EXAME NACIONAL DE ACESSO Data: 26/04/2014
Duração: 3 horas
GUIÃO DE CORRECÇÃO Responda com clareza e precisão as questões que se seguem, observando escrupulosamente as regras da ortografia e da hermenêutica jurídica, sob pena de prejudicar-se no seu resultado. 1. O exercício da advocacia é uma profissão liberal. O Advogado pode, a todo tempo
abandonar o patrocínio do constituinte, gozando do direito de retenção sobre valores, objectos ou documentos para garantia do pagamento de honorários. Comente esta afirmação. Ponderada em 1 valor. A advocacia é de facto uma profissão liberal, porém rege-se de acordo com princípios éticos e deveres deontológicos. Constitui dever do advogado não abandonar o patrocínio do constituinte ou o acompanhamento das questões que lhe estão acometidas sem motivo justificado. (al. I) art. 81 do EOAM) Quando cessa a representação confiada goza o advogado goza sim do direito de direito de retenção com relação a valores e objectos em seu poder, para garantia do pagamento de honorários (e despesas), na medida em que não sejam necessários para prova do direito do constituinte ou cuja retenção não traga a este prejuízos graves. Caso contrário, deve o advogado restituir os documentos, valores ou objectos que lhe hajam sido entregues. Porém, se o constituinte tiver prestado caução arbitrada pelo Presidente do Conselho Nacional, deve o advogado restituir tais valores e objectos, independentemente do pagamento a que tenha direito. (art. 82 EOAM). 2. O que é a quota litis? É absolutamente proibida? Ponderada em 1 valor.
Por quota litis entende-se acordo prévio entre o advogado e o constituinte, pelo qual o direito a honorários fique exclusivamente dependente do resultado obtido na questão e em virtude do qual o constituinte se obrigue a pagar ao advogado parte do resultado que vier a obter, quer este consista numa quantia em dinheiro, ou em qualquer outro bem ou valor. A quota litis é absolutamente proibida. (art. 67 EOAM) Na base da proibição da quota litis está o pressuposto que não havendo resultado, inexiste o direito a honorários, ficando o advogado exposto à tentação de enganar a justiça. 3. Em que circunstâncias pode o Advogado revelar factos abrangidos por segredo
profissional? Os actos praticados pelo Advogado com violação do segredo profissional podem valer em juízo? Ponderada em 1 valor. O segredo profissional é o dever deontológico que obriga o advogado a guardar e manter sob sigilo todos os factos que tenha tido conhecimento no exercício das suas funções ou da prestação de serviços. (n.º1 art. 79 EOAM) O segredo profissional abrange os documentos ou outras coisas que estejam relacionados com os factos sujeitos a sigilo. (n.º2 art. 79 do EOAM) 1
O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do constituinte ou seus representantes, mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Nacional, com recurso para o Conselho Jurisdicional. (n.º4 art. 79 do EOAM) Os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não fazem prova em juízo. (n.º5 art. 79 do EOAM 4. Imagine que como Advogado é eleito para deputado na Assembleia da República;
pode continuar a ser Advogado? E se for eleito Administrador do distrito de Homoíne? Ponderada em 1 valor. Um advogado eleito deputado da Assembleia da República pode continuar a exercer advocacia, pois está numa situação de excepção ao regime geral das incompatibilidades; em concreto trata-se de uma incompatibilidade relativa que obsta a que o advogado possa patrocinar causas contra o Estado, autarquias locais e todas as instituições públicas. (al. a) n.º 2 e al. a) n.º 3 art. 69 EOAM) Um advogado que se torne funcionário do Estado deve suspender a sua inscrição, pois encontra-se numa situação de incompatibilidade absoluta. (al. f) n.º 2 do art. 69 EOAM) 5. As Magistraturas Judiciais, do Ministério Público e os Advogados são comummente
designados como os pilares da Administração da Justiça em Moçambique. Esta enumeração evidencia a hierarquia e a subordinação entre eles. Sustente esta afirmação. Ponderada em 1,5 valores. A enumeração patente na afirmação não evidencia qualquer hierarquia entre as magistraturas Judiciais, do Ministério Público e os Advogados. Nos termos do artigo 59 do Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique não existe qualquer relação de hierarquia nem de subordinação entre os três. Na sua actuação todos devem ser tratados com consideração e respeito. 6. Imagine que ao sair de um julgamento, enquanto Advogado num processo, tem a
comunicação social a pedir-lhe declarações. Como deve proceder? Ponderada em 2,5 valores. O advogado não deve pronunciar-se publicamente nem discutir ou contribuir para discussão, em público ou nos meios de comunicação social, sobre questões profissionais pendentes ou a instaurar perante os tribunais ou outros órgãos do Estado, salvo se a Ordem dos Advogados concordar com a necessidade de uma explicação pública, de forma prevenir ou remediar a ofensa à dignidade, direitos e interesses legítimos do cliente ou do próprio advogado e nesse caso nos precisos termos autorizados pelo Conselho Nacional. O pedido de autorização deve ser devidamente justificado e indicar o âmbito possível das questões que o advogado entenda dever pronunciar-se. 7. António (A) celebrou um contrato com Sovaco Lda (S) em 30.03.08, como escriturário.
