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Ano XXXIII • Nº 326 • Dezembro- 2014

“2015 será o ano de retomar grandes mobilizações pela Reforma Agrária”

Joka Madruga

eStudo

Realidade Brasileira

Lutadores do Povo

Saiba o que é uma Constituinte

Escola Nacional Florestan

Leandro Konder, o profeta da

Exclusiva para a reforma do Fernandes completa 10 anos Sistema Político

de luta da classe trabalhadora Página 2

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dialética

Página 9

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Editorial Ou avançamos na conquista de mais direitos ou retrocedemos e damos mais lucros às grandes empresas.

A retomada da luta pela terra dará o tom de um novo momento da luta de classes Estamos entrando num novo ciclo da luta política no Brasil, onde a participação popular em grandes decisões que afetam diretamente o futuro do país será cada vez mais cobrada, e isso ocorrerá nas ruas. O novo governo da presidenta Dilma Rousseff foi eleito sob a base da mudança. Foi esse o recado dado pelo povo, após vivenciar o confronto entre dois projetos políticos antagônicos para o Brasil. O discurso vencedor foi justamente o que coloca o país no rumo das transformações estruturais, contrapondo o atual sistema político, cada vez mais voltado aos interesses do capital e retrocedendo nos direitos constitucionais do povo brasileiro.

É necessário a unidade entre os movimentos do campo e da cidade para mobilizar o Brasil

Reconhecemos que nos últimos 12 anos houve melhorias na vida do trabalhador, mas este modelo de distribuição de renda de políticas compensatórias com alta taxa de lucro das empresas se esgotou. O governo não consegue fechar a conta, as empresas querem obter mais lucros e os trabalhadores mais direitos. É este o campo de batalha que teremos para o próximo período: ou avançamos na conquista de mais direitos para os trabalhadores, ou retrocedemos ao disponibilizar mais lucros às empresas e ao agronegócio. Neste contexto, nós que estamos na luta pela terra e pelo território, temos como tarefa fundamental construir um amplo arco de alianças com os movimentos urbanos em torno de uma Constituinte Exclusiva e Soberana. É necessária a unidade entre os movimentos do campo e da cidade para mobilizar os quatro cantos do Brasil por essa luta, já que só a pressão popular garantirá que o governo faça uma reforma política exclusiva e soberana.

Lutar pela Constituinte é abrir caminhos para outras grandes reformas estruturais, como a Reforma Agrária, a reforma tributária para taxar as grandes riquezas, a reforma do Poder Judiciário e a democratização dos meios de comunicação. Além de fortalecer a unidade entre campo e cidade, também é preciso ampliar e fortalecer a unidade no campo por meio da Via Campesina. A construção de espaço de formação e luta dos povos do campo, como ocorreu em agosto de 2012 no 1° Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, possibilitou que mais de 333 organizações do campo se reunissem numa plataforma política e tirassem um calendário unificado de luta em defesa da Reforma Agrária e do território. A retomada da luta pela terra combinada com os novos desafios organizativos terá que dar o tom de um novo momento do processo de luta de classes. Precisamos de políticas do campo que possibilitem a mudança do curso do desenvolvimento para

Temos como tarefa construir um amplo arco de alianças com os movimentos urbanos em torno de uma Constituinte a agricultura, e isso significa mudar a matriz tecnológica voltada para produção de alimentos, priorizando o fim do uso de agrotóxicos, que avance na demarcação do território indígena e quilombola e garanta a plena democratização da terra. Portanto, a unidade no processo de luta pelas reformas estruturantes é nosso desafio nesse novo período, atrelado à construção da Reforma Agrária Popular e a massificação do combate ao latifúndio, seja por meio da produtividade, da degradação do meio ambiente ou pelo trabalho escravo.

Direção Nacional do MST

Palavra do Leitor “Realmente precisamos estender as feiras da Reforma Agrária, porque é bom que se saiba que os alimentos saudáveis da agricultura familiar estão no dia a dia dos Brasileiros” - Osni Jacinto

“O MST tem que lutar por mais linha de créditos, assistência e inserção no mercado porque SE O CAMPO NÃO PLANTA A CIDADE NÃO JANTA!” Conceição Vieira

“A unidade entre campo e cidade é fundamental para uma nova sociedade” – Ermínia Maricato, professora da Universidade de São Paulo

“A Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral” - Papa Francisco

Edição - chefe: Luiz Felipe Albuquerque. Revisão: José Coutinho Jr. e Maura Silva. Projeto Gráfico: Eliel Almeida. Diagramação: Maura Silva. Assinaturas: Elaine Silva Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 - CEP -1202-002 - São Paulo (SP) - Tel. (11) 2131-0850. Correio Eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do JST podem ser reproduzidos por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a integra do material. Jornal Sem Terra • Dezembro 2014 JST - Rev..indd 2

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Estudo A Reforma Política é pauta central no debate atual, resta saber se será feita pelo povo ou pelo Congresso.

Mas o que é isso de Constituinte Esclusiva para a Reforma do Sistema Político? O Congresso Nacional não é capaz de fazer uma reforma estrutural que rompa com seus próprios interesses. Hoje, a Câmara dos Deputados e o Senado são compostos por representantes dos setores mais atrasados da sociedade brasileira, como banqueiros, grandes empresários e latifundiários. As campanhas eleitorais são financiadas por esses mesmos grupos, que veem na política mais uma forma de investir em seus negócios e ter seus interesses satisfeitos na formulação das leis que regem o país. Por isso, deixar a Reforma Política para esse Congresso é jogar a água da banheira com a criança dentro. Apenas um fórum de debate com representantes do povo, eleitos exclusivamente para reformar o Sistema Político e alterar a Constituição nos pontos que dizem respeito a ele, pode proporcionar avanços que contemplem os interesses mais amplos da população e não apenas de uma minoria. A exclusividade exige, ainda, que a elaboração dos novos pontos constitucionais se dê mediante a consulta cidadã e a participação popular, com audiências junto à população. Após realizada a Assembleia e aprovada as mudanças, esses representantes terminariam seus mandatos e seguiriam suas vidas, o que possibilitaria que o debate sobre a Reforma Política se desse em outro nível, sem o estreito vínculo com interesses individuais. Esse fórum se chama Assembleia Constituinte Exclusiva do Sistema Político. Com uma Assembleia Constituinte, as questões que realmente interessam à política do país seriam colocadas,

