Iniciação à Paleografia Workshop
pág.03
II Encontro de Coros
São Tomás de Aquino pág.08
Saber de
Festa Litúrgica
São Tomás de Aquino pág.09
Aquino II
Academia São Tomás de Aquino . Seminário Episcopal de Angra . Diocese de Angra EdIÇãO: JUNHO de 2020 . Presidente: Dinis Toledo . Design gráfico: João Sousa
Dinis Toledo Presidente da Academia São Tomás de Aquino
U
m ano volvido sobre a última publicação deste “Saber de Aquino II”. Algumas coisas mudaram no seio da Academia de São Tomás de Aquino: uma nova direção, novos elementos e novos desafios. Esta nova direção pretende continuar o trabalho que foi desenvolvido pelas anteriores direções, de modo que a Academia continue um instrumento de cultura e de diálogo com o Mundo, no Seminário Episcopal de Angra. Assim sendo, organizámos uma segunda edição do encontro de coros, que este ano passou-se a designar “Encontro de Coros São Tomás de Aquino”, e que teve lugar nos dias 10 a 12 de janeiro, na Matriz de Santa Cruz, Praia da Vitória. Este encontro foi orientado pelo compositor João Andrade Nunes e contou com a participação de cerca de quatro dezenas de pessoas, vindas de diversos grupos da ilha. Ainda em janeiro, organizámos o tríduo e a festa em honra de São Tomás. O tríduo foi pregado pelo Padre Jaime Silveira, Padre Cipriano Pacheco e Cónego Manuel Carlos Alves. A festa foi presidida pelo Padre Tiago Tedéu. Já em fevereiro, nos dias 14 e 15, levámos a cabo uma formação de introdução à Paleografia, ministrada pela Dra. Margarida Lopes. Nas páginas finais desta edição, poderão ver fotografias destas diversas iniciativas.
Com este número do “Saber de Aquino II” pretendemos dar-nos voz a nós, seminaristas, destaque a textos produzidos por colegas, com o intuito de dar a conhecer o pensamento dos futuros pastores desta igreja diocesana, alguns já na reta final da caminhada do Seminário. Além disso, solicitámos a colaboração de quem conduziu algumas das atividades desenvolvidas pela Academia, como o Padre Tiago Tedéu, que presidiu à festa e à Dra. Margarida Lopes, que nos elucida sobre qual foi o objetivo da formação sobre Paleografia. Também pretendemos dar a conhecer um pouco do trabalho científico que vai ou foi produzido por sacerdotes da nossa diocese. Assim sendo, o Padre Eurico Caetano traz-nos uma pequena resenha da sua tese de mestrado. Esperemos continuar a trazer a cultura ao Seminário e a partilhar com quem não vive na comunidade o modesto contributo que vamos dando para a formação cultural de todos nós, futuros sacerdotes. In Sapientia et Sanctitate, Dinis Toledo
João Sousa
Mário Jorge
#VaiFicarTudoBem
Academia São Tomás de Aquino | Seminário Episcopal de Angra | Rua do Palácio, 33 | 9700 - 143 Angra do Heroísmo academiatomasdeaquino2019@gmail.com | Tel. 295 216 123 | NIB: 0059 0001 21968300041 69
A "Cristificação" da figura veterotestamentária do Pastor no Quarto Evangelho Pe. Eurico Caetano
Ouvidor Eclesiástico da Ilha das Flores
A
figura do Pastor nem sempre foi bem vista entre os judeus. Só no exílio e depois do exílio é que este ‘título’ recebe uma boa conotação1. Jo 10 apresenta-nos uma riqueza enorme com a personagem do pastor, a qual emerge dos livros veterotestamentários. Além dos textos do Antigo Testamento (AT), também os do Novo Testamento (NT) apresentam esta imagem. Isto demonstra que esta imagem do pastor teve muita importância no cristianismo primitivo, o que, segundo Mário de Sousa2, “nos leva a pensar num discurso joânico que apresenta o «pastor» enraizado na tradição, quer dos sinóticos, quer do NT”3. Vendo que é uma imagem transversal a toda a Sagrada Escritura, provamos com clareza