Em 30.03.09, (A) matriculou-se no curso de Direito, na Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Habitualmente, para chegar a horas à Faculdade, saía do serviço, à semelhança de tantos outros colegas estudantes, às 16 horas, sem oposição dos superiores hierárquicos. Em 30.03.10, (S) publicou um Regulamento Interno de Trabalho (RIT) sobre actividades culturais e formação académica, nos termos do qual todos os trabalhadores deviam sair às 17 horas. No dia 30.06.10, (A) justificou as 7 faltas que (S) lhe aplicou, com o fundamento no art. 103, nº 3, al. g) da Lei do Trabalho. (S) indeferiu a justificação das faltas de (A) com fundamento no RIT, que (A) diz não se lhe aplicar. (a) A saída às 16 horas para (A) e outros estudantes, tinha tutela jurídica? 2
A saída habitual de Adão e de outros estudantes às 16 horas tem sim tutela jurídica no uso laboral do sector de actividade ou empresa, por não ser contrário à lei, nem ao princípio da boa-fé, até ao momento em que foi convencionada a sua inaplicabilidade (art. 13, n.º 2 da LT). (b) O RIT publicado em 2010 aplica-se, ou não, a (A)? O Regulamento Interno de Trabalho (RIT) foi publicado em 30.03.10, numa altura em que A já tinha celebrado o seu contrato de trabalho, pelo que devia pronunciar-se sobre o mesmo, até ao dia 30.04.10. A nada disse, logo, o RIT aplica-se-lhe, como consequência da sua adesão tácita (cfr. art. 37, n.ºs 1 e 3 da LT). (c) (S) indeferiu o pedido de justificação de (A), alegando o RIT. Tem razão? Ponderada em 3 valores. A justificou as suas faltas alegando que estava em actividades de formação. Sucede, porém, que A não obteve, previamente, autorização do empregador para estudar. Logo, não é trabalhador-estudante (art. 29, n.º 1 da LT). Por outro lado, A não afastou a presunção de aplicação do RIT (art. 37, n.º 2 da LT). Por isso, S tem razão. 8. Delta Motores, Lda, uma sociedade detida em 50,5% por Jorge Bastos, de
nacionalidade portuguesa, pretende adquirir um imóvel no Bairro da Manga, outrora pertencente ao Estado e gerido pela APIE, hoje propriedade de Jonas Inyaringue, natural de Machanga. Para o efeito contacta-o como Advogado para o assessorar no processo de compra do referido imóvel. Que conselho daria? Ponderada em 2 valores. Nos termos do Decreto nº 2/91, 16 de Janeiro, no seu artigo 1, que o Estado pode alienar os imóveis integrados no seu parque imobiliário a favor dos respectivos inquilinos, em conformidade com a Lei 5/91. Mas o Dec. 2/91 impõe uma limitação à alienação dos imóveis, impedindo os nacionais adquirentes de futuramente os alienarem a estrangeiros, nos termos do artigo 16. O Dec. 2/91, para efeitos de alienação de imóveis, considera também como estrangeiras aquelas pessoas colectivas ou sociedades onde a maioria do capital ou dos sócios são estrangeiros. Assim, a lei impõe a proibição da venda de imóveis a estrangeiros. Para enfatizar esta proibição, o Diploma Ministerial nº 152/92 de 30 de Setembro (que regulamenta o sistema de funcionamento do processo de avaliação e alienação de imóveis do Estado aos respectivos inquilinos, nos termos do Dec. 2/91 e da Lei 5/91), exige para o processo de requisição da alienação um documento comprovativo da cidadania nacional do inquilino. Ainda no mesmo Diploma, é também definido que só os inquilinos nacionais beneficiam do processo de alienação de imóveis propriedade do Estado. O Diploma Ministerial nº 97/92 de 8 de Julho (o "DM 97/92") regulamenta a alienação de imóveis em ruínas ou inacabados que sempre foram propriedade do Estado ou por este nacionalizados. Tanto a alienação como as futuras transmissões só se podem efectuar a favor de cidadãos e empresas nacionais. Para este efeito, são definidas como empresas nacionais aquelas constituídas e com sede no país. Até porque nos termos do Lei 5/76, artigo 4, parágrafo 2; e Dec. 2/91, artigo 1, parágrafo 2, as empresas constituídas sob a jurisdição moçambicana e com sede no país não poderam adquirir imóveis pertencentes ao Estado se a maioria do seu capital ou dos sócios for estrangeiro. E no caso em apreço, porque a Delta Motores é pessoa jurídica estrangeira, não pode adquirir o imóvel em causa.