Reprodução

Lucas Pelissari Executiva Nacional do Plebiscito por uma Constituinte

Ato em SP reuniu mais de 2 mil pessoas pela Constituinte, em setembro

como o financiamento público das campanhas, os mecanismos de enfrentamento à sub-representação de setores como negros, indígenas e LGBTTs, o fortalecimento de ferramentas de democracia participativa, como os plebiscitos, referendos e Projetos de Lei de Iniciativa Popular (PLIPs), a composição da Câmara e do Senado, etc. Não restam dúvidas

O Congresso tem seu próprio projeto de reforma, e é outra proposta em jogo nessa disputa de que a Reforma Política é pauta central no debate institucional atual. Foi tema das eleições presidenciais e está presente nas discussões dos três poderes em Brasília. O centro da questão, no entanto, é quem fará a Reforma Política, se é o povo ou o Congresso. A campanha do Plebiscito Popular por uma Constituinte

Exclusiva e Soberana do Sistema Política, organizada a partir de mais de 2.000 comitês em todos os estados coletou, em setembro deste ano, quase 8 milhões de votos em urnas populares, sendo 97,05% deles favoráveis à convocação da Constituinte. O resultado foi entregue aos três poderes, e um Projeto de Decreto Legislativo foi protocolado na Câmara (PDC 1805/2014) e no Senado (PDS 150/2014). O projeto prevê a convocação de um Plebiscito Oficial, nos termos constitucionais, que consulte à população em relação à pergunta: “Você é a favor de uma Assembleia Constituinte Exclusiva do Sistema Político?”. O Congresso, porém, recusa-se a enxergar a realidade, e tem seu próprio projeto tramitando na casa. O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 352/13 tramita na Câmara desde julho de 2013, e é outra proposta em jogo nessa disputa. Ela é resultado da reunião de 37 projetos que não tocam em nenhum dos pontos cruciais que atravancam o atual Sistema Político. Essa PEC

não passa de uma contrarreforma política, que propõe apenas a reformulação de questões eleitorais como o voto facultativo e a reeleição, sem o debate do financiamento das campanhas e a discussão mais ampla sobre o Sistema Político do país. Seguir organizando a luta de massas pela Constituinte significa, atualmente, pressionar ao máximo as instituições para que um projeto que beneficie o povo brasileiro seja aprovado nas duas casas. Isso significa enfrentar os poderosos que se recusam a querer enxergar a verdade: a população quer mudanças significativas e sabe que isso não vai acontecer com o atual Congresso.

Afinal, o que é uma Constituinte? É a realização de uma assembleia de representantes eleitos pelo povo que recebem o mandato para criar ou modificar a Constituição e definir as regras e o funcionamento das instituições do país, como o governo, o congresso e o judiciário. A Constituinte que propomos deve servir para mudar as regras do sistema político e abrir caminho para as aspirações populares, como saúde, educação, transporte e reforma agrária. Por que Exclusiva e Soberana? Deve ser exclusiva para que os representantes sejam eleitos exclusivamente para isso. Não serão os deputados atuais, já que não iriam caçar seus próprios privilégios. Deve ser soberana para ter o poder de mudar o sistema político. Ou seja, estará acima de todos os outros poderes.

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Entrevista Para o coordenador nacional do MST, diante do atual Congresso Nacional e da polarização da luta, “ou

Mídia Ninja

Jaime Amorim: “Temos que ir para ofensiva contra esse novo Congresso conservador”

Marcha dos Sem Terra, em Brasília, durante o 6º Congresso Nacional do MST, em fevereiro de 2014

Por José Coutinho Júnior Setor de Comunicação do MST

Em entrevista ao JST, Jaime Amorim, da coordenação nacional do MST, analisa a conjuntura política de 2014. Do 6° Congresso do MST ao período eleitoral, abre-se um espaço para um novo ciclo de lutas pela Reforma Agrária. Para ele, o ano de 2015 será de extrema importância “para fazer ocupações de latifúndios, retomar o processo de massificação da luta pela terra, exigir do governo questões fundamentais para o desenvolvimento da Reforma Agrária Popular, dos assentamentos e para a desapropriação de terras”.

Jornal Sem Terra - O que representou o 6° Congresso do MST, tanto para o Movimento como para a sociedade? Jamie Amorim - O 6° Congresso foi um marco para o MST, que mostrou a referência que o Movimento construiu tanto no Brasil como em outros países. Queríamos dar um recado, de que estamos recuperando o processo de luta de massas, e que a luta pela Reforma Agrária está viva. A palavra de ordem “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular” constitui uma síntese do que foi o Congresso. E ao mesmo tempo em que se esgota o processo da Reforma Agrária Clássica, temos uma nova proposta, a Reforma Agrária Popular. Essa foi a marca que o Congresso deixou.

JST - Que balanço você faz da Reforma Agrária no fim do primeiro mandato de Dilma? JA - Infelizmente tivemos duas questões centrais para a Reforma Agrária não ter avançado no longo período do governo Lula e Dilma. O projeto que eles adotaram não tem espaço para a Reforma Agrária. Eles apostaram no agronegócio, na produção para exportação, para garantir o equilíbrio da balança comercial. O governo nunca tomou medidas para avançar na Reforma Agrária, e com isso indiretamente reforça o modelo agroexportador, que sempre contestamos. O agronegócio, em função dos incentivos do governo, acabou construindo uma hegemonia com aliados poderosos.