a importância da figura do pastor. Este Pastor belo, excelente e perfeito (ό ποιμήν ό καλός) é aquele de que falavam os profetas: o Pastor escatológico, “cheio de amor e de atenções pelo seu rebanho”4. Jesus dá-se por completo a este seu rebanho. Sente-se livre para se sacrificar em seu favor. E vemos isso pelo uso do verbo ‘depor’ (τίθεμαι), que se repete em Jo 10,11.15.17s5. João apresenta Jesus como o Pastor. A sua função é guiar, proteger, alimentar, dar frescura e segurança6. Usa esta imagem para descrever Jesus. Mas vai buscá-la a Ezequiel, levando o leitor a ver Jesus “no papel de Deus como Divino Pastor e no papel de David como humano pastor nomeado para pastorear as ovelhas de Yahweh”7. No AT, esta imagem é aplicada primeiramente “a Deus (Ez 34,11-12)8, mas também a David9, e aos chefes do povo10”. Tomando Ezequiel, no c. 34, vemos esta imagem, que surge num contexto de esperança messiânica; é um dos adjetivos atribuídos àquele que foi escolhido para ser rei do povo de Israel: David. Este rei messiânico (Ez 34,1.23) é enviado por Deus para “tirar as ovelhas da situação em que se encontram (Ez 34,23s; cf. Jr 23,5; 30,9; Mq 5,4; Is 40,11; Sal 17,45). Ezequiel, comparado com outros livros, terá influenciado mais João, oferecendo-nos muitos pontos de contacto11. Desta forma, “se o bom pastor de Ezequiel é o próprio Deus, e se Jesus é o bom pastor, isto quer dizer que as ações de Jesus, como ele lida o rebanho, são as ações do próprio Deus”12. 02 • Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino
Assim, ao falar de pastor, Jesus remete para uma imagem divina e messiânica, bem conhecida dos ouvintes”13. E é este sentido divino que redimensiona toda a esperança messiânica. Olhando ainda para Jo 10, vemos que Jesus estabelece uma contraposição entre a figura do pastor e a figura do salteador e do ladrão. Desta feita, surge na mente dos ouvintes aqueloutra passagem da Escritura que fala dos “maus pastores de Israel”14. Neste contexto, o próprio Deus se anuncia como o Pastor do seu povo. Apesar de encontrarmos os reis e chefes do povo comparados a um pastor, no que toca às suas funções15, “Israel é o rebanho de Deus16 e, por isso, só Deus pode dizer que as ovelhas são «suas», o que é sublinhado de forma enfática no c. 34 de Ez (12x)17. Assim, ao falar do pastor, Jesus remete para uma imagem divina e messiânica, mas que é transformada pelo possessivo «τά ιδία» (v 3c.d), o que ultrapassa o contexto messiânico para se circunscrever ao âmbito divino: só Deus pode dizer que as ovelhas são «próprias», porque só Ele é o verdadeiro Rei de Israel”18. Ao usar o possessivo, “Jesus transforma a imagem messiânica numa imagem divina e faz com que o resto do seu discurso seja enquadrado por esta perspetiva”19. O autor do Quarto Evangelho terá relido Ez 34, e fá-lo com a liberdade que lhe é característica, em função da sua cristologia. João desenvolve, culmina e supera Ez 34: “A autoridade divina com que Jesus reúne, apascenta e guarda o seu rebanho (cf. 10,3-4.9.10.11.14.15b-16) tem a sua origem na do Pai (cf. 10,15a.17-18); em Ez 34,22-25 actua na realidade só Yahweh, e não se comunica ao anunciado pastor davídico (vv. 23-24) uma autoridade divina semelhante”20. Ao passo que, se olharmos para Jo 10,1-18.2629, o primeiro plano é ocupado por Jesus e não pelo Pai. E isto porque o Pai ama o Filho (v.17) e comunica-lhe o poder de dar a vida e voltar a tomá-la (v.18). E fá-lo porque é Filho de Deus. É este poder de dar e tomar de novo a vida que faz de Jesus o verdadeiro pastor messiânico neotestamentário, o verdadeiro bom pastor (vv.11.14), pois ele é Filho de Deus21.
