Academia de São Tomás de Aquino
SABER DE AQUINO II
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a introdução do seu mais recente livro, “O tempo das igrejas vazias”, o teólogo checo Tomás Halik, adverte que se “por uma viragem radical para o Evangelho, por um aprofundamento da sua teologia, espiritualidade e prática pastoral, este tempo de igrejas vazias possa tornar-se uma imagem de advertência num futuro próximo”. Foi na mesma linha de pensamento que a direção cessante da Academia de São Tomás de Aquino procurou cooperar para o aprofundamento e para a procura do que o Espírito pede à Igreja neste tempo tão diferente. Com as limitações próprias desta calamidade que atravessamos, e visto que pouco se pode realizar no “mundo”, tentámos trazer o “mundo” à nossa casa, ao nosso Seminário. Foi com este intuito que foram realizadas as tertúlias “Conversas (ca) Fé”, uma novidade que permitiu olhar de forma diferente a sociedade e a Igreja em que vivemos e que somos. As diversas perspetivas que nos foram trazidas pelos oradores fizeram-nos refletir naquilo que nós, enquanto futuros pastores, precisamos limar, aperfeiçoar, para que consigamos fazer o autêntico anúncio do Evangelho que o mundo anseia. À questão sobre o que esperavam que um padre fosse ou precisasse ser, houve uma linha que foi transversal a todos: os padres têm que ser verdadeiramente humanos. Com isto, os nossos convidados chamavam-nos a atenção para o facto de que a nossa pastoral precisa cada vez mais do contacto de proximidade, conhecimento e acompanhamento das pessoas, do que apenas um mero preencher calendário e conseguir dar resposta a todas as iniciativas
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que são propostas, todo os dias mundiais disto e daquilo que precisamos de assinalar. Diziamnos, enfim, que precisamos parar e escutar. Parar para acompanhar. Parar para poder estar presente. Porque a maioria das vezes o corpo está num sítio, mas a cabeça já pensa no que se seguirá àquilo que estamos fazendo. Aproveito para deixar um agradecimento a todos aqueles que comigo de perto colaboraram para que a Academia de São Tomás de Aquino exercesse a sua missão de forma condigna e possível neste tempo de pandemia. Também agradecer a todos os que se fizeram presentes nos eventos da Academia ou que com o seu carinho e mensagens nos foram acalentando ao longo destes dois anos de missão. Despeço-me, em nome da equipa que me acompanhou, desejando os melhores sucessos para a direção recentemente eleita. In sapientia et sanctitate,
DINIS TOLEDO
SUMÁRIO 01 |EDITORIAL 02 |SUMÁRIO 03 |A RELIGIÃO E O HOMEM, SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA 06 |LITURGIA: CULMEN ET FONS 07 |FESTA DE SÃO TOMÁS 08 |CONVERSAS CA(FÉ) 09| PARÓQUIA EM TEMPOS DE MOBILIDADE 12 | RETÁBULO DE SÃO SEBASTIÃO
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A RELIGIÃO E O HOMEM, SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA
Numa definição geral, a Sociologia, enquanto ciência social, centra o seu estudo nas relações interpessoais, nas manifestações que decorrem na(s) sociedade(s), e de que modo as normas, leis, regras, os comportamentos dos indivíduos de uma sociedade se padronizam na mesma. A sociedade, enquanto organismo vivo, está em constante transformação. Não é do interesse da Sociologia estudar um indivíduo e o seu comportamento individual, mas sim as relações e os comportamentos sociais que ocorrem entre os seus membros e as respetivas mutações.
Tudo! Porque a Religião se desenvolve na relação social. E, sendo relação social, logo é motivo de estudo da Sociologia, nascendo, assim, a Sociologia da Religião.
