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ANO XXX– Nº 316 – NOV/DEZ 2011
ENTREVISTA HOMENAGEM
MST de luto com
“A primeira tarefa é olhar para dentro, para nossos
SOLIDARIEDADE
Brigada participa
a morte do companheiro
assentamentos", afirma
da colheita de azeitonas
Egídio Brunetto
Elemar Cezimbra
na Palestina
Páginas 8, 9 e 13
Páginas 4 e 5
Página 12
EDITORIAL Tarefas é organizar assentamentos para serem referência de produção de alimentos de qualidade
Por um 2012 de lutas e conquistas O ANO DE 2011 poderia ser considerado como o 9º ano de um projeto político no governo, que é formado por uma coalizão de forças sociais e políticas, tendo na presidência o PT. Porém, para a Reforma Agrária, o processo se deu como se fosse o primeiro ano de um novo governo, com um viés menos político e mais gestor. Por um lado, isso provoca uma descontinuidade das políticas pontuais que vinham sendo realizadas. Por outro, abre perspectivas de conquistarmos programas mais estruturados. Um balanço desse primeiro ano de governo Dilma Rousseff demonstra que tivemos poucos avanços concretos. Se no início do ano havia possibilidades da implementação de programas de qualificação dos assentamentos – fundamentalmente na área de habitação, alfabetização e escolarização e de agroindustrialização – pouco se efetivou na prática.
Um balanço desse primeiro ano de governo Dilma Rousseff demonstra que tivemos poucos avanços concretos em nossa pauta
Em relação à obtenção de terras, temos uma faca de dois gumes. Por um lado, foi uma vitória a suplementação do orçamento da obtenção de R$ 400 milhões, obtidos em nossa jornada, chegando a R$ 930 milhões (valor superior aos anos anteriores, que será mantido em 2012). Por outro lado, somente 2.500 famílias do MST foram assentadas. O elemento que fica bastante claro é a necessidade de convencimento da viabilidade econômica dos assentamentos para que a presidenta realize desapropriações. Para a assinatura de qualquer decreto de desapropriação, o que não foi visto até dezembro, será necessário ao Incra convencê-la da viabilidade. Fizemos em 2011 um grande processo de lutas, buscando a unidade das forças no campo e na cidade. Até os pequenos avanços só foram possíveis com a mobilização social e a presença da Reforma Agrária nas lutas de várias organizações. Lutamos bravamente contra as mudanças propostas pelo agronegócio no Código Florestal e contra os agrotóxicos. O ano foi de expectativas e poucos avanços concretos, mas estamos longe de cair no desânimo. O Incra apresentou uma proposta com parâmetros para desapropriações à presidenta. O governo se comprometeu com a qualificação dos
assentamentos e o orçamento foi recomposto para o próximo ano. Não teremos um novo Plano Nacional de Reforma Agrária estruturado como tal, mas há um compromisso com novos assentamentos e qualificação da produção.
Tarefas Vamos aproveitar 2012 também para fazer um grande debate no nosso Movimento, buscando compreender os caminhos do capital no campo, o potencial da Reforma Agrária e o nosso papel. O necessário acúmulo de forças e as conquistas econômicas para a nossa base devem cumprir o papel de elevar a formação política e ideológica para avançar na democratização da terra e nas transformações da estrutura da sociedade que defendemos desde a nossa fundação. O ano termina com o sentimento de dever cumprido pelas lutas, atividades e alianças que conseguimos construir, mas infelizmente levaremos cicatrizes das perdas de companheiros que morreram, muitos deles nas rodovias do Brasil, como o nosso grande dirigente Egídio Brunetto. Vamos cobrar os compromissos com lutas, ocupações, marchas e mobilizações. As tarefas colocadas são organizar os assentamentos para serem referência
Palavra do leitor
Agrotóxicos
DIREÇÃO NACIONAL DO MST
Falta ao MST mais empreendedorismo: por que não anunciam seus produtos na Europa? Com certeza iria vender igual água. Por que não montam uma rede lojas aqui mesmo no Brasil, onde só venderiam produtos orgânicos gerados na Reforma Agrária? DANIEL
Trabalho em um hospital. Já se percebe um aumento na oncologia e quimioterapia. Saiu no jornal tempos atrás que era aplicado duas vezes veneno na plantação de trigo. Hoje já aumentou para quatro vezes. Já cheguei a pensar que o certo era produção em
gigantescas escalas, mas planto meu tomate em casa e não compro no mercado. Vi com meus olhos a produção de tomate: o uso de agrotóxicos é gritante. Não deixemos para acreditar no perigo dos agrotóxicos quando nossas famílias forem dizimadas. AURICELIO LOPES Mande sua mensagem para o Jornal Sem Terra
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de produção de alimentos de qualidade e sem venenos para a população brasileira, organizar os pobres do campo e da cidade em novos acampamentos e ocupações e realizar alianças ainda mais fortes. Os compromissos assumidos só se converterão em conquistas concretas com pressão social e unidade no programa e na luta com outros setores da classe trabalhadora, principalmente do campo. Se o lema desse governo é “País rico é país sem pobreza”, temos que abrir os olhos da povo que o modelo do agronegócio, baseado no latifúndio, na exportação, na exclusão social, no envenenamento da natureza e na destruição das florestas é a raiz da pobreza no campo. Vamos avançar na conquistas e a sociedade compreenderá que combater a pobreza é fazer Reforma Agrária. O ano novo será feliz com a força e mobilização do povo!
FRASE DO MÊS
Empreendedorismo
Crédito da Foto: do livro”Nossa Marcha, Nossa Casa, Nossa Vida”, do MST-AL
Fizemos em 2011 um grande processo de lutas, buscando a unidade das forças no campo e na cidade
Edição: Igor Felippe Santos. Revisão: Joana Tavares, Luiz Felipe Albuquerque e Vanessa Ramos. Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Mary Cardoso da Silva. Impressão: Atlântica Gráfica e Editora Ltda.. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/SP – Tel/fax: (11) 2131-0840. Correio eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.