Mas seu poderio começa a entrar em falência. Setores que eram fortes, como o canavieiro e

“Temos que exigir, nas ruas, que o governo faça as principais reformas. A primeira é a Reforma Política, que é um consenso no Brasil”

o eucalipto estão quebrando, e isso mostra que vamos entrar num novo período da luta pela Reforma Ag r á r i a n o s p róx i m o s a n o s. Para nós, esse é um momento

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vamos às ruas, ou vamos perder”.

JST - O Congresso Nacional eleito é um dos mais conservadores. Como lutar por mudanças nesse cenário? JA - Vamos ter que criar outras formas de nos posicionar nesta conjuntura. Mas é possível que, com as lutas nas ruas, possamos pressionar o governo a tomar uma postura mais progressista. Temos que ir para a ofensiva contra esse Congresso. Temos que criar uma ampla frente popular que reúna organizações e partidos de esquerda, que lute por bandeiras concretas, exigir nas ruas que o governo faça as principais reformas. A primeira é a Reforma Política, que é um consenso, e pressionar para alterar esse modelo político que não nos serve. Segundo a reforma dos meios de comunicação, está todo mundo atento para isso, e se quisermos uma sociedade mais democrática, essa hegemonia deve acabar. Também tem que ser feita uma reforma tributária, pois é necessário que o país cobre menos impostos do povo e mais dos ricos. E a Reforma Agrária. É nossa tarefa organizar a população do campo e exigir que ela seja feita. É certo que vamos ter um cenário complexo e de muitas contradições. A correlação de forças está bastante apertada, tanto o Congresso, o judiciário e a imprensa estarão contra nós e contra o governo, criando um processo de instabilidade permanente JST - O que caracteriza esse novo período de lutas pela Reforma Agrária? JA - Há uma contradição bastante explícita entre o pensamento da direita conservadora e o pensamento mais progressista, com possibilidade de avançar mais para a esquerda. Vamos ter que fazer com que essas contradições sejam motivação para Temos que enfrentar imediatamente

essa oposição, fazendo lutas de massa logo no início de 2015, garantir efetivamente um um março e abril vermelho, para demonstrar nossa capacidade e disposição de luta. JST - A bancada ruralista, após essa eleição conta com mais de 50% dos deputados no Congresso. O que isso representa para a luta dos trabalhadores do campo? JA - O aumento do conservadorismo no Congresso não é resultado de uma democracia popular, e sim da

dada, é um sinal bastante ruim para todos aqueles que foram às ruas defender a reeleição da presidenta Dilma. Do ponto de vista objetivo,isso não altera muita coisa. O que altera é o que representa a Kátia Abreu. O governo, se quiser ter a nossa confiança, precisa indicar para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que é o nosso ministério, pessoas que representem a vontade de fazer a luta dos camponeses. Temos que pressionar o governo para indicar quem tem a competência e

JST - Quais as ações do MST frente a tudo isso? JM - Para nós esse é um bom momento. As contradições estão bastantes expostas. De um lado está a direita querendo retornar ao governo, e ao mesmo tempo, ela começa a falir no campo. Então é nossa hora. 2015 vai ser um ano muito importante para fazer ocupações de latifúndios, retomar o processo de massificação da luta pela terra, exigir do governo questões fundamentais para o desenvolvimento da Reforma Agrária

Reprodução

bom. De um lado está a direita querendo retornar ao governo, e ao mesmo tempo, essa direita no campo começa a falir.

O aumento do conservadorismo no Congresso é resultado de uma capitalização do processo eleitoral

capitalização cada vez maior do processo eleitoral. Quem tinha dinheiro se elegeu, como os fundamentalistas, eleitos pela mídia e empreiteiras. Vamos sofrer durante esse período um processo permanente de tentativa de tirar os direitos já conquistados, e o Congresso tentará encurralar e imobilizar o governo cada vez mais. Temos que disputar as ruas, para não perder direitos ou ficar à mercê desse Congresso. JST - Após a indicação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura (MAPA), é possível afirmar que esse governo ainda está em disputa? JA - Se essa indicação for consoli-

capacidade para gerir o MDA e o Incra, e garantir que a Conab não esteja mais ligada ao MAPA, e sim ao MDA, que são os órgãos que nos interessam. JST - Será possível fazer reformascom esse congresso conservador? JA - Se dependermos desse congresso, não vamos só perder direitos, mas ele fará com que aos poucos o governo recue nas políticas públicas e sociais, que foram bandeiras nos últimos 12 anos. Ou vamos às ruas, com organização popular, ou vamos perder. Se o governo não der sinais e os movimentos sociais não perceberem o momento que estamos vivendo, a tendência é vivermos quatro anos de muitos conflitos e perdas de direitos.

Popular dos assentamentos e para a desapropriação de terras. Precisamos fazer uma grande luta no início do ano, recuperar nossa capacidade de fazer grandes mobilizações e recolocar a Reforma Agrária na agenda política da sociedade.

“Temos que enfrentar imediatamente essa oposição, fazendo luta de massas no início de 2015, para demosntrar nossa disposição de luta”

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Estado Jovens de toda a América Latina se reúnem no Rio Grande do Sul para traçar agenda de lutas

Mídia Ninja

Brasil recebe 14º Acampamento da juventude Latino Americana

Durante o 14º Acampamento da Juventude, os jovens ocuparam uma fazenda de milho transgênico

“o acampamento foi um espaço de protagonismo da juventude camponesa na luta contra a ofensiva do capital sobre os recursos naturais na América Latina”. Para Amorim o acampamento colocou o desafio da construção de agendas de lutas comuns para a construção de um projeto popular para o continente. A cubana Aleida Guevara, filha de um dos líderes da Revolução Cubana, Che Guevara, que esteve presente durante o Acampamento. “A juventude é quem vai impulsionar, animar e construir com criatividade e capacidade as mudanças para uma sociedade mais justa e igualitária justa”.

