A realização do Congresso é importante porque no ano de 2011 se comemorou cinqüenta anos do último Congresso Camponês, ocorrido em Belo Horizonte. A relevância do Congresso se dá pela conjuntura do campo brasileiro, na qual se torna fundamental construir uma unidade que seja capaz de lutar pela realização da Reforma Agrária e pela garantia da soberania alimentar.. Altacir Bunde– Dirigente do Movimento Camponês Popular (MCP)
O balanço que fazemos deste primeiro semestre, que contou com diversas jornadas de luta no campo em relação à Reforma Agrária, mostra que o governo não tem a Reforma Agrária como política prioritária. No segundo semestre, o Congresso Camponês vai servir para os movimentos do campo se organizarem para fazer uma grande reflexão sobre a questão agrária no país, e pautar a Reforma Agrária como a principal política de combate à miséria, porque não é possível falar em combate a miséria sem Reforma Agrária. William Clementino – Secretário de Política
A realidade do campo está dividida entre camponeses e o agronegócio. Para que a luta avance é preciso construir a unidade entre as muitas organizações do campo. O objetivo do Congresso é retomar esta unidade da luta social pelo campo. A realidade das organizações é muito semelhante e há essa disposição de construir unidade, pois a Reforma Agrária e a agricultura camponesa não tem tido prioridade na pauta do governo, por isso precisamos pressionar. Gilberto Cervinski – da Coordenação Nacional da Via Campesina
Estamos juntos nesse processo de articulação e unidade dos movimentos no campo. O Congresso é importante na luta dos movimentos sociais para fazermos um enfrentamento da conjuntura atual, na qual é preciso se pensar num novo modelo de desenvolvimento para o campo, que garanta a soberania alimentar. É também importante para se questionar a questão fundiária no Brasil.
Agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
A necessidade de uma rearticulação no campo dos movimentos sociais de luta por terra e território é urgente. Nos dois mandatos do Presidente Lula, várias mobilizações com este tema foram organizadas. Inclusive um plebiscito nacional, que tinha o objetivo estratégico de recolocar o tema da questão agrária novamente na pauta da sociedade. No decorrer deste primeiro ano do governo de Dilma, o processo de desarticulação das forças sociais que atuam no campo determinou que sofrêssemos derrotas e perdêssemos espaço junto ao processo de construção e efetivação de políticas públicas no campo. Nesse sentido, realizar neste momento um processo que tenha como horizonte estratégico a consolidação de uma força articulada, que una a luta dos movimentos, não só é oportuno como central para avançarmos para além das mobilizações, lutas e pautas específicas dos movimentos e das organizações que atuam no campo. Luis Cláudio Lopes da Silva - assessor e membro da Coordenação Colegiada do
A construção da unidade dos movimentos do campo MAYRÁ LIMA SETOR DE COMUNICAÇÃO
OS PRINCIPAIS movimentos sociais do campo brasileiro firmaram um compromisso de unificar as lutas por Reforma Agrária, direitos territoriais, soberania alimentar, contra o agronegócio e o apoio do Estado às empresas transnacionais da agricultura, no final de fevereiro. Organizações como a Via Campesina, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf), a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Movimento Camponês Popular (MCP) e Cáritas Brasileira assinaram um manifesto unitário (veja o Manifesto na página ao lado), depois de uma ampla discussão em um seminário. “Essa unidade é uma construção histórica, que aconteceu a partir de um debate qualificado das principais organizações do campo. Esperamos que o compromisso com esse processo se fortaleça nos estados e ajude na realização de jornadas unitárias em defesa dos camponeses e da Reforma Agrária”, avalia o dirigente do MST, Alexandre Conceição. O documento destaca a importância do desenvolvimento rural com o fim das desigualdades sociais e defende a produção e o acesso a alimentos saudáveis, a garantia dos direitos dos trabalhadores rurais, inclusive os territoriais dos povos indígenas e quilombolas. “Diante da conjuntura, o conjunto dos movimentos sociais têm dificuldades de avançar em suas pautas e isso reflete em todo o movimento camponês e sindical. Esse manifesto é uma orientação para a nossa militância para o processo de unidade nas lutas que devemos encampar neste próximo período”, explica Rosângela Piovizani, integrante da Via Campesina.