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“A principal referência de luta do Brasil é o MST” TARIQ ALI, escritor e ativista paquistanês, que visitou a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), no dia 17 de novembro
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
ESTUDO Alimentos que compõem a base das dietas mundiais estão se transformando em commodities
Fome no mundo, resultante da especulação nas bolsas HORÁCIO MARTINS DE CARVALHO ENGENHEIRO AGRÔNOMO E CIENTISTA SOCIAL
Os meios de comunicação de massa noticiaram que a população mundial havia alcançado um total de 7 bilhões de pessoas. Essa notícia, afora os sensacionalismos que a acompanharam, destacava, ademais, que 1 bilhão de pessoas se encontravam em situação de desnutrição ou subnutrição. Isso quer dizer que estavam sofrendo, principalmente, de “fome oculta”, por não ingerirem a quantidade mínima necessária de calorias diárias. Entretanto, nunca se produziu tantos alimentos como na última década. Há alimentos disponíveis no mundo para atender à demanda, mas essa população em situação de fome não possui rendi-
Proposta de soberania alimentar da Via Campesina é uma das principais estratégias para a superação da fome no mundo mentos que permitam adquiri-los. São extremamente pobres. Fazem parte dos números sobre a pobreza que envergonham os povos, constrangem os mais apáticos e evidenciam a negação do mais elementar direito humano: o acesso à alimentação. Devido a essa pobreza e suas circunstâncias, registram-se 150 milhões de crianças subnutridas com menos de cinco anos de vida, sendo que 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano antes de completarem essa idade. Para o período 2010-2011, o balanço mundial entre a produção e o nível de consumo de cereais deve atingir um déficit de 43,1 milhões de toneladas. Mas, as atuais reservas mundiais que oscilam em torno de 483 milhões de toneladas permitiriam satisfazer em 11 vezes esse déficit estimado (de acordo com artigo de Vicent Boix). E se levarmos em conta que em 2009-2010 o mundo cultivou 2,3
bilhões de toneladas métricas de cereais e, desse total, 46% foi para a boca de pessoas, 34% foi para animais e 18% foi para máquinas – biocombustível e plásticos (segundo entrevista de Joel E. Cohen), se poderá inferir que a fome é, antes de tudo, resultante da especulação mundial de estoques e preços sobre os alimentos por grandes empresas capitalistas como Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e ADM, entre algumas outras. “A fome tende a se aprofundar na medida em que os preços mundiais dos alimentos estão batendo recordes consecutivos de alta nos últimos meses. Segundo a revista The Economist, os alimentos estão com os preços mais altos desde 1984. Relatório publicado em fevereiro pelo Banco Mundial revela que os preços dos alimentos continuam a subir. Entre outubro de 2010 e janeiro de 2011 aumentaram 15%. O aumento dos preços ocorreu principalmente com os alimentos básicos: trigo, milho, açúcar e óleos comestíveis”, afirma Eduardo Magalhães, em artigo.
em área colhida, 14 milhões de hectares. Vale assinalar que a soja liderou com ampla margem essa expansão, com incremento de 9,7 milhões de hectares. Ou seja, somente a expansão de área colhida com soja, entre 2000 e 2010, foi quase quatro vezes maior que o total da área colhida atual de arroz, ou cerca de três vezes superior à área atual colhida com feijão”. Os alimentos que compõem a base das dietas mundiais estão se transformando economicamente em ‘commodities’, mercadorias negociadas em mercados futuros e objeto internacional de especulação comercial. Esta é uma das principais causas da elevação dos preços dos alimentos. Mas, é a ausência de políticas de Reforma Agrária e de distribuição da renda e da riqueza que impedem a melhoria dos rendimentos de bilhões de pessoas em situação de extrema pobreza em todo o mundo. A crise financeira global que está se avizinhando já indica que haverá recursos públicos disponíveis para salvar os bancos e as grandes empresas nacio-
nais e transnacionais das consequências explícitas da especulação, da fraude e da sordidez em que os seus negócios se reproduziam e se reproduzem. Porém, mantida a concepção de mundo da ideologia capitalista, em que o valor central é a vida como negócio, será impossível eliminar as causas dos sofrimentos das pessoas pobres e subalimentadas. Para isso, é necessário romper com o paradigma de sociedade em que se vive. A superação dessa desumanidade exige ação integrada dos povos que desejam encontrar e instituir uma solução global, portadora de uma diversidade que contemple outros paradigmas para as sociedades de todo o mundo, e capaz de canalizar as esperanças e desejos de superação das causas das desigualdades sociais, das discriminações étnicas e as de gênero e incorporem uma nova relação das pessoas com a natureza. A proposta de soberania alimentar da Via Campesina Internacional é uma das principais estratégias para a superação da fome no mundo.
Avanço das monoculturas No Brasil, as iniciativas governamentais conseguiram superar a situação socialmente constrangedora de 1987, quando se constatou que aproximadamente 40% da população brasileira (50 milhões de pessoas) vivia em extrema pobreza. No entanto, ainda que seja um país com grande área agricultável, os dados evidenciam que esta área disponível para a produção de alimentos está sendo destinada aos monocultivos como a cana-de-açúcar e a soja, destinados preferencialmente à agroindútria e à exportação. De acordo com estudos de Gerson Teixeira, “do ano de 2000 para 2010, a área colhida com lavouras temporárias no Brasil passou de 44 milhões para 58,3 milhões de hectares, significando um crescimento, no período, de 14,3 milhões de hectares. Basicamente, esse incremento na área colhida se deveu ao aumento verificado nas lavouras de cana e soja. Juntas, essas culturas cresceram,
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
Na pintura 'Retirantes' (1944), de Cândido Portinari: fome e concentração de terras
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Vinícius Mansur
ENTREVISTA Grandes transformações no campo abrem a perspectiva do MST se reposicionar na luta de classes A agricultura passou por uma grande transformação no Brasil nos últimos 10 anos, com o avanço do modelo do agronegócio. Esse modelo está baseado na produção de monoculturas em latifúndios, em uma aliança dos fazendeiros capitalistas com empresas transnacionais e capital financeiro, promove uma mecanização que expulsa as famílias do campo e utiliza de forma excessiva venenos, os agrotóxicos. Essas mudanças operaram transformações na base material na agricultura, que impõem novos desafios para os movimentos que lutam pela Reforma Agrária e pela agricultura familiar e camponesa. “A dinâmica da luta mudou muito e isso também nos obriga a rever todo o processo. A conjuntura da década de 1980 era uma. Hoje é completamente diferente e muito mais complexa. O inimigo de classes é muito mais poderoso”, avalia o integrante da Coordenação Nacional do MST, Elemar do Nascimento Cezimbra. Nesta entrevista ao Jornal Sem Terra, ele avalia a Reforma Agrária sob o governo Dilma, os avanços necessários para o MST e as perspectivas para o próximo período. LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE SETOR DE COMUNICAÇÃO
Jornal Sem Terra – Qual o balanço da Reforma Agrária? Elemar Cezimbra – Em termos de desapropriações de áreas, o balanço foi extremamente negativo. Nenhuma área foi desapropriada no governo Dilma. As medidas para desenvolver os assentamentos tampouco avançaram. O programa para agroindústria, a negociação das dívidas e a assistência técnica até tiveram alguns avanços, mas, a política como um todo é extremamente negativa. O governo entrou na lógica triunfalista do agronegócio. Insistem em manter a invisibilidade do campesinato por esse Brasil afora e todas as contradições criadas por esse modelo, sem levar em conta toda a complexidade, o desenvolvimento cultural, educacional e social do campo.
