Com licença para a Congada! Esta exposição não pretende dar conta de uma tradição de mais de 400 anos, mas sim homenagear uma parte da cultura dos paranaenses que em muitos momentos foi negada por se desconsiderar a presença dos negros na construção do estado. Diante disso, trazer à tona aspectos dessa contribuição é necessário e urgente para que não se perpetue a falsa ideia de um Paraná construído apenas em bases europeias, mas a partir de toda a multiplicidade de povos que para cá vieram e que aqui estão. A Congada é uma celebração em homenagem a santos católicos que nasce da hibridização das culturas africana e europeia, sendo realizada desde os tempos da escravidão. Apesar de registros darem conta de sua presença nas regiões norte, centro e sul do país,
pouco dela ainda sobrevive. No Paraná, as festas eram realizadas na região de Tunas, em Curitiba, Paranaguá, Castro e na Lapa, único município que ainda mantém essa tradição. Herança do universo simbólico das sociedades africanas e parte da cultura brasileira, sua perpetuação está ligada à tradição oral, às histórias individuais e coletivas das pessoas que a fizeram e das que ainda a mantém viva. Na tarefa de apresentar este universo tão múltiplo, contamos com várias parcerias1, afinal, celebrar é algo que não se faz sozinho. Assim, pedimos licença para contar as histórias que deram origem a esta festa.
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Agradecemos ao Museu Paranaense, ao Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná, ao Centro de Estudos Bandeirantes e, principalmente ao Grupo de Congada Ferreira, Lapa. - PR
Encenação do Auto da Congada. Fotografia: Vladmir Kozák, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB)
Elemento central para entender o início desta celebração é o personagem Chico–Rei. Existem muitas versões desta história, mas uma delas conta que ainda no Congo, Galanga, que mais tarde se tornaria Chico-Rei no Brasil, era realmente um rei. Capturado, foi vendido com sua família como escravo e ainda no navio negreiro perdeu sua esposa, a Rainha Djalô, e sua filha, Itulo, que foram jogadas ao mar. Quando chegou ao Brasil, Galanga foi comprado juntamente com seu filho, indo trabalhar na mina da Encardideira, em Vila Rica - MG, atual cidade de Ouro Preto, onde foi rebatizado com o nome de Francisco. Os outros escravos logo ficaram sabendo sobre a realeza de Francisco e começaram a chamá-lo de Chico-Rei. Após anos como escravo, Chico-Rei conseguiu comprar, com o ouro que escondia em seus cabelos, a sua liberdade e a de seu filho e, ao longo do tempo, a de mais vários outros escravos, tendo sua realeza realmente reconhecida pelos seus. Livre, criou uma irmandade em devoção à Santa Efigênia, filha do rei etíope Égipo. Logo, a celebração em honra à santa foi instaurada para festejar a alforria do grupo, um início do que viria a se tornar a Congada2.
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SANTOS, Ale. Pacote de Poesia, Sesc Paço da Liberdade, 2019.
Rainha Nzinga Mbande (Ana de Sousa). Achille Jacques-Jean-Marie Devéria, litografia 1830
A Rainha do Congo, Etelvina Gelber. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
O Rei do Congo, Celeste Ferreira. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Jordão Rocha foi rei da Congada da Lapa de 1913 a 1947 e faleceu em 23 de janeiro de 1947. Esta cópia de uma fotografia antiga foi utilizada no filme Congadas da Lapa de 1951, de Vladimir Kozák.
Referência: Pergamum Secretaria de Estado da Cultura - Museu Paranaense Acervo Museu de Arqueologia e Etnologia UFPR.
Congadas da Lapa - Lapa / PR. S/d - Acervo Museu Paranaense
No Paraná, o auto dessa celebração conta a história de um mal entendido entre um rei e uma rainha que acaba em festa. Lá, as personagens são o Rei do Congo e a Rainha Ginga, da Angola. Ao realizar uma solenidade em homenagem a São Benedito, o Rei do Congo se esquece de convidar a Rainha Ginga que envia seu embaixador para a comemoração mesmo sem convite. Ao chegar à festa com soldados armados, o porta-voz do Rei entende isso como um anúncio de guerra, iniciando uma batalha e prendendo o embaixador. Preso, o embaixador consegue explicar o mal-entendido e a paz entre os reinos é selada com uma festa.
Acervo Museu Paranaense
Congadas da Lapa. Fotografia: Vladmir Kozák - s/d. Acervo Museu de Arqueologia e Etnologia UFPR
Realizada anualmente em várias regiões do Brasil, não há um dia certo para a Congada acontecer, isso vai depender do santo que está sendo homenageado – São Benedito, Santa Efigênia ou Nossa Senhora do Rosário –, além dos costumes da cidade e do calendário da igreja. Independente da data, essa manifestação cultural afro-brasileira, que é, ao mesmo tempo, profana, cívica e religiosa, sempre acontece impregnada de simbolismos e fé, sendo representante da mais pura expressão de brasilidade de nosso povo. Por isso, abram passagem que a Congada vai passar!
