JST #323

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Ano XXX • Nº 323 • Especial VI Congresso • Fevereiro 2014

Edição Especial

30 anos do MST

VI Congresso – Lutar, Construir Reforma Agrária Popular!

Momento de debater as linhas políticas e objetivos do Movimento entrevista

encarte

realidade brasileira

Diego Moreira, do

Participe da Mostra de

Os desafios e lutas

MST, analisa a conjuntura

Artes em comemoração aos

do MST para o

do campo brasileiro

30 anos do movimento

próximo período

Página 3

Páginas 6 e 7


Editorial Transformar o campo em um lugar digno de viver é a meta do MST

A hora da Reforma Agrária Popular Chegamos ao nosso VI Congresso Nacional. Foram mais de dois anos de estudos, debates, reuniões, assembléias e discussões feitas pela base e setores de todos os Estados. Chegamos também ao nosso aniversário de 30 anos, o movimento social camponês com maior tempo de vida da história do Brasil. Chegamos a estes dois momentos importantes de nossa história com um desafio muito claro, expresso no lema do nosso Congresso e que será nossa palavra de ordem para os próximos anos: Lutar, Construir Reforma Agrária Popular! Todo este processo de construção do nosso Congresso na base e nossas mobilizações tem demonstrado que não há mais espaço para uma Reforma Agrária tradicional, que apenas distribua as terras. O agronegócio não apenas tem avançado sobre as terras produtivas e improdutivas, destruindo o meio ambiente, produzindo para exportação, como tem ganhado o apoio de governos e toda estrutura do Estado para viabilizar seu projeto. Garantir que o povo brasileiro tenha o direito de decidir o que produzir e comer, que as nossas

Três décadas de lutas Passados 30 anos da fundação do MST, o movimento experimen­ ta uma de suas maiores encruzi­ lhadas históricas: a Reforma Agrária está bloqueada. A Reforma Agrária saiu da agen­ da política; o agronegócio avança a passos largos, com bilionários recursos do governo e apoio total da grande mídia; a opinião pública, em sua maioria intoxicada pela propa­ ganda do agronegócio, está satisfeita ou conformada com esse modelo e assiste, sem entender qual é a disputa entre os projetos de campo (agro­ negócio x agricultura camponesa). Neste contexto, o MST tem mui­ tas tarefas e desafios pela frente. E

terras sejam destinadas para a produção de alimentos e não de celulose ou etanol, que o campo seja um lugar digno e bom de se morar, onde a juventude permaneça com condições dignas, para que tenhamos direito à educação, saúde e que possamos construir nossas agroindústrias e

E é assim, com luta e determinação, animados pelo nosso Congresso, que iremos construir a Reforma Agrária Popular agregar mais valor na nossa produção: tudo isso só é possível com uma Reforma Agrária Popular. E esta Reforma Agrária Popular só pode ser fruto da luta, não apenas dos trabalhadores Sem Terra. Como o modelo do agronegócio ameaça todos os camponeses, é preciso fazer alianças e construir mobilizações com aqueles

são desafios fundamentais, que dizem respeito à própria existência e sentido de ser. Assim como há 30 anos o MST surgiu da crise econômica, social e política, agora é a vez do Movimen­ to se superar para seguir sendo um protagonista importante nas lutas da sociedade brasileira. Os inimigos da Reforma Agrária se modificaram ao longo dos anos. Nas décadas de 1980/1990, lutar pela terra era enfrentar fundamentalmente os latifundiários e os órgãos de re­ pressão do Estado. Hoje, lutar pela terra é enfrentar diretamente o capital, contra a aliança que compõe o agronegócio mais o apa­

O grande desafio do MST é se reinventar! Se reinventar e se recriar para seguir seu caminho na luta pela terra

que queiram lutar: agricultores familiares, quilombolas, ribeirinhos, estudantes de agronomia e engenharia florestal, técnicos agrícolas, quebradeiras e todos que estejam dispostos a construir este projeto. Mas a Reforma Agrária Popular também precisa contar com o apoio e a mobilização dos trabalhadores da cidade. Precisamos denunciar que o agronegócio envenena o alimento, usa as terras para produzir para exportação, promove o trabalho escravo e o desrespeito às legislações ambientais e trabalhistas, entre tantas mazelas. Os nossos inimigos são fortes e poderosos. O agronegócio tem muitos aliados na mídia e no judiciário. Mas uma coisa que aprendemos nestes nossos 30 anos é não ter medo e não se dobrar diante das dificuldades. Foi assim que conquistamos a terra para milhares de famílias e agora alimentamos centenas de municípios. E é assim, com luta e determinação, animados pelo nosso Congresso, que iremos construir a Reforma Agrária Popular. Direção Nacional do MST rato do Estado. O inimigo está mais forte e atua como uma orquestra contra a Reforma Agrária. É preciso debater com a base Sem Terra sobre o que zelar e o que mudar na nossa organização. E no caminho ir tomando medidas para mudanças necessárias na estrutura organizativa, nas formas de luta, no método de direção e em outras dimensões que as discussões apontarem. O grande desafio do MST é se reinventar! Se reinventar e se recriar para seguir seu caminho na luta pela terra, pela Reforma Agrária e por transformações estruturais da sociedade brasileira. Do contrário, corre o risco de ser mais um Movimento que nasceu, cresceu e aos poucos foi enferru­ jando até ser superado por outras organizações mais eficazes para atender aos interesses dos sem-terra, dos camponeses.

Edição-chefe: Luiz Felipe Albuquerque. Revisão: José Coutinho Jr. e Jade Percassi. Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Elaine Silva. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/SP – Tel/fax: (11) 2131-0850. Correio eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.

