Sesc Paรงo da Liberdade
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No início da resenha “O retorno do flâneur”, sobre o livro Spazieren in Berlin [Caminhar em Berlim], de Franz Hessel, o filósofo alemão Walter Benjamin faz uma distinção fundamental entre as descrições de cidades produzidas por seus próprios habitantes e aquelas produzidas por forasteiros, para os quais pretextos superficiais, como o exótico e o pitoresco, teriam apelo irremediável. Representar a cidade como um nativo, afirma Benjamin, requereria motivações mais profundas: as motivações da pessoa que empreende uma jornada ao passado, ao invés de a lugares estranhos. O relato de uma cidade feito por aquele que a habita teria sempre, para Benjamin, algo em comum com as próprias memórias: o fato de conhecê-la, de lá ter passado sua vida, faz com que, ao andar pela cidade, ele nada tenha da excitação impressionada com a qual o escritor viajante se aproxima de seu assunto, de modo que se possa dizer que ele não descreve; ele narra a cidade ¹. […] ele repete o que ouviu. Spazieren in Berlin é um eco das histórias que a cidade lhe contou desde que era uma criança – um livro épico do início ao fim, um processo de memorização enquanto passeia, um livro para o qual a memória atuou não como uma fonte, mas como a Musa. Ela caminha pelas ruas na frente dele e cada rua é uma experiência vertiginosa. Cada uma leva para baixo, [...] a um passado que é ainda mais fascinante, pois não é apenas o próprio passado privado do autor. Enquanto caminha, seus passos criam uma ressonância surpreendente no asfalto. O lampião brilhando na calçada lança uma luz ambígua sobre este piso duplo. A cidade como uma mnemônica para o caminhante solitário: ele evoca mais do que 2
sua infância e juventude, mais do que a sua própria história ².
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BENJAMIN, Walter. Selected Writings II (1927-1934). Cambridge, MA: Harvard, 1999. 2
Id., ibid.
A experiência tipicamente parisiense da flânerie, anteriormente sentenciada à morte pelo próprio Benjamin, teria ressurgido, portanto, em 1929, no livro de Hessel, o autor que aconselhava aos berlinenses que oferecessem à cidade um pouco do amor que cultivavam pela paisagem para que assim pudessem ver o céu estendido acima dos arcos da ferrovia elevada, tão azul quanto sobre cadeias de montanhas; para que vissem como o silêncio surge tanto do alarido como da espuma do mar; como as pequenas ruas no centro da cidade refletem os momentos do dia como uma abertura da montanha . O preço de tal conhecimento seria a tomada da cidade: habitar, de fato, as suas ruas, a verdadeira morada desse ser eternamente inquieto, sempre em movimento, o ser que experimenta, aprende, sabe e imagina entre as casas, no pulso da cidade, o flâneur. [...] não apenas pessoas e animais, mas até espíritos e, acima de tudo, imagens podem habitar um lugar, então podemos ter uma idéia concreta do que concerne ao flâneur e do que ele procura. Nomeadamente, imagens, onde quer que se apresentem. O flâneur é o sacerdote do genius loci [espírito do lugar]. Este transeunte despretensioso, com sua dignidade clerical, sua 4
intuição de detetive, e sua onisciência [...] .
“Nós vemos apenas aquilo que olha para nós. Nós apenas podemos fazer... aquilo que não podemos evitar” é a afirmação de Hessel, a que Benjamin saúda como a mais profunda apreensão do que seja a filosofia do flâneur. É também aqui, na possibilidade de ressurgimento dessa figura fora da cidade de Paris que Benjamin aponta seus deslocamentos de sentido: é em Berlim, não em Paris, que o flâneur se afasta do ideal do filósofo em caminhada, para assumir as feições de um “lobisomen na selva social” – a criatura para a qual o escritor estadunidense 5 Edgar Allan Poe deu a descrição definitiva em seu conto “O homem da multidão” . É com este espírito que apresentamos esse conjunto de registros produzidos por três verdadeiros cronistas da vida na cidade de Curitiba, eles próprios, admiráveis personagens desse enredo: os fotógrafos Lina Faria e Maringas Maciel e o poeta Thadeu Wojciechowski. Em suas narrativas – construídas pela observação minuciosa da cidade e de suas manifestações – vislumbramos uma e umas Curitibas e seus ilustres homens e mulheres da multidão. Cristiane Silveira Novembro 2015 3 4 5
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Id., ibid. Id., ibid. Id., ibid.
Thadeu Wojciechowski
Antonio Thadeu Wojciechowski TUDO AGORA JÁ NESTE MOMENTO INCLUSIVE ANTES E DEPOIS 4
TUDO AGORA JÁ NESTE MOMENTO INCLUSIVE ANTES E DEPOIS 5
Lina Faria
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David Hockney passou por aqui Rua Riachuelo. Curitiba, 2013 7
As cores da SĂŁo Francisco , 2007 8
A cada esquina, o canto de Melina Casa Romรกrio Martins, 2014 9
Quando o devir assombra Rua Presidente Faria, 2015 10
Rua São Francisco, 2015 11
As cores da Rua São Francisco Rua São Francisco. Curitiba, 2014 12
O Pรกtio de Selma Praรงa Generoso Marques. Curitiba, 2015 13
1, 2, 3... Av. Cândido de Abreu, 2008 14
No tubo, o tempo Ê um petit-pavè Curitiba, 2014 15
Dodeskaden, o Caminho da Vida Travessa Nestor de Castro, 2015 16
Baixo retrato Social - SanduĂche de Gente Centro de Curitiba, 2005 17
Antonio Thadeu Wojciechowski Realidade 18
a contradição: tinha tudo pra ser sim mas não foi não 19
Maringas Maciel
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Sorriso e Sorridente / Outubro - 2010 21
Freiras na feira Outubro - 2010 22
O SENHOR MIRE E VEJE Setembro - 2014 23
Selma Janeiro - 2013 24
Denise Roman Abril - 2015 25
Companheiros Fevereiro - 2015 26
Deus lhe pague Junho - 2015 27
Sem tĂtulo Janeiro - 2013 28
Em viajem Junho - 2013 29
Pausa para o cigarro Setembro - 2010 30
Capรฃo Raso Marรงo - 2013 31
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24 de novembro de 2015 a 31 de janeiro de 2016
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