JST #321

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Ano XXX • Nº 321 • Abril-Maio-Junho 2013

Lutas mantém hasteada a bandeira da Reforma Agrária

entrevista

especial

realidade brasileira

Sociólogo Jean Ziegler

Reforma Agrária

Por que cresceu

denuncia as causas

Popular, por terra e

a inflação dos preços

da fome no mundo

soberania alimentar

dos alimentos?

Páginas 4 e 5

Encarte

Página 11


Editorial Nossa tarefa é continuar construindo a unidade no campo

Luta e negociação para manter a Reforma Agrária na agenda do governo e da sociedade O primeiro semestre do ano de 2013 tem sido marcado por um conjunto de lutas em todos os estados em que o MST está organizado. As lutas tiveram início entre 5 e 8 de março, tendo as mulheres como as principais protagonistas da luta pela Reforma Agrária e contra o agronegócio. Em seguida iniciamos o Acampamento Nacional Hugo Chávez, em Brasília, um espaço que combinou mobilizações, formação e negociações. As lutas no mês de abril foram intensificadas na semana de 15 a 20, ao relembrar o assassinato de 21 Sem Terra no Massacre de Eldorado dos Carajás, que transformou o 17 abril no Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária. Ao longo desses dias, a base do MST, Via Campesina e demais movimentos do campo se mobilizaram em todo o país, com o trancamento de mais de 60 rodovias, ocupações de latifúndio e de órgãos públicos, manifestações, passeatas, marchas, entre outras, tendo como objetivo cobrar a Reforma Agrária, denunciar a violência sofrida pelos camponeses nas mais diversas formas e denunciar o Poder Judiciário, um dos principais entraves da Reforma Agrária no país e responsável pela impunidade dos as-

sassinos de trabalhadores rurais, causa principal do aumento da violência. As lutas são fundamentais para manter hasteada a bandeira da Reforma Agrária na sociedade. É o caminho para avançar nas conquistas da pauta econômica. É nosso principal instrumento de formação massiva do conjunto da base. Nada se ganha, tudo se conquista! As lutas foram fundamentais para retomar o processo de negociação com o governo federal. Na pauta, há um conjunto de pontos que envolvem o acesso à terra. Cobramos do governo o assentamento das mais de 150 mil famílias acampadas, sendo 90 mil do MST, tendo a desapropriação como o principal instrumento. Realizamos um processo de negociação centralizada em Brasília, ao cobrarmos do governo um plano de assentamento em cada estado, se comprometendo em retomá-los em nível nacional. Também cobramos uma solução para a questão das dívidas dos assentados, cuja inadimplência chega a 80%. Apresentamos uma proposta de pagar em alimento. A criação de um novo crédito para Reforma Agrária, com recursos suficientes e desbancarizados, foi outro ponto exigido pelo Movimento.

Reafirmamos a importância da implementação da conquista do programa de agroindústrias lançado pela presidenta Dilma no assentamento Dorcelina Folador, em Arapongas (PR), no começo do ano. Outra conquista importante foi o programa de habitação que aumentou os valores de R$ 15 mil para R$ 28.500, deixando de ser operado pelo Incra e passando à Caixa Econômica Federal. Além da discussão em torno das demandas da educação, saúde, Assistência Técnica... Essa tática, ao combinar pressão social e negociação, tem sido fundamental para manter a Reforma Agrária na agenda do governo e na sociedade, e parte da nossa pauta tem conseguido avançar. A pressão feita pelo MST e demais movimentos do campo está forçando o governo a discutir o tema. Mas foi só o governo dar alguns sinais de resolver parte das demandas, que as forças contrárias articuladas pelo agronegócio e sua bancada no Congresso retomaram de forma mais articulado uma ofensiva ideológica e a tentativa de barrar qualquer possibilidade de avanço. Ameaçaram, inclusive, com mais uma CPMI contra o Incra e a Funai,

Carta ao leitor

com objetivo claro de atacar os camponeses e indígenas. Para que os compromissos do governo se concretizem e que haja avanço na solução dos pontos estruturais, precisamos permanecer mobilizados, pressionar o governo e combater as forças contrárias à Reforma Agrária. Esta é uma tarefa/missão do MST, porém não podemos fazer só. Necessitamos continuar construindo a unidade no campo, como a construção da próxima jornada unitária de 15 a 20 de outubro. Nossa tarefa é ir construindo com as demais forças nos municípios, estados e a nível nacional. É hora de arregaçarmos as mangas e seguir em frente com mais força!

Direção Nacional do MST

Frase do mês

Caros companheiros e companheiras, Como já é sabido, estamos tendo dificuldades de manter a periodicidade do Jornal Sem Terra por questões financeiras. Por isso, queremos pedir desculpas pela interrupção na publicação e no envio do JST. Vale lembrar que nenhum(a) assinante será prejudicado(a) em função dessas interrupções. No entanto, estamos convictos da necessidade e da importância do nosso jornal. Esforçaremosnos para que essa conquista dos camponeses continue sua trajetória histórica.

Estamos empenhando esforços e buscando alternativas para que se restabeleça a regularidade do JST no tempo mais breve possível, e que ele continue contribuindo na divulgação e fortalecimento da luta pela reforma agrária. Mas, enquanto persistirem essas dificuldades, contamos, como em inúmeras outras ocasiões, com sua compreensão e contribuição militante à nossa luta e ao nosso JST. Atenciosamente, João Paulo Rodrigues Secretaria Nacional do MST

Solange Engelmann

Setor de Comunicação Nacional MST

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Foto da capa: MST-PA

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As forças contrárias à Reforma Agrária retomaram uma ofensiva ideológica e a tentativa de barrar qualquer possibilidade de avanço

Edição-chefe: Igor Felippe Santos. Edição-adjunto: Luiz Felipe Albuquerque. Revisão: Jade Percassi. Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Elaine Silva. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/ SP – Tel/fax: (11) 2131-0850. Correio eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.

Sua participação é muito importante. As correspondências podem ser enviadas para jst@mst.org.br ou para a Alameda Barão de Limeira, 1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. As opiniões expressas na seção “Palavra do leitor” não refletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobre os temas abordados. A equipe do JST pode, eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.

“O País deve investir nos pequenos agricultores. Nesse ponto, o MST tem razão. (...) Não houve a reforma agrária prometida por Lula e Dilma. Isso é condição básica para que o Brasil possa lidar de uma forma decisiva contra a fome.” Jean Ziegler, sociólogo suíço e ex- relator da ONU

Jornal Sem Terra • ABR-Mai-Jun 2013


Estudo Apenas 7,2% da população tem renda acima de cinco salários mínimos

Wladimir Pomar Analista político e escritor

Arquivo MST

O abismo entre as classes sociais no Brasil No Brasil, o debate em torno das classes sociais foi retomado recentemente, quando setores da população conquistaram poder de compra pela criação de empregos, pela elevação do salário mínimo e transferências de renda. Teriam, então, conformado uma classe baixa (9,5%), uma nova classe média (50,5%) e uma classe alta (42%), tendo por base a renda. Em contraposição, o economista Márcio Pochmann mostrou que, em 2009, 58,8% da população tinham renda de até 1,5 salários mínimos, 83% vivia com renda de até três salários mínimos e apenas 7,2% tinha renda acima de cinco salários mínimos. Pochmann também apresentou que apenas 12% das famílias tinham condições de renda para empregar de um a dois empregados domésticos. Por outro lado, cerca de 1% das famílias tinham

Sem conhecer os diferentes interesses de classes, é difícil discernir os movimentos de seus representantes ideológicos e políticos renda para empregar 20 ou mais trabalhadores domésticos. Portanto, 87% das famílias não tinham renda para empregar domésticos. Isso indica a existência de fossos entre a classe alta, a classe média e a classe baixa. Esses fossos estão relacionados com a distinção entre o mundo do trabalho e o mundo da propriedade. Na conformação desses mundos, ocorreram duas grandes transformações no Brasil. Na primeira, os escravos, na ausência de uma Reforma Agrária, foram transformados em camponeses agregados, que produziam de favor nos latifúndios. Na segunda, a partir de 1964, a classe latifundiária, que vivia da renda do solo, foi transformada pelo Estado militar, com injeções de capital, em uma fração agrária da

As diferentes classes sociais cooperam, competem e conflitam entre si

classe capitalista, o agronegócio. Esse setor não vive mais apenas da renda da terra. Possui a propriedade de meios de produção modernos e emprega trabalho assalariado, tanto qualificado quanto não qualificado. Essa modernização da propriedade capitalista causou mudanças profundas no mundo do trabalho. Expulsou milhões de camponeses agregados das terras em que produziam resultou em um dos maiores movimentos migratórios da história brasileira, no aumento da favelização e na criação de um exército de força de trabalho de baixo custo para o milagre econômico da ditadura.