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JST – O governo tinha margem para fazer mais? EC – O governo podia muito ter outras políticas. Não é só porque há uma correlação de forças desfavorável que não poderia ter alguns avanços. Os avanços que reconhecemos que aconteceram nos últimos anos se devem à nossa luta. Mas, o agronegócio fez uma contra-ofensiva muito forte e o governo se rendeu muito rápido. O governo atendeu prontamente todas as demandas do agronegócio, como o retrocesso na questão do Código Florestal e a liberação dos transgênicos. O governo comunga dessa visão de desenvolvimento, de mão única, baseado no latifúndio e no agronegócio. Não tem uma visão do imenso número de camponeses que podem ir parar nas favelas, caso não consigam ficar no campo. Esse é o resultado desse modelo. O contraponto da não realização da Reforma Agrária é a militarização das periferias do Rio de
Janeiro e a violência desraigada. O governo não olha esse outro aspecto. Não ouve-se o que está sendo dito por muitos intelectuais. É um governo surdo. JST – E qual o porquê dessa posição do governo? EC – Primeiro, as alianças. Mas o próprio governo defendia que essas alianças, com setores centristas e do agronegócio, não impediria que fossem trabalhadas duas visões de agricultura, a familiar e o agronegócio. No entanto, o que se coloca da estrutura do Estado para o agronegócio, os grandes projetos e as transnacionais é imensuravelmente maior do que se destina à pequena agricultura, que é amplamente majoritária. São quase 5 milhões de famílias de pequenos e médios agricultores, além dos sem-terra, que não são beneficiados. Essa aliança parece estranha num primeiro momento, por vir de um setor que tem uma trajetória
de esquerda popular. Mas é por isso que nos governos Lula e Dilma o agronegócio teve avanços como nunca na história deste país, pois houve uma junção. Quando era oposição, essas forças barravam um monte de coisas. Agora não há quem barre. Foi muito fácil passar os transgênicos. Agora estão levando de vento em poupa a questão do Código Florestal. Aumentou o número de crédito para o agronegócio, que está ganhando uma série de outras benesses. É um governo que também se entusiasmou com essa lógica de que o Brasil tem uma vocação agrícola por natureza. JST – Desde o início, o governo Dilma nunca deu sinais de que investiria na criação de novos assentamentos, mas que daria prioridade ao fortalecimento dos já existentes. Como avalia essa posição? EC – Cumpriram à risca a ideia de não investir na criação de novos assenta-
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JST – Nesse quadro, qual balanço das atividades do Movimento? EC – Nossa organização já tem quase 30 anos. O Brasil passa por uma conjuntura de grandes transformações no campo. O capital financeiro globalizado chegou pesadíssimo no Brasil nos últimos anos. Tudo isso causa muitas mudanças. O MST agora está em uma fase de se reposicionar nesse cenário da luta de classes. Para isso, vamos nos reorganizar, recompor forças e nos reorientar em vários aspectos. Esse é o grande debate que estamos preparando até o nosso 6º Congresso Nacional. Estamos fazendo uma avaliação, procurando entender essa conjuntura complexa com todas suas implicações, dentro do quadro da esquerda no Brasil e do descenso da luta de massas. Tudo isso também afeta a nossa luta, porque é uma parte desse todo e sofre as influências do que acontece na sociedade. Precisamos avançar enquanto referência de organização de luta. Até o Movimento ser criado, por exemplo, foram seis anos de articulações. Inicia-se em 1979 e o 1º Congresso aconteceu só em 85. Agora, quase 30 anos depois, precisamos avançar para corresponder às mudanças pelas quais o país passou. Já estamos há quatro anos discutindo e vamos continuar esse debate por mais dois anos. Ao mesmo tempo, vamos continuar fazendo as lutas.
JST – Quais os desafios do Movimento no próximo período? EC – Depois de 30 anos, o MST se territorializou nesse país. Estamos em 1200 municípios. Nossa primeira tarefa na luta é olhar para dentro, para os nossos assentamentos. Temos que nos reorganizar para apontar uma perspectiva de agricultura diferente, um novo projeto, nos nossos assentamentos.
demandas e nos organizar para respondê-las, o que deriva de uma série de outras mudanças. JST – O que o Movimento precisa fazer para aprofundar esse processo? EC – Em primeiro lugar, levar esse debate a toda nossa base. Precisamos avançar no trabalho de base para ter maior solidez no próximo período. A militância vai ter que estudar, entender esse momento e aprofundar nesse debate. É a primeira tarefa que já está sendo feita. Nossa base vai ter que entender esse novo período e como é que temos que nos posicionar dentro desse contexto. Enquanto se faz o trabalho de base, vamos também nos reorganizar. Também temos de seguir, com mais qualidade, na formação de quadros. Qual é a cabeça e o estilo do militante que vamos precisar nesse novo período? Se não tiver gente preparada não conseguiremos conduzir a luta. Os dirigentes que vão conduzir têm que estar colados com a base e bem preparados para essa nova conjuntura. A luta pela terra continua. Temos que trabalhar melhor com a nossa base a ideia de que a Reforma Agrária clássica, baseada apenas na distribuição de terras, está ultrapassada. A perspectiva é retomar com mais força o trabalho de ocupação de terras e latifúndios.
“O Brasil passa por uma conjuntura de grandes transformações no campo. O capital financeiro globalizado chegou pesadíssimo no Brasil nos últimos anos. Tudo isso causa muitas mudanças” Queremos produzir alimentos, levando em conta o meio ambiente, ter outra relação com a sociedade, recriar comunidades rurais, trabalhar a perspectiva de que o campo tem um lugar, sim, na história do desenvolvimento desse país e que não pode ser um vazio de gente. Além de organizar nossa casa, temos que olhar para o nosso entorno: dialogar com as comunidades vizinhas, com os municípios. Aprofundar as articulações com a classe trabalhadora, com outras organizações, aliados e com articulações internacionais. Isso nunca poderá ser abandonado. A partir daquilo que o Movimento já conquistou, teremos que nos relançar. Em 1985, não tínhamos quase nada. Os assentamentos estavam começando. Hoje, temos mais de 1 milhão de pessoas na base. São mais de 500 mil famílias. Há toda uma referência que se construiu. E tudo isso se mantém. JST – É hora de dar um salto de qualidade? EC – Nessa dinâmica de transformação, há momentos em que se exige saltos de qualidade. O MST está nesse momento. A dinâmica da luta mudou muito e isso também nos obriga a rever todo o processo. A conjuntura da década de 1980 era uma. Hoje é completamente diferente e muito mais complexa. O inimigo de classes é muito mais poderoso. Isso exige do MST um trabalho de base muito mais forte. E nisso temos que dialogar, ouvir, saber das
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JST – E o trabalho de base nos assentamentos? EC – Temos que aprofundar a discussão sobre o tipo de assentamento que queremos, levando em conta a organização, a agroecologia, assistência técnica, a cooperação e a agroindústria. E estamos pressionando o governo para
liberar mais investimentos. Temos uma visão de um camponês desenvolvido, avançado, que busca uma cooperação que não é o fim em si mesma, mas o meio. Esse é outro desafio. Temos que desenvolver os assentamentos buscando uma finalidade social na luta de classes, na perspectiva de uma transformação mais profunda. Tudo isso são meios, mecanismos e instrumentos para essa perspectiva maior, a perspectiva da utopia. Quem perde a utopia está perdido. Essas tarefas são grandes, mas temos que avançar. JST – Qual o papel de juventude nesse debate? EC – Precisamos fazer uma discussão forte sobre o que nós queremos com as nossas crianças e nossa juventude. Qual é o lugar deles e como fazer com que participem? É um trabalho que vamos retomar com mais força. O setor de gênero, as questões das mulheres, também é outro ponto. Temos que acelerar o processo de participação das mulheres na base, com mais efetividade, clareza e intencionalidade. Temos que traçar metas, aprender a nos organizar com menos espontaneidade. Junto à utopia, temos que traçar a estratégia e suas diretrizes. Traçar ações e avaliá-las. Trabalhar planejadamente é algo muito difícil em uma organização camponesa, mas temos que nos organizar. Essa qualidade não é só política e ideológica, é também técnica e administrativa. Organizar bem os recursos, viabilizar as finanças e qualificar a relação com o Estado. Temos que trabalhar seriamente o lado da autossustentação, com muito mais efetividade para podermos nos colocar com mais força no próximo período.
