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ANO XXIX– Nº 311 – ABRIL 2011
E a pauta ficou amarela... 1
Cumprimento das metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) de 2005.
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Revisão dos índices de produtividade.
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Reestruturação e fortalecimento do Incra.
4 Priorizar na seleção para os assentamentos as famílias de trabalhadores rurais em acampamentos mais antigos. 5
Assegurar uma cesta básica mensal para todas as famílias acampadas.
6 Descontingenciar os recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - Pronera. 7
Mais qualidade para os assentamentos - acesso ao crédito pelos assentados. Confira as reivindicações da Jornada de Abril
CARAJÁS
Quinze anos depois, a luta contra a impunidade continua
Páginas 2 e 9
EDUCAÇÃO
Lançamento da campanha “Fechar escola é crime!”
Página 10
EDITORIAL Quinze anos depois do Massacre de Eldorado dos Carajás, contradições no campo se aprofundaram
Violência e impunidade O MASSACRE DE Eldorado do Carajás representa no período neoliberal da sociedade brasileira a síntese histórica do comportamento do Estado e da classe dominante, de que os pobres não são sujeitos políticos e devem ser – a todo e a qualquer custo - impedidos de entrar na política, seja com pautas de reivindicação, no nosso caso, Reforma Agrária e ou de superação, como a de mudanças estruturais na sociedade e no Estado burguês. A tática histórica da burguesia de repressão, cooptação e eliminação moral e física para aqueles que lutam resultou no Massacre. No entanto, Carajás se diferencia dos demais na nossa recente história. Primeiro, porque está situado numa zona de conflitos permanentes,
Até agora, embora condenados publicamente, não foram julgados culpados pelo Massacre nem o Estado, nem o governo e nem os policiais. E por que não o fizeram? Porque não querem criar jurisprudência contra os feitos estruturais da própria classe dominante
numa fronteira do capital, com práticas recorrentes do capitalismo do século 19, apropriação por espoliação dos ecossistemas e das biodiversidades - terra, floresta, água e minério - e exploração da força de trabalho. Segundo, porque o Massacre não foi contra um grupo de trabalhadores isolados, uma organização regional, como o fizera anteriormente, mais foi contra um grupo de trabalhadores articulados numa organização nacional, que fez do fato sua preocupação principal em todas as suas prerrogativas de denúncia e solidariedade. E terceiro, o registro em tempo real pelos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, o que tornou possível a exposição das cenas de violência e consequentemente a afirmação de que houve um Massacre e não um conflito, como queria a classe dominante, a grande mídia, o parlamento e o Judiciário. E, de maneira impactante, mesmo numa disputa jurídica burguesa, até agora, embora condenados publicamente, não foram julgados culpados pelo Massacre nem o Estado, nem o governo e nem os policiais. E por que não o fizeram? Porque não querem criar jurisprudência contra os feitos estruturais da própria classe dominante. Não temos ilusão! Restou para o governo
de caráter democrático e popular um pedido de desculpas em nome do Estado e a promoção dos agentes do Massacre a cargos empregatícios. É sobre os acontecimentos do Massacre, como contradição, que dois movimentos se agigantam na conjuntura histórica. Um deles foi de caráter nacional - a marcha nacional após um ano de Massacre, de crítica política ao neoliberalismo e ao governo FHC, um ascenso conjuntural de contestação, o que indicou mudanças na política agrária do governo. O outro foi por parte do movimento camponês, a transformação do dia 17 de abril como Dia Internacional de Luta Camponesa - e uma gama de ações de solidariedade com a nossa organização, revelada em muitos gestos políticos e simbólicos da sociedade, de organizações, amigos, artistas e intelectuais o que permitiu ampliarmos a nossa articulação tanto a nível nacional, como latino-americano e mundial. Persiste nesses 15 do Massacre do Eldorado do Carajás nosso esforço mobilizado, para que haja condenações dos culpados, em vários níveis, como também a indenização e reparação aos que ficaram com seqüelas. Exigimos também a efetivação de um plano nacional de Reforma Agrária, indicado nas nossas análises, documentos e lutas.