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O ser humano é, por natureza, um ser eminentemente sociável, ser em relação. Esta relação compreende-se com os seus semelhantes, mas, enquanto ser possuidor de uma dimensão espiritual (para além das dimensões biológica e social), também se relaciona com o transcendente. Como o próprio termo significa, “religião” advém, etimologicamente, da palavra “religare”, que quer dizer estabelecer relação, comunhão, ligar-se, comunicar… com o transcendente, metafísico, os espíritos, Ser Superior, com o divino, com os deuses, com Deus… ou seja, com o que não vejo, mas sinto e vivo. Desde os primórdios da humanidade, a fenomenologia da religião esteve presente no pensamento e no agir humano, marcando civilizações e culturas, e, a partir destas, difundiram-se, com novas matizes, novas ideias e perspetivas, novos estilos de vivência religiosa, que vieram influenciar a organização social, política, cultural, económica, ao longo da história das sociedades e do mundo. Antropologicamente, vemos que, com o passar dos milénios, os seres especiais, espirituais, divinos, vão ganhando cada vez mais proximidade e forma humana. Desde os espíritos incorporados nas rochas, nas nuvens, nos animais (religiões primitivas) até ao Deus que é chamado de Pai, que comunica e estabelece comunhão com a humanidade, como nas religiões abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), vemos que, realmente, com o evoluir da razão humana, o Divino se aproximou do homem, ao ponto de, como acreditam os cristãos, “Ele está dentro de nós, em Espírito e Verdade” e está constantemente em relação com os homens. A religião passou de uma esfera exterior, inalcançável, repressora, para o interior da sociedade e de cada homem, fruto da evolução cognitiva de o homem desvendar o sentido da vida, tendo Deus por seu esteio e meta definitiva. A relação com o transcendente tem consequências que são entendidas com os olhos da fé, mas também com os olhos da razão. Fé e Razão não se contradizem, mas complementam-se. E isto implica conhecimento, adesão e compromisso: É do conhecimento que vai nascer a religião, enquanto veículo de fé: um caminho de conhecimento de Deus. O homem lê, estuda, é evangelizado e sente-se chamado a responder a este chamamento. Ninguém ama aquele que não conhece. A resposta é a adesão a determinada religião, seguir um Líder, a fazer parte de um determinado grupo de fé e, consequentemente, de acordo com as normas, regras, símbolos, rituais, liturgias, mandamentos, padrões e valores ético-morais, o homem compromete-se a viver, de acordo com este padrão.
A moral religiosa cria a coesão social, mas dizer o contrário, que a coesão social, de acordo com a vida social, cria a moral religiosa, também é verdade. O sentido moral de uma religião tem que fazer sentido e ser útil para a vida das pessoas. A forma de vida dos crentes não pode ser suprimida e oprimida pela moral, mas, sim, a moral é um código de valores orientadores que cada crente deve ter em vista a alcançar. Emile Durkheim, um dos fundadores da sociologia, desenvolveu o estudo da religião com a ordem social, como algo que está intrinsecamente interligado. As religiões transmitem uma panóplia de conteúdos e valores, que passam a fazer parte da vida dos seus elementos. Por meio da socialização, forma-se a estrutura social e toma-se posse destes ensinamentos, pela transmissão de geração em geração, que passam a estar / fazer parte da nossa vida, moldando o nosso modo de agir e nos relacionarmos connosco, com os outros e com Deus. Molda os comportamentos, atitudes, modo de pensar… A religião exerce um influente controlo sobre a sociedade. Exemplo disso é o conceito de pecado, ou seja, tudo o que não é permitido, ou vai contra aquilo que a religião defende. O pecado está para a religião como o crime está para o Estado Civil: quer o pecado, quer o crime têm que ver com o não cumprimento dos padrões morais e éticos identificativos. A importância do cumprimento das normas, quer da religião, quer da sociedade, em geral, tem em vista a ordem social, a ordem das regras, de modo que cada indivíduo saiba os seus direitos e deveres no seu contexto vital, para que as funções sejam articuladas, de modo que haja bem-estar, harmonia e paz. Porém, há quem discorde de uma visão benéfica da religião. Marx, ateu convicto e ativista neste propósito, refere que “a religião é o ópio do povo”, considerando-a como uma ideologia e uma construção, “explicada a partir das condições de produção material dos homens (…), que atua como falsa consciência que objetiva e legitima as relações de dominação de classes.” Marx entende a religião como um instrumento de manipulação social, como mecanismo de alienação, na qual os homens são moldados de acordo com as ideias e convicções do grupo de pertença. Deste modo, a sociedade é balizada de acordo com a formatação dogmática que a religião produz no indivíduo e na sociedade, impedindo o seu desenvolvimento e inovação.