Quanto ganham as famílias brasileiras População (%)

Renda em salário mínimo

11%

não declarada

47,8%

até 1,5

25%

1,5 a 3

9%

3a5

7,2%

mais de 5

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Isso esvaziou o peso social do campesinato e tem reduzido a fração proprietária de meios de produção agrícola e de pequenas parcelas de terra. O agronegócio se apropria de suas terras, tanto por meios econômicos, quanto pela grilagem. Paralelamente, a estagnação econômica, entre meados dos anos 1970 e 2002, fez com que grande parte daquele exército de reserva permanecesse, por mais de duas gerações, privado de emprego, escolaridade e formação profissional. Situação que só começou a mudar a partir de 2003, com os programas de transferência de renda, de elevação do salário mínimo e de crescimento econômico. Emergiu, então, uma nova classe trabalhadora assalariada, industrial, comercial e de serviços, além da fração rural trabalhando no agronegócio.

Atualidade Nessas condições, podemos dizer que atualmente nos defrontamos com quatro grandes classes sociais no Brasil. Em primeiro lugar, a classe proprietária capitalista (ou burgue-

sia), constituída de grandes e médios empresários agrícolas e pecuários, banqueiros, acionistas, rentistas, industriais, comerciantes e de serviços, com a crescente tendência de se concentrar em grandes corporações que reúnem todas as suas frações, sob a hegemonia da burguesia financeira. Em segundo lugar, a classe proprietária de poucos meios de produção, que trabalha diretamente com eles, ou com pequeno número de trabalhadores assalariados. Em determinadas situações, se assalaria eventualmente como forma de complementar seu pequeno capital. Essa classe, também chamada de pequena-burguesia, possui frações industriais, camponesas, comerciais e de serviços. Em terceiro lugar, a classe trabalhadora assalariada, à qual pertencem todos os trabalhadores cuja única propriedade é sua força de trabalho. Em quarto lugar, pode-se considerar uma classe lumpen, descamisada, marginalizada, excluída (ou lumpesinato), a grande parte do exército de reserva jogada no desemprego, vivendo sob condições sub-humanas e sem condições de acessar o atual mercado de trabalho. Essas classes e suas diferentes frações cooperam, colaboram e se unem, assim como concorrem, competem, conflitam e se dividem, como expressão dos interesses próprios de cada uma. Sem conhecer tais interesses e como se manifestam em cada momento, é difícil discernir os movimentos de seus representantes ideológicos e políticos.

12% - condições de empregar um a dois empregados domésticos. 1% - condições de empregar 20 ou mais trabalhadores domésticos. 87% - não tinham condições de empregar trabalhadores domésticos.

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Entrevista Entrevista especial com o sociólogo suíço Jean Ziegler, ex-relator especial para o Direito à Alimentação da ONU

O sociólogo suíço Jean Ziegler, ex-relator especial para o Direito à Ali-

Arquivo MST

Especuladores devem ser julgados por fome de 1 bilhão de pessoas, diz Jean Ziegler mentação das Nações Unidas (ONU), denuncia que a fome é um dos principais problemas da humanidade. “O direito à alimentação é o direito fundamental mais brutalmente violado. A fome é o que mais mata no planeta. A cada ano, 70 milhões de pessoas morrem. Destas, 18 milhões morrem de fome. A cada 5 segundos, uma criança no mundo morre de fome”, afirma o sociólogo. Em entrevista ao Jornal Sem Terra, Jean Ziegler diz que a problemática da fome não está relacionada com a falta de alimentos no mundo, mas sim ao acesso a eles, causa da enorme concentração do setor nas mãos de poucas empresas. “85% dos alimentos de base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome e quem vai comer”, denuncia o sociólogo, que afirma que a única forma de mudar as políticas que perpetuam a fome é por meio da mobilização e pressão popular. Confira a entrevista:

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Jean Ziegler, no lançamento de seu livro “Destruição e massa geopolítica da Fome”, em São Paulo

José Coutinho Júnior Setor de Comunicação do MST

JST: A fome é causada pela escassez de alimentos? Jean Ziegler: Na década de 1950, 60 milhões de pessoas passavam fome. Atualmente, existem mais de um bilhão de pessoas famintas. O planeta nas condições atuais poderia alimentar 12 bilhões de pessoas, de acordo com estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação. Portanto, quando uma criança morre de fome ela é assassinada. JST: Quais os fatores responsáveis pela fome no mundo então? JZ: A concentração da riqueza nas mãos de algumas empresas faz com

que os capitalistas tenham uma grande força política. O poder político dessas empresas foge ao controle social, pois elas seguem blindadas pela tese neoliberal de que o mercado não deve ser regulado pelo Estado. 85% dos alimentos de base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome e quem vai comer. É a primeira vez que a humanidade tem condições efetivas de atender às necessidades básicas de todos. Depois do fim da Guerra Fria, mais especificamente em 1991, a produção capitalista aumentou muito, chegando a dobrar em 2002. Ao mesmo tempo, essa produção seguiu um processo de monopolização das riquezas. Hoje, 52,8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial está nas mãos de empresas multinacionais.

JST: Como a especulação financeira dos alimentos contribui para a fome? JZ: A especulação financeira dos alimentos nas bolsas de valores é um dos principais fatores para o crescimento dos preços da cesta básica nos últimos dois anos, dificultando o acesso aos alimentos e causando a fome. De acordo com o Banco Mundial, 1,2 bilhões de pessoas encontram-se em extrema pobreza hoje, vivendo com menos de um dólar por dia. Quando o preço do alimento explode, essas pessoas não podem comprar. Apesar da especulação ser algo legal, permitido pela lei, isso é um crime. Os especuladores deveriam ser julgados num tribunal internacional por crime contra a humanidade. Além disso, a política de agrocombustíveis, que, além de utilizar terras que poderiam produzir comida, trans-

Não se pode naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada pela sociedade desigual em que vivemos forma alimentos em combustível, é mais um agravante à fome. É inadmissível usar terras para fazer combustível em vez de alimentos em um mundo onde a cada cinco segundos uma criança morre de fome. JST: Que práticas adotadas pelas empresas agravam o problema da fome? JZ: Não se pode naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada pela sociedade desigual em que vi-

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“Não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação”, afirma Jean Ziegler

vemos. Prova disso são as diversas políticas agrícolas praticadas por empresas e subsidiadas por instituições nacionais e internacionais. O dumping agrícola, por exemplo, consiste em subsidiar alimentos importados em detrimento de incentivar a produção de alimentos interno. Os mercados africanos, por exemplo, podem comprar alimentos vindos da Europa a 1/3 do preço dos produtos africanos. Os camponeses africanos, dessa forma, não conseguem produzir para se sustentar. Há também o “roubo de terras”, que consiste no aluguel ou compra de terras em um país por fundos privados e bancos internacionais, que ocorreu com mais de 202 mil hectares de áreas férteis na África, com crédito do Banco Mundial e de instituições financeiras da África. Os camponeses, por conta desse processo, são expulsos das terras para as favelas. Esse processo tem se intensificado uma vez que os preços dos alimentos aumentam com a especulação imobiliária.

por ano, enquanto que na Inglaterra ou Canadá, um hectare gera uma tonelada. Para o Banco Mundial, é mais razoável dar essa terra a uma multinacional capaz de investir capital e tecnologia e tirar o camponês de lá. Essa não é a solução. É preciso dar os meios de produção ao camponês africano. A irrigação é pouca, não há adubo animal ou mineral nem crédito agrícola, e a dívida externa dos países impede que eles invistam na agricultura. JST: Quais as soluções para a questão da fome? JZ: A única forma de mudar as políticas que perpetuam a fome é por meio

da mobilização e pressão popular. Temos que pressionar deputados e políticos para mudar a lei, impedindo que a especulação de alimentos continue. Devemos exigir dos ministros de finanças na assembleia do Fundo Monetário Internacional (FMI) que votem pelo fim das dívidas externas. Temos que nos mobilizar para impedir o uso de agrocombustíveis e acabar com o dumping agrícola. A luta contra a fome é urgente, pois quem se encontra nessas condições não pode esperar. Essa mobilização coletiva pode pressionar democraticamente e massivamente, por medidas que acabem com a fome. A

A consciência solidária deve movimentar a sociedade civil. A única coisa que nos separa das vítimas da fome é que elas tiveram o azar de nascer onde se passa fome consciência solidária deve movimentar a sociedade civil. A única coisa que nos separa das vítimas da fome é que elas tiveram o azar de nascer onde se passa fome.