Palavra do leitor
DIREÇÃO NACIONAL DO MST
FRASE DO MÊS
Continuem firmes e fortes Apenas gostaria de parabenizá-los pela luta que vocês estão travando pela Reforma Agrária que já acontece há um bom tempo. Continuem para que assim esse país possa romper com essa estrutura fundiária de mais de 500 anos que é e sempre foi sustentada pelas elites. Não parem! BRUNO EUZÉBIO CONT
Educação
Ocupação
Travo uma batalha em sala de aula como educador, descontruindo a perversão da Rede Globo contra o MST. Não é uma tarefa fácil, mas tem rendido bons frutos. Na campanha pelo limite da propriedade da terra tive muitos alunos vestindo a camisa da campanha e defendendo a proposta. Demonstram que o latifúndio está em todo lugar ceifando vidas. JOSÉ RODRIGUES DE CARVALHO
Ocupa-se da Terra pra nela viver / Ocupa-se da Terra pra nela conviver / Ocupa-se da Terra pra nela semear / Ocupa-se da Terra pra nela nascer / Ocupa-se da Terra pra nela crescer / Ocupa-se da Terra pra nela florir / Ocupa-se da Terra pra nela frutificar / Ocupa-se da Terra pra nela morrer / Ocupamos o solo por justiça / Ocupamos o solo pra gerar paz / Ocupamos o solo por um sonho, de enfim, ver esta Terra ser dividida. Todo ser humano tem o direito e o dever de plantar o teu alimento. OLIVER BLANCO (http://oextensionista.blogspot.com/)
Edição: Joana Tavares. Revisão: Jade Percassi e Marina Tavares. Edição de imagens: Marina Tavares. Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Mary Cardoso da Silva. Impressão: Taiga Gráfica e Editora. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/ SP – Tel/fax: (11) 2131-0840. Correio eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.
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Passados 15 anos do Massacre, o campo brasileiro está marcado por profundas transformações, com o avanço do agronegócio, com a falta de uma política de Reforma Agrária, e ao mesmo tempo, um conjunto de leis que impedem o avanço dos direitos da classe trabalhadora. Vivemos um momento de crise política e econômica cada vez mais crescente: lei de florestas públicas, regularização fundiária na Amazônia, hegemonia das empresas transnacionais na agricultura, produção de sementes transgênicas, uso intensivo de agrotóxicos, apropriação dos ecossistemas e biodiversidades, tentativas de desmonte do Código Florestal... A insanidade política parece não ter fim, com uma lógica de geração de energia a qualquer custo, revelando contradições e limites de uma política de crescimento cada vez mais distante da soberania e das reais necessidades da sociedade brasileira. Nessa conjuntura, a luta é o nosso lugar. Que os camponeses e a sociedade em nível mundial construam lutas avançadas nesse 17 de abril, dia internacional de luta camponesa!
Mande sua mensagem para o Jornal Sem Terra Sua participação é muito importante. As correspondências podem ser enviadas para jst@mst.org.br ou para a Alameda Barão de Limeira, 1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. As opiniões expressas na seção “Palavra do leitor” não refletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobre os temas abordados. A equipe do JST pode, eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.