Congadas da Lapa. Fotografia: Vladmir Kozรกk - s/d. Acervo Museu de Arqueologia e Etnologia UFPR
Integrantes da Congada Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Simbologias e fé na Congada A construção da Congada faz parte da história da colonização portuguesa na África, particularmente do domínio e cristianização dos reinos do Congo e da Angola e do período de escravidão no Brasil. Aqui, a mistura de dança, interpretação e cantoria para enaltecer os santos, foi incentivada pelos jesuítas no período colonial, como uma forma de conversão dos negros ao cristianismo. A celebração também era usada para aliviar as tensões entre senhores e escravos, além de servir para ostentação de poder dos senhores, que financiavam a festa com a justificativa de serem paga de promessas ou agradecimento de graças aos santos. Apesar da participação desses grupos, os negros eram os protagonistas. Eram eles que construíam toda a encenação e era para seus santos aquela homenagem. Nesse raro momento de “trégua” proporcionado pelo espírito de festa e religiosidade, a Congada era a possibilidade da manutenção de suas identidades, culturas e fé.
Auto da Congada Fotografia: Vladmir Kozák, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB)
Apesar da intenção catequizadora da igreja com a Congada, não era permitido aos escravos que frequentassem a missa ou outras reuniões, motivo pelo qual a festa é considerada profana, pois acontecia somente do lado de fora da igreja. Como solução para poderem homenagear seus santos, os negros fundaram irmandades religiosas, as quais tiveram papel fundamental na manutenção das tradições e lhes garantiram certa autonomia de crença. Esses espaços também se tornaram lugares de solidariedade e sociabilidade, onde podiam viver sua cultura, já transformada da aproximação das tradições africanas e portuguesas.
Auto da Congada Fotografia: Vladmir Kozák, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB)
Ensaio para o Auto da Congada Fotografia: Vladmir KozĂĄk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo CĂrculo de Estudos Bandeirantes (CEB)
O Cacique e o Embaixador, Olívio V. da Silva e João Tomé da Silva. Fotografia: Vladmir Kozák, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Reconhecida como patrimônio imaterial, a Congada assume diferentes feições e significados em cada um dos lugares onde é celebrada. Mudam os reis a serem coroados, os santos, as irmandades, a presença da Rainha; surgem personagens distintos, como o Cacique, na Lapa (PR) ou o Bordão, em Serra do Salitre (MG), mas se mantém um núcleo comum, com a corte e a família real, os conguinhos (crianças) e os instrumentos tocados pelos ternos ou soldados no acompanhamento do cortejo. O auto é encenado com versos em língua nativa e música com forte influência africana. Na Lapa, é composto por 12 cenas: desfile inicial; fila do trono; dança dos fidalgos; a chegada da embaixada da rainha da Angola; entrada do embaixador; declaração de guerra; segunda guerra – luta entre fidalgos do congo e gente da Angola – prisão do embaixador; chegada dos prisioneiros à corte do congo; perdão real; entrega da embaixada; despedida do embaixador da Angola e desfile final de confraternização3. 3
FERNANDES, José Loureiro. Congadas Paranaenses. Editora UFPR, 2002.
Dentre os muitos personagens, o rei é o que possui maior prestígio, tanto na encenação quanto fora dela. Cabe a ele manter a tradição e organizar os festejos. “Há uma tradição de reis. Fala-se com admiração desses homens negros que desempenharam o papel de Rei Congo. As afirmativas são unânimes a respeito da dignidade com que se comportavam tais chefes, compenetrados da sua autoridade no desenrolar dos autos populares, e procuravam estendê-la aos atos de sua vida particular”4 . Apesar de um formalismo conservador instaurado com o passar dos anos e que fez com que a celebração perdesse força, a manutenção da Congada até os dias de hoje se deve muito à influência do rei. Essa resistência evidencia a força dessas pessoas que lutam por suas identidades e a importância dessa cultura que não pode ser simplificada como homogênea ou representativa de um grupo isolado, mas que deve ser tomada e celebrada em todo seu valor cultural e histórico.
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FERNANDES, José Loureiro. Congadas Paranaenses. Editora UFPR, 2002.
Vladmir Kozák - O Rei do Congo (Celeste Ferreira) s/d. Pastel seco colorido. s/d. Coleção Vladimir Kozák. Acervo Museu de Arqueologia e Etnologia UFPR. Reprodução fotográfica Douglas Fróis.