JST: E como uma entidade como o Banco Mundial justifica o subsídio a essas políticas? JZ: Usando a África como exemplo, o Banco Mundial justifica o roubo de terras com o argumento de que a produtividade do camponês africano é baixa até mesmo em um ano normal, no qual existem poucos problemas, o que raramente acontece. Um hectare gera no máximo 600 kg Jornal Sem Terra • ABR-Mai-Jun 2013

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Estado A indústria de laticínios é fruto de anos de luta do MST no Paraná

Dilma lança programa de agroindustrialização no Assentamento Dorcelina Folador Mayrá Lima Setor de Comunicação

O A ss e nta m e nto Dorcelina Folador, no município de Arapongas (PR), foi palco do lançamento do programa Terra Forte, no início de fevereiro,que pretende investir R$ 600 milhões no apoio de projetos de agroindustrialização da produção em assentamentos da Reforma Agrária. No lançamento do programa, que contou com a presença da presidenta Dilma Roussef, também foi inaugurada a estrutura da agroindústria da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran), que beneficiará 4 mil famílias na produção e

Dilma no lançamento do programa Terra Forte, em Arapongas (PR)

comercialização de leite e seus derivados. “Estamos diante de uma das melhores práticas agrícolas que já vi. O

Brasil pode ver na Copran um projeto de primeira. Aqui há um padrão tecnológico de produção de primeira linha.

O aumento da capacidade de produção implica em melhoria de renda”, disse a presidenta. “A indústria de laticínios é uma conquista grande, fruto de anos de luta do MST no Paraná. Essa luta começou desde o acampamento, na obtenção da terra, e agora temos a agroindústria”, disse Dirlete Dellazeri, presidenta da Copran e integrante do assentamento Dorcelina Folador. O assentamento conta com 58 hectares de área comunitária, com 120 vacas Jersey que passam por melhoramento genético através de inseminação. A produção de leite, que já atende a população local, dará um salto significativo. Chegará a 90 mil litros de leite ao dia, que serão processados e fornecidos para o mercado local e para outros estados do Brasil.

Sem Terra comemoram duas décadas de resistência em PE Ramiro Olivier Setor de Comunicação

O Assentamento Normandia, no município de Caruaru (PE), comemorou 20 anos de história e resistência no último 1° de maio. Foram três dias de festa com churrasco, torneio de futebol, noites dançantes, alvorada acompanhada de café da manhã com os 40 assentados e mais dezenas de convidados. Ao longo desses anos, foram muitas as conquistas dos Sem Terra. Hoje, o assentamento conta com a Casa da Juventude, Academia das Cidades, cooperativa, associação, escola e um Centro de Formação, com capacidade de atender 500 pessoas. Por meio do PAA e do PNAE, os assentados ainda abastecem escolas

Festa de 20 anos do Normandia

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dos assentamentos e do município de Caruaru com sua produção.

História A primeira ocupação aconteceu em 1993. Ao longo desse período, as famílias sofreram quatro despejos

violentos. Em 1996, os acampados decidiram, então, fazer uma greve de fome, que durou dez dias. “Quando tinha os despejos acampávamos na beira da BR 104, e depois agente voltava para a fazenda. Tivemos muitas dificuldades, fomos obrigados a fazer greve de fome junto com a companheirada de Recife.

Teve pessoas que chegaram a ir para o hospital, debilitados com fome. Foram dez dias de muita dificuldade e negociações”, conta o assentado Ivanildo José da Silva. Após a greve de fome, em 1997 a fazenda Normandia foi desapropriada pelo Incra junto com outras três fazendas.

Sociedade alagoana se unifica na luta pelos seus direitos Da Redação

Os trabalhadores do campo e da cidade de Alagoas realizaram grandes marchas na Jornada de Lutas em Defesa de Alagoas, durante os meses de abril e maio. A primeira etapa da Jornada contou com três manifestações de rua e culminou no ato do Dia do Trabalhador, no 1º de maio, com mais de cinco mil pessoas exigindo seus direitos. A jornada teve como foco a Reforma Agrária, educação, saúde, segurança pública e cultura enquanto demandas de toda sociedade. A reação popular levou seis mil trabalhadores às ruas no dia 18/04, e o centro de Maceió foi ocupado novamente com a voz da cultura popular no dia 26/04. Os trabalhadores do campo e da cidade também denunciaram as práticas

Mais de 5 mil pessoas saíram às ruas no 1° de maio

do governador Téo Vilela (PSDB). No 1° de maio, todas as centrais sindicais que atuam no estado estiveram presentes, como a CUT, CTB, CSP-Conlutas, CGTB e Força Sindical. Marcado pela governança da elite canavieira e pela enorme desigualdade social, o estado de Alagoas também

se destaca, em contrapartida, com a reação da classe trabalhadora organizada. Segundo o Relatório Conflitos no Campo Brasil 2012, Alagoas foi o quarto estado que mais realizou mobilizações no campo, ficando atrás apenas do Pará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

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Estado Temos que fazer das dificuldades nossas conquistas

Acampamento consolida a luta permanente por Reforma Agrária Iris Pacheco Setor de Comunicação

O Acampamento Nacional Hugo Chávez, em Brasília, foi desmontado no dia 4 de julho para dar continuidade ao processo de luta permanente por Reforma Agrária em todos os estados do país. Foram três meses de luta cotidiana com a realização de marchas com as centrais sindicais e vários movimentos sociais do campo, ocupações em diversos ministérios, participação em audiências públicas e atos políticos que pautaram a luta pelos direitos humanos, a defesa da Reforma Agrária e dos territórios tradicionais quilombolas e indígenas. “O acampamento foi a construção de um pedaço da história do Brasil, que é marcada pela violência e impunidade no campo, pelo descaso do governo federal com a Reforma Agrária, com os trabalhadores e trabalhadoras rurais, quilombolas, indígenas e todos os povos deste país. Uma história de luta que é feita por camponeses, que usam o tecido da coragem, resistência e persistência para fazer com suas próprias mãos uma sociedade mais justa e igualitária”, disse Francisco Moura, da coordenação nacional do MST.

Luiz Felipe Albuquerque Setor de Comunicação

A tarefa é continuar na construção dos acampamentos nos estados

Umas das propostas acordadas é que o Incra, MDA e o MST trabalhem em conjunto para acelerar o processo de desapropriação de áreas para Reforma Agrária e desenvolvimento dos assentamentos já existentes nos estados. A meta é que nos próximos 12 meses o Incra realize 1300 vistorias e garanta a realização de em média 3 vistorias por perito por ano. Para Francisco, “a luta por Reforma Agrária é permanente e é construída a partir do sonho coletivo de milhões de trabalhadoras e trabalhadores rurais

que vivem em situações de pobreza. Por isso, desmontar o Acampamento não significa a interrupção desse processo. A tarefa dos movimentos é continuar lutando por Reforma Agrária em todo o país, fazendo das dificuldades nossas conquistas”, salienta. As 500 pessoas que passaram esse período no Acampamento Nacional retornam para casa com a tarefa de contribuir na organização desses Acampamentos estaduais, como também nos debates e preparação do 6° Congresso Nacional.