Workshop “Introdução à Paleografia“ Dra. Margarida Lopes
Técnica de Inventário da Diocese de Angra
N
o passado dia 14 de fevereiro, deu-se início, por iniciativa da Academia São Tomás de Aquino do Seminário de Angra, ao workshop de Introdução à Paleografia, que se prolongou até ao dia seguinte. Da atividade resultou uma oportunidade de aproximação aos manuscritos antigos pelos alunos do Seminário e demais interessados dentro da comunidade diocesana. Aos mesmos possibilitou-se o contacto com documentação das mais diversas naturezas, como registos paroquiais, processos inquisitoriais, correspondências e cartas régias, inseridos num espaço temporal entre finais do século XVI a meados do século XIX. A atividade compreendeu a necessidade de ultrapassar-se a estranheza dos primeiros contactos com as tipologias de escrita antiga para uma maior abertura à leitura da documentação antiga, promovendose a envolvência e sensibilidades dos participantes para com o património documental. Mas porquê a necessidade da paleografia? A documentação é prova, nela estão contidas informações essenciais que nos permitem escrever a História, seja de que âmbito for. Como prova, permite-nos confirmar atividades, ações, funções, etc. que ocorreram no contexto do documento. Esta necessidade de recorrer à documentação para validar a História faz com que seja imperativa a aprendizagem da sua leitura, bem como a preservação do património documental. Como sabemos, os cartórios existentes nas nossas Igrejas Paroquiais são ricos em património documental. Neles estão guardados não só os registos paroquiais, essenciais para estudos de famílias, por exemplo, como informações importantíssimas sobre a paróquia, sobre a sua história e o seu funcionamento ao longo dos tempos. O mesmo poderemos apontar para a documentação sobre as confrarias, sediadas em determinada paróquia. Estes são, no entanto, meros exemplos da riqueza documental das paróquias. Nesta linha de ideias, não será de todo despropositado falar-se na imperativa necessidade de dotar-se os párocos de sensibilidade para a causa da preservação da documentação. E que melhor forma de se promover a estima pela documentação que seja através da compreensão da mensagem que ela nos dá? O workshop de Introdução à Paleografia foi ao encontro desta realidade, promovendo o contacto da comunidade diocesana com o património documental, sendo de louvar a Academia de São Tomás de Aquino, por promover tais matérias dentro do seu campo de ação, compreendendo as necessidades da sua comunidade.
Citações da Página 2
------------------------------------------------------------------
Cf. J. BEUTLER – L’Ebraismo e Gli Ebrei nel Vangelo di Giovanni, p. 93. 2 Parafraseando P.-R. TARGAN – La Parabole du «Pasteur», pp. 234-243. 3 Para os Sinópticos cf. Mt 9,36; 10,6; 15,24; 25,32-33; 26,31-32; Mc 6,34; 14,27; Lc 12,32. Para os outros livros do NT cf. At 20,2829; Hb 13,20; 1Pd 2,25; 5,2-3. M. de SOUSA – Da “Paroimía” do Pastor à “Parrēsía” do Cordeiro, p. 51. 4 S. PANIMOLLE – «Il Buon Pastore nel Vangelo di Giovanni», p. 218. Cf. J. ASHTON – Studying John, pp. 135-139. 5 Cf. S. PANIMOLLE – «Il Buon Pastore nel Vangelo di Giovanni», pp. 218s. 6 Cf. C. GHIDELLI – «Gesù Pastore (Gv 10)», p. 38. 7 M. DEELEY - «Ezekiel’s Shepherd and John’s Jesus. A Case Study in the Appropriation of Biblical Texts», p. 261. 8 Cf. Gn 48,15; 49,21; Sl 23,1; 28,9; 80,2; Is 40,10s; Jr 23,3; 31,10. 9 Cf. Sl 78,70s. David era pastor de um pequeno rebanho (1Sm 16,11). 10 Não só a função do rei é muitas vezes comparada à de um pastor (1Re 22,17.35-36) mas também a dos chefes (2Sm 7,7; Is 56,11; Jr 2,8; 3,5; 10,21; 22,22; 23,1-4; 50,6; Zc 10,3; 11,46.16ss; 13,7). Cf. M. de SOUSA – Da “Paroimía do Pastor à “Parrēsía” do Cordeiro, p. 51. 1
------------------------------------------------------------------