Após 11 anos, assentados conquistam crédito para construir suas casas Por Marcos Lima Setor de Comunicação do MST

As famílias assentadas do Médio Sertão paraibano conquistaram, no mês de novembro, a construção de 131 unidades habitacionais no Assentamento Nova Vida I, no município de Aparecida. Segundo o dirigente nacional do MST, Rosivan Batista, esta é a primeira vez que acontece a assinatura de contrato entre a Caixa e assentados. “Até o final do ano temos uma pauta para cumprir, e temos mais de dez assentamentos que precisam de habitações dignas”,

frisou. A luta por terra e moradia iniciou nas Várzeas de Sousa, no dia 24 de maio de 2004, quando cerca de 800 famílias reivindicavam seus direitos de plantar e colher. “Pensamos que conseguiríamos terra e casa de um dia para outro. Passaram-se 11 anos, mas nunca desistimos, e agora estou próximo de abrigar minha família”. perados à agroindústria. A iniciativa surgiu a partir de um diagnóstico que indicava que o valor pago aos produtores por tonelada não compensava o trabalho. Assim, foi criada a agroindústria para gerar renda às famílias e diversificar a produção.

Alagoas mostra à sociedade os frutos da Reforma Agrária Por Rafael Soriano e Gustavo Marinho Setor de Comunicação do MST

Os Sem Terra de Alagoas realizaram duas grandes feiras da Reforma Agrária nos últimos meses. No mês de setembro, a capital Maceió recebeu mais de 600 toneladas de produtos na 15ª Feira da Reforma Agrária. Junto à comercialização, a feira também trouxe um festival cultural com diversas apresentações, que vão desde o folclore com bois, escola de samba

e coco a grupos contemporâneos, que mesclam a cultura popular com a pauta política. Em outubro, foi a vez da cidade de Arapiraca comercializar toneladas de produtos vindos das áreas da Reforma Agrária no estado. O evento é um instrumento que, junto com as lutas de todo ano, materializa à sociedade o resultado da divisão das terras e da cooperação no trabalho dos camponeses, agricultores e agricultoras Sem Terra que lutaram pela Reforma Agrária no início dos anos de 1980 na região.

Gustavo Marinho

Entre os dias 20 a 23 de novembro, cerca de 2 mil jovens de todo o continente americano se reuniram em Palmeiras das Missões (RS), um território de grandes lutas indígenas e camponesas, para participar do 14° Acampamento da Juventude Latino Americana. Organizado pela Coordenação Latinoamericana das Organizações do Campo (Cloc) e Via Campesina, o acampamento contribuiu no processo formativo e debateu as lutas conjuntas com a juventude urbana e de outros países. Para Raul Amorim, da coordenação do coletivo de juventude do MST

Foram comercializados mais de 600 toneladas de produtos

O

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Estado Serão comercializados 520 toneladas, além de 1 milhão de toneladas de arroz orgânico

MST vende feijão da Reforma Agrária para as escolas de São Paulo Em outubro, a prefeitura de São Paulo fechou um acordo com duas cooperativas do MST para a compra de 520 toneladas de feijão pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). De acordo com Sebastião Aranha, militante do MST, o acordo beneficia tanto a agricultura familiar como a cidade de São Paulo. “Temos condições de atender 100% da alimentação escolar da cidade.

compra de banana do Vale do Ribeira e hortifrutigranjeiros do Cinturão verde do estado.

Maura Silva

Por José Coutinho Júnior e Maura Silva Setor de Comunicação do MST

Agroindústria

Famílias de Andradina foram as primeiras a conquistar agroindústria em SP

É o nosso objetivo, pois quem produz alimentos saudáveis é a agricultura familiar, e muitos desses alimentos acabam sendo vendidos para a prefeitura por atravessadores”.

A prefeitura também vai adquirir um milhão de toneladas de arroz orgânico, produzido por 850 famílias assentadas do Rio Grande do Sul, e há negociações para a

As famílias assentadas e acampadas da região de Andradina (SP) serão as pioneiras da primeira agroindústria financiada pelo Programa Terra Forte no estado de São Paulo. A cerimônia de assinatura do projeto aconteceu no mês de setembro, no Assentamento Timboré. A Coapar receberá cerca de R$ 12,8 milhões para investir na construção da agroindústria. A região de Andradina comporta 46 assentamentos e mais de 4.500 famílias.

Projeto de escola em assentamento MST inicia parceria com museu ganha prêmio de tecnologia para feira agroecológica em Recife que até então não tinham nomenclatura formal. A ideia é contribuir no acesso aos serviços públicos, como transporte escolar, correio, telefone e a comunicação com outras comunidades e cidades próximas. Para nomear as estradas, os estudantes pesquisaram sobre figuras importantes da história de seus assentamentos, debatendo a proposta com suas comunidades. “Fomos na comunidade contar as histórias, conferir com os mais velhos, depois o pessoal fez uma conversa com a comunidade para ver os nomes de estradas que gostariam de colocar”, contou a diretora Carmen Willes Vedovatto.

Leandro Taques

A Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Conselheiro, que atende 200 crianças e jovens de dez assentamentos do MST, elaborou um projeto de nomeação de estradas que envolveu toda a comunidade. A iniciativa foi premiada com o 2° lugar na Mostra Brasileira e Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec), no eixo Ensino Médio Politécnico, ciências sociais, comportamento e artes. A escola desenvolveu o projeto “Construindo Caminhos para a Valorização do Espaço em que Vivemos”, com a proposta de nomear as estradas rurais da região,

MST-RO

Setor de Comunicação do MST - RS

55 famílias assentadas participam de três feiras na capital pernambucana

Por Talles Reis Setor de Comunicação do MST

A população de Recife possui agora mais um ponto para aquisição de produtos saudáveis: a Feira Agroecológica da Reforma Agrária, organizada numa parceria entre as famílias do Assentamento Chico Mendes III, a Associação Terra e Vida e o Museu do Homem do Nordeste. A feira funciona às sextas-feiras pela manhã na sede do museu, localizado no bairro Casa Forte. O Assentamento Chico Mendes III, em São Lourenço da Mata, é a principal experiência em anda-

mento de produção agroecológica do MST na região. Atualmente, as 55 famílias assentadas participam de três feiras: na Praça do Canhão, em São Lourenço da Mata, duas em Recife e a mais nova feira no Museu do Homem do Nordeste. Para Maurício Antunes, diretor do museu, o objetivo da feira não é de apenas disponibilizar um espaço físico. “O nosso projeto está baseado em trazer a agricultura familiar também como cultura, e não cindir a reprodução material da vida cultural”, afirma.