Assentados avançam na produção agroecológica no Maranhão Reynaldo Costa Setor de Comunicação

As famílias do Assentamento Cristina Alves, em

Sem Terra e indígenas fazem marcha em Mato Grosso do Sul

Itapecuru Mirim (MA), colheram uma safra recorde de cerca de 90 toneladas de arroz agroecológico. Toda a produção está sendo trabalhada de forma coletiva.

A principal dificuldade dos trabalhadores é que a colheita foi feita toda de forma manual. “Se tivéssemos a garantia de uma colheitadeira, nós dobrávamos a produção”, disse José Augusto, um dos trabalhadores no projeto. As famílias reclamam da falta de incentivo por parte do Estado, já que toda a iniciativa nessa produção está sendo bancada por conta própria. As 22 famílias que estão inseridas tomaram um empréstimo numa instituição bancária e ratearam a despesa entre si. Há mais de três anos os Sem Terra vem batalhando pela instalação de uma beneficiadora de grãos na região. Toda produção é trabalhada de forma coletiva

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Cerca de 400 pessoas do MST, indígenas Guarani-kaiowá, movimento estudantil e outros movimentos camponeses, realizaram uma marcha entre os municípios de Anhanduí a Campo Grande (MS). A mobilização foi resultado do Encontro Unitário dos movimentos sociais do campo, que aconteceu em agosto de 2012, e se fortaleceu após os ataques aos povos indígenas por parte dos fazendeiros no estado. “O caso está grave com relação a luta indígena na região. Precisamos dizer que é o grande capital que está excluindo o nosso povo”, disse Atiliana Brunetto, da coordenação nacional do MST, ao apontar o grande latifúndio como o maior responsável pelos conflitos na região. “A luta dos movimentos sociais não é diferente da nossa e por isso tomamos essa corrente para somarmos força e irmos pra luta”, conta o indígena Oriel Kaiowá, destacando a importância dos movimentos sociais e indígenas fortalecerem a luta unitária pela demarcação das terras indígenas e quilombolas, assim como a Reforma Agrária. Ao chegarem a capital, uma série de manifestações foram realizadas, além de se reunirem com o Incra e entregarem um documento ao Ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, denunciando a situação da região.

Marcha unificada junta 400 pessoas

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Especial Foram realizadas mobilizações em 19 estados e no distrito federal, ao cobrarem da presidenta o assentamento das 150 mil famílias Sem Terra

Jornada de abril tranca mais de 60 rodovias e realiza ocupações de terras, prédios públicos e prefeituras Distrito Federal

Da Redação

No mês de abril, foi realizada a Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária, ao marcar os 17 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, em memória aos 21 Sem Terra assassinados em 1996, no Pará. Com o objetivo de cobrar da presidenta Dilma Rousseff a apresentação de um plano emergencial para o assentamento das 150 mil famílias acampadas em todo o Brasil, foram realizadas mobilizações em 19 estados e no Distrito Federal. Como resultado das ações, houve o trancamento de mais de 60 rodovias, ocupações de terras, de prédios públicos e de prefeituras, marchas e atos políticos, além de doações de alimentos por todo o país. Pernambuco

13 latifúndios foram ocupados e cerca de 3200 Sem Terra fecharam 12 rodovias. As Prefeituras de Goiana, na região Norte, e de Moreno, região Metropolitana, também foram ocupadas. Tocantins

Foi realizado um ato em defesa da Reforma Agrária e em homenagem aos 17 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás no Acampamento Sebastião Bezerra. Após o ato, 150 pessoas trancaram a TO 050.

Cerca de 500 integrantes do MST marcharam pela Esplanada dos Ministérios em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde realizaram um protesto. O MST e servidores do MDA e Incra fizeram a doação de duas toneladas de alimentos orgânicos à população de Brasília, na Rodoviária do Plano Piloto.

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Cerca de 600 famílias trancaram a BR 222 no município de Chapadinho. Há cinco anos nenhuma família é assentada no estado. Santa Catarina

Sergipe

1600 Sem Terra trancaram 10 estradas em todo o estado. Na capital Aracaju, 800 pessoas do MST realizaram vigília em frente ao Palácio da Justiça Federal, fizeram um ato no Distrito Comercial e ocuparam o pátio do Incra para cobrar o assentamento das mais de 10 mil famílias acampadas no estado. Alagoas

Uma marcha percorreu as ruas da cidade de Atalaia até o Fórum de Justiça, que abriga processos envolvendo crimes ligados à disputa pela terra na região. Ceará

Foi ocupada a sede do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNCOS), em Fortaleza, para tratar sobre pontos referentes à seca.

Bahia

Cinco mil Sem Terra marcharam por quatro dias de Camaçari a Salvador, onde ocuparam o Incra. Também foi realizado um ato político em frente à Assembleia Legislativa. Logo depois, os Sem Terra fizeram um ato, seguido de uma vigília no tribunal da Justiça Federal.

Maranhão

Cinco mil Sem Terra marcharam na Bahia

Em MG, os Sem Terra cobraram a punição à Chafik

Ocupação da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul

Minas Gerais

Rio Grande do Sul

Cerca de 200 Sem Terra bloquearam o Anel Rodoviário de Belo Horizonte. Além de protestarem contra a morte dos 21 Sem Terra em Carajás, eles também cobraram a punição de Adriano Chafik, réu confesso do Massacre de Felisburgo, que matou cinco trabalhadores rurais em 2004.

Cerca de 1.500 integrantes do MST, MAB, MPA, MMC, MTD e Levante Popular da Juventude ocuparam o prédio da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Os manifestantes ficaram acampados nos prédios do Incra e no Ministério da Fazenda.

Cerca de 250 Sem Terra de várias regiões do estado trancaram o trevo que dá acesso ao município de Joaçaba. Em seguida, os participantes da ação seguiram em marcha para a praça de Joaçaba e realizam um ato em frente ao fórum do município.

Rio de Janeiro Mato Grosso do Sul

Pará

Foram fechados cinco trechos de rodovias federais e estaduais. A cada 21 minutos os manifestantes ocupavam as vias para distribuir panfletos e comida aos condutores.

Durante o mês de abril aconteceu o 8º Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves Pereira, com dois mil jovens de vários estados. A rodovia PA-150 na altura da Cursa do S - local onde aconteceu o Massacre de Eldorado dos Carajás - foi trancada. Em Belém, 400 trabalhadores rurais acamparam na praça Mártires de Abril.

Goiás

O Incra de Goiânia foi ocupado por 500 Sem Terra. Mato Grosso

Mais de 300 integrantes do MST trancaram duas rodovias.

São Paulo

Foi ocupada a fazenda Nossa Senhora de Fátima, em Agudos, por 150 famílias da região de Iaras. Duas rodovias no interior do estado também foram fechadas. No Vale do Paraíba, os Sem Terra ocuparam o escritório do Instituto Biosistêmico (IBS). Na região de Andradina, foram realizadas brigadas de doação de sangue. Na grande São Paulo foi realizado um mutirão e ato político cultural no acampamento Comuna da Terra Irmã Alberta. Militantes e famílias assentadas da região de Campinas somaram-se às atividades da semana de Luta pela Terra, em Limeira.

Jornal Sem Terra • junho 2013

Paraná

Foram trancadas 20 rodovias estaduais e federais em todas as regiões do Paraná. Em Curitiba, foi realizado um ato em frente ao Tribunal de Justiça do Estado.

Junto com o movimento Atingidos pela Vale, foi feito um ato em frente à assembléia de acionistas da empresa para denunciar as violações cometidas pela Vale e exigir reparações aos grupos impactados.

