Propriedade Industrial de Moçambique (CPIM). É neste Código onde vêm plasmados os sinais distintivos de comércio a saber: a marca; o nome comercial; o logótipo; a insígnia do OAM | EDIÇÃO 2 | JUNHO 2012


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estabelecimento; a recompensa; as indicações geográficas e as denominações de origem. O cerne da nossa discussão tem base em três das figuras indicadas: a marca, as indicações geográficas e as denominações de origem. A indicação geográfica é definida como “O nome de uma região, de um local determinado ou, excepcionalmente, de um país, que se tenha tornado conhecido como centro de produção, transformação, extracção ou elaboração de um determinado produto ou de prestação de um determinado serviço”. Por sua vez, a denominação de origem tem a sua definição no CPIM como: “A denominação geográfica de um país, de uma região ou de determinado lugar servindo para designar um produto que é daí originário e cujas qualidades, características ou reputação são devidas exclusiva ou essencialmente a esse lugar geográfico, compreendendo factores naturais ou humanos ou factores naturais e humanos simultaneamente.” Sendo que a diferença entre a indicação e a denominação está no facto de; enquanto que para a indicação basta que o produto ou serviço provenham de um lugar que se torna reputado como centro de produção do mesmo, na denominação de origem, a reputação do produto derivam de factores naturais e/ou humanos que o tornam especial. Ora se dissermos que a ÁGUA DA NAMAACHA, possui um gosto especial e único que deriva do facto de ela provir da Cordilheira dos Montes dos Limbombos, na Namaacha, poderemos falar de denominação de origem. Mas, se concluirmos que ela nada tem de especial no seu sabor, senão o facto de provir daquele lugar, local conhecido como possuidor de água para consumo e portanto famoso pela sua extracção, estaremos diante da indicação geográfica. Além das indicações e denominações, importa definir a marca, como sinal capaz de distinguir os produtos ou serviços de um empresário dos de outro empresário. Podemos ter vários tipos de marcas, caracterizadas através dos mais diferentes critérios; como é o exemplo do critério da composição ou constituição; nomes, figuras, letras, números e outros elementos capazes de se tornarem distintivos.

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Ora, criadas as bases para a nossa procissão, importa referir que, de acordo com o artigo 155 e seguintes do CPIM; “Uma vez registada, a denominação de origem e a indicação geográfica constituem propriedade comum das pessoas residentes ou estabelecidas na área geográfica considerada, podendo ser usados por todos os que em tal área exerçam qualquer ramo de produção característica.” Assim, duas ilações podemos daqui retirar: primeira; as indicações e denominações devem ser propriedade de todos os interessados que tenham domicílio ou exerçam a sua actividade na área geográfica onde esse direito é aferido. Segunda; as mesmas devem ser registadas. Mas e se não houver o registo das mesmas, como acontece com várias denominações e indicações que Moçambique têm, a exemplo: as tangerinas de Inhambane, o ananás de Muxungue, o cabrito de Tete, o camarão de Moçambique, o tomate de Chokwé, a batata de Angónia ou de Moamba e outras; podem ainda assim ser as mesmas protegidas à luz do Código? A resposta é afirmativa, como bem comanda a parte final do número 1 do artigo 161 do CPIM sobre a duração do registo: “A denominação de origem e a indicação geográfica duram por tempo indeterminado, (…) produzindo os seus efeitos independentemente do registo.” Sendo por esta via que concluímos que os mesmos são tutelados, mesmo antes do registo. Em relação ao registo da marca ÁGUA DA NAMAACHA, qual é o quid que nos leva a teorizar sobre a mesma? Sem nos cingirmos aos aspectos formais e factuais do registo daquela marca, iremos nos focar apenas nos seus aspectos teórico-legais, constituindo a sua menção, apenas um exemplo que se pretende por demais elucidativo para o melhor entendimento destas matérias. É que, os requisitos de registo de uma marca, constantes nos artigos 110 e 119 CPIM, dizem que as marcas não podem constituir sinais de carácter genérico, comum, vulgar ou descritivo dos produtos ou serviços a proteger. Sendo fundamento de recusa, conforme a alínea