Douglas Mansur
mentos. Tanto que não desapropriaram nenhuma área. Havia, inclusive, mais de 100 processos de desapropriações que já estavam prontos e na mesa da presidenta Dilma, mas ela mandou voltar. Isso é impactante para quem esperava algum avanço de um governo com caráter mais popular. Toda a estrutura do Estado, quando se trata de interesses populares, é emperrada. O governo não faz muito para agilizar e acelerar. As políticas para melhorar os assentamentos foi muito tímida. Avançou muito pouco. As nossas lutas conseguiram acrescentar alguns pontos, colocando alguns recursos para uma coisa ou outra, mas, até agora não se tornaram realidade - pelo menos na rapidez que se esperava e que era possível. Se compararmos o orçamento dos governos anteriores com o governo atual em relação à Reforma Agrária, vemos uma grande diminuição. Ou seja, é um Estado que já não ajuda muito sob um governo com pouca vontade de atender esses setores sociais.
É necessário aprofundar a discussão da agroecologia e da cooperação.
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ESTADOS 45 trabalhadores rurais da Via Campesina receberam o diploma de bacharelado e licenciatura em Geografia
Judite Santos
Camponeses conquistam diploma em geografia pela Unesp ELISA ESTROLIONI SETOR DE COMUNICAÇÃO MAB
“QUE a universidade se pinte de negro, de mulato, de operário, de camponês.” Ainda que a utopia descrita por Che Guevara esteja longe da realidade brasileira, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) deu um passo nesse caminho: 45 trabalhadores rurais da Via Campesina receberam o diploma de bacharelado e licenciatura em Geografia, em novembro. A turma, batizada de Milton Santos, em homenagem ao geógrafo brasileiro, teve início em 2007, em uma parceria entre Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e a Via Campesina. O formato do curso foi adaptado à realidade dos trabalhadores rurais, composto de duas etapas anuais: uma realizada em janeiro e fevereiro, na Unesp, e outra em julho e agosto, na ENFF. “O nosso curso é considerado especial pelo sistema de alternância. Nosso tempo se dividia em tempo escola (período das aulas) e o tempo comunidade,
MARCELO MATTOS SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-CE
Cerimônia de formatura da turma, batizada com o nome de Milton Santos
onde continuávamos nossa militância, trabalho e estudo. A Via Campesina tem como princípio que para estudar não devemos nos afastar da realidade, dos espaços da luta”, conta Ivanei Dalla Costa, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e participante do curso. Os coordenadores do curso pela Unesp, Antonio Thomaz Jr. e Bernardo Mançano, descrevem o processo de criação do curso como “uma verdadeira batalha campal” travada dentro da burocracia da universidade. Porém, com a sensibilidade e clareza de muitos
diretores, foi possível o projeto. Além de militantes da Via Campesina (do MST, MPA, MAB, PJR), também participaram do curso integrantes das Escolas da Família Agrícola, da Consulta Popular, da Educafro e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “Temos a certeza que a possibilidade deste curso de geografia, e de muitos outros que estão sendo realizados em diversos lugares do país, é resultado de muita luta, de muitas ocupações de terra feitas por este Brasil afora”, afirmou Ivanei.
Rostos e lutas em preto e branco RAFAEL SORIANO SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-AL
UMA MARCHA de Sem Terra tomou as ruelas de estandes da 5ª Bienal do Livro da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), no lançamento do livro “Nossa Marcha, Nossa Casa, Nossa Vida”, uma publicação de depoimentos e imagens da luta pela Reforma Agrária em Alagoas. A maioria das fotos foram tiradas pelo fotógrafo Raul Spinassé, durante a Marcha Estadual Por Reforma Agrária e Soberania Popular em 2009. O livro é um documento que tenta transmitir a simplicidade e os traços de um povo que sabe o que quer e como chegar
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Assentados comemoram quatro anos de rádio em Madalena
Livro retrata cotidiano e traços humanos dos Sem Terra
até lá. A cerimônia contou com a presença de representantes do governo do estado, do Conselho Regional de Serviço Social e da Editora da Universidade Federal de Alagoas (Edufal). Para Débora Nunes, da Coordenação Nacional do MST, “as imagens bem retratadas no livro são um convite à sociedade alagoana para se aproximar do Movimento”. Segundo a militante, há um elitismo na produção do conhecimento. A publicação é resultado de uma curadoria de fotos em preto e branco de cenas cotidianas, traços humanos, momentos lúdicos e de militância, acompanhadas de depoimentos dos próprios trabalhadores.
AS FAMÍLIAS do assentamento 25 de maio, no município de Madalena (a 180 km de Fortaleza), comemoraram os quatro anos da rádio 25 de maio FM - 95,3, na comunidade Quieto, no final de novembro. Há quatro anos, no dia 23 de novembro de 2007, a rádio começou a romper mais uma cerca, a do latifúndio da comunicação, com a construção da primeira rádio do Movimento no Ceará, no primeiro assentamento do estado. A rádio transmite para 15 municípios programas musicais, esportivos e informativos, como o “Reforma Agrária em Debate”. Aos domingos, vai ao ar o “Sem Terrinha em Ação”, feito pelas próprias crianças. O programa “Cantoria” transmite música dos artistas da Reforma Agrária. A programação da rádio, que é construída de forma coletiva pela famílias do assentamento, é aberta à comunidade, fazendo uma comunicação diferente, educativa, comprometida com a transformação social. Além dessa, o MST mantém no ar mais duas rádios no Ceará (a Camponesa FM 95,7, abrangendo 10 municípios, e a Rádio Lagoa do Mineiro FM 95,3) e pretende inaugurar mais uma, a Aroeira Vilane FM 95,3. O Movimento tem também um programa às terças-feira na rádio AM São Francisco de Canindé.
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
ESTADOS Cada casa tem 71 metros quadrados, três quartos, sala, cozinha e banheiros
O PROJETO de elaboração de técnicas de construção de moradias, no Mato Grosso do Sul, rendeu à Reforma Agrária o título de vencedora da 6ª Edição do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2011, na categoria regional, no dia 22 de novembro. O projeto foi desenvolvido pela Associação Estadual de Cooperação Agrícola (Aesca), em parceria com o MST. “É um reconhecimento do trabalho que está sendo feito, em parceira entre a Aesca, o Incra, o MST e as famílias assentadas. Isso mostra a capacidade que nós temos de organização das famílias, além de gestão de recursos públicos”, diz Maria de Fátima de Medeiros Vieira, coordenadora do projeto. Casas de 71 metros quadrados, com três quartos, sala, cozinha e banheiros foram construídas pelo projeto. De acordo
BIA CARVALHO SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-SE
Metro quadrado custou 25% do valor de mercado
O projeto foi selecionado como ganhador disputando com outros 26 programas. Foram inscritos 1.116 projetos, mas apenas 264 candidatos atenderam aos critérios estabelecidos no edital e se configuraram como Tecnologias Sociais.
com Fátima, o mais impressionante é que o custo da moradia ficou em um pouco mais de 1/4 do preço de um metro quadrado avaliado no mercado. O preço do metro caiu de R$ 800 para R$ 250, segundo a coordenadora do projeto.