Legenda Rio de Janeiro

Rondônia

Piauí

Jornal Sem Terra • junho 2013

Em abril, o MST recebeu o Prêmio Guernica para a Paz e Reconciliação de 2013, na cidade de Guernica, na Espanha. O prêmio foi entregue durante os atos de memória aos 76 anos do bombardeio de Guernica pelos nazistas. Durante a premiação, o comitê de jurados afirmou que o MST é uma “organização que luta pela paz e pela Reforma Agrária no Brasil. Está há 30 anos resistindo, de forma não violenta, e já conquistou mais de 1.500 assentamentos legalizados, que reúnem 350 mil famílias em um total de 5 milhões de hectares". João Paulo Rodrigues, da coordenação do MST e quem recebeu o prêmio, agradeceu ao lembrar das vítimas do bombardeio e da violência contra os trabalhadores rurais pelo latifúndio. “Queremos dedicar esse prêmio a todas as vítimas do bombardeio de Guernica, a todos os presos políticos do mundo que lutam por democracia e justiça, e a todos militantes que foram assassinados na luta pela Reforma Agrária”, disse João Paulo. E concluiu ao afirmar que a luta do MST pela paz, pela democracia e Reforma Agrária só é possível com justiça social. "Reafirmamos nosso compromisso de lutar em defesa da soberania alimentar, do meio ambiente, dos direitos humanos e em defesa dos camponeses”.

Premiação

Foi fechada cinco trechos da BR 364 para cobrar o assentamento de 800 famílias acampadas.

Ato em frente ao Tribunal de Justiça do Estado

MST recebe prêmio na Espanha pela luta da Reforma Agrária

800 Sem Terra ocuparam a fazenda Atalaia, a 30 km de Teresina, depois de fecharem uma avenida na capital. O Incra também foi ocupado por 600 pessoas.

A premiação Guernica para a Paz e a Reconciliação foi estabelecida em 2005 durante as atividades que relembram o bombardeio da cidade espanhola pelos nazistas, em 26 de abril de 1937. A premiação foi liderada pela Câmara Municipal de Guernika-Lumo (Espanha), a cidade de Pforzheim (Alemanha), a Fundação Guernika Gogoratuz, o Museu da Paz e da Casa da Cultura de Guernika-Lumo. Todos os anos, um prêmio é concedido a pessoas que trabalham pela paz e o outro é apresentado a grandes líderes, personalidades ou instituições que tenham lutado para transformar os conflitos e estabelecer as bases de futuros processos de reconciliação.

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realidade brasileira

Já está nas ruas iniciativa popular que visa democratizar os meios de comunicação

Movimento apresenta projeto para nova lei da mídia democrática João Brant Coletivo Intervozes

Já faz tempo que os movimentos sociais e organizações da sociedade civil lutam por mudanças profundas no sistema de comunicações do Brasil. A expectativa das organizações que atuam nessa área era que o governo pudesse apresentar uma proposta para mudar a atual lei de comunicações, de 1962, e discutir com a sociedade uma nova lei que pudesse democratizar o setor. Mas o governo Dilma Rousseff não deu nenhum passo nessa direção, e então os movimentos sociais resolveram agir.

O objetivo é coletar 1,3 milhões de assinaturas de apoio para apresentá-lo ao Congresso Foi lançada no dia 1º de maio a campanha de coleta de assinaturas para um Projeto de Lei de iniciativa popular para democratizar a mídia. É a primeira vez que uma proposta concreta e ampla para esse tema é construída pelos movimentos sociais e colocada nas ruas para discutir com a sociedade. O objetivo é coletar 1,3

Militantes buscam as 1,3 milhões de assinaturas nas ruas

milhões assinaturas de apoio para apresentá-lo ao Congresso. A iniciativa, que faz parte da campanha “Para expressar a liberdade”, liderada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), reúne entidades como CUT, Intervozes, MST e Barão de Itararé.

O que propõe o projeto Muita gente se pergunta se o Brasil precisa mesmo de uma lei para democratizar a comunicação. É claro que lei sozinha não resolve tudo, mas mudar as regras do sistema atual é o que cria as condições para transformá-lo. Não é a

toa que vários países da América Latina, como Argentina, Venezuela e Bolívia, aprovaram novas leis de comunicação. O Equador e agora o Uruguai também discutem mudanças na legislação. O projeto tem foco no combate ao monopólio e na garantia de representação dos diferentes grupos sociais. Esses objetivos são perseguidos por meio de um conjunto de estratégias, que combinam os limites à concentração, o fortalecimento do sistema público e comunitário e a responsabilização da mídia no caso de violações de direitos humanos. O projeto, se aprovado, afetará diretamente os grandes grupos de comunicação, como a Rede Globo, e quebrará o controle

dos meios de comunicação pelos ‘coronéis eletrônicos’, ou seja, os políticos que dominam também rádio e televisão. Entre as propostas do projeto está a proibição do mesmo grupo manter propriedade cruzada dos meios de comunicação na mesma cidade, ou seja, controlar rádio, TV e jornal. Além disso, o projeto reserva 33% do espectro de rádio e TV para o sistema público e comunitário. Os meios comunitários, aliás, passam a ser tratados com os mesmos direitos, acabando com os limites de potência e alcance que valem hoje para as rádios comunitárias. Para garantir a defesa dos interesses da sociedade, o projeto se inspira na lei da Argentina e cria o defensor dos direitos do público, com poder de receber denúncias e reclamações dos cidadãos. Grupos sociais, como movimentos e sindicatos, passam a ter direito de antena, ou seja, a um espaço nos grandes meios de comunicação uma vez por semestre, como hoje acontece com os partidos políticos. O projeto define ainda a proibição a outorgas para políticos e para igrejas, e impede o arrendamento e venda de horários. Na página www.paraexpressaraliberdade.org.br estão todos os materiais necessários. Além do texto completo do projeto e do modelo de folha para coleta de assinaturas, há um panfleto que resume as principais bandeiras e uma folha de rosto que descreve o projeto.

Juventude defende mudanças estruturais em jornada unitária Da Redação

Mais de 40 entidades do movimento popular, sindical e estudantil que trabalham com a juventude fizeram uma jornada de lutas por mudanças estruturais na sociedade brasileira. A 1º Jornada Nacional da Juventude Brasileira organizou entre 25 de março e 6 de abril manifestações em 21 estados e em Brasília, onde 5 mil jovens fizeram uma marcha na Esplanada dos Ministérios. Os jovens defenderam a realização da Reforma Agrária, o financiamento público da educação para sua univer-

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salização em todos os níveis, o fim do extermínio da juventude nas grandes cidades, a democratização dos meios de comunicação, a garantia de trabalho decente e a reforma política democrática. Essa unidade foi considerada um marco histórico na luta da juventude brasileira. “A jornada demonstra a importância da mobilização de rua. As mudanças estruturais neste país só se dão com o povo na rua”, disse Raul Amorim, do coletivo de juventude do MST. “A pluralidade e a unidade na luta é o diferencial da jornada, reunindo em um só espaço a juventude trabalhadora

do campo e da cidade, do movimento social, entidades estudantis, juventudes políticas, feministas, religiosas, da cultura e comunicação e de combate ao racismo, mobilizados para mudar o Brasil e conquistar mais direitos”, disse Alfredo Santos, secretário de Juventude da CUT. “O principal fruto desse processo foi levar às ruas os jovens e mostrar o protagonismo da juventude nas pautas mais amplas da sociedade”, disse Carla Bueno, do Levante Popular da Juventude. Em audiência, as entidades apresentaram à presidenta Dilma Rousseff a plataforma da jornada, e cobraram a realização

de mudanças estruturais no país. Amorim denunciou que, nos últimos 10 anos, 1 milhão de jovens saíram do campo brasileiro e migraram para a cidade. Ele cobrou da presidenta o assentamento imediato das 150 mil famílias acampadas e a ampliação do programa de agroindústrias. Os estudantes defenderam também a destinação de 10% do PIB para educação. De acordo com Manuela Braga, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a educação tem um papel fundamental para o desenvolvimento do país e para a superação da desigualdade.

Jornal Sem Terra • ABR-Mai-Jun 2013


realidade brasileira

Expansão das áreas com produtos do agronegócio implica na redução da produção da dieta básica

Por que cresceu a inflação dos preços dos alimentos? redução daqueles mais importantes da dieta básica da população. Com isso, produtos como farinha de mandioca, feijão, arroz e trigo estão entre os líderes de alta dos preços. Claro que a seca no Nordeste influenciou os preços da farinha, mas a oferta relativa do produto vem reduzindo desde 1990.