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9. Kalimu (K), proprietário de um estabelecimento comercial, encontrando-se no seu
local de trabalho e na companhia dos seus sete colaboradores foi surpreendido por um grupo constituído por três elementos, que, após ter irrompido de forma abrupta nas instalações daquele estabelecimento, munidos cada um dos três de armas de fogo, levou consigo (K). Os trabalhadores do estabelecimento, em virtude de terem sido apontados com as armas de fogo que o grupo invasor trazia, não ofereceram resistência. Na altura em que o grupo se retirava do estabelecimento, retirou de forma violenta um automobilista do seu carro, que entretanto encontrava-se ali estacionado. Acto contínuo, o grupo, levando consigo (K), colocou-se dentro da viatura e um dos integrantes do grupo alvejou o proprietário da viatura na testa, tendo este perdido a vida imediatamente. A razão do disparo deveu-se ao facto de o proprietário da viatura ter oferecido acérrima resistência, pelo que os integrantes do grupo invasor tiveram de agir em legítima defesa, pois chegaram a temer pelas suas vidas. O grupo, dias depois, efectuou uma chamada telefónica dirigida à família de (K) exigindo USD 200.000 pelo seu resgate. a) Em face da hipótese colocada, pronuncie-se sobre o enquadramento jurídicocriminal da conduta do grupo, dizendo que tipo legal de crime cometeram e qual deve ser a moldura penal aplicável, justificando, devendo ainda pronunciar-se sobre as circunstâncias atenuantes que poderão, eventualmente, caber ao membro que efectuou o disparo ao motorista. b) Supondo que em sede de julgamento, se veio a saber que Didi (D), um dos colaboradores de (K), foi quem forneceu ao grupo de sequestradores os dados da conta bancária de (K) e ainda os informou que no dia e hora do sequestro, ele se encontrava no estabelecimento, tudo isso para que o grupo pudesse lograr os seus intentos criminosos; o juiz constituiu (D) arguido nos termos do processo subjudice, e ainda lhe atribuiu a qualidade de co-autor moral do crime a que vinham acusados os integrantes do grupo, pronuncie-se sobre o que lhe suscitar acerca da actuação do juiz, justificando. Ponderada em 4 valores Relativamente a presente questão exigia-se que o advogado estagiário se pronunciasse sobre as seguintes elementos: Enquadrar a conduta perpetrada pelo grupo invasor na tipologia do crime de rapto, previsto e punido nos termos do n.º 1 do artigo 329-A, aditado ao Código Penal, através da Lei n.º 6/2014, de 5 de Fevereiro. Efectuar o enquadramento jurídico do tipo legal de crime de «homicídio qualificado» previsto e punido nos termos do artigo 351 do CP, na redacção que lhe é introduzida pela Lei n.º 8/2002. Enquadramento e conceptualização das condutas antijurídicas acima salientadas na figura da acumulação de infracções (ou concurso de crimes) estabelecida no corpo do artigo 38 do CP. Impõe-se a indicação da pena aplicável e respectiva dosimetria (primeira parte do artigo 102 CP), e a realização do cúmulo jurídico entre os dois TLC, com indicação fundamentada dos juízos subjacentes na fixação das penas parcelares (parágrafo 2.º do artigo 102 CP). Associação do comportamento criminoso com a circunstância agravante dos crimes hediondos prevista no artigo 156-A aditado ao CP, através da Lei n.º 6/2014, fazendo-se imperiosa menção à possibilidade de aumento de dois terços da sua duração. São tidos em conta, em função de uma perfeita qualificação dos crimes antecedentes, a menção de crimes “acessórios” tais como: 4