Cilone Zang
Unidade de beneficiamento envolve assentados em 12 municípios SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-RS
AS FAMÍLIAS de sete assentamentos da região metropolitana de Porto Alegre inauguraram uma unidade de beneficiamento de sementes de arroz orgânica, em outubro. A unidade beneficiará sementes produzidas por 33 famílias assentadas envolvendo 12 municípios produtores. Para o presidente da Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs), Émerson Giacomelli, a unidade garante uma maior autonomia para as famílias, que não dependerão de outros mecanismos para beneficiar as sementes. Com essa unidade, será possível realizar todo o processo pós-colheita, aumentar a produtividade das sementes orgânicas e ampliar a renda das famílias. “Teremos uma maior produtividade no arroz,
Projeto de Leitura é finalista de prêmio
elaborado a partir de uma semente limpa, sem agrotóxico”, afirmou. A unidade vai funcionar em Eldorado do Sul, na BR 290. A capacidade de beneficiamento é de 40sc/hora.
Premiação O projeto Casa da Leitura do assentamento Filhos de Sepé, em Viamão,
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
região metropolitana de Porto Alegre foi finalista do Prêmio Fato Literário, que premia projetos na área da cultura. O projeto é uma iniciativa do professor aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Graciela Quijano, com o apoio do MST e do Instituto Preservar. A proposta consiste na leitura de contos e poesias às crianças do assentamento e da Escola Nossa Senhora de Fátima. De acordo com a coordenadora do projeto, Cilone Zang, no local são oferecidas oficinas de fotografia, culinária, teatro, reaproveitamento de sucatas, capoeiras e outros. A iniciativa completou 13 anos em 2011. Além disso, o projeto proporciona a reflexão crítica nas crianças, de modo que percebam e compreendam suas realidades pessoais e coletivas, aproximando os assentados, crianças e jovens dos livros.
O assentamento 8 de outubro, localizado no município de Simão Dias, região Agreste de Sergipe, reuniu 500 pessoas na 12ª Festa da Abóbora, no final de outubro. A história começou há 14 anos, no dia 8 de outubro de 1997, quando 250 famílias do MST ocuparam a fazenda Quingibi-Floresta. O assentamento é um dos maiores produtores de milho e abóbora de Sergipe. Em 2011, produziu 150.000 sacas de milho e 15.000 quilos de abóbora. Parte desses alimentos é vendido para outros estados do Nordeste e para o Rio de Janeiro. Para Marcelo Alves, engenheiro agrônomo do MST, o assentamento é “uma vitrine das lutas e das conquistas da classe trabalhadora”. Os assentados estão terminando a construção de duas agroindústrias de milho e de doce de abóbora.
Agroecologia Em 2010, durante o curso do programa “Saberes da terra”, destinado aos filhos das famílias assentadas no assentamento 8 de outubro, os educandos começaram uma roça para colocar em prática uma experiência agroecológica dentro do assentamento. Os alunos resgataram sementes crioulas, adaptadas ao clima, e plantaram milho biológico, misturado com feijão e hortaliças. “A primeira roça foi um sucesso”, comemorou o educando Eduardo Ribeiro Lima. “Ganhamos do ponto de vista da saúde, do meio ambiente e também da coletividade, porque foi um trabalho realizado de forma coletiva”, avalia. Neste ano, o projeto ganhou apoio da Embrapa, que será parceira dessa experiência por três anos. Com isso, a roça agroecológica ganhará um sistema de irrigação e será construído um banco de sementes com as variedades cultivadas. MST-SE
LEANDRO CARRASCO SETOR DE COMUNICAÇÃO
MST-MS
Projeto de construção de casas recebe prêmio do Banco do Brasil
Festa da abóbora mostra produção do assentamento 8 de outubro
Assentamento produz por ano 15.000 quilos de abóbora
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Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
REALIDADE BRASILEIRA Dilma não assinou nenhum decreto de desapropriação de terras em 11 meses
POR LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE DO SETOR DE COMUNICAÇÃO
Arquivo MST
Apenas 6 mil famílias assentadas em 2011 A PRESIDENTA Dilma Rousseff encerrou seus primeiros 11 meses de governo sem ter realizado nenhuma nova desapropriação de terra. A presidenta recebeu cerca de 90 processos de desapropriações, cujos trâmites técnicos já tinham sido completamente realizados no governo anterior, bastava apenas a sua assinatura. Todavia, as desapropriações dessas áreas ainda não saíram. A promessa do governo diante da jornada de agosto de liberar até o final de ano R$ 400 milhões para a suplementação do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a obtenção de terras foi cumprida apenas em 1º de
Reforma Agrária em números Assentamentos • 6 mil famílias assentadas até outubro de 2011 (das 180 mil famílias acampadas, de acordo com o Incra)
Infraestrutura • 10% do orçamento do órgão destinado às obras para os assentamentos foram utilizados (de R$ 159 milhões programados, somente R$ 16 milhões foram aplicados)
Construção de moradias • 27% do orçamento utilizado foi em “instalação das famílias nos lotes” (apenas R$ 204 milhões, dos R$ 900 milhões previstos. A maior parte destinado à construção de moradias)
Assistência técnica • R$ 72 milhões (foi empregado metade do valor previsto para o ano todo, dos R$ 146 milhões)
Concentração das terras • Há 5,3 milhões de imóveis rurais no Brasil registrados no órgão, que juntos somam 587,1 milhões de hectares de terras. • 330 milhões de hectares estão nas mãos de 131 mil proprietários • Menos de 5% dos proprietários controlam 64% das propriedades rurais
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Cerca de 180 mil famílias vivem em acampamentos, 60 mil delas organizadas pelo MST
dezembro. Com isso, saiu na imprensa que 60 áreas serão desapropriadas, com capacidade de acolher 3.000 famílias. Mas, ainda falta a assinatura de Dilma. Essa demora adia a criação de novos assentamentos para resolver o problema das famílias acampadas e joga por água a baixo o trabalho do Incra, que tornou essas áreas passíveis de serem desapropriadas em um processo que leva de um ano e meio a dois anos. Nos dez primeiros meses do atual governo, apenas 6.072 famílias foram assentadas no país. A comparação do número de assentamentos criados entre janeiro e agosto com o primeiro mandato do governo Lula demonstra a lentidão da Reforma Agrária. Segundo dados do Incra, o governo criou 35 novos assentamentos, diante dos 135 do período Lula.
Investimentos O quadro relacionado aos investimentos nos assentamentos existentes não é muito diferente. Relatório interno do Incra, divulgado em outubro pelo Estado de S. Paulo, aponta que apenas 10% do orçamento do órgão destinado às obras de infraestrutura para os assentamentos foram utiliza-
dos. Dos R$ 159 milhões programados, somente R$ 16 milhões tinham sido aplicados. Estava previsto também o investimento de R$ 900 milhões na instalação das famílias em seus lotes, a maior parte destinado à construção de moradias. Entretanto, só 27% (R$ 204 milhões) desse valor foi utilizado até então. No caso dos contratos de serviço para assistência técnica, foi empregado metade do valor previsto para o ano todo: R$ 72 milhões
Enquanto a criação de novas áreas da Reforma Agrária não avança, cresce a concentração de terras no país dos R$ 146 milhões reservados. “Temos mais um ano perdido para a Reforma Agrária. A lentidão para o assentamento das famílias acampadas e para a execução de políticas para fortalecer os assentamentos é uma vergonha para um governo que tem como meta acabar com a pobreza no Brasil.
