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João Lopes
Empreendedorismo
JOÃO LOPES Ostras e um copo de vinho: uma ideia com rodas para andar
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João Lopes tem 26 anos e é um fazedor, tendo criado o bem-sucedido negócio Ostras sobre Rodas, apesar de não ter experiência na área da restauração. O projecto, que começou como uma experiência, dá hoje trabalho a mais 12 pessoas e é uma montra de dois dos melhores produtos da região: as ostras do estuário do Sado e os vinhos
André Rosa
De pé atrás do balcão da rulote, João Lopes mostra que já domina a técnica de abrir ostras. Com um abridor de ostras numa mão e a outra mão a pressionar a casca, descola a parte superior da ostra numa das pontas e, com um gesto seco e fi rme, corta o músculo adutor do molusco. Depois, escorre cuidadosamente a ostra, limpando-a, e coloca-a numa cama de sal, num prato, com um gomo de lima. A especialidade do rio Sado está pronta a comer. É assim desde o Verão de 2018, quando inaugurou o Ostras sobre Rodas, em Setúbal.
Daí para cá, o jovem setubalense de 26 anos já perdeu a conta ao número de ostras que abriu e serviu aos clientes da rulote, um negócio que começou por ser “uma experiência” entre o segundo e o terceiro ano do curso da faculdade, e hoje é a sua profi ssão a tempo inteiro e da qual subsiste. Em conversa com o jornal O SETUBALENSE num fi nal de tarde quente na Praia da Saúde, João Lopes conta como foi chegar até aqui. “Sempre vivi em Setúbal. Só me ausentei no meu oitavo ano, quando fui para Loulé com a minha mãe”.
A mãe aceitara, na altura, um trabalho como arquitecta e levou-o para o Algarve. “Esse foi o ano que me fez abrir mais os horizontes. Sempre fui muito envergonhado, e lá conheci uma cultura diferente e fi z amigos novos. Por outro lado, sendo apaixonado por desporto, inscrevi-me num clube de BTT e descobri a paixão pela equitação, onde fi z competição, porque a câmara municipal de Loulé apoiava muito essas actividades. Sinto que evolui bastante pessoalmente, na altura”, lembra o setubalense, que ainda hoje gosta de desporto.
João recorda-se perfeitamente do que respondia quando lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande: “veterinário”. “Sempre gostei muito de animais, apesar de não ter tido nenhum cão ou gato. Tive porquinhos-da-Índia, peixes e periquitos, e o meu pai e avós é que tinham cães. Mas sempre quis ser veterinário, talvez por o meu bisavô, com quem tive a sorte de conviver, ser veterinário”, diz. Confessando-se um aluno “reguila e brincalhão”, João admite que se aplicou mais a sério na escola no fi nal do secundário.
Com as línguas e humanidades postas de lado – “nunca foram a minha praia”, comenta –, João Lopes optara por cursar Ciências e Tecnologias, e na hora de escolher o curso superior desviou-se do que seria expectável, porque ser veterinário “implicava decorar muita coisa e não tinha à-vontade para lidar com sangue e tripas”. Engenharia pareceu-lhe uma opção adequada, com preferência para a gestão industrial. Acabou por entrar no curso de Engenharia de Materiais na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, na Caparica, em Almada.
A ideia de vir a ter um negócio próprio acompanhava-o desde criança. Afi nal de contas, sempre trabalhara no Verão para ajudar a família, assumindo uma postura muito activa no sentido de “fazer algo de bom e diferente”. Até que entre o segundo e o terceiro ano da licenciatura decidiu arriscar num negócio próprio, descartando desde logo a ideia de ser um restaurante, apostando em algo menos arriscado e que implicasse menor investimento. Veio-lhe à mente a ideia de uma rulote, primeiro de bebidas, e fi nalmente, de ostras.
“Houve um Verão em que fui ajudar um tio meu, que produz ostras no estuário do Sado. Até então eu nunca
MÁRIO ROMÃO
Além de Setúbal, João Lopes já tem uma rulote também em Lisboa, na zona do Padrão dos Descobrimentos
tinha tido contacto com ostras, mas não liguei muito”. Qual epifania, “a ideia surgiu de repente”, conta. “E se eu fi zer uma rulote de ostras?”, narra, como se revivesse o momento, durante a conversa. A princípio, a família e os amigos mostraram-se cépticos em relação ao sucesso da ideia, mas logo João mostrou a tudo e a todos que as Ostras sobre Rodas eram um projecto com rodas para andar – tal como o tempo comprovou.
Com pouco capital próprio para investir, o jovem empreendedor não hesitou em vender uma “motinha de 125cc que tinha comprado com vários dinheiros dados pelo Natal”, no sentido de poder comprar uma rulote na plataforma OLX. “A bancada de madeira fui eu que a fi z, com uma rebarbadora, numa garagem, com a ajuda de alguns amigos. Foi tudo um pouco artesanal, com os recursos que tinha à mão. O primeiro frigorífi co que usei só levava cinco quilos de ostras. Era tudo contado ao milímetro”, conta João Lopes.
Com a rulote branca e preta do Ostras sobre Rodas estacionada na Praia da Saúde, com a Serra da Arrábida nas costas e a Península de Tróia destacada na outra margem, o jovem foi somando clientes e ostras dia após dia, muito graças ao passa-palavra dos amigos e da família. No primeiro ano trabalhou um mês e meio, e no seguinte já conseguiu dar trabalho a mais pessoas e juntar dinheiro. Aí percebeu que a “empresa funcionava”. No fi nal de 2019 fez um plano para expandir para uma segunda rulote, e no início de 2020 estalou a pandemia.
“A pandemia foi terrível, mas fe-
João Lopes à queima-roupa
Idade: 26 anos Naturalidade: Setúbal Residência: Setúbal Área: Restauração
“O que me diferencia não é a ideia, é a dedicação e a vontade de fazer bem, sem nunca desistir”
lizmente recomecei bem e 2020 correu lindamente em Setúbal e comecei com a rulote em Lisboa, ao lado do Padrão dos Descobrimentos, no fi nal de Agosto”, diz. Hoje em dia, João mantém ambas a funcionar diariamente, dando trabalho a 12 pessoas, e tem uma terceira rulote para fazer eventos (festas de aniversário e eventos de empresas, por exemplo). O take-away de ostras abertas é outro dos serviços, especialmente procurado por quem tem embarcações de lazer em Setúbal.
“O que me diferencia não é a ideia, é a dedicação e a vontade de fazer as coisas bem, sem nunca desistir”, partilha João em jeito de conselho para quem esteja a pensar em criar o seu próprio negócio. No fundo, o sucesso do Ostras sobre Rodas assenta numa premissa muito simples, além do saber-fazer: democratizar o acesso às ostras, tirando-as do ambiente dos restaurantes gourmet e pondo-as ao lado dos bons vinhos, queijos e pão da região, a preços acessíveis. Quando o calor sobe e o sol desce, a dupla sabe ainda melhor.