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Entrevista “O Congresso Nacional é um balcão de negócios e a bancada ruralista representa o grupo econômico do agronegócio”

“Discurso do governo em relação à desapropriação de terras é conservador”, afirma dirigente Em entrevista para o Jornal Sem Terra, Diego Moreira, da direção nacional do MST, faz uma balanço da conjuntura agrária do Brasil e afirma que a paralisação da Reforma Agrária obedece o projeto de desenvolvimento do agronegócio. Por Iris Pacheco

Jornal Sem Terra: Por que a Reforma Agrária no Brasil está paralisada? Diego Moreira: A paralisação da Reforma Agrária não é apenas política, mas também econômica. Há um projeto econômico de de­ senvolvimento para a agricultura brasileira, coordenado pelo agrone­ gócio, que consiste na aliança entre os grandes proprietários de terras do Brasil, as empresas transnacio­ nais, o Estado e a mídia burguesa, e dentro dele não existe espaço para a Reforma Agrária. JST: Qual é o papel do Estado brasileiro nesse processo? DM: O Estado é uma espécie de in­ dutor desse modelo de desenvolvi­ mento, pois optou por seu projeto para a agricultura. O agronegócio é a expressão do modelo econô­ mico brasileiro agroexportador de matéria prima. E o Estado tanto legitima esse modelo quanto o financia anualmente. JST: Por que a bancada ruralista tem conseguido retirar conquistas e direitos sociais neste último período? DM: O Congresso Nacional é um bal­ cão de negócios e a bancada ruralista representa o grupo econômico do agronegócio. Ela é gerente dos seus interesses e de tudo o que o agrone­ gócio precisa do ponto de vista legal para operar e obter lucros. JST: Como você avalia o discurso do Governo Dilma de focar nos

assentamentos que já existem e deixar as desapropriações de lado? DM: É um discurso totalmente con­ servador, porque os assentamentos são frutos da luta social. É preciso desenvolvê-los, mas é necessário continuar desapropriando, porque só assim vamos construir um país mais democrático. E a democracia passa pelo processo amplo de democratiza­ ção da terra e dos meios de produção.

“É preciso uma grande aliança dos movimentos do campo com os trabalhadores e trabalhadoras das cidades para avançarmos na Reforma Agrária Popular” JST: Como a emancipação dos assentamentos, o perdão da dívida de assentados e o decreto da presidenta sobre a transferência de recursos para a instalação e apoio ser feita diretamente para a família beneficiada e não mais para as associações e cooperativas se insere nessa lógica? DM: A titulação é um ato de indivi­ dualização. A agricultura vive uma lógica de mercado. Na medida que o governo individualiza o título e os créditos, está dizendo que os assenta­ dos vão entrar no “novo mundo rural” e se ausenta da responsabilidade com

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os assentamentos. A titulação, a indi­ vidualização dos créditos, a negação das formas coletivas colocam os assentados nessa ciranda financeira. JST: Somos um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, e nossa legislação sobre sua aplicação sofre ataques. Quais os interesses do agronegócio nesse processo? DM: Aumentar a taxa de lucro. O fazendeiro brasileiro é proprietário da terra, mas o pacote tecnológico pertence às grandes empresas trans­ nacionais. Quanto mais agrotóxicos forem aprovados, mais lucro as empresas vão ter. JST: O agronegócio tem se colocado como o “celeiro do mundo” para a sociedade brasileira através da mídia e de propagandas. Qual o objetivo desse tipo de propaganda? DM: A grande mídia burguesa é o partido ideológico do agronegócio, que propaga diariamente, na casa de milhões de brasileiros, falsas ideias de seu desenvolvimento. As organi­ zações sociais do campo precisam denunciar para a sociedade que o agronegócio não é exemplo de desen­ volvimento. O preço a médio prazo por esse modelo será alto e quem pagará é a população brasileira. JST: O MST faz 30 anos e em fevereiro realiza seu 6° Congresso. Dada a atual conjuntura agrária, o que o movimento pretende com essa atividade? DM: O Congresso é um trabalho de base permanente que acontece há

“Há uma unidade da análise e reflexão no campo brasileiro, mas é preciso continuar unidade na ação política”, afirma Diego Moreira.

mais de dois anos em todos os ter­ ritórios brasileiros onde o MST está organizado. Serão 15 mil militantes reunidos para discutir diretrizes e linhas políticas que orientarão a ação coletiva para o próximo período. Precisamos lutar por uma Reforma Agrária ampla, baseada na produção de alimentos saudáveis e de quali­ dade, mas só a luta do MST é insu­ ficiente para construí-la. É preciso uma grande aliança dos movimentos do campo com os trabalhadores e trabalhadoras das cidades para avan­ çarmos na Reforma Agrária Popular. JST: Quais são as perspectivas de luta para 2014? DM: A perspectiva é que em 2014 a classe trabalhadora brasileira consiga dar continuidade no processo de mobi­ lização e luta ocorridos em 2013. Há uma unidade da análise e reflexão no campo brasileiro, mas é preciso cons­ truir uma unidade na ação política. Em setembro vamos realizar o ple­ biscito por uma constituinte soberana exclusiva para debater a reforma polí­ tica. É preciso avançar na construção da unidade da esquerda brasileira, pa­ ra que o debate da verdadeira política vá para as ruas e seja mantido.

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Memória Relembre o histórico de lutas de todos os congressos do MST

Lutar, Construir Reforma Agrária Popular! O MST chega em 2014 para a realização do seu VI Congresso Nacional, de 10 a 14 de fevereiro em Brasília (DF), com a compreensão de que a Reforma Agrária clássica, distributivista de terra, não está colocada na realidade brasileira. Ao completar 30 anos e se tornar o mais antigo movimento camponês do Brasil, o MST afirma em seu lema: “Lutar, construir Reforma Agrária Popular!” a necessidade de lutar por uma Reforma Agrária ampla, baseada fundamentalmente na produção de alimentos saudáveis e de qualidade. Confira os temas e a conjuntura que levaram aos outros Congressos do MST:

I Congresso Em 1985, o MST realiza seu I Congresso Nacional em Curitiba (PR), de 29 a 31 de janeiro, cujo lema foi “Terra pra quem nela trabalha”. Essa convicção de obter um pedaço de terra para melhorar a expectativa de vida orientou as primeiras ocupações e a consolidação do MST como organização social.