Gerson Teixeira Presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)

Há um desconforto no país com a persistência da pressão dos preços ao consumidor. Ainda que moderado, esse processo preocupa pelo grau alcançado de dispersão e por comportar picos nos preços de alguns produtos sensíveis da alimentação. Toda a atenção ao processo inflacionário é recomendável tanto pelo histórico que tivemos de 15 anos de hiperinflação com ajustes parciais, quanto ao enfrentamento aos jornalistas e economistas espalhados nos órgãos da mídia conservadora, que propagam avaliações tendenciosas sugerindo um atual descontrole dos preços no Brasil. Assim, visam forçar a reversão da tendência de baixa da taxa Selic e dar substrato aos discursos oportunistas por parte das principais lideranças da oposição. A maior parte dos analistas de mercado costumeiramente ouvidas pelo Banco Central reforçam as previsões pela acomodação dos preços ao longo do ano, que deverá apresentar inflação em torno de 5,71%, ao desgosto do sistema financeiro, que demanda espasmos inflacionários. O controle sustentável dos preços exige muito mais que o manejo da política monetária e desonerações pontuais. Pressupõe enfrentar as causas estruturais dos desequilíbrios da economia e calibrar as políticas para melhorar a gestão dos fatores circunstanciais e sazonais que afetam o comportamento dos preços.

Quantidade de área plantada Alimento

Período de 1990 para 2011

Arroz

- 31%

Feijão

- 26%

Mandioca

- 11%

Trigo

- 35%

Cana

+ 122%

Soja

+ 107%

Escassez até de arroz

A grande causa da alta dos alimentos é não regulação da ocupação agrícola

Assim, é preciso reconhecer os equívocos do governo que resultaram, em especial, na constante volatilidade dos preços dos alimentos que têm se destacado no impulso dos preços em geral.

Causas e efeitos Desde março de 2010, a variação dos preços dos alimentos tem superado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De março de 2012 a março de 2013, esse índice evoluiu 6,59% enquanto os preços dos alimentos, 13,49%. Os produtos de “Alimentação no domicílio” tiveram os preços aumentados em 15,16%. Dentro desse subgrupo, observou-se a alta de 37,8% nos preços dos produtos in natura. Com impactos diferenciados na taxa de inflação, os produtos essenciais da dieta da população que apresentaram os maiores incrementos de preços no período incluem a farinha de mandioca (151,37%), arroz (29,8%), feijão (40,37%), farinha de trigo (22,14%). Destacaram-se, também, os tubérculos (89,6%), e as hortaliças (25,5%).

Jornal Sem Terra • ABR-Mai-Jun 2013

Há um razoável consenso sobre as causas mais diretas da alta dos preços dos alimentos: aumento da respectiva demanda global; competição do setor de combustíveis; aumento dos custos de produção; fatores climáticos; especulação com commodities alimentares e inexistência de políticas de estoques reguladores e estratégicos. No entanto, merece destaque um fator estrutural: o governo não tem regulado a ocupação da área agrícola do país, cedendo terreno ao agronegócio. Prossegue a expansão das áreas com os produtos nobres do agronegócio para exportação, e a

Recursos ofertados pelo Pronaf Alimento

comparação 2003/2012

Arroz

-77.4%

Feijão

-81%

Mandioca

-69%

Milho

-44%

O caso do arroz é exemplar. De acordo com as estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para 2022, o Brasil deverá importar 61% da quantidade consumida de arroz e a produção nacional equivalerá a 43% do consumo. Importamos US$ 334 milhões de arroz em 2012. De 1990 para 2011, a área plantada com o produto caiu 31%. Os créditos contratados pelos pequenos agricultores para a produção de alimentos básicos também tiveram uma queda continuada e significativa. Isso também é resultado dos enormes equívocos das políticas setoriais do governo, que deveria criar as condições técnicas e financeiras para o protagonismo crescente desses agricultores na garantia da segurança alimentar e nutricional da população. Mas há uma réstia de esperança. Ao constatar esses fatos, o governo enfim anunciou mudanças no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para incentivar a produção de alimentos básicos. Também criou um Conselho Interministerial para a execução de uma política de estoques de alimentos. Mas isso é pouco. Em última análise, o impactos dos preços dos alimentos na inflação, com garantia de renda aos agricultores, só ocorrerá de forma perene com reformas estruturais nas políticas agrária e agrícola. Não quero ser pessimista, mas o grau de encantamento dentro do governo com os números do agronegócio, combinados com a forte representação desse segmento na base do governo e com os resultados deficitários da balança comercial, desautorizam essa expectativa. O fortalecimento da luta social é o caminho para a reversão dessas expectativas.

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internacional

A missão da 1° Assembléia dos movimentos da ALBA foi pensar alternativas populares de integração

A América Latina e seu mar de incertezas Joaquin Piñero Secretaria Operativa dos Movimentos Sociais da Alba

Entre os dias 16 e 20 de maio, aconteceu na Escola Nacional Florestan Fernandes a 1° Assembléia Continental dos Movimentos Sociais da ALBA, ao se reunirem dirigentes de organizações e movimentos sociais de 22 países do nosso continente. A missão foi pensar de forma coletiva as alternativas populares de integração continental, analisando a conjuntura e a correlação de forças entre os atores políticos da região. O encontro se deu dentro de um cenário em que a crise estrutural do sistema capitalista se estende e assola todos os países, em maior ou menor grau de devastação. Entre os governos do continente, há uma divisão entre os que assumem uma linha pró-imperialista, outros que se definem como neodesenvolvimentistas, e outros mais progressistas. Já a classe trabalhadora vive num momento crítico de descenso do movimento de massa, e o principal país imperialista, os Estados Unidos, segue mantendo sua hegemonia política e militar.

O encontro se deu dentro de um cenário em que a crise estrutural do sistema capitalista se estende sobre todos os países, em maior ou menor grau de devastação É inserido nesse contexto que se realizou a 1° Assembleia dos movimentos da ALBA, e alguns pontos importantes discutidos ao longo desses cinco dias merecem reflexões no conjunto de nossas organizações. 1. A crise econômica tem afetado com mais força as economias centrais, dominada pelo capital financeiro e pelas transnacionais. Estes descarregam o custo da crise sobre os trabalhadores e buscam no Estado proteção e mais recursos financeiros para garantir sua acumulação e superação. Dessa

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Organizações de 22 países da América Latina se reuniram na Escola Nacional Florestan Fernandes

maneira, aprofunda-se a inserção subordinada e dependente da economia latinoamericana aos países imperialistas centrais, que impõem uma redivisão internacional da produção e do trabalho: cabe aos países periféricos o fornecimento de matérias primas, abrindo suas portas à exploração e apropriação dos recursos naturais, minerais, energéticos e da biodiversidade. A maior parte das burguesias locais está subordinada a esse projeto do capitalismo internacional. Tratam-se apenas de se ajustar para ficar com as esmolas do processo espoliativo e de uma parte da renda extraordinária. Também se utilizam de forma prioritária e hegemônica de duas ferramentas para frear a reação e a luta da classe trabalhadora: o Poder Judiciário e os meios de comunicação de massa. 2. No campo institucional, há uma disputa que segue ano a ano em seus processos eleitorais, e que a depender dos resultados, pode determinar os rumos da geopolítica no continente. Nesse momento, está conformado em três grandes blocos de países. a) Como parte do bloco pró-imperialista, é importante acompanharmos o desenrolar de três situações. A Colômbia está passando pelo chamado processo de paz, estabelecidos entre as FARC e o governo colombiano, com mediações de Cuba, Venezuela, Chile e Noruega. O êxito desse processo