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e) do artigo 119 o facto de a marca exibir “sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou o meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos”. Pelo que, se deve entender ÁGUA DA NAMAACHA, ou qualquer outro sinal similar, como Água de Goba, tomate de Chokwé e outros sinais acima vistos, como sinais descritivos que indicam uma proveniência geográfica, sendo como tal vedado o seu registo como marca. O ratio desta proibição está no facto de este tipo de sinal poder servir no comércio como uma indicação geográfica ou denominação de origem, podendo ser usufruída por uma pluralidade de agentes económicos, não sendo este direito restringido somente ao uso exclusivo de um empresário através da marca. Após esta conclusão, e sem trazer aqui uma crítica nem de iure condendo nem constituendo, pois o legislador Moçambicano foi feliz na forma como conciliou a letra e o espírito destas normas; que sirva este apanhado para chamar atenção sobre a protecção dos elementos que são parte do nosso manancial sociocultural e económico; não permitindo que o rápido desenvolvimento do nosso país desacompanhe a necessária interpretação das normas, prejudicando desse modo os demais, que delas possam pretender tirar proveito. Advogada CP nº 555

A TRIBUTAÇÃO DAS MAIS-VALIAS DO CARVÃO E DO GÁS

POR PAULO PIMENTA * À partida esta trilogia pouco nexo terá para um leitor menos atento. No meu curso de direito tinha um professor de economia política que costumava perguntar aos alunos qual a relação entre o Natal e o aumento do consumo de sorvetes. Aparentemente nada, era a resposta mais normal, ao que ele respondia “se vivesse no hemisfério sul provavelmente encontraria alguma relação. É tudo uma questão de perspectiva!” Pois bem, o Governo anunciou recentemente que iria tributar as mais-valias a obter na alienação de uma participação numa concessão petrolífera onde havia sido anunciada uma grande descoberta de gás natural. Tal anúncio gerou alguma apreensão, tendo em conta os contornos da operação. A empresa-mãe da detentora da participação havia sido objecto de ofertas de aquisição do seu capital na Bolsa de Londres, onde se encontra cotada, por parte de multinacionais petrolíferas e de empresas de mercados emergentes por valores susceptíveis de gerar ganhos consideráveis sobre o investimento realizado. Face à estrutura da operação, as dúvidas não se fizeram esperar, pretendendo-se saber como é que se poderia tributar, em Moçambique, uma operação a realizar na Bolsa de Londres e tendo por objecto acções de uma empresa não moçambicana e que não detinha, directamente, qualquer activo em Moçambique. Mais, a participação em causa no bloco não iria sequer mudar de titular directo. Apenas haveria uma alteração do controlo da sociedade detentora das acções na empresa titular da participação no bloco. Significa isto que, juridicamente, a sociedade que detém a participação no empreendimento moçambicano continuaria a ser a mesma, mudando apenas os accionistas da sociedade acima desta. Questionando-se então se Moçambique iria criar um novo imposto para tributar estas transacções, ameaçando a estabilidade fiscal dos contratos petrolíferos vigentes ou se iria haver alguma alteração à legislação petrolífera por forma a alcançar o mesmo resultado. Ou mesmo se Moçambique poderia tributar a operação face à lei vigente. OAM | EDIÇÃO 2 | JUNHO 2012


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Os mais atentos saberiam que a questão não era nova - tinha apenas transitado do sector mineiro. Com efeito, a tributação de ganhos gerados com a transmissão de títulos mineiros tinha já sido foco de discussão aquando da venda em bolsa, há alguns anos, na Austrália, da empresa-mãe da detentora de títulos para mineração de carvão. A operação não terá sido então tributada, o que despoletou críticas vindas de diversos quadrantes. Porém, mais recentemente o Governo anunciou que iria tributar uma operação de relevo com contornos semelhantes – a concluir fora do país – e terá sido, aparentemente, o sucesso dessa medida que encorajou uma posição idêntica nesta transacção petrolífera. Não sendo ainda claro como pretende o Governo atingir o seu objectivo, o projecto de revisão da Lei de Minas, em discussão pública, dá pistas a este respeito. Uma leitura do novo artigo 24.º da dita Lei permite concluir que as operações que visem a transmissão de participações sociais em projectos mineiros ou de direitos mineiros terão que ser realizadas em território moçambicano, estando sujeitas a prévia autorização – a conceder apenas mediante prova do cumprimento das obrigações fiscais associadas. Estabelece-se, inclusive, que são nulas e de nenhum efeito as transacções realizadas no exterior ou cujo pagamento não seja efectuado através do sistema bancário nacional. Não se vislumbra, contudo, como tal será possível de implementar nem a razoabilidade de tal exigência sempre que se trate de uma transacção em que não estejamos perante o titular directo da participação no empreendimento, mas apenas de titulares indirectos. Prevendo-se a necessidade de prévia autorização nos contratos petrolíferos em vigor, as alterações à Lei de Minas indiciam que o Governo apenas autorizará e reconhecerá transmissões de participações em blocos petrolíferos se estas se realizarem em Moçambique, ficando assim sujeitas à legislação fiscal em vigor, nomeadamente ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Numa altura em que o carvão e o gás natural de Moçambique atraem cada vez mais o interesse de grandes multinacionais, pretende-se assegurar que o Estado não deixará de beneficiar dos ganhos resultantes da alienação de participações em projectos mineiros e petrolíferos, clarificando-se as