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Do meu ponto de vista, parece-me que Marx tinha, de um modo geral, uma ideia meramente institucionalizada da religião. A religião, particularmente, a Igreja, assume a natureza humana e a natureza divina. Quando se não tem fé, fica-se apenas com uma ideia: a Igreja humana. E, por esse prisma, para quem não é crente, a religião não faz sentido. E efetivamente não fará sentido, porque o sentido está numa pessoa: Jesus Cristo. Não reconhecer a condição divina da religião, e da Igreja em particular, é ficar pela visão do planeta nas horas da noite, isto é, ver a religião como uma associação de crentes, criticando-se os seus erros, limitações, atrasos… No entanto, o âmago está numa dimensão além-humano, a divina, da qual o Homem participa, por intermédio da fé. O sentido da religião está nos olhos de quem busca e não nos olhos de quem analisa: quem busca Deus, encontra-O. Quem analisa, perspetiva. Ainda numa visão pessoal, as sociedades que foram moldadas a partir do marxismo, fortemente ateias e persecutórias da religião, mostraram dramaticamente que o ateísmo é a maior das alienações. Sem a liberdade, inspiração e experiência religiosas, o ser humano é profundamente amputado de uma dimensão essencial do seu ser: esse diálogo com o transcendente, que lhe permite respirar a plenos pulmões. O marxismo tornado efetivo nos regimes comunistas dos séculos XX e XXI mostra cabalmente que a religião é a pedra de toque da humanização, porque fundamenta no Eterno não só as leis morais, mas a própria sede de uma realidade última que dá sentido à realidade presente. A arte, a filosofia, a moral, as leis… tornam-se mesquinhas quando a bitola é apenas humana. A degradação evidente do homem na cultura contemporânea, rebaixado a uma mera condição animal, é um fruto amaríssimo de um mundo sem Deus. Também poderíamos aduzir a própria diluição das fronteiras entre o bem e o mal, o ser e o nada, a verdade e a mentira… como resultados de uma destruição dos alicerces de uma grande civilização: Deus. Não por acaso, há um ódio imediato e evidente na reacção pública quando algum político, professor, figura pública ousa invocar o nome de Deus, por exemplo. Após esta explanação de relação sociológico-religiosa, a afirmação de Napoleão Bonaparte, “uma sociedade sem religião é um navio sem bússola” vem ao encontro daquilo que é a realidade existente na relação entre sociedade e religião. A religião é, sem dúvida, um grande agente de socialização, que contribui para a ordem social, através de todo um manancial de valores, normas, regras, mandamentos, que não pretendem aprisionar o homem em si nem estagnar a sociedade, mas levar a humanidade a uma liberdade plena que é possível alcançar.
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Os ensinamentos da religião pretendem ser um sinal que guia e orienta o homem a desenvolver a sua dimensão social. E quanto mais desenvolvida for a sua dimensão espiritual, melhor o homem será com o seu semelhante e melhor será a sociedade.