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II Congresso Com o lema “Ocupar, Resistir e Produzir”, o MST reafirma a luta por Reforma Agrária em seu II Congresso Nacional, realizado em Brasília (DF), de 03 a 05 de abril de 1990. Ocupar já era uma decisão tomada desde o I Congresso; Resistir tem o objetivo de pressionar o governo a desapropriar terras, e Produzir para os trabalhadores rurais melhorarem suas condições de vida no campo e saírem da condição de miséria imposta pelo sistema. Jornal Sem Terra • especial VI Congresso • Fev2014


III Congresso

V Congresso

No III Congresso, realizado em Brasília (DF), de 24 a 27 de julho de 1995, o MST expressa em seu lema “Reforma Agrária. Uma luta de todos!”, a compreensão de que a Reforma Agrária não é uma luta por benefícios apenas para os camponeses, mas também uma forma de melhorar a vida dos que vivem nas cidades, reduzindo o inchaço urbano e principalmente com a produção de alimentos sadios e acessíveis aos trabalhadores.

Em 2007, o V Congresso do MST, ocorrido em Brasília (DF) de 11 a 15 de junho, adota o lema “Reforma Agrária, por Justiça Social e Soberania Popular”.

A realização da Reforma Agrária que o movimento defende perpassa pela libertação das

IV Congresso

terras para produzir A Reforma Agrária não pode ser uma política isolada das demais transformações que o povo brasileiro necessita. Por isso, em seu IV Congresso, realizado em Brasília (DF), de 7 a 11 de agosto de 2000, o MST traz o lema “Reforma Agrária. Por um Brasil sem Latifúndio”, materializando a necessidade de construção do Projeto Popular para o Brasil.

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alimentos, pela criação de condições dignas de vida no campo e na cidade e pela construção de uma sociedade em que o povo tome seu destino pelas mãos e decida o seu caminho.

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Debate Reforma Agrária Popular é a alternativa para os problemas estruturais do campo

O Projeto Popular que queremos construir Da Redação

Garantir que todos os brasileiros possam se alimentar com qualidade diariamente exige um novo tipo de Reforma Agrária. Nunca tivemos uma Reforma Agrária no Brasil, apenas uma política de assentamentos, sem enfrentar de fato as causas estruturais da concentração de terras. Os projetos de assentamento cria­ dos pelos governos sempre seguiram um modelo conhecido como Reforma Agrária clássica, onde se distribui a terra pensando em transformar os cam­ poneses em consumidores das merca­ dorias industrializadas na cidade. Nas lutas e mobilizações, o MST sempre defendeu que a Reforma Agrária não poderia ser apenas a distribuição de terras, mas também a implantação de infra-estrutura social no campo, como escolas, aparelhos de lazer, posto de saúde, ruas etc.

É preciso pensar em uma Reforma Agrária Popular para dar conta das transformações no campo, enfrentar a pobreza e o êxodo rural que o agrone­ gócio tem imposto, para assim garantir a Soberania Alimentar. O componente Popular dessa proposta aponta que as medias são voltadas, em primeiro lugar, para atender os interesses do povo - e não do mercado ou do capital. Por enfrentar os interesses das classes dominantes, a Reforma Agrária que propomos só poderá ser construída pelos seus maiores beneficiários: os trabalhadores do campo e da cidade. Assim, é uma reforma estrutural para o povo e conquistada pelo povo.

Desafios Nossas propostas estão organizadas em torno da democratização da terra, da garantia do acesso à água para toda a popu­ lação, da organização da produção agrícola para alimentos sadios e de qualidade.

Além disso, esse programa prevê a consolidação de matriz agroecológica, um processo de industrialização no campo que desenvolva agroindústrias sob controle dos camponeses, o desen­ volvimento da infra-estrutura social nas comunidades rurais, o direito à educação do campo e uma política agrícola que incentive e qualifique a agricultura camponesa. Para isso, a realização desta Refor­ ma Agrária Popular exigirá do MST capacidade de construir alianças com os trabalhadores urbanos, explicando à sociedade nosso projeto e construindo bandeiras de lutas comuns. A Reforma Agrária é impossível sem que seja dessa forma, pois o projeto dos trabalhadores e o do capitalismo não são conciliáveis. A luta pela Reforma Agrária passa a ser mais do que a luta pela terra, mas também a luta pela de­ fesa da natureza, a luta pelo controle do território e a luta contra o grande capital.

Só através da luta vamos garantir uma Reforma Agrária de fato

Mulheres do MST constroem novas relações de gênero Kelli Mafort Coletivo de Mulheres

Desde a criação do MST, sempre es­ teve presente o desafio da participação e envolvimento de toda a família no processo de luta pela terra: homens, mulheres, jovens, idosos e crianças são todos e todas protagonistas de sua própria historia. A participação das mulheres pos­ sibilitou a organização de coletivos de auto – organização e discussão sobre sua situação de opressão de classe e de gênero. O conjunto do Movimento foi provocado a se envolver e isso criou as condições para o debate de como pensar novas relações de gênero.

tividade, assim como combater toda a forma de discriminação das mulheres e a luta contra o machismo. Por meio da organização destas comissões e coletivos de mulheres do/no MST, as lideranças femininas começaram a estudar e debater o con­ ceito de gênero a partir de meados dos anos 1990. A necessidade de envolver o todo da organização neste debate culmina na criação do setor de Gênero no Encontro Nacional do MST em 2000. Este teria a tarefa de estimular o debate

de gênero nas instâncias e espaços de formação, de produzir materiais, propor atividades, ações e lutas que contribuíssem para a construção de condições objetivas para participação igualitária de homens e mulheres, fortalecendo o próprio MST. Várias linhas políticas foram tira­ das a partir dessa definição, como por exemplo a participação de 50% de mulheres em todos os espaços do Mo­ vimento nas instancias, nos processos produtivos, de formação e educação, nas mobilizações, etc; o debate da