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regras a observar para o efeito. Resta saber se esta clarificação não afasta estes novos investidores, em geral possuidores de capacidade financeira e técnica superior à dos que pretendem agora concretizar os ganhos dos seus investimentos. Importa por outro lado, determinar se a clarificação está a ser feita da melhor forma.A questão que se coloca – tributação das mais-valias geradas com a alienação de uma participação social de uma sociedade não residente a qual, apenas de forma indirecta, detém interesses numa sociedade de direito moçambicano – não tem, presentemente, qualquer enquadramento fiscal face aos Códigos do IRPC e IRPS, razão da introdução da referida disposição na Lei das Minas. Contudo, apesar de não se tratar do lançamento de um novo imposto, não faria mais sentido introduzir esta disposição, ou pelo menos completá-la, nos códigos dos impostos sobre o rendimento? Porque razão passará a existir um tratamento fiscal discriminatório relativamente a este tipo de actividade por comparação com as demais? Apenas porque os montantes em questão são mais elevados ou por se tratar da alienação, ainda que de forma indirecta, de direitos mineiros ou petrolíferos concessionados? Outra questão que se coloca é a de saber como será apurada a mais-valia em causa, pois poderemos estar a falar da venda de uma empresa que detenha concessões mineiras não apenas em Moçambique mas igualmente noutros países. Presentemente, a tributação de mais-valias obtidas por não residentes decorrentes da alienação de participações sociais em sociedades de direito moçambicano é efectuada à taxa de 32% e não a uma taxa liberatória de 20% como é defendido por alguns. Tal interpretação – aplicação de uma taxa liberatória de 20% decorre do disposto no nº 2, do artigo 62 do Código do IRPC, que prevê que os rendimentos de entidades não residentes que não disponham no País de estabelecimento estável ao qual esses rendimentos possam ser imputados, sejam tributados a uma taxa liberatória de 20%. Contudo, a aplicação de uma taxa liberatória – que mais não é do que uma taxa de retenção na

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fonte a título definitivo (aliás o termo taxa liberatória é utilizado no sentido de que essa retenção na fonte libera o sujeito passivo que a ela está sujeito de qualquer outra obrigação adicional, incluindo a de declarar esse rendimento na sua declaração periódica anual) – apenas a de declarar esse rendimento na sua declaração periódica anual) – apenas poderá ser efectuada pelo devedor desses mesmos rendimentos (devedor no sentido de entidade que coloca os rendimentos à disposição, à semelhança, por exemplo, das retenções na fonte que são mensalmente efectuadas relativamente aos rendimentos do trabalho dependente) e tem necessariamente que estar prevista no artigo do código referente às retenções na fonte, o que não sucede. Ora no caso de transmissão de uma participação social, sendo o vendedor uma entidade não residente e sendo esta quem obtém a maisvalia, não existe qualquer mecanismo para a retenção na fonte, sendo que, neste caso, deverá ser observado o disposto no artigo 10 do Regulamento do IRPC, segundo o qual, os rendimentos de entidades não residentes não imputáveis a estabelecimento estável, são determinados de acordo com as regras fixadas para as categorias correspondentes estabelecidas para o Código do IRPS, conforme estabelece o artigo 45 do Código do IRPC. Significa, pois que a mais-valia não será apurada mediante a mera aplicação de uma taxa de retenção na fonte, ainda que liberatória, de 20% sobre a mesma, mas sim determinada de acordo com as regras previstas no Código do IRPS, no que à sua determinação diz respeito (no sentido de apuramento do quantitativo que estará sujeito a imposto e que toma em consideração o prazo de detenção dessa mesma participação). Após ser determinada/apurada a mais-valia de acordo com as regras estabelecidas no Código do IRPS, fica a entidade não residente obrigada, por via de um representante fiscal – residente em Moçambique e que fica solidariamente responsável pelo cumprimento da obrigação tributária -, a apresentar uma declaração periódica de rendimentos em triplicado (vd. artigo 39 do Regulamento), declaração periódica essa que estabelece que seja,