JORGE PINHEIRO SOUSA
LITURGIA: CULMEN ET FONS Por: Padre Jorge Ferreira
Respondendo ao convite que me foi dirigido pela Direção da Academia São Tomás de Aquino, lembreime de apresentar a problemática de como podemos compreender a Liturgia como “cume” e “fonte” e que consequência traz este axioma ao estudo da espiritualidade cristã. Com a preocupação de evitar um certo “panliturgismo”, o Concílio tem a preocupação de referir que a «liturgia não esgota toda a ação da Igreja» (SC 9). Contudo, pretende também dizer que apesar disso, «a liturgia é cume e fonte da ação evangelizadora da Igreja» (SC 10). Ação esta que se dirige tanto aos crentes como aos não crentes. A liturgia não é a primeira ação da Igreja, mas pode ser considerada cume e fonte se compreendida à luz do mistério de Cristo e da Igreja. Contudo, não se pode pensar em Liturgia sem a Eucaristia, que constitui o seu centro e o vértice. Assim, deve-se ter em conta que as duas imagens de culmen et fons estão em relação íntima com a ação apostólica da Igreja. A Liturgia é cume e fonte da ação da Igreja, enquanto a Eucaristia é o centro da vida da Igreja. Compreende-se que a expressão culmen et fons não foi criada de novo por ocasião do Concílio, mas preparada por todo o percurso do Movimento Litúrgico, que tinha uma preocupação pastoral e refletia também sobre a espiritualidade cristã. Circunscrevendo o argumento apenas aos crentes, podemos constatar que a Liturgia transforma o cristão. Não se pode pensar num verdadeiro cristão que não participe na Liturgia. A experiência litúrgica é pessoal, subjetiva, mas vivida objetivamente em comunidade. Ao celebrar os sacramentos, o cristão aceita entrar num contexto comunitário, deixa-se envolver pelo ambiente que o rodeia e é moldado pelas palavras e pelos gestos passando a uma experiência de recetividade convicta e inteligente. Desta forma os fiéis são levados a viver de forma autêntica em perfeita união uns com os outros de modo a “exprimir na vida o que celebram pela fé”.
Podemos facilmente concluir que a liturgia faz o cristão na medida em que quando se entra numa igreja para celebrar, se aceita livremente o que é proposto: as leituras, as orações, o calendário. A finalidade da liturgia, dos ritos litúrgicos, é forjar a espiritualidade do homem e determinar os princípios de sua ação. Por isso, podemos falar da liturgia como um método verdadeiro e próprio de vida espiritual. A partir daqui compreende-se que não podemos seguir em frente sem nos preocuparmos, tal como os pais do Movimento Litúrgico, em fazer com que os crentes possam participar de forma mais profunda na Liturgia. Visto isto, não se admite que a participação na Eucaristia seja tida como aborrecida, rotineira e sem sentido renovado. A Liturgia é cume e fonte da vida espiritual, na medida em que permite ao fiel cristão de celebrar o mistério pascal da morte e ressurreição de Cristo como ação santificadora, aceite e apropriada de forma a santificar-se e a glorificar Deus. Há também uma outra reflexão a ser feita. A constatação de que hoje as nossas celebrações litúrgicas não tocam mais a experiência real das pessoas que delas participam, revela um sinal evidente de algo maior, como afirma Keith Pecklers: “A crise atual na presença da Igreja e na participação litúrgica é, na realidade, muito complexo e representará um desafio cada vez maior para os ministros e pastores do futuro”. Dizer liturgia, dizer espiritualidade, de facto, significa dizer igreja porque não se vive em compartimentos estanques e então o discurso deve ser colocado de forma mais ampla: quem é a Igreja hoje? Como se apresenta a Igreja hoje? A liturgia é epifania da Igreja, do ambiente eclesial que os crentes vivem hoje. E muito do afastamento da liturgia e a busca de outras coisas talvez possa ser atribuído ao lugar ocupado e ao papel desempenhado pela Igreja na nossa sociedade.
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FESTA DE SÃO TOMÁS
CONVERSAS CA(FÉ)
PARÓQUIA EM TEMPOS DE MOBILIDADE, NOVO MODELO DE PARÓQUIA Um maior envolvimento e responsabilidade dos leigos, a criação de novos ministérios, o alargamento do conceito de paróquia e um itinerário de fé personalizado devem estar no novo modo de pensar a paróquia. O modelo paroquial que temos hoje é inadequado. Trata-se do clássico “modelo tridentino de paróquia”. Era um modelo excelente para aquela altura e deu resposta às necessidades de então. O contexto cultural era muito mais homogéneo do que o de hoje. Era uma sociedade tipicamente de campesinato, isto é, de aldeia, uma sociedade estática. Vivia segundo o imaginário de um padre para uma paróquia e para um povo. Esse modelo resultava. O que acontece é que hoje, sobretudo pelo contexto cultural que é radicalmente diferente de há cinco séculos, é exigido um novo modo de estar ao pároco e às paróquias.