Os estudantes pesquisaram a história de seus assentamentos para nomear estradas

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Especial As crises são resultados do desenvolvimento das contra

6° Congresso Nacional do MST reuniu cerca de 15 mil Sem Terra entre 10 a 14 de fevereiro.

Com mobilizações em 12 estados, as mulheres Sem Terra abriram as jornadas de lutas do Movimento este ano.

Em abril, a Jornada Unificada da Classe Trabalhadora reuniu cerca de 40 mil pessoas nas ruas de São Paulo.

Os Sem Terra se mobilizaram em 19 estados e ocuparam mais de 60 terras e prédios públicos na jornada de lutas de abril.

Entre março e abril, diversas organizações da jovens realizaram a segunda jornada nacional de lutas da juventude brasileira

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s contradições internas de um determinado processo

As ocupações das terras da Araupel, no Paraná no mês de maio, e do senador Eunício Oliveira (PMDB), em Goiás no mês de agosto, simbolizaram as duas grandes lutas do MST, com cerca de 3.000 famílias em cada uma.

Ao longo de todo ano mais de 400 organizações realizaram a luta pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte, que colheu quase 8 milhões de votos entre os dias 1 a 7/09.

Com 2.000 pessoas, a juventude Latino Americana realizou seu 14° acampamento no mês de novembro, em Palmeiras das Missões (RS).

Em outubro os Sem Terrinha realizaram mais uma jornada de luta em todo país

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realidade brasileira

Em 2015 a Escola Nacional Florestan Fernandes completa 10 anos contribuindo na formação de quadros

ENFF, um resultado das experiências históricas da classe trabalhadora Por Simone Pereira Coordenadora Político Pedagógica da ENFF

A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) está perto de completar 10 anos de atividade. sociais do aprendizado coletivo.

A construção da ENFF é parte de todos que tinham argamassa em uma mão e um livro em outra

à vida de um intelectual brasileiro, filho do povo e que s e m p re e s te ve a o s e u l a d o. A construção de nossa Escola em Guararema, São Paulo, ocorreu com as brigadas, que prepararam a argamassa, fizeram os tijolos, ergueram paredes, teto e enquanto praticavam suas artes de pedreiros, marceneiros e pintores, sentavam com um livro às mãos para o estudo das primeiras letras de sua emancipação. O objetivo da ENFF é contribuir para a formação de quadros. Portanto, faz parte de sua missão a qualificação da atuação envolvendo a base, a militância e os dirigentes. Para o MST, as matérias primas de construção do quadro político são a luta, o estudo e a participação permanente, construindo assim as respostas para os desafios lançados.

Arquivo MST

Sem Terra do Brasil assumiram desde sua germinação o compromisso com o legado da história e da memória dos coletivos em luta. A formação Política temperada com o vigor da mística, modulando a voz e o passo da partilha e da comunhão do gesto. Assim, se criaram as primeiras

escolas de formação do MST, como espaços da educação e prática de liberdade. Nossa formação política sempre esteve associada a dimensões que fortalecem o cotidiano do Movimento. A primeira está relacionada à qualificação das lutas de massas e a segunda é a organicidade interna, que produz a força motriz do Movimento. Nossa vigilância ideológica é exercida para que se materialize em nossas práticas a participação, a unidade, a disciplina e o compromisso com as lutas do povo. A tarefa da formação é repartir conhecimentos e construir experiências concretas de organização, prática, valores e lutas. Assim, deste desejo de autoformação e partilha de experiências, nascia há 10 anos a ENFF. Sua nomeação marcava um compromisso e uma justa homenagem

As ENFFs

Atualmente, contamos com três espaços que se somam à nossa estrutura de Guararema. São as ENFFs do Nordeste, em Fortaleza (CE), Centro Oeste, em Brasília (DF), e o Instituto de Agroecologia Latino Americano, na Região Amazônica. Todas estas estruturas tem a intenção de fortalecer a organização e a formação política, o debate das ideias, transformando as divergências em momentos de construção do novo. As ENFFs que atuam em âmbito

Para o MST, o método deve preparar a militância para trabalhar com as pessoas regional também tem o papel de realizar atividades, abordando o avanço do capital em cada região, resgatando a história das lutas e resistências, para que os cursos programados dialoguem com a linha estratégica, os dilemas e desafios da realidade. Para o MST, o método deve preparar a militância para trabalhar com as pessoas, impulsionar o processo de inserção e organização na base. As escolas nas regiões tem por tarefa realizar o trabalho de base, a articulação com os professores das universidades e outras organizações sociais, fortalecendo a mística da identidade da classe trabalhadora. É preciso formar militantes engajados com a prática organizativa do MST e da luta de classe, potencializar uma metodologia de incentivo e cultivar o entusiasmo, a criatividade, buscando inovar nos métodos, fortalecendo o valor da solidariedade.

Faz parte da missão da ENFF a qualificação envolvendo a base, a militância e os dirigentes

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realidade brasileira

A inauguração da ENFF recupera a tradição dos cursos de formação política e ideológica da esquerda

Paulo Almeida e Rosana Fernandes Coordenação Político Pedagógico da ENFF

Em toda a construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) um dos entendimentos básicos foi o fato de que o processo formativo deve incentivar e vivenciar a prática da mística revolucionária e internacionalista e praticar a solidariedade internacional a todos os povos em luta.