pode fortalecer as forças populares colombianas e minar a ingerência que os EUA têm sobre o país. A segunda situação é a possibilidade da derrota eleitoral do atual presidente chileno Sebastián Piñera, num momento em que há um importante processo de mobilização popular no país. Por outro lado, a chamada Aliança do Pacífico - que é o estabelecimento de uma área de livre comércio entre Chile, Peru, Colômbia e México – conta com a possibilidade da entrada dos EUA, podendo ressuscitar a antiga proposta da ALCA no continente. b) Já entre os blocos de países neodesenvolvimentistas, o Brasil é seu principal representante. É o país com a maior economia entre todos e tem um maior nível de integração subordinada aos países capitalistas centrais. E, por isso, está mais vulnerável à crise desse mesmo sistema. Sua economia exportadora baseada nas commodities agrícolas e minerais pode comprometer seu projeto de desenvolvimento e, com isso, o processo sucessório presidencial em 2014. Daí a importância das forças sociais organizadas se anteciparem a essa conjuntura extremamente complexa. c) O outro bloco são os países com governos mais progressistas e anti-imperialistas, articulados na proposta da ALBA. Dentre eles, há a Venezuela, que acabou de sair de um difícil processo eleitoral. O candidato chavista, Ni-

colás Maduro, venceu por pouco mais de 1,5% dos votos. Uma possível derrota teria sérias implicações políticas em todo o continente. Sendo o primeiro processo eleitoral desde 1998 sem a participação direta de Hugo Chávez, o país saiu mais dividido e dependerá da habilidade político-administrativa dos novos quadros bolivarianos. Com o lema “eficiência ou nada!” a administração Maduro sinalizou à sociedade qual será sua prioridade naquilo que é considerado o ponto mais débil da chamada revolução bolivariana, a burocratização do Estado. As políticas de missões, inaugurada com Chávez, já não dão mais conta da demanda de uma sociedade mais politizada e, portanto, mais exigente, ao pressionar por mudanças estruturais. Eis o desafio. Na parte externa, devemos ficar atentos com a entrada da Venezuela no Mercosul e seu grau de influência, ao flexionar o bloco mais à esquerda. Já há, inclusive, uma movimentação para a incorporação de outros países da ALBA, além da criação de uma moeda sulamericana chamada Sucre, que criaria o Banco do Sul e ficaríamos mais independentes do dólar. É sob esse mar de complexidade e de incertezas que, enfim, caminha a América Latina, sob a qual a luta dos povos terá um papel decisivo sobre o rumo que nosso continente tomará nos próximos períodos.

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lutadores do povo

Menino pobre que queria ser jogador de beisebol se transformou em líder da revolução bolivariana

Hugo Chávez é inspiração para novas gerações de revolucionários Max Altman Jornalista e membro do coletivo da Secretaria de Relações Internacionais do PT

Quem visita a tumba de Hugo Chávez em Caracas, sente uma emoção incontida, desencadeada pela morte de um homem que teve um papel histórico nas duas últimas décadas em seu país e na América Latina. Hugo Chávez era o segundo de seis filhos de uma família pobre. Seu sonho quando criança era ser jogador profissional de beisebol, esporte favorito no seu país. Aconselhado por um amigo da família, ingressou aos 17 anos na Academia de Ciências Militares, onde seguiu carreira. Em 1989, ocorreu em Caracas o episódio conhecido como o “caracazo”, uma revolta popular espontânea contra as medidas econômicas neoliberais impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, que eram cumpridas fielmente pelo governo de Carlos Andres Pérez. A repressão policial e militar foi brutal, com milhares de mortos. Chávez a tudo assistiu e passou a refletir sobre as causas da miséria, da exclusão e da injustiça social que assolavam a sociedade venezuelana. Recebeu de seu irmão mais velho os livros clássicos que estabeleciam as bases teóricas das lutas sociais das primeiras décadas do século 20. Estudou e compreendeu que mudanças profundas deveriam ser feitas para acabar com a injustiça, com o poder absoluto da oligarquia local e, assim, garantir a soberania da Nação e a independência da pátria.

A Venezuela é hoje um país livre do analfabetismo, o salário mínimo é o maior do continente e é o país menos desigual da América Latina

Nos 14 anos que governou o país, foram realizados 17 processos eleitorais

Levante Em fevereiro de 1992, um grupo de jovens militares inconformados com a situação do povo venezuelano, liderados por Chávez, se rebelou para derrubar o governo e instalar na presidência alguém que adotasse uma política voltada a atender os principais anseios da população. Poucos dias depois, a rebeldia foi derrotada. Chávez negociou a rendição e, em troca, fez um discurso para a cadeia nacional de televisão assumindo a responsabilidade pelo movimento, afirmando que, por ora, os objetivos não foram atingidos. Foi preso e passou uma temporada na prisão, sendo anistiado em março de 1994 pelo presidente Rafael Caldera. Gozando de prestígio e respeitado pela população, entrou para a política. Criou o Movimento Quinta República e se candidatou a presidente da Venezuela nas eleições de dezembro de 1998. Venceu com expressivos 56%. Como prometido na campanha, dissolveu em 1999 o Congresso e convocou uma Assembleia Constituinte. Ofereceu um projeto avançado de Constituição, que foi levada a referendo popular e aprovada por esmagadora maioria, dando início a uma verdadeira democracia participativa. Convocou novas eleições presidenciais sob a égide da nova constituição e, novamente, venceu com folga. Ao longo dos 14 anos em que governou o país, 17 processos eleitorais foram levados a efeito.

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As mais diversas “missiones”, programas sociais no campo da educação, saúde, segurança alimentar e habitação melhoraram a vida do povo pobre. A Venezuela é hoje um país livre do analfabetismo, certificado pela Unesco. Cerca de um terço da população está em alguma sala de aula, o povo todo é atendido gratuitamente pelos milhares de médicos cubanos e venezuelanos. O programa de habitações dignas fez casas com 72 m² e equipadas e segue a todo vapor. O salário mínimo é o maior do continente, o povo consome per capita 94% mais de alimentos que em 1999 e a distribuição de renda tornou a Venezuela o país menos desigual da América Latina. Chávez educou o povo politicamente, deu-lhe sentimento de pátria soberana e a visão de uma

sociedade socialista, anticapitalista e anti-imperialista. Foi também o criador da ideia de integração das nações e povos latino-americanos e do Caribe, por meio de instituições como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), a Petrocaribe, que estão em vias de consolidação e visam não somente aspectos econômicos, mas também relações solidárias, sociais e culturais.

Chávez educou o povo politicamente, deu-lhe sentimento de pátria soberana e a visão de uma sociedade socialista, anti-capitalista e anti-imperialista O objetivo era a formação de um bloco regional, com o fim de romper o unilateralismo da era neoliberal e implantar o multilateralismo nas relações internacionais, com vistas a um mundo mais justo, equilibrado e pacífico. Hugo Chávez se foi, mas seu legado permanece vivo e irá inspirar novas gerações de grandes líderes.

Milhares de pessoas saíram às ruas para se despedir de Chávez

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literatura

Dramaturgo e escritor narrou os conflitos dos marginalizados sem filtros

o brasileiro maldito

Seu nome homenageia prêmios e diversos espaços culturais em todo o país

Joana Tavares Minas livre

Plínio Marcos de Barros nasceu em Santos, em 29 de Setembro de 1935. Filho de um bancário e de uma dona de casa, tinha quatro irmãos e uma irmã. Era uma família “mais ou menos humilde”, segundo relato dele mesmo. Largou o ensino formal no antigo 4º ano primário. Com incentivo de seu pai, tentou diversas profissões, e acabou se tornando funileiro. Mas a vida profissional começou mesmo como palhaço de circo. Com o palhaço Frajola, se apresentou em teatros e tinha programa de TV. No final da década de 1950, conhece Pagu e sua turma, trabalha com teatro, escreve poesias, atua e dirige. “Houve um caso, em Santos, que me chocou profundamente: um garoto foi preso por uma besteira e, na cadeia, foi currado. Quando saiu, dois dias depois, matou

quatro dos caras que estavam com ele na cela. Fiquei tão chocado com esse negócio todo que escrevi a Barrela. Juro por essa luz que me ilumina que até então nunca havia me ocorrido escrever uma peça, pois eu não conhecia as grandes peças da dramaturgia nacional, nem universal. (...) Escrevi em forma de diálogo, em forma de espetáculo de teatro, que era o que eu mais conhecia, mas não me preocupei com os erros de português, nem com as palavras. Imaginei o que se passara no xadrez antes, durante e depois de o garoto entrar, coisas que eu conhecia bem de tanto escutar histórias na boca da malandragem. E dei o nome de Barrela, que é a borra que sobra do sabão de cinzas e que, na época, era a gíria que se usava para curra”, conta Plínio Marcos, em depoimento divulgado em seu sítio oficial. Nem seus companheiros de circo toparam aquela peça, mas ali Plínio Marcos começou a traçar seu estilo: direto, vio-