A construção do setor de Gênero e a participação das mulheres no MST No I Congresso Nacional do MST, realizado em 1985, foram aprovadas dentre as normas gerais a organização de comissões de mulheres dentro do MST para discutir problemas espe­ cíficos, o estimulo à participação das mulheres em todos os níveis de atua­ ção, instâncias de poder e representa­

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Mulheres do MST em luta: “Sem Feminismo, não há socialismo!”

ciranda infantil; o debate da inclusão do nome da mulher nos documentos de concessão de posse e uso da terra de forma conjunta. Mesmo que várias destas metas sejam ainda um desafio permanente, a construção do setor de gênero possibi­ litou um novo significado da luta pela terra, onde todos e todas sentem-se sujeitos participantes de um processo de mudança.

A nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadorias! Além da nossa luta cotidiana, temos dois momentos no ano em que organizamos ações de enfren­ tamento ao capital, por Reforma Agrária e contra toda forma de violência contra as mulheres: é no 8 de Março – Dia Internacional das Mulheres e no dia 25 de novembro – Dia Mundial de Combate à Vio­ lência Contra a Mulher. Nesse ano não será diferente. É por isso que já estamos cantando nas nossas assembleias e ecoando esse grito no nosso VI Congresso: “Pode ter copa e eleição, as mulheres em luta seguirão!”

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Desafios Massificar as mobilizações e agregar a juventude são táticas fundamentais para o próximo período

Estado brasileiro apoia grandes produtores Por Alexandre Conceição Da Coordenação Nacional do MST

A luta pela terra no Brasil sempre enfrentou grandes desafios e dificul­ dades. Mais recentemente, durante o governo FHC, o MST tinha força mo­ bilizada, além do apoio da sociedade nacional e internacional para fazer os grandes enfrentamentos. O governo criou leis que criminali­ zaram a luta pela terra, que impediam as ocupações. Por sua força, o MST conseguiu assentar muitas famílias nes­ se período, ainda que a custo de vários massacres, como Carajás e Felisburgo. Na década em que o PT é governo, cria-se a chamada aliança capital-traba­ lho. No primeiro mandato de Lula, foi o momento de muitas ocupações e conquis­ tas dos Sem Terra. Foi quando se elaborou o II Plano Nacional da Reforma Agrária (II PNRA), que previa o assentamento de 1 milhão de famílias em quatro anos. O recuo do Governo Lula fez com que o II PNRA ficasse só no papel. O Estado burguês impôs derrotas ao governo e à luta pela terra. Foi neste período que o MST enfrentou a CPMI da Terra, a CPI da Ongs e a CPMI do Campo, que criminalizaram a luta por Reforma Agrária por parte do Estado,

Opção do governo pelo agronegócio causou queda nas desapropriações de terras

ainda que o poder Executivo não ade­ risse à repressão. No segundo mandato de Lula, as desapropriações de terra decaíram. O maior pico foi em 2005/2007, onde se assentaram mais de 130 mil famílias por ano. Em 2010, foram apenas 50 mil famílias assentadas. O governo Dilma opta cada vez mais pelo agronegócio, deixando as políticas de desapropriação de terra abandonadas. Com Dilma, a Reforma Agrária ganhou contornos de política compensatória. O programa Brasil sem

Miséria é um exemplo de política que não adota a Reforma Agrária como princípio, apesar da erradicação da miséria no campo passar pela descon­ centração de terras. Assim sendo, as desapropriações despencaram já no primeiro ano do Governo Dilma, no qual apenas 22 mil famílias foram assentadas, a maioria em assentamentos já criados anteriormente. Em relação aos assentamentos, as conquistas foram poucas. O Programa Nacional de Agroindústria foi impor­ tante, assim como a continuidade do

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que chegou nos seus 10 anos com muita força, garantindo a venda sem atravessadores e o preço mínimo. As dívidas dos assentados também foram renegociadas, e estes vão poder acessar um novo crédito para produção de alimentos sem agrotóxicos e volta­ dos a um processo de agroindustriali­ zação e comercialização. No entanto, estamos de frente a um grande ataque. A medida provisória 636, editada pelo Governo Federal, possibilita que a titulação e comercia­ lização dos lotes conquistados sejam facilitados, ao propor a titulação indi­ vidual das terras. Titular a terra de forma individual, como uma escritura comum, é pri­ vatizar a terra conquistada e tirar as responsabilidades públicas do Estado, expondo as famílias assentadas ao mercado e à ganância dos fazendeiros. Como se vê, os desafios da luta pela Reforma Agrária são ainda maiores neste momento em que o MST faz 30 anos. Nossa tarefa é massificar as mobi­ lizações para que o MST obtenha mais conquistas para a classe trabalhadora do campo e da cidade, que não aguentam mais consumir alimentos com preços tão altos e cheios de veneno.

Juventude se organiza e luta para permanecer no campo Por Raul Amorim Setor de Juventude do MST

A participação da juventude no MST é fruto de um processo de cons­ trução coletiva, desde sua fundação em seus diferentes espaços, sobretudo, na luta e na organização. Vivemos em uma realidade marcada de desafios, e ao falarmos de juventude Sem Terra hoje, precisamos compreendê-la den­ tro do contexto em que se encontra o desenvolvimento do capitalismo no campo, os limites e desafios colocados para sua organização. Trabalhar com a juventude é fun­ damental na construção de qualquer projeto de sociedade. O MST é um mo­ vimento de luta e deve estar num proces­ so permanente de renovação, buscando formas de inserir as novas gerações na luta pela transformação social.