Cf. ROUILLER, G. – Si tu savais le don de Dieu. Evangile selon Saint Jean (1 à 10), p. 135. 12 G.KNOWLES – «The Good Shepherd», p. 174. 13 M. de SOUSA – Da “Paroimía do Pastor à “Parrēsía” do Cordeiro, p. 51. 14 Cf. Ez 34; Jr 23. 15 Mas nunca um rei em funções (Cf. J. JEREMIAS “poimh,n”, p. 1199; J. VANCIL – Sheep – Shepherd, p. 1189; R. SCHNACKENBURG – El Evangelio II, p. 368). Só o rei – messias da casa de David terá esse título (Ez 34,23s; cf. Mq 5,1-3). (Cf. M. de SOUSA – Da “Paroimía do Pastor à “Parrēsía” do Cordeiro, p.52 nota 55) 16 Sl 23,1-4; 74,1; 78,25.52.70-72; 79,13; 80,2; 95,7; Is 40,11; Mq 2,12. 17 Ez 34,6.8(3x).10.11.12.15.17.19.22.31. 18 M. de SOUSA – Da “Paroimía do Pastor à “Parrēsía” do Cordeiro, p. 52. 19 M. de SOUSA – Da “Paroimía do Pastor à “Parrēsía” do Cordeiro, p. 56. 20 M. RODRÍGUEZ RUIZ – «El discurso del Buen Pastor (Jn 10,118). Coherencia teológico-literaria y interpretación», pp. 3839. 21 Cf. M. RODRÍGUEZ RUIZ, «El discurso del Buen Pastor (Jn 10,118)», p. 39. 11
Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino • 03
Como estar no mundo sem ser do mundo? Pe. Tiago Tedéu
Pároco de Ponta Garça e Ribeira das Taínhas “Eu não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo. Consagra-os na verdade: a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo” (Jo 17,15-18).
N
ós, cristãos, renascidos pelo baptismo, somos colocados “no mundo” e no mundo somos chamados a imitar Cristo, em gestos e atitudes, no meio dos homens, para alcançar a santidade, que é a vocação universal de todos os baptizados. Contudo, não devemos “fugir” à realidade do mundo. O chamamento à perfeição, à união com Cristo pelo amor, acontece primeiramente no Baptismo, pois o verdadeiro nascimento do cristão acontece no Baptismo. É este sacramento que o torna “do outro mundo”, como diz Jesus a Nicodemos: “Quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus”. E ainda: “Quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus”. Por isso, há algo de santo, de divino, de eterno escondido nas situações mais comuns do nosso dia-a-dia, nas nossas atitudes e gestos, algo que a cada um de nós compete descobrir. A santidade consiste em seguir o exemplo de Cristo. Ao seguir a Cristo, vamos santificando a nossa vida. A exemplo de Cristo, devemos amar apaixonadamente o mundo, pois Deus espera-nos nas simples tarefas do nosso quotidiano. O grande segredo para descobrir Deus no trabalho está na atitude interior do ser humano. Qualquer serviço e missão pode converter-se em sacrifício, se for realizado com o espírito de Cristo. No entanto, há que salientar a diferença entre “ser” e “estar”. “Ser” é algo de eterno, duradouro, a longo prazo, enquanto “estar” é algo momentâneo, passageiro. Como, por exemplo, nós somos felizes, porém, em algumas circunstâncias, não estamos felizes. Assim sendo, existe uma diferença entre estar no mundo e não ser do mundo, pois nós, como cristãos, aspiramos aos valores do alto, aos valores eternos e duradouros e não às coisas passageiras e efémeras que o mundo oferece, mas sempre com a certeza de que devemos viver o Céu já aqui na Terra, pois o Céu não é viver o que o mundo nos oferece. Como dizia Santa Teresinha do Menino Jesus: “Quero passar o meu Céu, fazendo o bem sobre a Terra”. Estar no mundo e não pertencer a ele leva-nos à renúncia e à luta contra nós mesmos e contra o mundo. Não falo somente do que o mundo nos oferece, mas também daquilo que o mundo tem “programado” para nós. Não se trata de fugir ao mundo, mas de renunciar ao que o mundo oferece para seguir a vontade de Deus. 04 • Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino