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O modelo atual é inadequado porque estamos a pegar num modelo que foi desenhado para um tempo e a tentar forçá-lo a ser válido para os dias de hoje, o que não é. A consciência de que o contexto cultural é diferente e que a sua chave de leitura é a mobilidade. Mobilidade cultural, com a migração e o trânsito de pessoas de outras nacionalidades que vêm, por exemplo, para a Europa e trazem a sua história, os seus costumes e as suas crenças. Isso muda radicalmente um país. Depois, a mobilidade social, isto é, com os novos ritmos de trabalho, hoje as pessoas podem morar num sítio, trabalhar noutro e serem originárias de outro. A nível da comunidade cristã este fenómeno também é notório: antigamente as pessoas faziam vida de comunidade no seu local de nascimento e agora escolhem aquele que preferem. A terceira, é a mobilidade religiosa. A Europa tem uma matriz judaico-cristã, onde era indiscutível que o cristianismo era a base, não só religiosa, mas também dos valores com os quais as pessoas construíam a sua vida, e hoje os cristãos têm de começar a aprender a conviver com a não crença, com outras formas de espiritualidade e com o agnosticismo, isto é, de quem não nega Deus, mas também não tem uma resposta clara se Deus existe ou não. E a mobilidade territorial, já que com a revolução dos transportes o território deixou de ser um elemento determinante na vida das pessoas. Tendo em consideração todas estas mobilidades, importava repensar a paróquia ou um modelo de paróquia que desse uma resposta a isso. O ponto de partida foi ver o que é que na paróquia tridentina era constitutivo ou determinante. A paróquia tridentina estava alicerçada no tríptico “liturgia, catequese e caridade”. São três elementos muito interessantes – e não deixam de ser válidos ainda hoje – mas já não dão resposta a estas mobilidades. Aquilo que se propõe são quatro pilares: a hospitalidade, a gestação, a comunicação e a memória. → A hospitalidade é a capacidade de a paróquia criar condições para acolher os novos membros, independentemente do seu estilo de vida e do ponto em que estão na sua caminhada de fé. Antigamente, o contexto cultural e a paróquia eram estáticos. Hoje, sob este signo da mobilidade, é preciso estabilidade, por isso é importante haver sempre alguém que acolha e acompanhe as pessoas. → Gestação, isto é, antigamente a fé era algo quase hereditário. Eram os nossos avós e os nossos pais que nos introduziam na fé. Hoje em dia os percursos são muito mais personalizados e individuais. Já não vamos só pelos nossos pais ou pelos nossos avós. Cada um é autor do seu próprio itinerário de fé. Este
processo da gestação acontece num contexto de pequenos grupos e de ritmos personalizados. → Comunicação, tem a ver com o que o teólogo Karl Rahner dizia, e que alguns documentos do Concílio Vaticano II também dizem, que aquilo que Deus quer é, acima de tudo, comunicar-se a si mesmo, um processo chamado de auto-comunicação. Deus comunica- -se para que nós possamos entrar em comunhão com ele, para O conhecer. Daí que faça parte do código genético da comunidade comunicar, ou seja, anunciar, evangelizar, dizer quem é Deus, quem é Jesus, quais são os seus valores e aquilo em que acredita. Se uma comunidade deixar de comunicar será uma comunidade morta. → A memória, entra em correspondência com outro fenómeno cultural que existe, que é o facto de muitos dizerem que vivemos numa sociedade sem memória, onde às vezes nos deparamos com esta loucura de pensarmos que o mundo começa connosco, que somos pioneiros em tudo e colocamos em causa o que está para trás. A comunidade cristã deve fazer a apologia da sua memória, do seu património, e imortalizar ou potenciar esta memória. A hospitalidade e a gestação procuram principalmente promover o crescimento dos atuais cristãos, possíveis cristãos, ou simplesmente curiosos, enquanto a comunicação e a memória estão voltadas para a maturidade. As primeiras duas mais num contexto de pequenos grupos, e