940 estudantes já participaram de algum processo formativo Por isso, dentre os cursos realizados pela ENFF, está o Núcleo de Estudo Latino Americano, inaugurado em 2007. Desde então, sistematicamente se mantém diversos cursos e atividades internacionais com a participação de centenas de organizações populares do mundo. Com a inauguração da ENFF em 2005, o MST recupera a tradição dos cursos de formação política e ideológica da esquerda latino americana, herdada da experiência da revolução cubana, que formava militantes do mundo inteiro. Neste processo, a juventude é convocada à formação, buscando compreender os elementos sociais, políticos, culturais e criar linguagens que dialoguem com a atualidade. Os cursos procuram organizar novas metodologias que permitem o desenvolvimento político da consciência e do

processo organizativo. Por ser considerada uma das principais escolas de formação de quadros de movimentos sociais da América Latina, a ENFF zela pela unidade e integração do nosso continente, como as articulações continentais com a CLOC, Via Campesina e ALBA - Movimentos Sociais, além de outras centenas de organizações. Os cursos preparatórios para militantes que prestam solidariedade a outros povos, como Venezuela, América Central, África, Haiti, Palestina; os intercâmbios que desenvolvem o internacionalismo com a juventude e divulga a luta do MST em outros países, e os cursos de formação política latino americana são apenas alguns exemplos dessa prática de tradição dos cursos de formação política e ideológica da esquerda latino americana em todo o mundo..

Arquivo MST

O internacionalismo é valor da classe trabalhadora

Filósofo marxista dedicou sua vida à transformação da sociedade

Outro ponto é o fato do MST sempre ter acreditado que os camponeses e a classe trabalhadora têm o direito e legitimidade de ocuparem a academia para aprofundar seus conhecimentos. O esforço que a

a ENFF tem feito nesses oito anos tem fortalecido a luta e a unidade latino americana. Sem dúvida é um espaço de trocas de experiências e das lutas dos povos da América Latina.

Solidariedade e Educação à Esquerda Como resultado do pensamento e da prática da formação política à esquerda, a ENFF também inovou em sua organização, em suas formas de se relacionar com movimentos sociais e partidos políticos, construindo uma visão plural e pluralista, fundamentada na história da luta de classes. Em sua história, desenvolveu uma rede de solidariedade formada por lutadores que se identificam com causas progressistas e uma educação libertadora. A solidariedade está na base da construção da ENFF, que contou com dinheiro doado por artistas como Sebastião Salgado

Chico Buarque e José Saramago, além do trabalho solidário de militantes de diversas partes do país, das contribuições organizações do Brasil e de outras partes do mundo. A solidariedade de classe fez surgir a Associação dos Amigos da ENFF (AAENFF), que nos últimos cinco anos reuniu apoiadores de praticamente todas as regiões do país, e tem contribuído tanto para obter recursos à Escola quanto apoio político às concepções de educação, luta política e de consciência desenvolvidas pela Escola Nacional Florestan Fernandes. Construir uma rede internacional de

Construir uma rede internacional de apoio político e financeiro continua sendo o objetivo central da ENFF, que atua em diversas frentes para torná-la conhecida com as causas que a mobilizam. Em tempos de cerco feroz das classes dominantes à resistência dos “de baixo”, permite à ENFF manter seus princípios de não submissão aos valores dominantes, seguindo em seu propósito de depender apenas daqueles que lutam pela libertação de todos aqueles que são oprimidos pelo Capital e por todas as suas mazelas que tanto ferem o snoo povo.

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internacional

Capitalismo e neoliberalismo seriam os principais culpados pelas mazelas da humanidade

O histórico dia em que o Papa se reuniu com Movimentos Sociais

Papa Francisco em discurso para os movimentos sociais

Pela Delegação dos Movimentos Populares Brasileiros

O dia 29 de Outubro de 2014 ficará marcado na vida dos 100 dirigentes populares que estavam na “Ala Velha do Sínodo” . Foi ali, no interior de uma antiga construção no Vaticano, que pela primeira vez em 2.000 anos um Papa - líder máximo da Igreja Católica e chefe do Estado do Vaticano - encontrou homens e mulheres do mundo todo, dos mais amplos setores da sociedade, com os mais diferentes credos religiosos, que lutam por direitos sociais e humanos. Este momento se deu no marco do “Encontro Mundial de Movimentos Populares”, no qual os dirigentes sociais presentes, junto a 20 bispos e um Cardeal, reuniram-se por três dias com o Papa Francisco para diagnosticar os principais problemas dos trabalhadores e dos pobres no mundo e propor o que fazer para superá-los.

Um encontro histórico exigia um “discurso histórico”, e foi exatamente com isso que o Papa Franscico presenteou a todos naquela manhã. Um discurso surpreendente, no qual ele aponta que a causa central dos problemas de falta de moradia, terra e trabalho é tirar o ser humano do centro do sistema e, em seu lugar, colocar o dinheiro. Em outras palavras, o Papa aponta o capitalismo e o neoliberalismo como os principais culpados pelas mazelas da humanidade. Reforma Agrária Francisco também afirma que quer “escutar a voz dos povos”, pois eles “não se contentam mais em sofrer as injustiças”, mas lutam contra elas, e ele “quer acompanhá-los nessa luta”. Desta forma, coloca num patamar superior a relação entre “os que lutam

e a Igreja Católica, abrindo grandes possibilidades para avançarmos”. “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos”, afirmou, colocando a luta pela justiça e pela igualdade como valores universais e inegociáveis. No tocante específico sobre a Reforma Agrária, disse que ela “é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral”. Ou seja, a Igreja, por meio de sua autoridade máxima, está condenando a grande propriedade como algo imoral.

“A Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral”

Francisco disse ainda se preocupar com a erradicação de tantos camponeses que deixam suas terras, “não por guerras ou desastres naturais”, mas pela “apropriação das terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados, são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal”, num fronte direto com o agronegócio. Definitivamente, é um discurso que vale a pena ser lido na íntegra e relido muitas vezes na vida. Ademais, é importantíssimo que cada pessoa que enxerga nele a grande visão histórica e de futuro se proponha a divulgá-lo incessantemente, para que desta forma se possa ver a realidade com clareza, ampliando cada vez mais os diálogos com todos aqueles que lutam por uma sociedade que possa ser verdadeiramente justa, solidária, igualitária e fraterna.