Sem Reforma Agrária, superar a pobreza não passa de propaganda”, avalia Marina dos Santos, da Coordenação Nacional do MST. Enquanto a criação de novas áreas da Reforma Agrária e os investimentos nos assentamentos não avançam, cresce a concentração de terras no país. Segundo o Incra, há 5,3 milhões de imóveis rurais no Brasil registrados no órgão, que juntos somam 587,1 milhões de hectares de terras. Cerca de 330 milhões de hectares estão nas mãos de 131 mil proprietários, o que representa menos de 5%. Ou seja, cerca de 64% das propriedades rurais brasileiras pertencem a 5% de latifundiários. “Durante a nossa jornada, o governo admitiu a inoperância e, sob ordem da presidenta Dilma, firmou compromissos para destravar essas medidas, garantindo o assentamento de 20 mil famílias acampadas neste ano, a criação de um programa de agroindústria e políticas para a educação de trabalhadores assentados”, avalia Marina dos Santos. O governo assumiu também o compromisso – ainda não cumprido – de elaborar uma política para a Reforma Agrária (uma emergencial e outra a longo prazo) e a renegociação das dívidas dos pequenos trabalhadores rurais.
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
REALIDADE BRASILEIRA Crianças reivindicam direito à educação e denunciam fechamento de escolas públicas
VANESSA RAMOS E MARCIA RAMOS SETOR DE COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
HÁ 16 ANOS, crianças Sem Terra – filhos e filhas de camponeses que lutam pela Reforma Agrária no Brasil – cumprem o papel de protagonista dentre as diversas lutas do MST. São crianças que fazem história com quadros de várias cores, falas de muitos lugares, ritmos do imenso Brasil, cantando e encantando como sujeitos do seu caminhar, na luta por escola, terra e dignidade. Nos encontros dos Sem Terrinha, também chamados de Jornada Nacional dos Sem Terrinha, as crianças brincam, cantam e debatem. São momentos, sobretudo, de celebração das vivências da mística, enraizada na dinâmica do ser Sem Terrinha. “A gente aprende a ser Sem Terrinha através das brincadeiras e das conversas”, disse Fernanda, de 12 anos, do Assentamento Agrovila III, em Itapeva, no interior de São Paulo. O Encontro dos Sem Terrinha acontece uma vez por ano, em torno do Dia das Crianças, o 12 de outubro. Neste ano, a iniciativa mobilizou mais de 13 mil
Fotos: Arquivo MST
Jornada dos Sem Terrinha mobiliza 13 mil crianças de todo o país pode colocar nas plantas. E cantamos assim: ‘brilha no céu a estrela do Che, nós somos Sem Terrinha do MST’, no ato que fizemos em frente à Câmara de Vereadores”, contou. Para Andrea, de 13 anos, irmã de Amanda, o encontro trouxe assuntos bem sérios: “fechar escolas é feio, porque tem muitas pessoas que ficam sem estudar e por isso fechar escola é crime”.
“O encontro foi bom, organizado e interessante”, avalia Quéllen, de 12 anos, acampada na Bahia
Crianças denunciaram o fechamento de mais de 37 mil escolas
crianças de assentamentos e acampamentos do MST, em 16 estados. “Achei o encontro muito bom, organizado e interessante. Gostei muito de ver tantas crianças juntas”, contou Quéllem, de 12 anos, do Acampamento Jacy Rocha, na Bahia. O tema trabalhado nesta edição foi: “Fechar escola é crime”, da Campanha Nacional Contra o Fechamento de Escolas do Campo, lançada pelo MST em junho deste ano, para denunciar o fechamento de escolas na área rural. Foram fechadas 37.776 escolas do campo nos últimos 10 anos, segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC). Dentre as reivindicações dos Sem Terrinha, estavam o direito à educação de qualidade; a construção de escolas no campo, desde a educação infantil ao ensino médio; a reabertura das escolas fechadas; a construção de Centros de Educação Infantil, Ciranda Infantil com parque, acesso a oficinas de teatro, música, dança e alimentação escolar dos assentamentos de Reforma Agrária e da agricultura familiar.
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
Amanda, de 11 anos, do acampamento Claudia e Néia, em Campos dos Goytacazes (RJ), participou do Encontro Sem Terrinha pela primeira vez e gostou. “Participei de muitas brincadeiras e teve outras coisas legais: filmes, oficinas... Estudei sobre os venenos [agrotóxicos] e aprendi que não
“Nós precisamos de cuidados, ter um bom local para aguardar o ônibus, já que temos que estudar na cidade. Melhor seria a escola no assentamento e isso é direito nosso”, desabafou Quiara, 13 anos, do Assentamento Genivaldo Moura (AL). A Jornada Nacional dos Sem Terrinha foi realizada no Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraíba, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Pará e Maranhão.
Dezesseis estados se mobilizaram na jornada de outubro
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INTERNACIONAL Militantes contribuem com o trabalho dos camponeses e participam das lutas pela libertação
MARCELO BUZETTO COLETIVA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E INTEGRANTE DA BRIGADA DE SOLIDARIEDADE NA PALESTINA
UM GRUPO de 17 militantes do MST, da Via Campesina Brasil, da Consulta Popular e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (região metropolitana de São Paulo) ficou durante 30 dias na Palestina, visitando diversos territórios ocupados por Israel em 1948, em 1967 e em comunidades ocupadas ilegalmente após os acordos de Oslo (1994). Os militantes, que ficaram na região entre outubro e novembro, formaram uma brigada de solidariedade internacionalista, que recebeu o nome de Ghassan Khanafani, jornalista, escritor e revolucionário palestino assassinado por agentes israelenses no Líbano em 1972. A brigada contribuiu na colheita de azeitonas junto às famílias camponesas palestinas, em uma ação de solidariedade contra a violência praticada por colonos sionistas-israelenses e pelo exército de Israel, que procuram intimidar e impedir a realização desse trabalho.
A brigada participou da colheita de azeitonas junto às famílias camponesas palestinas, que são reprimidas por colonos sionistas-israelenses e pelo exército de Israel O grupo participou também do 1º Encontro de Camponeses, Trabalhadores Rurais e Pescadores da Palestina, organizado por entidades como a União dos Comitês de Trabalho Agrícola, a União dos Comitês de Mulheres Palestinas, o Centro de Informação Alternativa e o Mundubat. Nesse período, os militantes puderam debater com as organizações locais os passos necessários para a construção da Via Campesina no mundo árabe, além de aprofundar o conhecimento sobre a situação econômica, política, social e cultural, por meio do contato com organizações políticas palestinas e com movimentos
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Arquivo MST
Brigada de Solidariedade Internacional fica 30 dias na Palestina
Militantes debateram com organizações locais a construção da Via Campesina no mundo árabe
israelenses que apoiam essa luta de libertação nacional e autodeterminação. A brigada conheceu a luta dos trabalhadores israelenses por moradia e visitou um grupo de famílias sem-teto que ocuparam um prédio em Jerusalém e foram despejados pela polícia. Essas famílias organizam o Comitê em Defesa da Moradia Pública, que pressiona o governo israelense a criar uma política habitacional para atender os interesses dos mais pobres. A pobreza e a desigualdade social nas cidades hoje controladas por Israel é crescente. Na cidade velha de Jerusalém, nas proximidades do Muro das Lamentações, local sagrado para o judaísmo, é possível se deparar com homens e mulheres israelenses pedindo esmolas. O grupo de militantes brasileiros também esteve reunido com a Força Para os Trabalhadores (FPT), uma experiência concreta de organização autônoma dos trabalhadores. A entidade é uma nova central sindical, construída por meio das lutas dos trabalhadores precarizados e de outras categorias sem representação sindical. A FPT está em processo de construção, mas já obteve algumas vitórias importantes, como na greve de empresas químicas de Haifa, no início deste ano. Trabalhadores israelenses e árabes-
palestinos estão se sindicalizando, o que é fato inédito desde a fundação do Estado de Israel, em 15 de maio de 1948. Durante visita em Hebron, conhecemos a parte da cidade ocupada por Israel em 1967, onde estão fechados as casas e o comércio que eram de famílias palestinas, expulsas para que fosse 11realizado o processo de transformação de Hebron em uma “cidade judaica”, obsessão dos colonos sionistas que controlam parte da cidade.