Daí que aquele que não é capaz de renunciar ao mundo acaba por não conhecer o Amor, acaba por não conhecer Jesus, pois vive focado e entranhado no que a vida mundana oferece, acabando por atrair o homem para uma felicidade momentânea e passageira. Nós, cristãos, não somos deste mundo, mas precisamos de estar nele para provarmos à humanidade, à racionalidade deste mundo, que existe uma força sobrenatural que vem de Deus. Para mostrarmos que podemos ser santos no mundo, marcando a diferença com o nosso testemunho, que podemos buscar o Céu, que podemos ser de Deus sem nos deixarmos formatar e igualar aos outros. Que podemos viver no mundo e dar ouvidos ao coração e viver segundo o que este mesmo nos pede. Nascemos para este mundo para sermos testemunhas do amor de Deus, para fazermos a diferença e levarmos o outro para mais próximo de Deus. Por isso, estejamos no mundo mas não sejamos do mundo… Procuremos cada vez mais estar na presença de Deus, renunciando ao que é mundano e superficial, para chegarmos mais perto de Deus e da sua vontade a nosso respeito. Busquemos a santidade de vida que se conquista pelo cumprimento da vontade de Deus, que nos libertará e nos fará sentir verdadeiramente amados e seguros. Seguir Jesus neste mundo de hoje não é fácil. Daí que Jesus tenha afirmado que não seria fácil segui-l’O, mas também nos prometeu que permaneceria sempre ao nosso lado. Assim sendo, devemos aprender a usar o mundo e o que ele nos oferece mas não deixar que o mundo nos use e transforme, mudando o nosso coração. Como afirma São João: “Não amem o mundo nem o que há nele. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo — a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens — não provém do Pai, mas do mundo. O mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (Jo. 2, 15-17). Portanto, a única forma de não nos apegarmos ao mundo é amarmos a Deus acima de tudo, pois quanto mais amamos o Senhor, mais amamos o que Ele ama. Quanto mais amarmos a Jesus mais semelhantes seremos a Ele e assim seremos autênticas e verdadeiras testemunhas dos Seus mandamentos. Coloquemos a nossa confiança no Senhor e não nos valores do mundo, pois o que é do mundo um dia acaba e o que vem de Deus permanece eternamente.
O Viajante Diácono João Farias
Santa Bárbara (Ponta Delgada) - São Miguel O Evangelho de Lucas fala-nos dos discípulos que partem de Jerusalém e regressam desiludidos a Emaús (24,13-35). Este episódio narra o fracasso dos seus sonhos e das suas expetativas. Os discípulos estão em crise, amargurados e vazios por dentro. Até que se aproxima deles um Viajante, que caminha e fala com eles. «E nós esperávamos que fosse Ele quem redimiria Israel…»; nestas palavras, vemos toda a tristeza de quem se sente traído, de quem sonhou com um Messias que libertaria Israel e não o fez, de quem desejava participar de um grande projeto e viu-se dececionado. Ficou morta a sua esperança, cravada com Jesus na cruz, fechada com a pedra do sepulcro. O misterioso Viajante que os acompanhou uma parte do caminho é o mesmo Jesus, porém não o reconheceram. Baumgarten diz que: «a imagem do Senhor que, sem ser reconhecido, caminha ao seu lado constitui o núcleo central da boa nova e, nas horas obscuras, é capaz de confortar-nos mais que qualquer outra coisa. Essa imagem significa que quando no decurso de uma crise existencial, quando já não possas contar mais que contigo mesmo, quando chegaste ao ponto certo da tua vida e quando a dor ameaçar esmagar as tuas forças, então quando já nada pareça ter sentido, Deus põe-se a teu lado. Precisamente quando estavas seguro de que Ele estava longe, então é quando está mais perto de ti. Deste relato retira-se uma mensagem consoladora: Deus está aqui, ainda que nós muitas vezes só nos apercebamos disso muito mais tarde, que Ele caminhou connosco nos momentos obscuros da vida». É Ele quem nos toma nos seus braços como uma mãe. Quando alguém tem uma verdadeira experiência de comunhão com o Ressuscitado, alimentando-se da Sua Palavra, do seu Corpo e do seu Sangue, sente a necessidade de comunicar a grande alegria da sua experiência. Emaús não é um ponto de chegada, mas sim o ponto de partida para uma viagem animada por uma nova esperança.