A marcha nacional de 2005 pela Reforma Agrária foi um marco da ne­ cessidade de construir espaços em que os jovens pudessem ter participação mais orgânica no MST. Neste processo se constroi a primeira Assembleia da Ju­ ventude, que resultou na criação do Co­ letivo Nacional de Juventude do MST. A juventude realiza diversas lutas em torno da Educação do Campo, trabalho e geração de renda, do direito de viver no meio rural e de políticas públicas para o jovem. Desde 2010, como expressão conjunta das lutas, se organiza a Jornada Nacional da Juventude Sem Terra, em agosto. Este processo tem possibilitado construir um programa de formação e mobilização da juventude. Construímos também articulações com as organizações da Via Campesi­ na e da juventude urbana em diversas lutas desde 2000, contribuindo na

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construção do Coletivo da Juventude Campo e Cidade, e posteriormente do Levante Popular da Juventude. E desde o ano passado contribuímos na organização da Jornada de Lutas da Juventude Brasileira. A questão da organização da juven­ tude Sem Terra tem que ser entendida na luta e na construção da Reforma Agrária Popular. Neste sentido, a auto-organização é uma dimensão fundamental, formando e ampliando os coletivos de juventude nos acampa­ mentos e assentamentos, nas escolas, cooperativas, grupos culturais e de produção entre outras formas, para en­ frentar os desafios do movimento e da classe trabalhadora. Assim faremos da III Assembleia Nacional da Juventude, que ocorre durante o VI Congresso a expressão da criatividade, rebeldia e ousadia da Juventude Sem Terra.

Criatividade da juventude é necessária para o movimento

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Ensaio Em comemoração ao aniversário do MST, veja fotos históricas e simbólicas do movimento.

Ayrton Centeno

Arquivo MST

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João Zinclar

Juliana Adriano

João Zinclar

Carlos Ruggi

Leonardo Melgarejo

Leonardo Melgarejo

Ayrton Centeno

Arquivo MST

30 anos na luta por um país melhor

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Lutas Classe trabalhadora deve construir novas formas de organização

É preciso unir teoria e prática para avançar na luta A classe trabalhadora enfrenta diversos desafios atualmente. É dever de toda organização debater formas para enfrentar estes desafios e, assim, lutar pela criação de um novo tipo de sociedade. Abaixo, alguns destes desafios e formas de como superá-los:

O estudo É necessário estudar com profundi­ dade o funcionamento do capitalismo. Sem uma compreensão das contra­ dições da sociedade, é impossível fazer uma luta consciente. A classe trabalhadora lutará por outra forma de sociedade, o socialismo, se compre­ ender que o capitalismo não lhe serve como modo de produção.

Rumo e estratégias As organizações tem seu rumo, quanto projeto político, definido: o socialismo. As estratégias são os caminhos a serem seguidos para a

realização desse objetivo. Para isso é importante olhar a história, o que deu certo e errado, e quais, na atualidade, devem ser os caminhos a se percorrer. Isso não se dará em gabinetes, mas em construções coletivas e nas ruas.

Arquivo MST

Gilmar Mauro Dirigente do MST

As lutas de massas As lutas de massas são elemento fundamental das conquistas coletivas, econômicas e políticas do conjunto da classe. Além de fundamentais no desenvolvimento da formação e da elevação da consciência política, transformam os trabalhadores(as) em sujeitos da sua história. É necessário estimular novas experiências de lutas, sem abandonar as táticas atuais.

A criação do Poder Popular será fruto da força dos trabalhadores

corrigir deficiências; nos momentos de luta vincular a teoria à realidade, e nos momentos de refluxo preparar as novas lutas, garantindo conquistas obtidas e conspirando contra os inimigos de classe. A organização de formar novos militantes e construir alianças para en­ frentamentos estratégicos.

Organização É preciso ortalecer as organizações existentes e construir novas formas organizativas. Uma organização pode cumprir várias tarefas: ser a memória histórica da classe, resgatando as expe­ riências acumuladas, aprendendo com acertos e erros, e extraindo as lições para

Método de trabalho e direção É necessário a construção de novas formas organizativas que estimulem a participação dos vários setores e frag­ mentos de classe, de forma mais hori­

zontal, que coloquem no centro a classe organizada. Não é a classe que deve favores aos dirigentes, são estes que devem obediência as suas categorias.

Planejamento A construção do Poder Popular será fruto de muitas organizações, milhões de trabalhadores(as). Precisaremos ter generosidade, paciência e sobretudo muita persistência e perspicácia para organizar as lutas de massas. É impres­ cindível transformar a realidade e isso só se fará com lutas e de forma coletiva.

Assentamentos de Reforma Agrária enfrentam desafios Antonio de Miranda Setor de Produção

Melhoras nas políticas públicas, infraestrutura, educação e saúde são necessárias para os assentados

Só assim é que se consegue pro­ duzir alimentos de qualidade, limpos e saudáveis para atender às demandas dos trabalhadores das cidades. A cooperação agrícola precisa ser estimulada por meio de mutirões, as­ sociações e cooperativas, com objetivo de aumentar a escala da produção. As agroindústrias, organizadas também na forma cooperativa, vão beneficiar os alimentos e agregar valor à produ­ ção dos assentados. Em relação à edu­ cação, é preciso garantir o acesso, em todos os níveis e com qualidade, com a construção e manutenção de escolas públicas e gratuitas, para aumentar o nível educacional dos assentados. Um programa de construção de moradias adequando as casas à cultura do meio rural, garantindo acesso à água, energia elétrica e construção de estradas, assim como o acesso ao abas­ tecimento de água potável para a pro­ dução agrícola a partir de um programa de irrigação devem ser desenvolvidos. Os assentamentos tem a função de reflorestar e recuperar áreas degrada­

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Arquivo MST

O objetivo principal do MST é cons­ truir a Reforma Agrária Popular. Para que isso aconteça, o movimento precisa saber quais são seus principais desafios internos, que devem ser enfrentados nos assentamentos. Neste sentido, apresen­ tam-se as demandas que deverão ser prioridades para tornar os assentamentos fortes econômica e politicamente:

É preciso considerar que os assenta­ mentos são territórios de formação de uma nova sociabilidade, que deve objetivar a qualidade de vida dos assentados. Nesse sentido, deve-se considerar a igualdade de gênero e maior envolvimento da juventude para além dos aspectos culturais. Em relação à produção, os assenta­ mentos precisam promover a produção agroecológica, sem agrotóxicos e trans­ gênicos, valorizando a produção de se­ mentes e outros insumos em nível local.