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Vladmir Kozák - a) O Cacique (Olívio V. da Silva) b) O Secretário (Antonio Vieira da Silva) c) O Secretário (Antonio Vieira da Silva) d) O Principe (João Ferreira) /d. Pastel seco colorido. s/d. Coleção Vladimir Kozák. Acervo Museu de Arqueologia Etnologia UFPR. Reprodução fotográfica Douglas Fróis.
O Secretรกrio, Antonio Vieira da Silva. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Personagens da Congada: Joรฃo Maria Classe. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Personagens da Congada. Fotografia: Vladmir Kozák, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
O Porta Bandeira, Alirío Barbosa. Bandeira com a efíge de São Benedito. Fotografia: Vladmir Kozák, 1951 . Congadas da Lapa Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Personagens da Congada. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Principezinho Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951. Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
O Marquês Antonio Silva. Fotografia: Vladmir Kozák, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
A Rainha do Congo, Etelvina Gelber. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
O Rei do Congo, Celeste Ferreira. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
O Secretรกrio, Antonio Vieira da Silva. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Integrante da Congada. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
O Marquês Antonio Silva. Fotografia: Vladmir Kozák, 1951. Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
O Fidalgo, Norberto V. da Silva. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
MĂşsicos da Congada, instrumentos: tambor, sanfona, rabeca. Fotografia: Vladmir KozĂĄk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Auto da Congada. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Integrantes da Congada. Fotografia: Vladmir Kozรกk, 1951 . Congadas da Lapa - Lapa / PR. Acervo Museu Paranaense
Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná Presidente - Darci Piana /// Diretor Regional do Sesc Paraná - Emerson Sextos /// Diretora da Divisão de Educação e Cultura Maristela - Massaro Carrara Bruneri ///Coordenador Geral do Núcleo de Comunicação - Cesar Luiz Gonçalves Sesc Paço da Liberdade Gerente Executiva - Celise Helena Niero /// Assistente de Gerente - Aglair da Cruz /// Técnicos de Atividades - Angela Silva Xavier, Georgeana Barbosa de França, Luana Oliveira, Marcelo Cruz, Marisa Muniz, Thiago Estevão Calixto de Castro /// Orientadores de Atividades - Lucas Françolin da Paixão, Julianna Largura, Maria Luiza J. Gomes, Melissa Maciel, Raimundo Luiz dos Santos, William Machado /// Operador de Luz e Som - Jerison Soares /// Livraria - Juliana Rita Baum /// Assistentes Técnicos Administrativos - Edilaine Rech, Marjorie Andrade, Silvia Regina da Silva /// Assistentes Administrativos - Liliane do Rocio Barbosa, Marcelo Alves, Teresinha de Jesus Ribeiro Derenievicki, Tiago Brandão da Silva /// Estagiária DN - Valentina Françoia /// Estagiária DR - Camilla Vieira de Aquino de Mio. Museu Paranaense Direção - Gabriela Bettega /// Setor de antropologia - Josieli Spenassatto /// Estagiária de antropologia - Emily Liebel /// Laboratório de conservação e restauro - Deise Morais, Esmerina Costa, Janete Gomes /// Estagiário do laboratório de conservação e restauro - Gabriel dos Santos Lima. Círculo de Estudos Bandeirantes Presidente - Waldemiro Gremski /// Vice-Presidente Vidal - Martins /// Primeira Secretária e Coordenadora - Katia Maria Biesek /// Segundo Secretário - Humberto Maciel França Madeira /// Primeiro Tesoureiro - José Luiz Casela /// Segundo Tesoureiro - Rogério Renato Mateucci /// Diretora Sociocultural - Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla /// Diretor de Cultura e Esporte – PUCPR - André Luiz Braga Turbay /// Equipe Técnica do CEB /// Analista - Janaik Helcias Firmino Baum /// Assistentes Técnicas Administrativo - Lucia Adélia Fernandes, Lucimara Mickosz /// Auxiliar de Serviços Gerais - Elzeli Vasconcelos de Almeida /// Estagiário de História - Felipe Fonseca de Carvalho. Museu de Arqueologia e Etnologia UFPR Direção - Laura Pérez Gil /// Historiadora responsável pela Cultura Popular - Bruna Marina Portela /// Museóloga - Ana Luisa de Mello Nascimento /// Fotografia - Douglas Fróis.
Sesc Paço da Liberdade / Espaço das Artes /// novembro de 2019 >>> janeiro de 2020 Horários >>> terça a sexta 9h30 às 20h45 /// sábado 9h30 às 17h30 /// domingo e feriados 9h30 às 17h Praça Generoso Marques, 189 - Centro. Curitiba | Paraná sac.pacodaliberdade@sescpr.com.br (41) 3234.4200