“Assim como muitos outros brasileiros e latinoamericanos que acompanhamos as lutas dos nossos povos, tenho a maior simpatia pelo MST. E acho que o MST é o maior movimento popular do Brasil e da América Latina. Há pouco tempo, estive a convite do MST- MT inaugurando uma Escola de Formação com o nome da minha mãe. Considero que é muito importante esse trabalho de formação de quadros, de formar novos dirigentes das lutas populares no Brasil.” ANITA LEOCÁDIO PRESTES historiadora e filha dos lutadores Luiz Carlos Prestes e Olga Benario
JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
ESTUDO Livro de François Houtart apresenta as principais questões em relação ao uso dos agrocombustíveis
DOUGLAS ESTEVAM COLETIVO DE CULTURA
Internet
Energia e mudanças climáticas O MAIS RECENTE livro do sociólogo belga François Houtart, “Agroenergia: Solução para o Clima ou Saída da Crise para o Capital”, apresenta uma ampla análise das questões que estão no centro do debate sobre o futuro da humanidade. O esforço da obra “consiste em descrever a situação da dupla crise energética e climática e colocar, em seguida, a questão das novas energias, em particular dos agrocombustíveis, no seu conjunto”. Na análise do fenômeno, o autor não ignora que “a questão dos agrocombustíveis tornou-se um problema ideológico”. A análise aborda o problema de uma perspectiva histórica e social, apontando a energia como “pivô da economia de mercado capitalista e mesmo disto que chamamos civilização ocidental”. Para o autor, “a energia desempenhou o papel central nesse processo, pois ela se encontra no coração das duas atividades principais da economia: a produção e o transporte”. Setores-chave da economia, o transporte e a produção foram consideravelmente fomentados na fase neoliberal do capitalismo, e de forma global. Assim, a demanda por energia explodiu, com todas as suas consequências. Entre 1990 e 2003, o transporte marítimo cresceu 26,2% e o aéreo 25,6%. O comércio marítimo passou de 2,5 bilhões de toneladas em 1970 para 6,1 bilhões em 2003. Mantida esta lógica, a estimativa é que, em relação a 2002, o consumo de energia terá aumentado 60% em 2030. Combustíveis fósseis não-renováveis – petróleo, gás e carvão – são as principais fontes de energia utilizadas atualmente, correspondendo a 80% do consumo mundial, proporção que, segundo as estimativas daAgência Internacional de Energia (AIE), continuará a mesma em 2030. Os dados de 2006 indicam que o petróleo corresponde a 35% do total utilizado, o carvão 23% e o gás 21%. Dos 48 países produtores de petróleo, 33 apresentam uma redução de produção. Os EUA, consumidores de 25% do petróleo mundial, não possuem mais do que 3% das reservas conhecidas. Enquanto na década de 1950 o país era autossuficiente na utilização do recurso, em 2007 ele importou 75% do que consumiu. Complementando a lista de fontes de energia utilizadas no mundo, aparece o urânio, que responde por 16% do total. JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
Combustíveis fósseis, como petróleo, correspondem a 80% da produção de energia no mundo
A crise climática e o aquecimento do planeta “A crise climática é claramente o resultado da atividade humana.” Houtart baseia esta afirmação nos estudos desenvolvidos pelo Grupo Intergovernamental sobre a Evolução do Clima (GIEC), da ONU, cujas pesquisas asseguram em 90% a influência do homem nas transformações climáticas. O autor restitui o processo de aceitação do problema, que o discurso neoliberal tentou negar, primeiro pelo ceticismo e em seguida por meio da deslegitimação científica, até a fase atual, em que, dada a impossibilidade de negar os efeitos das mudanças climáticas, uma nova etapa do discurso se configurou nas “soluções pelo mercado” como saída para a crise. O problema do aquecimento global não está ligado unicamente à questão da energia. A pecuária responde por 37% das emissões de metano, gás cujo efeito danoso é 23 vezes maior que o do carbono. Juntase a isso o enfraquecimento dos chamados poços de carbono, as florestas e oceanos com sua capacidade de eliminação de carbono. A destruição de 20% da Amazônia brasileira, entre 1960 e 2005, equivale a 1,5 bilhão de toneladas adicionais de gás carbônico na atmosfera a cada ano. “Entre as causas principais, vem em primeiro lugar a extensão das monoculturas de soja para a alimentação humana e animal”, seguida pela produção de eucaliptos e pela pecuária. As queimadas representam a maior parte da poluição produzida no Bra-
sil, que assumiu a posição de quarto maior emissor de gás de efeito estufa do mundo. Houtart analisa, num segundo momento de sua obra, a importância que a agroenergia e, mais precisamente, os agrocombustíveis desempenham como possíveis substitutos das fontes não-renováveis de energia e para o aquecimento global. Lembrando que as energias fósseis correspondem hoje a 80% da produção de energia, ele delimita o problema lembrando que a agroenergia “representará somente 2% do consumo em 2012 e poderá chegar a 7% em 2030”, e prossegue afirmando que, “mesmo se toda a superfície cultivável da Terra fosse consagrada à produção de energia, ela produziria o equivalente a 1,4 bilhões de litros de petróleo. Ora, as necessidades atuais são de 3,5 bilhões e aumentam sem cessar”.