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lutadores do povo

Ele sabia como poucos transitar da filosofia à política para transmitir o legado das ideias socialistas

Leandro Konder, o profeta da dialética Da Redação No dia 12 de novembro de 2014, mais um companheiro de lutas se foi. Leandro Konder, filósofo marxista que dedicou sua vida à transformação da sociedade, faleceu em sua casa. Ele sofria de mal de Parkinson. Leandro marcou sua trajetória por suas convicções políticas, coerência, uma militância ativa e intransigente em defesa dos interesses da classe trabalhadora. Nasceu em 1936, em Petrópolis (RJ), filho de Valério Konder, médico sanitarista e líder comunista. Foi casado por 38 anos com Cristina, companheira que sempre esteve ao seu lado, e deixa os filhos Carlos Nelson e Marcela. Quando jovem, formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Atuou como advogado defendendo trabalhadores e sindicatos.

Divulgação

Filósofo deixa um legado de conhecimento teórico e humano

Também foi professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Sua vida se cruzou com momentos importantes da história do Brasil. Em entrevistas, contou suas lembranças sobre a morte de Getúlio Vargas, o discurso histórico de João Goulart e o golpe militar. “Quando o Getúlio se matou eu estava na frente do Palácio do Catete. Mas eu não sabia disso. Quando estava chegando em casa, alguém gritou: ‘O Getúlio se matou! O Getúlio se matou!’ Eu nem desci do ônibus, fui direto até a casa da minha avó. Ligamos e aí veio a leitura da carta-testamento e a notícia da morte do Getúlio Vargas”. Sobre o comício de Goulart, a única coisa que lembra era “da mulher do Jango. Eu estava lá, infiltrado, perto do palanque, para vê-la”. E no dia do Golpe Militar, Leandro conta que ”fui procurar um amigo que é hoje é presidente da Acadêmia Brasileira de Letras, o Ivan Junqueira, e o João das Neves que era autor, e fomos zanzar pelo centro da cidade, com uma situação tensa.

Filósofo marxista dedicou sua vida à transformação da sociedade

O João ia passando pelo meio da rua e um soldado disse que não podia. ‘E na calçada, pode?’‘Na calçada pode’. Então o João, que tinha treino físico, andava pelo meio-fio, ao lado do soldado, que ficava esperando, com o cassetete na mão, na rua, pra dar uma porrada nele”. Por sua atuação na defesa dos trabalhadores e filiação comunista, foi preso e torturado pela ditadura militar. Em 1972, foi forçado a sair do Brasil. Viveu na Alemanha e na França durante seis anos. Leandro sabia como poucos transitar da filosofia à política para, com textos claros e de refinado toque literário, transmitir às gerações de hoje o legado dos ideais socialistas, de igualdade e das lutas da classe trabalhadora. O filósofo deixa um grande legado de conhecimento teórico, militância política e humanidade para todos que desejam transformar a sociedade. Dentre suas obras, estão “Intelectuais Brasileiros e Marxismo”, “As Ideias Socialistas no Brasil”, “O que é dialética” e “O futuro da filosofia da práxis”.

PROFETA DA DIALÉTICA

Como o som no ouvido penetrado, Avisa a caça antes que seja abatida; Quer espantá-la e salvar-lhe a vida Com a mudança de postura em seu estado. Toca-lhe a pele com um grito humanizado... De quem a morte já sente por inteiro... Quer que escape renegando o próprio cheiro; De um mofo azedo no corpo deslavado. Se não se importa, a morte virá cedo! Se se importar, deve fazer mudanças! Alçar as forças bem mais que as esperanças E beijar a boca fétida do medo. Furar a alma usando o próprio dedo, Para extrair o mal do próprio peito E dar um novo um predicado ao sujeito Que o retire do estado de degredo. Vai Leandro, profeta da dialética! Que viverá arranhando o atraso escrito; Como o guarda que alerta com o apito Sem fazer parte da cena mais patética. Com as ideias e a rima bem poética Fará apenas dizer o que não cabe E o fará porque compreende e sabe Que a esperança se sustenta com a ética. Ademar Bogo Bahia, novembro de 2014

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literatura

Autor retratou como os trabalhadores rurais viviam nos EUA durante a crise de 1929, misturando realidade e ficção

O realismo e sensibilidade de John Steinbeck, o escritor camponês Por Camilo Monteiro Setor de Arquivo e Memóra

O escritor John Ernst Steinbeck Jr. nasceu em Salinas, cidade agrícola da Califórnia, nos Estados Unidos, em 27 de fevereiro de 1902. Filho de família de poucas posses, desde cedo testemunhou a vida dos trabalhadores rurais na sua região. Essa experiência serviu como base de suas obras, que retratam de forma realista a vida da gente trabalhadora pobre e despossuída, que foi expulsa de suas terras e obrigada a migrar como retirantes durante a crise de 1929. A mecanização do campo reduziu a necessidade de mão de obra na plantação e colheita, gerando desemprego e reduzindo salários. A miséria do povo era grande: crianças

morrendo de fome, famílias acampando na beira da estrada ou nas periferias das cidades, condição similar à dos camponeses brasileiros. Steinbeck expõe a miséria social nos Estados Unidos, mas também nos mostra o que há de mais belo no povo trabalhador do campo. A humildade, dignidade, a relação com a terra, a solidariedade entre si, em gestos como repartir a pouca comida ou oferecer abrigo a quem necessita. Escreve sem esconder os problemas, como por exemplo, a violência doméstica, o machismo e o alcoolismo. Tudo sem perder a esperança em seu povo. Escreveu Luta incerta (1936), que retrata uma greve de trabalhadores rurais. Em Ratos e Homens (1937), fala sobre dois trabalhadores rurais durante a Grande Depressão de 1929.