Solidariedade na luta A brigada participou da mobilização do Comitê Popular de Bi´lin, comunidade da Cisjordânia conhecida por realizar toda sexta-feira passeatas contra o muro do apartheid, construído para separar a vila do assentamento judeu-sionista criado após os acordos de paz de 1994. Assim como em Bi´lin, várias terras palestinas da Cisjordânia foram ocupadas militarmente por Israel para dar continuidade ao projeto expansionista-colonialista, fato que tem feito crescer críticas (entre o povo) aos acordos assinados entre Autoridade Palestina e Israel. Como Israel não cumpre as resoluções das Nações Unidas e as deliberações dos acordos, palestinos já falam do fim e da
morte do processo de paz iniciado pelas negociações diretas com Israel. A luta e a mobilização popular ganham força como principais instrumentos para derrotar a ocupação israelense. Na manifestação em Bi´lin, soldados israelenses jogaram bombas de gás e dispararam contra os palestinos e os internacionalistas do Brasil, Venezuela, França, Irlanda do Norte e Inglaterra. Em uma ação legítima de defesa diante do ataque das forças colonialistas israelenses e dos colonos que tomaram suas terras, jovens palestinos responderam com pedras a agressão sofrida. Violência semelhante já tinha acontecido contra a brigada e os camponeses palestinos no vilarejo de Jalud, durante a colheita de azeitonas na Área C, território palestino da Cisjordânia sob controle total das tropas israelenses. Colonos israelenses atiraram com fuzis e agrediram os internacionalistas. Logo depois chegou o exército com o chamado “armamento não-letal”. A Brigada Internacionalista Ghassan Kanafani é mais um exemplo concreto da luta dos trabalhadores e trabalhadoras pela construção de uma nova sociedade, mais justa, democrática e verdadeiramente humana: a sociedade socialista, que superará as fronteiras criadas pelo mundo do capital.
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
LUTADORES DO POVO O último orgulho de Egídio foi uma cartinha escrita por usa filha à presidenta
MST perde Egídio Brunetto, companheiro de todas as batalhas O CÉU ESTAVA CLARO, onde uma grande festa acontecia sob o calor de dezembro, no Mato Grosso do Sul. Ônibus e carros chegavam e não paravam de chegar. Era gente do Brasil todo para prestigiar a festa que uma liderança indígena realizava para casar a sua filha, chamada Atiliana, uma indígena da tribo Terena, com o camponês e militante Sem Terra Egídio Brunetto. O ano da união de uma indígena com um Sem Terra foi 1995. Dez anos antes, no dia 25 de maio de 1985, o MST realizou a primeira ocupação no município de Abelardo Luz, em Santa Catarina. Como não podia ser diferente, Egídio estava lá. Por ser um jovem ativo, liderou a primeira comissão de negociação de despejo e assentamento das famílias acampadas. E assim iniciou a sua bela trajetória dentro do Movimento. Filho de camponeses Sem Terra, Egídio nasceu em 8 de novembro de 1956. Começou a trabalhar na roça ainda criança para ajudar o pai. Como muitos jovens camponeses, a indignação cresceu junto dele e logo descobriu que a única solução para resolver os problemas sociais e agrários do
“Um camponês astuto, um sábio formado pela própria cultura. Gostava das coisas práticas. Era franco, direto e extremamente generoso” Ademar Bogo, companheiro de luta no MST
Brasil era a luta. Assim, não demorou muito para se envolver com a Pastoral da Terra, na região de Xanxerê, município de Santa Catarina. Ainda na década de 80, foi para o Mato Grosso do Sul lutar pela Reforma Agrária e por mudanças sociais. Lá conheceu Atiliana, com quem teve o filho Giovanni Ernesto, uma homena-
A perda
Fotos: Douglas Mansur
VANESSA RAMOS SETOR DE COMUNICAÇÃO
Egídio empunhou a bandeira do internacionalismo e solidariedade
gem ao seu pai e ao Che Guevara. Era 2 de maio, domingo do Dia das Mães. “E lá estávamos na maternidade. Ele todo orgulhoso dando entrevista, levou a repórter até meu quarto e também falei um pouco da importância desse papel de ser mãe e, assim, se mostrou companheiro, sempre cuidadoso. Levantava na madrugada comigo para cuidar de Giovanni. Era o melhor pai, orgulhoso em cada surpresa que nosso menino apresentava e, assim, continuávamos nos amando”, relembra Atiliana. Em 2002, nasceu a menina Anahi, uma homenagem a índia Guarani que defendeu seu povo contra os espanhóis. “Nossa vida foi construída com muita alegria”, conta Atiliana. Como um pássaro, Egídio voou mais alto: empunhou a bandeira do internacionalismo e da solidariedade às luta dos povos e da classe trabalhadora, responsável pela relação do Movimento com organizações camponesas na América Latina e no mundo. Foi o fundador da Via Campesina Internacional. Segundo seu amigo e companheiro de luta no Movimento, o catarinense Ademar Bogo, duas características fortes marcavam a sua personalidade: a sensibilidade e a inteligência. “Um camponês astuto, um sábio formado pela própria cultura. Gostava das coisas práticas. Era franco, direto e extremamente generoso”, descreve.
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
Contador de histórias Egídio aprendeu a importância da organização dos camponeses participando dela. De acordo com Bogo, orientava-se por princípios e era portador de uma elevada auto-estima e de uma moral revolucionária. Gostava de ouvir histórias e depois recontá-las. As viagens que fizera pelo mundo o ajudaram a se tornar uma bela biblioteca de exemplos. Ouvia lideranças, personalidades e intelectuais com admiração e tornava o que diziam em conteúdos de reflexões nas falas que constantemente fazia. Carregava consigo sempre alguma semente, um remédio ou uma receita e aproveitava todos os momentos para anunciar os benefícios que a natureza guarda para colaborar com o ser humano. Não era intransigente, mas tinha firmeza naquilo que dizia e defendia. Para ele, o imperialismo era inaceitável e deveria ser combatido com todos os instrumentos em todas as parte do mundo. Paciente, meio tímido, sabia esperar. Não gostava de exibir-se, nem de pompa, de luxo ou privilégio, mas defendia a estética e a beleza, frutos do trabalho e das conquistas humanitárias. “Movia-se pela mística revolucionária”, segundo Bogo. “Percebia-se na expressão da fala e no olhar que guardava em si uma esperança, um desejo, uma utopia. Por tudo isso, praticava com facilidade dezenas de valores”, disse Bogo.