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aplicada a taxa de 32% de IRPC à mais-valia apurada. Com efeito, a declaração periódica de rendimentos em campo algum prevê a possibilidade de aplicação de uma taxa liberatória. A declaração periódica de rendimentos deve ser apresentada, pelo representante fiscal da entidade não residente no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão da participação social por força do estabelecido na alínea b), do nº 5, do artigo 39, do Regulamento do IRPC. De encontro a esta interpretação, está o disposto no nº 4, do citado artigo 39 do Regulamento, segundo o qual as entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Moçambique ao qual lhe possam ser imputáveis esses rendimentos, se encontram obrigadas à apresentação de declaração periódica relativamente aos rendimentos aqui auferidos e que não sejam susceptíveis de retenção na fonte a título definitivo. Ora, este é o caso das mais-valias em que não existe qualquer norma fiscal que preveja a tributação das mesmas por retenção na fonte (vd artigo 67 do Código do IRPC). Descrito este enquadramento jurídico do actual regime de tributação das mais-valias auferidas por entidades não residentes relativamente à alienação de participações sociais em empresas de direito moçambicano, conclui-se, pois, que não existe qualquer norma de incidência nos nossos códigos dos impostos sobre o rendimento referente à tributação de mais-valias geradas com a alienação de participações sociais de empresas estrangeiras, as quais, por sua vez, detenham uma participação numa sociedade estrangeira ou de direito moçambicano que, por sua vez, seja titular de uma concessão petrolífera ou mineira ou de uma participação em tal concessão. Ao pretender-se tributar essas realidades apenas relativamente aos mega projectos nos sectores mineiro e petrolífero, está-se a criar um regime de excepção, mais desfavorável, sendo que um dos princípios da fiscalidade é o da generalidade ou abstracção da norma fiscal. Também se colocam problemas ao nível do princípio da territorialidade ao pretender-se tributar realidades económicas que ocorrem fora do território nacional, ou seja numa outra jurisdição, a qual, por sua vez, tem igualmente as suas próprias normas fiscais. No fundo, esse tipo de transacção apenas OAM | EDIÇÃO 2 | JUNHO 2012


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indirectamente e a final tem relação com Moçambique. Consideramos o exemplo da venda em bolsa, em Nova Iorque, de acções de uma empresa que detém participações numa segunda empresa, na Indonésia, a qual, por sua vez, detém uma terceira empresa, nas Maurícias, a qual tem direitos mineiros em Moçambique. De que forma a Administração Tributária iria tributar as mais-valias geradas na bolsa de Nova Iorque por força dessa venda de acções? O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Há, pois, que ter presente, caso se pretenda passar a tributar esta nova realidade, que o local adequado para introduzir uma norma de incidência seria nos códigos dos impostos sobre o rendimento – não na Lei de Minas ou na Lei do Petróleo. Deste modo, passaria a estar prevista a tributação das mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais de empresas não residentes que fossem, directa ou indirectamente, titulares de concessões mineiras ou petrolíferas em Moçambique. Consequentemente, os potenciais vendedores ficariam obrigados a nomear um representante fiscal em Moçambique para proceder ao pagamento do imposto. Creio ser este o modelo seguido na Austrália relativamente à tributação de mais-valias geradas com a alienação de acções de empresas que detenham, directa ou indirectamente, direitos mineiros - entendendo-se como tal que mais do que 50% do valor da empresa cujas acções se encontram a ser alienadas é devido a esses mesmos direitos situados em território australiano. Nestes casos, são tributadas as mais-valias se o vendedor detiver um interesse superior a 10% (directa ou indirectamente) nessa mesma sociedade. Parece pois que a proposta de redacção do artigo 24 da Lei das Minas, presentemente em discussão, apenas fará sentido se for em simultâneo introduzida uma alteração aos códigos dos impostos sobre o rendimento nos termos descritos. Caso contrário, a dúvida manterse-á, situação que é prejudicial para o Estado, que pretende legalmente passar a tributar esta nova realidade, bem como para o investidor, que deve saber de antemão e de forma clara e precisa o enquadramento jurídico que o espera em Moçambique. Advogado CP nº 170

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BREVES  Iniciaram no fim do mês de Maio as obras na sede da OAM, concretamente a reabilitação dos anexos e a construção de um pequeno auditório.

 Bastonário da OAM encontrase com os advogados com domicílio profissional na Zambézia para auscultar a nomeação de um representante da OAM nessa província.  Encerram as candidaturas (com 16 proponentes) para a terceira edição do Programa de Capacitação e Estágio Profissional para jovens advogados africanos da União dos Advogados de Língua Portuguesa, entre os dias 24 de Outubro e 23 de Novembro de 2012, em São Luiz, no Brasil.  Bastonário recebe Comissão do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, no âmbito da auscultação a OAM sobre a restruturação do currículo da formação de magistrados.  OAM convidada a participar nas Primeiras Jornadas Jurídicas do Ministério Público Moçambicano.  Bastonário da OAM convidado a participar na abertura do Conselho Coordenador do Ministério da Justiça.  Bastonário convidado a apresentar um tema no âmbito do Seminário sobre “A nova organização judiciária de Moçambique na Constituição de 2004 organizado pela UNIZAMBEZE”.