Os discípulos de Emaús fazem a experiência do e n co n t r o co m a co m u n i dad e , u m a t r o ca r e cí pr o ca de e x pe r i ê n ci a s . Tornam a s si m a co m u n i da de n a r r a do r a – e m q u e ca da u m a da s pa r t e s n a r r a a s m a ravilha s de De u s r e a l i za da s n a su a v i da . A m i ss ã o n ã o é s ó a n unc iar a Re s su r r e i çã o , t a m bé m co n s i s t e e m ou vir da o u t r a pa r t e o m i st é r i o de De u s p re s e nte no outro. Es t e r e l a t o de L u ca s é co m o a p a ráb ola da n o s sa fé e da n o s sa v i da , d a m orte do s n o ss o s so n h o s e da r e s s u rre iç ã o da n o s sa e spe r a n ça . É a h i s tória d e m u i t o s co m pa n h e i r o s de v i a g e m q u e su s t e n t a r a m a n o s sa e s pe r a nç a e o n o ss a ca m i n h a r . P o de m o s co ns id e rar a v i da co m o u m a v i a ge m . A I gr e j a te m a m i s sã o de da r t e s t e m u n h o da es p e ranç a qu e n a sce da fé n a P a l a v r a fe i ta c a rne , v i v e n do e m pl e n a s o l i da r i e dad e c om o s o u t r o s, e spe ci a l m e n t e co m os m a is dé be i s , du r a n t e a v i a ge m da s u a vid a . É ch a m a da a co m u n i ca r a a l e g ria a u m m u n do e m m u da n ça , pr o po r c iona nd o u m a v i sã o r e a l i st a n o co n t e x t o em q u e f oi e n v i a da a a n u n ci a r o Ev a n ge l h o .
Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino • 05
A Religiosidade Popular
Diácono Aurélio Sousa
Um barco perdido
Seminarista João Silva
Sete Cidades - São Miguel
N
ada do que partilho hoje convosco é novidade pastoral, muito menos poção mágica de solução para a pedra no sapato de muitas táticas pastorais. O belo ponto 48 da Evangelii Nuntiandi será a base da minha pobre reflexão. Não é por acaso que São Paulo VI insere este tema na sua encíclica sobre a evangelização. É sem margem para qualquer dúvida um dos pontos sobre que nos devemos debruçar seriamente no nosso plano pastoral de evangelização. A piedade/religiosidade popular tem uma riqueza incomensurável, mas pode tornar-se num campo de batalha, quando toma a posição de divisão da comunidade eclesial. Há que mergulhar profundamente neste oceano, às vezes mais cultural que de adesão à fé. Sentir o que o povo sente com aquilo, e purificar devidamente será talvez um passo de experimentação. As pessoas devem sentir que estamos a caminhar com elas e não contra elas. Não podemos correr o risco de vermos nas nossas comunidades como que uma “religião do povo”. Elas nascem da necessidade de Deus, com expressões, infelizmente, pouco ponderadas e abraçadas pela Igreja, e vão tomando forma sozinhas, baseadas em sentimentalismos e confortos momentâneos. Algumas agarradas a passados sombrios e a devoções de herança, que nem sequer se sabe bem o porquê, mas é para muitos “dogma de fé”. Temos entre mãos o que há de mais sagrado para o nosso povo, que é a sua relação com Deus. Em cima da nossa secretária, não será descabido escrevermos o velho ditado popular de que “Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”. Vamos agir com caridade pastoral, não nos esqueçamos de que podemos, com as nossas ideias de teólogos e pastoralistas, perder almas. Vamos apostar, acima de tudo, na catequese e na presença. Temos de ser “água mole em pedra dura”, e juntos conseguiremos que esta riqueza seja aproveitada o mais dignamente possível. Não nos esqueçamos de que muita da vitalidade do nosso ano pastoral parte destas manifestações. E o próprio Papa Francisco já afirmou que “ a piedade popular é o sistema imunitário da Igreja”. Encaremos este tema como missão e não como problema. 06 • Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino
Mosteiros - São Miguel
T