A cooperação agrícola precisa ser estimulada por meio de mutirões, associações e cooperativas, com objetivo de aumentar a escala da produção das e fontes de água, além de preservar a biodiversidade vegetal e animal nas áreas de assentamento. Por fim, as políticas públicas que res­ peitem as particularidades da agricultura camponesa, com linhas de crédito, assis­ tência técnica, pesquisa agropecuária e comercialização precisam ser criadas. Somente cumprindo esses pontos é que os assentamentos de Reforma Agrária podem se tornar força políti­ ca, com a capacidade de dar direção a um projeto de desenvolvimento de agricultura no campo.


Internacionalismo Brigadas e comitês em outros países mostram que o Movimento não está isolado

MST no mundo A luta pela terra não é uma causa solitária. Por isso, o movimento se articula internacionalmente em diversos países por meio de Brigadas de solidariedade, nas quais os militantes do movimento vão aos países compreender realidades diferentes, entrar em contato com outras organizações e trocar experiências. Há também os comitês internacionais de solidariedade, que divulgam a luta e os objetivos do MST em outros países. Confira neste mapa onde o MST se articula em Brigadas internacionais, e onde há comitês de solidariedade:

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Cultura Artista Plástica que pintou assentados do MST conta sua experiência

“Meus quadros buscam representar pessoas, lutas e a alegria que vi no MST” Por José Coutinho Júnior Da Página do MST

Os amigos do MST nos Estados Unidos realizaram uma campanha de arrecada­ ção de fundos para o 6º Congresso do MST. O objetivo da campanha era conse­ guir pelo menos U$ 10,000 para auxiliar o movimento nas despesas do Congresso. Para ajudar a campanha, a artista brasileira-estadunidense Aliene de Souza Howell doou nove quadros que pintou quando visitou assenta­ dos do movimento em São Paulo. A Página do MST conversou com Aliene para saber mais sobre seu tra­ balho, sua viagem ao Brasil, as im­ pressões que ela teve dos assenta­ mentos da Reforma Agrária, e como a arte pode ser uma forma de se fazer política. Confira a entrevista abaixo: Como você se tornou uma artista? Como me tornei uma artista? Que pergunta difícil! Acho que não lembro de nunca estar fazendo arte durante minha vida. Me iludi pen­ sando que queria ser outra coisa por curtos intervalos de tempo, como uma advogada, uma astronauta, ou, quando era muito pequena, um caminhão de bombeiros, mas eu sempre voltei para a arte.

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Eu costumava roubar as folhas da impressora do meu pai e desenhar en­ quanto ele estava trabalhando, e o meu “poder especial” como uma criança era que eu tinha uma caneta mágica que podia dar vida aos desenhos. Que assentamentos do MST você visitou? Visitei três assentamentos, todos no es­ tado de São Paulo, e a Escola Nacional Florestan Fernandes. Fiquei na casa de uma família que era extremamente gentil. Duas das crianças dormiram na mesma cama para que eu pudesse ficar em uma, e também passei outras noites em uma igreja. Eu já conhecia o MST por ser parte brasileira, mas fui atraída por ele por representar soluções inova­ doras aos problemas da fome e pobreza. Quais foram as suas impressões ao visitar os assentamentos? No meu curto tempo lá, colhi milho em um acampamento, me banhei num rio junto com as crianças e tentei entender o dia a dia das pessoas conversando com elas. Mesmo o meu português sen­ do limitado, participei de uma reunião e me impressionei com a comunidade e o aspecto organizacional do MST. As pessoas pareciam ter funções que davam a elas um senso de alegria e dever, tanto dentro do assentamento como na organização maior. Mas o aspecto mais envolvente da minha visita foi simplesmente falar com as pessoas, sobre qualquer tema: a forma de fazer a melhor pimenta, exportação de grãos de café, até o racismo nos Estados Unidos. Por que você decidiu pintar pessoas no seus quadros, ao invés de, por exemplo, o assentamento em si, as casas, a natureza...? Os quadros são uma combinação de pessoas que conheci e fotos que me de­ ram quando mencionava meu projeto. Apesar de preferir pintar as pessoas que tinha conhecido, estava muito focada no que daria um bom quadro, e para algumas combinei imagens das duas. Pintei as pessoas por um aspecto narrativo, porque pensei que elas contam uma história do MST e do meu tempo lá de uma maneira mais

intensa. Gosto de ver as pinturas como uma representação dessas pessoas, das lutas de lá, mas também do humor e alegria incríveis que presenciei. Tinha um homem que usava um boné escrito “procura-se um bumbum” que me ma­ tava de rir. Foi ele que me ensinou o segredo para fazer a pimenta perfeita. Como a arte pode contribuir para a luta política? Fico muito contente de você ter perguntado isso, porque passei um longo tempo dividida entre questões humanitárias, vegetarianismo, fazer arte, como eu poderia fazer uma di­

ferença com a vida que eu tenho etc. Mas eu acho que estava tão divida que não estava sendo eficaz em nenhum desses aspectos da minha vida. Então decidi seguir minha própria alegria e tentar atingir as pessoas dessa forma. É uma esperança humilde que através do meu trabalho eu possa atingir as pessoas e ajudá-las a refletir sobre as suas próprias necessidades e alegrias, e quem sabe encorajá-las a fazer algo que atinja outras pessoas e assim por diante. Acho que a melhor política é essa. Isso é também parte do motivo de eu ter doado meu trabalho para ajudar a finan­ ciar o Congresso do MST. Depois de ficar com eles no meu estúdio por anos, sem querer me separar deles, pensei que teriam uma função melhor se ajudassem as pessoas que inspiraram eles. Você pode mandar uma mensagem aos camponeses do Brasil que lutam pela Reforma Agrária? A melhor mensagem que posso dar é: nunca desistam. Acho que tentamos lutar muito contra a escuridão, que se manifesta de diversas formas, mas ao invés disso devemos nos preocupar em trazer a nossa luz e dos outros para fora.