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ANEDOTAS UM homem foi levado perante o juiz e acusado de necrofilia, por ter feito sexo com um cadáver feminino. Disse-lhe o juiz: Em 20 anos de magistratura, nunca ouvi uma coisa tão imoral. Dê-me uma única razão para eu não pô-lo na cadeia e deitar fora a chave! O homem respondeu: Vou lhe dar não uma, mas TRÊS boas razões: 1º) Não é da sua conta. 2º) Ela era minha esposa. 3º) Eu NÃO SABIA que ela estava morta. Ela SEMPRE agia assim!!! Resultado: FOI ABSOLVIDO UM SUJEITO chega no escritório de seu advogado: - Quero falar com o meu advogado! A secretária responde: - Seu advogado morreu! No dia seguinte o sujeito volta e diz novamente: - Quero falar com o meu advogado! - Já falei que o seu advogado morreu! - Responde a secretária. No dia seguinte, a situação se repete e a secretária perde a paciência: - Quantas vezes vou ter que dizer ao senhor que seu advogado morreu? - Desculpe o transtorno, mas não imagina o prazer que tenho em ouvir isso... UM advogado ia distraído a conduzir quando, num sinal STOP, passa sem parar, mesmo em frente a uma brigada da GNR. É imediatamente mandado parar e numa atitude perfeita de Chico-esperto (advogado) pensa logo numa forma de se safar. Agente - Boa tarde. Documento se faz favor. Advogado - Mas porquê, Sr. Agente? Agente - Não parou no sinal de STOP ali atrás. Advogado - Eu abrandei, e como não vinha ninguém... Agente - Exacto. Documentos, se faz favor. Advogado - Mas qual é a diferença entre abrandar e ter de parar? Agente - A diferença é que a lei diz que num sinal de STOP deve parar completamente a viatura. Documentos, se faz favor. Advogado - Ouça proponho-lhe o seguinte: se conseguir explicar-me a diferença legal entre abrandar e parar eu doulhe os documentos e pode multar-me. Senão, deixa-me ir sem multa. Agente - Muito bem, aceito. Pode fazer o favor de sair da viatura? O Advogado acede e é então que o Agente retira o seu cacete e desata a desanca-lo violentamente, como mandam as regras. E o Agente vai dizendo: - Quer que eu PARE ou só que ABRANDE?

FICHA TÉCNICA Edição: OAM Director: Gilberto Correia Director Adjunto: Laurindo Saraiva Coordenação: Vânia Xavier e Tânia Waty Maquetização: Arsénio Cossa

INFORMAÇÕES ÚTEIS I.

Vagas do Tribunal Africano, consultar site Web site: www.african-court.org Email registrar@african-court.org, prazos para candidatura 15 de Junho de 2012.

II.

Este ano a Conferencia Anual da SADC Lawyers Association, realizar-se-á na Suazilândia, entre os dias 23 e 26 de Agosto de 2012. Para mais informações contactar: Email: Mrs. Makanatsa Makonese makanatsa@yahoo.ca ou makanatsa@sadcla.org ou então Mrs. Prudence Mabena Email: prudence@sadcla.org ou pruemabena@yahoo.com

III.

Estão convidados a participarem de uma discussão para enriquecimento da proposta de Lei das Sociedades de Advogados no dia 13 de Junho de 2012, as 15 horas, no Hotel Cardoso. A agenda do encontro: Debate sobre os temas de análise comparativa no sentido da escolha das melhores opções para o caso Análise da Proposta de Lei das Sociedades de Advogados objecto de reformulação no sentido da indicação dos aspectos a serem reformulados. Os documentos para discussão encontramse na sede da OAM, informamos que podem enviar as contribuições para os seguintes correios electrónicos:

1.

2.

geral@oamoz.org; jgraca@cga.co.mz; angelos@ssconsultores.co.mz; smarroquim@mnm.co.mz; slevy@salcaldeira.com.

PARA MAIORES INFORMAÇÕES CONTACTE: Av.: Vladimir Lenine, nº 1935 R/C Maputo – Moçambique Tel: + 258 21 414743 – Fax: + 258 21 414744 Cel: + 258 82 3038218 E-mail: geral@oamoz.org WEBSITE: www.oamoz.org OAM | EDIÇÃO 2 | JUNHO 2012


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