Secretariado Nacional da Cáritas Brasileira
Desafio
Elisângela Araújo, coordenadora
A construção unitária das lutas camponesas e da agricultura familiar é um momento de permanente desafio para as organizações. O reconhecimento da
geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF Brasil)
4
REALIDADE BRASILEIRA Fortalecimento da articulação representa avanço, mas o desafio é construir nos estados
JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012
João Zinclar
REALIDADE BRASILEIRA Dirigentes dos movimentos sociais camponeses ressaltam a importância da unidade
áreas foram transformadas em assentamentos, beneficiando somente seis mil famílias. O agronegócio avança e prejudica os trabalhadores do campo e da cidade com o modelo que prioriza o uso de venenos. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2009. Mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras, de acordo com dados oficiais. No caso do endividamento dos pequenos agricultores, o valor já chega a mais de R$ 30 bilhões, sendo necessária a renegociação para dar continuidade à produção e o acesso a créditos. No que tange à violência, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), só em 2011, 173 pessoas adentraram à lista dos ameaçados de morte e 29 pessoas, entre sem-terras e indígenas, foram assassinadas.
As demandas que unificam são estruturantes e contemplam o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras rurais Unificação do calendário de lutas é fundamental para obter conquistas
diversidade política é importante, no entanto, os debates devem ser fundamentados na maturidade, no respeito às diferenças, sempre em busca de conquistas concretas para os trabalhadores. Segundo Piovizani, a construção desse processo de articulação na base é uma das tarefas diante da unidade. “É a partir dos estados que vamos conseguir que o povo esteja junto para lutar pelo o conjunto dos direitos. É necessário que essa construção também se faça na ponta, com toda a militância e de forma que criemos espaços de discussão para a luta conjunta”, disse. Um elemento importante é que as demandas que unificam são estruturantes e, de acordo com Rosângela, con-
JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012
templam o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. “A paralisação da Reforma Agrária, o uso indiscriminado dos agrotóxicos, as dívidas dos pequenos agricultores e a violência contra os trabalhadores são questões que estamos discutindo em conjunto. Desta forma, avaliamos que temos um maior potencial de pressão para a priorização das políticas necessárias frente ao governo”, afirma. Os dados são preocupantes: segundo o Incra, 2011 apresentou os piores índices para a Reforma Agrária dos últimos 16 anos com o assentamento de apenas 22.021 famílias assentadas, número que inclui os processos de regularização fundiária. Do processo real de obtenção de terras, apenas 35
A partir destes pontos, o seminário nacional, com a representação de dirigentes das principais organizações camponesas, foi o primeiro passo para a construção da unidade. Foi realizado um ato público na Câmara dos Deputados, que se configurou como uma primeira atividade. Mobilizações mais amplas devem ser construídas com o conjunto das entidades que compõem a articulação. “Manifestamos a nossa indignação diante da prioridade concedida ao agronegócio exportador, que não produz alimentos saudáveis. A agricultura familiar e camponesa, que produz mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro, precisa voltar para a centralidade das políticas. Esta é a forma de se construir cidadania e erradicar a pobreza no meio rural”, completa Piovizani.
Manifesto das organizações sociais do campo As entidades APIB, CÁRITAS, CIMI, CPT, CONTAG, FETRAF, MAB, MCP, MMC, MPA e MST, presentes no Seminário Nacional de Organizações Sociais do Campo, realizado em Brasília, nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2012, deliberaram pela construção e realização de um processo de luta unificada em defesa da Reforma Agrária, dos direitos territoriais e da produção de alimentos saudáveis.
esquerda, exclui e trata como empecilho povos indígenas, quilombolas e camponeses. A opção do governo brasileiro por um projeto neodesenvolvimentista, centrado em grandes projetos e na exportação de commodities, agrava a situação de exclusão e de violência. Consequentemente não atende as pautas estruturais e não coloca a reforma agrária no centro da agenda política, gerando forte insatisfação das organizações sociais do campo, apesar de pequenos avanços em questões periféricas.