Jornal Sem Terra • especial VI Congresso • Fev2014


lutadores do povo

Aos nossos companheiros que tombaram nestes 30 anos, uma singela homenagem

Ademar Bogo Coordenação Nacional do MST

Dizem os mais experientes que viver é uma temeridade. Vive-se e revive-se a todo instante, momentos derradeiros. Enquanto uns nascem, ou­ tros vão embora e deixam um mundo inteiro cheio de ensinamentos prontos. Viver é cultivar ensinamentos; morrer é ver os outros cultivá-los. A luta pela terra é uma causa estra­ nha. É como quando uma fera luta para encontrar comida e se depara diante de títulos de propriedade. A terra in­ teira ou repartida é somente terra, mas quando se torna pretendida, se trans­ forma em causa nas consciências; ela deixa de ser terra e passa a ser destino, razão da sobrevivência.

“Eterno é quem se desmancha, mas não se transforma. Imortal é quem permanece vivo na memória.” E as multidões, indo ao encontro das imensidões, anunciam que o tempo há de mudar; e à terra proibida, ao ser reconhecida, se dispõem em ajudar a produzir e a satisfazer por todo o tempo que ainda há de se fazer. Mas o mundo gira e coloca em evi­ dência a força dos contrários. Eis então que os levantados do nada retornam à terra em dias de violência e, ao invés de sementes são obrigados a enterrar a própria carne para se dissolver. As­ sim a terra é o abrigo prometido, não importa se o corpo esteja vivo ou já morrido, importa é que ela é um lugar de encontros e despedidas. E a mão da liderança que aponta a direção, deixa de fazer acenos. A vio­ lência é como a peste, mata quem mais precisaria viver para manter o gesto. Quer intimidar o resto. Mas o resto

organizado não pode ser intimidado, porque já se tornou sujeito coletivo; um só caráter e um só cultivo. Ao matar a liderança combativa não morre a causa, ela permanece viva. É a mesma causa que instiga as conquistas, segue em frente, mesmo não sendo vista. E quando as ideias enganam os pobres passos, ela não se desvia do des­ tino; e como a lembrança mais teimosa, espera silenciosa, sob o olhar dos que partiram e de longe vigiam. Aguardam que as consciências façam dos conflitos entre os vivos desiguais, um jeito de lembrá-los e torná-los imortais. É pelos vivos que os mortos nunca

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abandonam o campo de batalha. É pelos vivos que a história não tem fim. No passo a passo alongam-se as memórias; de flor em flor segue vivo o jardim. Por isto, para se ter militantes eternizados é preciso que o conflito seja intensamente continuado, para não dar razão àqueles que os mataram. Se a eternidade vem do poder do tempo, a imortalidade vem do poder da história. Eterno é quem se desmancha, mas não se transforma. Imortal é quem permanece vivo na memória. Mas ne­ nhum mártir vive só por ser lembrado; vive porque continua sendo pelos vivos praticado. Fazer o que os mortos já

não fazem não é imitação, é respeito, é honra à tradição que dá continuidade aos momentos já lutados. E os que partiram ajudam a seguir com seus exemplos e valores. Nin­ guém, após a morte física pode ser egoísta, invejoso ou pessimista; esses são defeitos dos vivos imperfeitos, que vivem e respiram o ar anteriormente respirado, com os germens da conta­ minação. Os que já não respiram estão purificados, por isto não envelhecem, não se entristecem nem sequer se fa­ zem de arrependidos; porque sempre partem no tempo em que as coisas, para eles, mais fazem sentido.

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30 anos Confira depoimentos de amigos do MST sobre a importância do movimento

O MST é o maior movimento popular organizado do mundo. Tantos foram difamados, perseguidos, presos, torturados, assassinados e vocês nunca baixaram os braços ou arrearam as bandeiras. Continuam porque a causa é justa, humanitária e, porque não dizer, divina. O sonho do MST nunca foi pequeno: a Reforma Agrária ou políticas agrárias mais justas e equitativas. O sonho sempre foi grande: fazer que a Terra possa acolher a todos para nela trabalhar e viver, no respeito a seus limites e possibilidades para nós e para nossos filhos e netos. Leonardo Boff Teólogo, professor e escritor

“Celso Furtado declarou certa vez que o MST era o mais importante movimento social já ocorrido no Brasil durante o século XX. Quando lhe perguntaram por que neste século, respondeu: porque no anterior houve a Abolição da Escravatura, colocando no mesmo nível a luta do MST e a dos escravos. Há 30 anos atrás nascia o movimento que reinventou entre nós a estratégia da ação direta autônoma, responsável pela mais expressiva, surpreendente e rápida vitória popular de que se tem notícia na história recente do país. Paulo Eduardo Arantes Professor aposentado do Departamento de Filosofia da FFLCH da USP

"O 30º aniversário do MST é um momento tanto de celebração de conquistas importantes ao longo de muitos anos, e da renovação do compromisso de devotar sérios esforços para atingir as metas que o movimento persegue com tanta coragem. O MST tem sido um clarão de esperança para os que sabem que um mundo diferente é possível, um mundo no qual os amplos recursos disponíveis estejam sob controle direto do povo, não de aristocracias poderosas, e que sejam usados para as necessidades do povo, que não sejam explorados para o lucro de poucos. Noam Chomsky Linguista, Ativista político e Filósofo

É impossível falar dos 30 anos do MST sem lembrar-se dos seus muitos mártires. Por todos eles, lembro especialmente daqueles 19 trabalhadores que morreram no massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. O Brasil, infelizmente, ainda está longe da plena justiça no campo. Precisamos acelerar ainda mais o processo de Reforma Agrária e nossos companheiros do MST podem contar com o Partido dos Trabalhadores na defesa dessa causa. Consideramos justas as aspirações dos trabalhadores do campo, em especial a luta contra a violência do latifúndio.