as outras duas mais voltadas para o grande grupo, que seria a comunidade celebrativa ou a grande comunidade. Hoje, consideramos paróquia aquele edifício, espaço ou comunidade onde o pastor e os paroquianos celebram a fé, fazem catequese e uma série de outras ações de evangelização. Indo ao conceito original, paróquia significa “lugar de proximidade”, estar próximo das pessoas. É o que nos diz a Christifideles laici nº 26: «a Paróquia não é principalmente uma estrutura, um território, um edifício, mas é sobretudo «a família de Deus, como uma fraternidade animada pelo espírito de unidade», é «uma casa de família, fraterna e acolhedora», é a «comunidade de fiéis». Não é específico do pároco a função de governo, porque qualquer cristão, em função do batismo, pode governar. O que é próprio do padre é presidência. De facto, Ele preside à eucaristia, como também poderia presidir a uma forma de governo colegial. Neste governo colegial teriam assento os tais ministros, bem como outros sacerdotes, diáconos e religiosos. Isto faz com que os leigos não só tenham um papel mais ativo, como uma responsabilidade real na construção da comunidade cristã.
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Este novo modelo implica uma nova compreensão do termo de paróquia, ao alargar esse conceito a outras realidades significativas tais como uma escola, um hospital, ou um lugar de culto. NB: Este trabalho foi elaborado com base numa obra intitulada “Colégio de Paróquias”, do Pe. Tiago Freitas, da Arquidiocese de Braga.
JOÃO MIGUEL SILVA
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RETÁBULO DE SÃO SEBASTIÃO, IGREJA PAROQUIAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
A igreja de Nossa Senhora da Conceição é um dos mais antigos e mais importantes templos da cidade de Angra do Heroísmo. Já no século XV se pode constatar a sua existência, como uma pequena ermida. Atualmente, nela, do lado do Evangelho, junto à porta lateral, elevase um retábulo em talha dourada, para dar guarida à imagem do santo que lhe dá nome: São Sebastião. Curiosamente, este retábulo é gémeo de um outro retábulo, localizado mesmo em frente, do outro lado da Igreja, dedicado a São José. Contudo, pouco sabemos do seu autor, como refere a obra Retábulos nos Açores: “Desconhecemos a identidade do mestre, de limitada formação, responsável pelo risco e pelo entalhe, com muita probabilidade sediado nesta localidade” . É muito provável que este retábulo tenha sido entalhado nos fins do século XVII, começos do século XVIII, porque podemos constatar as linhas simétricas e verticais e vários elementos artísticos do Barroco Nacional. Ele conta com uma altura de aproximadamente quatro metros, e de largura, aproximadamente três metros. Possuí ainda, para além do trabalho de talha dourada, com a escultura de São Sebastião, com ourivesaria (setas e resplendor), e, na parte central do retábulo, no nicho que abriga a escultura, alguns têxteis. É recorrente, ao longo de todo o retábulo, a folhagem de acanto, com uvas e parras, com arquivoltas e vários frisos.
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É composto por um coroamento simétrico e vertical, encimando um corpo largo de intercolúnios e nicho, para poder abrigar a imagem de São Sebastião aquando do seu martírio. Mais abaixo, temos a base com um altar, de uma época e de um estilo posterior- é uma clara adaptação que se fez ao retábulo. Infelizmente, é um retábulo que carece de conservação e de um restauro urgente. Vemos lacunas e falta de peças no retábulo, também podemos observar a oxidação que dos pregos de ferro ao longo do altar, um ataque biológico acentuado, o verniz envelhecido, e constatamos ainda um relato de uma intervenção de limpeza com lixivia, que danificou gravemente o altar, fazendo com que a folha de ouro se desprendesse da camada de preparação do retábulo.
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VÁRIOS, Retábulos nos Açores, pág. 123.
ANTÓNIO SANTOS
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