Na final da tarde do dia 28 de novembro de 2011, um trágico acidente de automóvel em Ponta Porã, na divisa do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, tirou a sua vida. Egídio seguia para um assentamento da região quando sofreu o acidente. Nos últimos meses, antes da tragédia, o orgulho de Egídio era uma cartinha escrita pela filha para ser entregue à presidenta Dilma. A redação tratava de racismo. Atiliana contou que nem ele mesmo tinha pensado na dimensão do problema que ela colocou no papel, pois ela trabalhou a ideia do racismo contra o branco, o negro e o índio. “Ele ficou tão feliz e orgulhoso, principalmente quando ela escreveu: o governador diz que os índios são preguiçosos, mas meus avós trabalham muito para ter o que comer”.
“Foi o companheiro mais maravilhoso que alguém pode ter. Sou muito feliz de ter sido a pessoa que conviveu com seus beijos, abraços, carícias” Atiliana, esposa de Egídio Brunetto
“Ele foi o companheiro mais maravilhoso que alguém pode ter. Sou muito feliz de ter sido a pessoa que conviveu com seus beijos, abraços, carícias. Ele foi companheiro, amante, namorado. Me encheu de pequenos símbolos que hoje me agarro para diminuir a dor da saudade que ficou em meu peito”, contou emocionada Atiliana.
Egídio com a filha Anali no colo
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LITERATURA Escritor escreveu prosa e criou inúmeros poemas, conhecidos e amados mundialmente
As várias faces do poeta português JOANA TAVARES REPÓRTER DO JORNAL BRASIL DE FATO
O NOME PARECE ter sido um destino. Fernando Pessoa nasceu e morreu em Lisboa, capital de Portugal, vivendo de 1888 a 1935. Foi muitos. Desde criança, conheceu o mundo escrevendo, criando e inventando heterônimos, seus personagens-escritores que tinham biografia, histórias e estilos próprios. Os mais conhecidos são Álvaro de
Campos, Alberto Caiero e Ricardo Reis, mas não são os únicos. Foi por meio dessas outras pessoas ou por seu próprio nome que o poeta português criou inúmeros poemas, conhecidos e amados mundialmente e ainda escreveu em prosa, para crianças e em versos simples. Dizem que teve uma vida solitária e quieta e que morreu por excesso de álcool. Mas digam o que disserem, foi um dos principais poetas de nossa língua.
Poema em linha reta Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, quem quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que conheço e que faça comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipe, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Tabacaria Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornandose esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. (...)
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O guardador de rebanhos O mistério das cousas, onde está ele? Onde está ele que não aparece Pelo menos a mostrar-nos que é mistério? Que sabe o rio e que sabe a árvore? E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as cousas penso no que os homens pensam delas, Rio como um regato que soa fresco numa pedra. Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido nenhum. É mais estranho que todas as estranhezas E do que os sonhos de todos os poetas E os pensamentos de todos os filósofos, Que as cousas sejam realmente o que parecem ser E não haja nada que compreender. Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: - As cousas não têm significação: têm existência. As cousas são o único sentido oculto das cousas.
JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
Para não esquecer
Roberto Parizotti
MST recebe 1º Prêmio CUT Democracia e Liberdade Sempre
Janeiro 01 Revolução Cubana, 1959 01 Levante popular em Chiapas, México, 1994 01 Independência da República Negra do Haiti, 1804 03 Nascimento de Luiz Carlos Prestes, 1898 09 Greve dos tipógrafos de três jornais no Rio de Janeiro, considerada a primeira greve no Brasil, 1858 13 Morre o historiador marxista Nélson Werneck Sodré, 1999
O MST recebeu o prêmio “Instituição de Destaque na Luta por Democracia e Liberdade” de 2011 na 1ª edição do Prêmio CUT Democracia e Liberdade Sempre, em 13 de dezembro. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, e a secretaria de Meio Ambiente, Carmen Foro, entregaram o troféu para os dirigentes do MST Gilmar Mauro e Atiliana Brunetto (na foto). O prêmio homenageia personalidades e entidades que lutam pela democratização do Brasil. Maria da Penha, Rosalina Santa Cruz, Frei Betto, D. Pedro Casaldáliga e o ex-presidente Lula também foram homenageados.
30 anos JST
A editora Expressão Popular lançou um pequeno livro com um perfil simples, mas não simplista, do general que serviu aos mais nobres interesses do povo brasileiro. O professor e militante socialista José Paulo Netto conta a trajetória do historiador rigoroso e culto estudioso da cultura que ofereceu ao país as mais altas provas de coragem cívica e grandeza moral.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo foi palco de uma atividade de comemoração dos 30 anos do Jornal Sem Terra, no dia 16 de novembro. A atividade foi promovida pelo MST e pelo Intervozes, que lançou o relatório “Vozes Silenciadas”, que apresenta estudo da cobertura midíatica sobre o Movimento durante a CPMI de 2010. “O Jornal Sem Terra se mantém até hoje porque está ligado a uma trajetória de luta concreta. A comunicação é uma grande aliada para fazer a luta avançar”, afirmou Solange
Engelmann, da Coordenação Nacional do MST. Para Altamiro Borges, do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, o jornal cumpre os três principais papéis da imprensa popular: ser um agitador, um propagandista e um organizador coletivo.
“A privataria tucana” mostra corrupção do PSDB O livro “A privataria tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr, apresenta uma grande reportagem que devassa os subterrâneos da privatização realizada no Brasil sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. É, talvez, a mais profunda e abrangente abordagem jamais feita deste tema. Essa investigação — que durou 10 anos — não se limita a resgatar a selvageria neoliberal dos anos 1990, que dizimou o patrimônio público nacional, deixando o país mais pobre e os ricos mais ricos. Também comprova as movimentações de Verônica Serra, filha do ex-candidato do PSDB à Presidência da República, e as de seu marido, o empresário Alexandre Bourgeois, que seguiram no Caribe as lições do ex-tesoureiro de Serra e eminência parda das privatizações, Ricardo Sérgio de Oliveira. Descreve ainda suas ligações perigosas com o banqueiro Daniel Dantas. “A Privataria Tucana”, Amaury Ribeiro Jr Geração Editorial R$ 30,00
15 Nascimento de Martin Luther King, 1929 15 Assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, 1919 21 Morre Vladimir Ilitch Ulianov Lênin, 1924 22 Nascimento de Antonio Gramsci, 1891 22 Nascimento de Leonel Brizola, 1922 28 Nascimento de José Martí, 1853 29 1º Congresso do MST, 29 a 31 de janeiro de 1985 JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011
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O tema da Agenda MST 2012 é a atualidade da Reforma Agrária Popular, da soberania alimentar e da agroecologia. A agenda é mais um instrumento para a luta do povo brasileiro, que decidirá o modelo de agricultura que teremos em nosso país.
R$15,00 Para encomendar a sua agenda, envie um correio eletrônico para pedidos1@mst.org.br
Alameda Barão de Limeira, 1232 Campos Elíseos CEP 01202-002 - São Paulo/SP
ASSINATURA ANUAL: R$ 30,00
IMPRESSO