Em seu livro mais conhecido, As vinhas da ira (1939), ele narra a saga de uma família migrante expulsa de suas terras, que busca trabalho em outro estado norte-americano, luta pela sobrevivência e contra a desagregação da família. Teve o cuidado de preservar na sua escrita a forma como as pessoas falavam, com seus sotaques e maneiras. O livro trata de temas como a pobreza, a migração, o trabalho nas plantações de frutas e algodão, o trabalho análogo à escravidão, os acampamentos, a favelização, as perseguições pela polícia, aliada dos fazendeiros, e outros flagelos que atingem a todos os camponeses do Brasil ainda hoje. Steinbeck morreu aos 66 anos, em 20 de dezembro de 1968, mas sua obra permanece extremamente atual para quem se aventurar.

Mas então quem é que manda? Quem eu tenho que matar? Não vou morrer de fome sem primeiro matar quem quer me tirar o pão

Mas eu construí a minha casa com as minhas próprias mãos. Endireitei pregos velhos e enferrujados para pregar as tábuas. Os caibros são amarrados com arame. É tudo meu. Eu fiz tudo sozinho. Se você se meter a derrubar a minha casa, vai me ver na janela, de rifle na mão. Chega só perto e vai ver. Meto uma bala como se mata um coelho. Mas eu não tenho culpa! Vou perder meu emprego se não fizer o que me mandam. E olhe, suponha que você me mate? Eles vão enforcar ocê direitinho, mas antes disso já vão ter outro camarada no trator e esse outro vai derrubar a sua casa.

Não adianta você me matar, não sou o homem que você procura. É, tá certo – disse o meeiro – Quem deu estas ordens procê? Vou atrás dele, isto sim, vou matar é ele. Não, cê tá enganado. Ele também não tem culpa. Recebe ordens do banco. O banco lhe disse: dê um jeito naquela gente, mande todos embora, ou será despedido. Bem, deve haver o presidente do banco, os diretores, os que mandam. Vou carregar meu rifle e vou procurar eles no banco. E o homem do trator disse:

Me falaram que o banco também recebe ordens do Leste. E as ordens são: faça as terras produzirem de qualquer jeito, ou terá que cerrar as portas. Mas então quem é que manda? Quem eu tenho que matar? Não vou morrer de fome sem primeiro matar quem quer me tirar o pão. Não sei. Talvez não tenha ninguém a quem matar. Talvez não seja um problema de gente, de homens. Talvez a culpa seja da propriedade, como você disse. De qualquer maneira, eu tenhonho que cumprir as ordens. Trecho do livro As Vinhas da Ira, 1939

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ão MST lança cartazes em homegem ao lutadores e lutadoras do povo brasileiro

Para não esquecer Dezembro

10 Início da primeira Intifada, Palestina (2007) 11 O MST recebe o Prêmio Unicef pelo programa de educação desenvolvido nas áreas de assentamentos e acampamentos, 1995 13 Guerra do Paraguai, 1864 17 Morre Simon Bolívar, libertador da América, 1830 21 Nascimento de Salete Stronzake, 1969 25 Morre o cineasta Charles Chaplin, 1977 26 Nascimento de Mao TséTung, líder da revolução chinesa, 1893

Em comemoração aos 30 anos do MST, celebrados ao longo de todo o ano de 2014, o Movimento lançou uma coleção de cartazes em homenagem a 10 lutadores e lutadoras do povo brasileiro. Nomes como Celso Furtado, Anita Garibaldi, Milton Santos, Paulo Freire, Olga Benário, Dom Helder Câmara e Carlos Marighela foram os primeiros homenageados. Na dificuldade de selecionar apenas 10 nomes, foram utilizados alguns critérios, como contemplar

lutadores dos diversos setores da sociedade além da contribuição teórica e da pedagogia do exemplo. Esses são apenas os 10 primeiros cartazes de uma série de outros que sairão com o mesmo mote, homenagear os diversos lutadores e lutadoras do povo brasileiro. É possível adquirir os cartazes mandando uma mensagem para pedidos1@mst.org.br. O pacote com 10 cartazes custa R$ 50,00.

MST faz resgate de sua história O MST, em parceria com o Instituto Perseu Abramo, está fazendo um resgate histórico dos 30 anos de lutas do Sem Terra. São milhares de fotos, vídeos, áudio e documentos que contam a trajetória do MST. Todo esse arquivo está sendo organizado e catalogado. para ser disponibilizado para consulta.

Entendemos que para alcançar algum objetivo na luta popular, é preciso que sejam garantidas ao menos três condições: animação para a luta, bom entendimento da realidade em que atuamos e capacidade de organização. E é por isso que a própria existência e manutenção desses arquivos devem ser

consideradas como parte da nossa capacidade organizativa para levar a luta adiante. Caso algum militante e/ ou simpatizante do Movimento possua alguma imagem ou documento que nos ajude a contar a história do MST, pedimos para que entre em contato conosco pelo e-mail mst.memoria@gmail.com

Para não esquecer Janeiro

1 Revolução Cubana, 1959 A Revolução Cubana foi ummovimento armado e guerrilheiro que culminou com a destituição do ditador Fulgêncio Batista de Cuba pelo Movimento 26 de julho liderado por Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Che Guevara 3 Nascimento de Luiz Carlos Prestes, 1898 4 Morre o cartunista Henfil, 1988 9 Greve dos tipógrafos de três jornais no Rio de Janeiro, considerada a primeira greve no Brasil, 1858. 13 Morre o historiador marxista Nélson Werneck Sodré, 1999 15 Nascimento de Martin Luther King, 1929 15 Assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, 1919 16 Revolução islâmica no Irã, 1979 21 I Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Cascavel (1984)

Neste 1º Encontro Nacional foram definidos os objetivos gerais, as principais reivindicações e as formas de luta e de organização. 22 Nascimento de Antonio Gramsci, 1891 25 Revolta dos Malês, Bahia, 1835 29 a 31 1° Congresso do MST, 1985 Em Curitiba, no Paraná, aconteceu o 1º Congresso Nacional do MST, com 1500 delegados e delegadas de todo o Brasil.

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