oda a nossa história é moldada e conduzida por Deus. No entanto, podemos perguntar-nos se sabemos navegar em direção a Ele. Neste sentido, podemos utilizar a imagem de um barco, que é construído por Deus, para que cada um de nós consiga chegar e encontrar-se com Ele. O Homem, enquanto servo e anunciador da mensagem de Deus, é livre de escolher o caminho que quer seguir, embora escolhamos, muitas vezes, um caminho facilitado e alicerçado pelo comodismo e autossuficiência. No entanto, o caminho apresentado e proposto pelo Senhor é um caminho que implica a fé, dedicação e entrega. É certo que, por vezes, temos medo de responder a essa proposta de amor, ou porque achamos que somos incapazes ou porque enchemos o nosso coração de ideologias que nos afastam do caminho de verdade, o caminho onde Deus reside. Por isso, vamos vivendo num mundo sem Deus, isto é, sem sentido nem felicidade. Com efeito, podemos abrir fendas no barco em que navegamos, porque o enchemos de cargas muito pesadas, compostas pelos nossos pecados que nos afastam de Deus e, consequentemente, do Seu projeto de amor que quer estabelecer connosco. Enquanto discípulos de Cristo, somos convidados a dragar toda essa carga, para que possamos estabelecer um encontro mais autêntico e verdadeiro com Aquele que nos ama e quer a nossa felicidade. É, sem dúvida, algo desafiante e exigente que não podemos viver de forma isolada, mas uns com os outros. Somos chamados a entregar a nossa vida nas mãos de Deus, ajudando na edificação de uma comunidade - comunhão, isto é, uma comunidade unida que quer viver e encarnar, na sua forma de ser e agir, o próprio Jesus. A melhor forma de percorrermos este caminho em direção a Deus é tomarmos a consciência de que este Deus está sempre presente para estender a sua mão a todo aquele ou aquela que quer ser curado. Basta confiarmos. O segredo é nunca desistirmos de lutar por aquilo que nos faz felizes. O percurso que fazemos pode não ser fácil porque é formado por muitas dificuldades que nos fazem vacilar e querer desistir, mas a chave para todas as dificuldades está na oração, no diálogo com Deus. Dizemos que temos fé e que acreditamos em Deus, mas será que deixamos que o nosso barco seja conduzido por Ele? Será que vivemos a nossa fé em Jesus Cristo, em Igreja? São questões pertinentes que nos devem fazer refletir neste mundo que precisa de mais amor – de Deus.
O meu Deus não tem moral nenhuma... Seminarista António Machado Santos
Furnas - São Miguel
A
Igreja, ao longo destes dois mil anos de História, tem feito o seu exame de consciência segundo a Palavra e ensinamentos do seu Deus, por Jesus. Contudo, esse exame tem que ser revisto, pois a sua proposta de “bons costumes” está a ruir: nem é tanto pelos dois milénios de incumprimentos dos fidelíssimos católicos; mas porque a Fonte da sua moral é amoral, ou seja, Deus não tem moral nenhuma… não é exemplo para ninguém, muito menos para a Igreja. Por isso, está na hora de invertermos os papéis e julgar Deus segundo as diretrizes eclesiásticas. Retiremo-l’O do lugar de juiz. Sentemo-nos na sua poltrona e julguemo-l’O como deve ser: como réu, como culpado! Hoje, analisemos os crimes que Ele cometeu aquando da conceção de Jesus. A primeira das nossas acusações cai sobre a escolha da sua “barriga de aluguer”, ou melhor, Maternidade de Substituição. A Igreja bem que diz que o corpo da mulher não é uma ferramenta de produção; não é “meu corpo minhas regras”. Mas estas recomendações, pelos vistos, não são do conhecimento do “omnisciente” Deus, que também é “omnipotente” e “omnidescarado”. Ele escolhe alguém fácil de enganar: uma menina que, se calhar, nem buço tinha; uma pobrezinha virgem (e depois os homens velhos é que são os tarados- Deus, por escolher uma rapariguinha novinha, é sábio e exigente). Enfim, realmente Ele é o super-Inconveniente. O Pai Eterno é tão cobarde que, em vez de fazer uma