Ermínia Maricato Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP)

Rui Falcão Presidente Nacional do PT

“Aos amigos do MST: Meus cumprimentos pelos 30 anos de criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em 23 de janeiro de 1983, que tem tido papel tão relevante. Logo no início reconhecido pelas palavras significativas expressas por Celso Furtado e Darci Ribeiro, ao destacarem o quão importante era e é o trabalho de organização que faziam e tem feito para que se realize de forma bem feita a Reforma Agrária no Brasil, se desenvolvam os assentamentos, as formas cooperativas de produção, a educação de qualidade no meio rural, a produção de alimentos diversificados e saudáveis e haja a proteção devida do meio ambiente e das florestas e, sobretudo, que prevaleçam os valores da solidariedade e fraternidade entre todos os brasileiros”. Eduardo Suplicy

Senador

“Somos um movimento de rebelião e utopia. Lutamos com a enxada, plantamos sementes limpas, fazemos a Reforma Agrária Popular possível no cada dia. Alongaremos este processo no Congresso maior convocado pelas instâncias de luta e de organização que sonham e plantam a mesma utopia. Por muitos 30 anos de caminhada até libertar a terra e tornando “com terra” todo o povo”. Dom Pedro Casaldáliga bispo emérito da prelazia de São Félix do Araguaia (MT)

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“Aos militantes do MST, Não sei se vocês se dão conta do quanto são importantes para o Brasil. Vocês são generosos. Não querem benefícios apenas para si, mas para todos. E não apenas para sua geração, mas também para as próximas. Vocês são corajosos. Nadam contra a corrente, enfrentando forças poderosas como um judiciário que aplica a lei negando a justiça. Vocês são sábios. Conhecem a importância do alimento sem veneno: a mãe de todas as questões humanas . Que bom que o MST existe e é forte! Parabéns pelos 30 anos! Vida longa ao MST!”

Eugenio Mazzinghi

Fotos: Arquivo MST

Personalidades saúdam o MST

“Toda a minha solidariedade a essa causa tão justa, talvez a mais justa de todas as causas, que nos devolve a fé perdida no trabalho, na terra e nos ajuda a lutar contra os parasitas que vivem ganhando fortunas à custa dos que querem viver honestamente. Neste mundo ao contrário, que tem a cabeça nos pés, esses canalhas mandam. O MST nos confirma que essa maldição não é nosso destino. Abraços e desejos de muitas sortes, que vocês merecem.” Eduardo Galeano Escritor uruguaio

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Educação Espaço leva em conta a importância das crianças no movimento

Ciranda Infantil Paulo Freire educa para a luta Márcia Mara Ramos Setor de Educação do MST

A Ciranda Infantil no MST, desde 1997, se constitui como um território da infância Sem Terrinha, um espaço que ela pode ocupar e criar suas referências. É a partir desse espaço coletivo que outras vertentes da vida

“Para trabalhar com as crianças, é preciso compreender que elas estão inseridas nas relações locais de luta pela terra, vinculadas ao MST, que tem como estratégia política a transformação social”. da criança se interpenetram, juntando a experiência de participar da luta do Movimento, a relação com a escola, o cotidiano na família e o dia a dia que vive como acampada ou assentada. A participação das crianças nesse espaço ganha significação para os acampamen­ tos e assentamentos, como também para as atividades gerais do MST. A Ciranda Infantil Paulo Freire no VI Congresso vem sendo construída co­

Infância Sem Terra precisa participar ativamente nos espaços do Movimento

mo um espaço de direito a participação das crianças no MST, bem como a par­ ticipação das mulheres no Movimento. A criança no MST está presente desde a sua origem. Como membro de uma família, acompanha seus pais as ocupações. Para trabalhar com as crianças, é preciso compreender que

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elas estão inseridas nas relações sociais de luta pela terra, vinculadas ao MST, que tem como estratégia política a transformação social. Compreender a infância no/do MST que está nos acampamentos e assentamentos, nas marchas, nas ocupações, nos cursos, reuniões e

encontros diversos é dialogar com um processo educativo fora da esco­ la, não institucionalizado pelo poder público, marcado principalmente pelo conceito de coletividade, numa compreensão de que o lugar educativo da criança não se restringe somente à escola, porém não a desconsidera, ou seja, considera educativo todos os espaços ocupados pelas crianças, sendo que a depender da intenciona­ lidade e ação dos sujeitos envolvidos pode contribuir para reproduzir ou questionar a sociedade em questão. A Ciranda Infantil Paulo Freire tem como base a construção histórica da luta do MST e a participação da Infância Sem Terra. Tem por objeti­ vos ser um espaço de auto-organi­ zação das crianças, de brincadeiras, cantorias, da incidência na luta pela escola e intervenção concreta no VI Congresso do MST. A significação da Infância Sem Terra é portanto a expressiva partici­ pação dela no VI Congresso do MST.

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MST 30 anos Alameda Barão de Limeira, 1232 Campos Elíseos CEP 01202-002 - São Paulo/SP

Assinatura anual: R$ 30,00

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