Trecho de “Querô, uma reportagem maldita”, publicado em 1976 “Eu nunca fui nada. Nem tem jeito de ser nada. Mas, porra, eu não quero morrer. Não quero. O Zulu não falava que queria morrer. Mas eu sei que ele não queria. Eu estava sabendo. Eu via. Não é que eu via, manja? Estava escuro paca. A gente não se via. Eu, no começo, só enxergava o revólver que estava na mão do filho da puta. Essa merda aqui. Esse trinta e oitão mesmo. Mas quando ele passou pra minha mão, eu nem via mais a draga. Via os olhos do crioulo. Via o medo dele… Eu vi. Ele estava encagaçado. Eu sei. Eu sei de tudo. Eu sou

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lento, popular, duramente real. A peça foi montada apenas 21 anos depois de ter sido escrita, após ter sido censurada durante esse período. Suas próximas incursões teatrais não foram tão comemoradas, mas Plínio Marcos não desistiu. Foi para São Paulo, trabalhou com tudo que é coisa e continuou atuando. E escrevendo. Com “Dois perdidos numa noite suja”, ele volta a ser bem falado no circuito, conseguindo emplacar outras peças, como “Navalha na carne”, “Quando as máquinas param”, “O abajur lilás” e “Homens de papel”. Na década de 70, Plínio Marcos era o próprio símbolo do autor perseguido pela censura. Era considerado um maldito, que incomodava a ditadura e a censura. Foi preso e liberado diversas vezes. Passou então a escrever literatura e lançar livros – muitos editados por ele mesmo - como “Querô, uma reportagem maldita”, que virou peça e filme, “Inútil Pranto, Inútil Canto para os Anjos Caídos”. Já com o fim da ditadura, lança “Na Barra do Catimbó” e outros livros e peças, sem fazer concessão no seu estilo direto e rasgante. Escreveu em diversos jornais e chegou a atuar e escrever para a Rede Globo, mas criticou o racismo da emissora e acabou saindo. "Pobre na Rede Globo almoça e janta todo dia", reclamava. Seu filho, também diretor teatral, escreveu na morte do pai: “Pobre na Rede Globo tem dente, favela na Rede Globo não tem rato. Esse povo não era o povo dele. O povo dele era entre outros, os sambistas, não esses de agora, de terno Armani,

cercados de loiras recauchutadas, mas, os sambistas das escolas de samba de São Paulo. Os sambistas marginalizados, os que nunca gravaram CD”. Plínio Marcos também foi conhecedor e defensor da cultura popular brasileira, e grande amigo de sambistas do morro, com quem fazia apresentações.

Plínio Marcos também foi conhecedor e defensor da cultura popular brasileira, e grande amigo de sambistas do morro, com quem fazia apresentações Seu filho, Léo Lama, conta que uma vez Plínio Marcos foi chamado para fazer comercial da Ford. O dinheiro cairia bem, mas ele não fazia propaganda. E foi vender livro na rua. Morreu aos 64 anos, em São Paulo, em 19 de novembro de 1999. Deixou uma extensa obra, traduzida e encenada em francês, espanhol, inglês e alemão. Apelidado de “maldito” grande parte da vida, hoje dá nome a prêmios e espaços culturais em todo o país, inclusive ao Teatro Nacional Plínio Marcos, em Brasília. É possível conhecer mais sobre Plínio Marcos e sua obra no site: www.pliniomarcos.com

o Querô! Porra, eu sou o Querô! … Era eu ou ele. E antes ele do que eu…Os meus olhos eram duas brasas. E ele via. Via bem o gosto que eu tinha na boca… Via bem. Via o cheiro que eu tinha no nariz. O fedor escroto. O fedor fodido do perfume das putas da Xavier… O crioulo via. Via. E eu via. Via a merda toda. Aquela bosta fedida era minha vida. A minha própria vida. E eu apertei. Apertei pra valer… Porque era a minha vida que valia ali. A minha bronca fodida de tudo. Desde que eu nasci. Desde esse apelido porco que carrego.”

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Para não esquecer Julho 5 Morre Ruy Mauro Marini, 1997

Ruy Mauro Marini é um dos intelectuais mais importantes da América Latina da segunda metade do século 20. Sua obra é um dos mais importantes instrumentos analíticos para a compreensão da trajetória e dos dilemas da América Latina e do Brasil contemporâneos. Ruy Mauro desenvolveu uma visão crítica do papel da América Latina no mundo, retomando o pensamento de Marx, Lênin, Rosa Luxemburgo, além da concepção crítica formulada por André Gunder Frank, que abriu caminho para a teoria marxista da dependência.

Assentamento no Paraná completa 16 anos de lutas e conquistas No dia 8 de junho, as famílias do Assentamento 8 de Junho, do município de Laranjeiras do Sul (PR), completaram 16 anos de luta. E para celebrar esta conquista, foi organizada uma festa em comemoração, com muita mística, moda de viola, almoço organizado pelas famílias e muita festa. A antiga Fazenda Mariano foi ocupada em 1997, e a emissão de posse da área para assentar 74 famílias saiu no ano 2000. Em 2005, a partir de uma cozinha comunitária que se transformou numa padaria, as famílias assentadas criaram a Cooperativa do 8 de junho, visando uma alimentação saudável.

O mais forte na cooperativa é a fabricação de produtos para a panificação como pães, cucas, bolachas, que são entregues para o PNAE, PAA e também vendidos na feira em Laranjeiras do Sul. Outros alimentos que são bastante procurados, são as hortaliças, onde todas tem o certificado orgânico.

Livro retrata camponeses mortos na ditadura

6 Morre o poeta Castro Alves, 1871 7 Nascimento de Virgulino Ferreira, o Lampião, 1897 9 Primeira Greve Geral em São Paulo, 1917 9 Nascimento da cantora argentina Mercedes Sosa, 1935 10 Morre Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, 1999

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em parceria com o MST lançou o livro “Camponeses Mortos e Desaparecidos: Excluídos da Justiça de Transição”, sobre os trabalhadores rurais que foram mortos e desaparecidos na época da ditadura. Elaborado pelo Projeto Direito à Memória e à Verdade, o livro pretende contribuir para o debate sobre o reconhecimento oficial dos camponeses mortos e desaparecidos em função das diversas A primeira grande greve geral da história do Brasil iniciou com pequenas paralisações isoladas em fábricas têxteis nos bairros da Mooca e do Ipiranga, e tinha como objetivo a melhoria das condições de trabalho, aumento dos salários. Apesar da forte repressão, o movimento organizado

formas de repressão política e social no campo, no período 1961-1988. O livro também presta homenagens aos lutadores e lutadoras que morreram lutando pela Reforma Agrária, pelo direito à associação e sindicalização, pelo respeito às leis trabalhistas e pela efetivação dos Direitos Humanos. Estes lutadores e lutadoras têm direito à Memória, à Verdade e à Justiça.

e liderado pelo anarcosindicalismo ganha força e influencia outras manifestações operárias de outras regiões do país. Embora a greve não tenha obtido grandes vitórias, foi um movimento operário importante na história do Brasil, chegando a realizar manifestações com mais de 100 mil trabalhadores.

17 Guerra Civil Espanhola, 1936 17 Triunfo da Revolução Sandinista, 1979 24 3° Congresso Nacional do MST, 1995 24 Nasce Simón Bolívar, 1783 25 Dia dos Trabalhadores Rurais 26 Nascimento de Celso Furtado, 1920 28 Morrem Lampião e Maria Bonita, 1938 Jornal Sem Terra • ABR-Mai-Jun 2013

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Prêmio Guernica para a

Paz e Reconcialiação de 2013

Alameda Barão de Limeira, 1232 Campos Elíseos CEP 01202-002 - São Paulo/SP

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