teofania Sua a Maria e falar com a futura mãe do Seu Filho, simplesmente manda Gabriel, um anjo. E faz pior com José: não lhe revela a sua santíssima vontade quando está acordado mas durante o sono. Este tipo de adoção é mesmo estranha: péssimo pai, sinceramente. Ainda assim, um escândalo moral raramente assinta num só problema. O facto de Maria ser a eleita para a dificultosa missão de ser a Mãe de Deus não é suficiente. A perversão deste Divino Velho, como todas as suas qualidades, é imensurável. Para esta outra acusação, há que relembrar a história. A jovem Maria está prometida a um carpinteiro pobre chamado José. Aqui está um dos maiores escândalos da moral. Maria concebe fora do casamento e do seu noivado; o progenitor nem é o próprio José; Maria, ao dizer que foi um anjo ou o Espírito Santo que a fecundou, ou é doida, ou está possessa, ou é mentirosa, ou é mesmo a precursora das “revistas cor de rosa e novelas atuais”.
José tem o direito de repudiar e repudia a sua noiva, no seu íntimo, continuando essa “farça” a ganhar força... Pobre José, traído pela vida duas vezes: primeira, por causa da sua condição precária financeira, e, segunda, traído por alguém que ama… pobre rapaz de Nazaré, sinto-me cada vez mais fascinado por esta vítima, que só chatices lhe arranjaram. Mas basta! Está na hora de invocarmos o exército resplandecente da cristandade paroquial, que já há muito se encontra extinto, talvez por desígnios do Senhor ou por indisposição pessoal diante de tantas reformas eclesiásticas. De certeza que os seus véus pretos censuradores e os seus rosários (que deviam estar mais gastos mas não estão) nos trarão boas nomenclaturas para designar a família de Jesus. José é o vitimado, mas um jovem parvo, que por amor é cego. Quanto a Maria, é uma rapariguinha tonta, que não sabe nada da vida para estar a aceitar propostas de estranhos e prejudicando a vida dos que a rodeiam - é maquiavélica e, ao mesmo tempo, irresponsável. Quanto a Deus, este sim, é o culpado de tudo isto: não merece compaixão. Não podemos esquecer que, se São José repudiasse publicamente a sua noiva, o nosso exército resplandecente de línguas afiadas postas nas bainhas dos seus túmulos bocais, aplidavam-na, automaticamente, de “Mãe Solteira”, ou surgia a resplendorosa tese de que foram obrigados a casar para esconder a gravidez (visto que José se casou com a Virgem). Neste mergulhar reflexivo, restam algumas questões… Que Deus é esse que fugiu tanto à Moral da Santa Madre Igreja? Em um nível mais profundo, quem será mais brando com os problemas do Homem comum: Deus, o Ente perfeito, ou a Igreja, composta por Homens pecadores? E eu mais poderia escorrer sobre este tema e encontrar outros paradoxos. Porém, como não quero que perca a paciência com os meus sofismos “ateológicos”, mais tarde continuarei a escrevinhar novas linhas porque, afinal de contas, isto foi apenas a primeira sessão de muitas outras do julgamento contra Deus.
Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino • 07
II Encontro de Coros
São Tomás de Aquino 10, 11 E 12 DE JANEIRO
08 • Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino
Festa de São Tomás de Aquino 28 DE JANEIRO
Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino • 09
Iniciação à Paleografia 14 E 15 DE FEVEREIRO
10 • Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino
Revista «Fórum Teológico XXI»
E
stá disponível para venda nas livrarias diocesanas a III edição da revista do Seminário Episcopal de Angra, «Fórum Teológico XXI». É o resultado das III Jornadas de Teologia deste Seminário, apoiadas por esta Academia e que tiveram por tema «Arte, expressão que transcende». Uma publicação deveras interessante e que vem contribuir para a formação de todos, crentes e não crentes.
Saber de Aquino II • Academia São Tomás de Aquino • 11