Considerando: 1) O aprofundamento do capitalismo dependente no meio rural, baseado na expansão do agronegócio, produz impactos negativos na vida dos povos do campo, das Estas são as razões centrais que levaram as organizações florestas e das águas, impedindo o cumprimento da sociais do campo a se unirem em um processo nacional de função socioambiental da terra e a realização da reforma luta articulada. Mesmo reconhecendo a diversidade política, agrária, promovendo a exclusão e a violência, impactando estas compreendem a importância da construção da unidade, negativamente também nas cidades, agravando a feita sobre as bases da sabedoria, da maturidade e do respeito dependência externa e a degradação dos recursos às diferenças, buscando conquistas concretas para os povos naturais (primarização). do campo, das florestas e das águas. 2) O Brasil vive um processo de reprimarização da economia, baseada na Neste sentido nós, organizações do campo, produção e exportação de commodities O Brasil vive um processo lutaremos por um desenvolvimento com agrícolas e não agrícolas (mineração), que é sustentabilidade e focado na soberania alimentar de reprimarização incapaz de financiar e promover um e territorial, a partir de quatro eixos centrais: da economia, baseada desenvolvimento sustentável e solidário e a) Reforma Agrária ampla e de qualidade, na produção e satisfazer as necessidades do povo garantia dos direitos territoriais dos povos brasileiro. indígenas e quilombolas e comunidades exportação, que é 3) O agronegócio representa um pacto de poder tradicionais: terra como meio de vida e afirmação incapaz de promover das classes sociais hegemônicas, com forte da identidade sociocultural dos povos, combate à um desenvolvimento apoio do Estado Brasileiro, pautado na estrangeirização das terras e estabelecimento do financeirização e na acumulação de capital, limite de propriedade da terra no Brasil. na mercantilização dos bens da natureza, gerando b) Desenvolvimento rural com distribuição de renda e concentração e estrangeirização da terra, contaminação riqueza e o fim das desigualdades; dos alimentos por agrotóxicos, destruição ambiental, c) Produção e acesso a alimentos saudáveis e conservação exclusão e violência no campo, e a criminalização dos ambiental, estabelecendo processos que assegurem a movimentos, lideranças e lutas sociais. transição para agroecológica. 4) A crise atual é sistêmica e planetária e, em situações de d) Garantia e ampliação de direitos sociais e culturais que crise, o capital busca saídas clássicas que afetam ainda permitam a qualidade de vida, inclusive a sucessão rural e mais os trabalhadores e trabalhadoras com o aumento permanência da juventude no campo. da exploração da força de trabalho (inclusive com trabalho escravo), super exploração e concentração dos Este é um momento histórico, um espaço qualificado, com bens e recursos naturais (reprimarização), dirigentes das principais organizações do campo que esperam a flexibilização de direitos e investimento em tecnologia adesão e o compromisso com este processo por outras entidades excludente e predatória. e movimentos sociais, setores do governo, parlamentares, 5) Na atual situação de crise, o Brasil, como um país rico em personalidades e sociedade em geral, uma vez que a agenda que terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital nos une é uma agenda de interesse de todos e todas. especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas, Brasília, 28 de fevereiro de 2012. quilombolas, comunidades APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil tradicionais e camponesas. CÁRITAS Brasileira Externamente, o Brasil pode CIMI – Conselho Indigenista Missionário se tornar alavanca do projeto CPT – Comissão Pastoral da Terra neocolonizador, CONTAG – Confederação Nacional de expandindo este modelo Trabalhadores na Agricultura FETRAF – Confederação Nacional dos para outros países, Trabalhadores na Agricultura Familiar especialmente na América MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens Latina e África. MCP – Movimento Camponês Popular 6) O pensamento MMC – Movimento de Mulheres Camponesas neodesenvolvimentista MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores centrado na produção e MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no lucro, defendido pela Via Campesina Brasil direita e por setores de