Associação para delinquir (p. e p. pelo art. 263 CP, tendo em atenção as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 10/87) Porte e uso ilegal de arma de fogo (p. e p. pelo artigo 253°, § 1°) É valorada a qualificação do crime de roubo concorrendo com homicídio previsto e punido nos termos do artigo 433 CP em substituição do crime que se afigura mais apropriado em face dos factos previsto e punido nos termos do artigo 351 do CP, na redacção que lhe é introduzida pela Lei n.º 8/2002. Não são objecto de valoração a menção de crimes que ficam prejudicados pela aplicação das regras de consumpção. Legítima defesa – ausência dos requisitos cumulativos da justificação do facto – art. 46 CP. Quanto ao Didi – exigia-se o enquadramento da sua conduta na figura de cúmplice (n.º 2, do artigo 22 CP), devendo-se, ainda, fazer imperiosa referência crítica à actuação do juiz em virtude de, ao ter constituído Didi como arguido na fase do julgamento, violou regras do princípio da vinculação temática fixados na acusação e no despacho de pronúncia (n.º 3, do art. 359 CPP, n.º 2, do art. 366 CPP), pelo que, no caso em apreço, o Didi só poderia ser julgado num processo-autónomo a ser instaurado pelo Ministério Público (visto tratar-se de um crime público). PS: é imperioso, para efeitos de valoração, que as respostas sejam acompanhadas dos respectivos dispositivos legais.
10. Aurora (A) deve a Felismina (F) MZM 400.000 em resultado de vários fornecimentos de
frango nacional “Huku” que (F) é distribuidora. (F) contactou-o como Advogado e, no decurso da acção judicial que intentou visando a cobrança do montante em dívida, (A) acorda com (F) no pagamento integral da dívida em 4 prestações trimestrais, com início no próximo dia 1 de Junho. Na qualidade de Advogado de (F) elabore a minuta de transacção a submeter ao tribunal onde corre termos a acção de cobrança de dívida. Ponderada em 3 valores. Exmo. Senhor Juiz de Direito Felismina Qualquer Coisa e Aurora Qualquer Coisa, respectivamente Autora e Ré nos autos acima indicados, vêm expor e requerer a V. Exa. nos termos e ao abrigo do disposto no número [….] do artigo [….] e no número […] do artigo […], ambos do Código de Processo Civil, o seguinte: 1. Autora e Ré chegaram a acordo quanto ao destino da presente demanda, nos termos seguintes: a) A Ré confessa integralmente todos os factos alegados ela Autora; b) As partes fixam o pedido em MZM 400.000 (quatrocentos mil meticais); c) O montante referido na cláusula anterior será pago em: (i) 4 (quatro) prestações trimestrais, iguais e sucessivas no valor de MZM 100.000 (cem mil meticais), com vencimento no dia 1 dos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2014; 2. Os montantes acima referidos serão enviados mensalmente, por cheque à ordem da Autora, para o escritório do mandatário desta, sito na Av. Morada Completa, numero xpto. 3. A falta de pagamento de qualquer das prestações, nos termos acordados, importa o vencimento imediato das seguintes e a Autora poderá exigir da Ré o pagamento dos 5
montantes em dívida acrescidos de juros moratórios à taxa legal que se vencerem sobre o capital ainda em dívida, contados desde a presente data até integral pagamento. 4. As custas devidas pela presente acção ficam a cargo da Ré. Assim, Autora e Ré requerem a V. Exa. que, nos termos do artigo […] do Código de Processo Civil, se digne declarar válido e homologar o presente acordo, nos termos do artigo […] do Código de Processo Civil, e condenar as partes a cumpri-lo nos seus precisos termos. ___________________________ A Ré
________________________________ O Mandatário da Autora
BOA SORTE!
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