Agroenergia Ele apresenta um estudo das formas de produção de agroenergia utilizadas atualmente, sobretudo as de primeira geração, centradas no etanol e no agrodiesel. Houtart aborda as consequências sociais e ambientais desse modelo em seus diversos aspectos e particularidades, num conjunto de países e regiões, tais como o Brasil, com a produção de cana-de-açúcar, soja e eucalipto (cuja utilização se insere nas fontes de segunda geração), a Colômbia, que utiliza a palma africana, a África, com o pinhão-manso, e a Ásia, onde é produzido o óleo de palma. A descrição e a interpretação desses
processos evidenciam uma lógica de “capitalismo agrário”, apresentando inúmeros efeitos sobre a água, o solo, o meio ambiente, a crise alimentar, a violência e a concentração de terras. “Uma energia mais limpa significa novas tecnologias e possibilidades ampliadas de ganhar dinheiro”, afirma o editorial da revista inglesa “The Economist”, numa citação utilizada no livro. Apresentando exemplos da colaboração de Estados e poderes públicos, da importância e controle de grandes empresas, da exploração do trabalho, da reprodução das desigualdades entre os países ricos e pobres, da especulação, a totalidade das relações econômicas e políticas envolvendo a produção dos agrocombustíveis é analisada em suas inter-relações. Assim, “podemos concluir do conjunto das considerações que a função do desenvolvimento dos agrocombustíveis é a do lucro rápido, fonte segura de acumulação a curto prazo”. Como resposta para as crises energéticas e ambientais, tal sistema representa “uma contribuição nula ou fraca para a solução do problema do clima e somente uma contribuição marginal ao consumo de combustíveis. Somente uma produção massiva cobrindo centenas de milhões de hectares poderia significar uma contribuição substancial para a solução da crise energética”. François Houtart apresenta “pistas de soluções” para as crises que vivemos: redução do consumo de energias fósseis, utilização de outras fontes de energia, como a hidroenergia, a energia solar, a eólica e a geotérmica, mas isso tudo num quadro de pós-capitalismo, priorizando o valor de uso sobre o valor de troca, uma generalização da democracia e da multiculturalidade. E conclui: “A solução para a dupla crise da energia e do clima se encontra numa visão global de mudança de civilização, e não somente num conjunto de soluções técnicas. É somente a este preço que a humanidade poderá se engajar em uma via que permita sua sobrevivência”.
O livro foi editado pela Editora Vozes em 2010. Possui 328 páginas e pode ser comprado via internet (www.universovozes.com.br)
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ENTREVISTA Luta por crédito, assentamentos e políticas que garantam a produção de alimentos são desafios do período
Douglas Mansur
“Distribuir terra é resolver pobreza no campo” JOANA TAVARES SETOR DE COMUNICAÇÃO
Nesta entrevista ao Jornal Sem Terra, Egídio Brunetto, da Coordenação Nacional do MST, aponta os principais desafios colocados para a luta pela Reforma Agrária. Egídio fala do novo governo, das mudanças no Incra, das políticas públicas prioritárias para o próximo período e das propostas da pequena agricultura para a produção de alimentos e para o reflorestamento de áreas degradadas pelo agronegócio. “A distribuição da terra distribui renda, é assim que resolve o problema da pobreza do campo”, aponta. Jornal Sem Terra - Quais as perspectivas da luta pela Reforma Agrária no governo Dilma? Em quais áreas podemos avançar e onde poderemos ter mais dificuldades? Egídio Brunetto - Como na campanha presidencial e na aliança que o PT fez, eles não tocaram no tema da Reforma Agrária. Do ponto de vista da agenda oficial e do projeto econômico do governo Dilma, a Reforma Agrária está fora da pauta. A prioridade vai ser para o agronegócio e o monocultivo para a exportação, e não para a agricultura para a produção de alimentos. Mas toda vez que um novo governo é eleito, criam-se na base social novas perspectivas, novas expectativas. Do ponto de vista da luta pela
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Pequenos agricultores precisam de novas políticas de crédito e renegociação das dívidas
Reforma Agrária, abre-se um novo período. As atividades que vamos fazer este ano estão na perspectiva de recolocar na agenda política e econômica a retomada de um plano mínimo de Reforma Agrária, com o assentamento de famílias e não só tratar a questão da pobreza com Bolsa Família. A distribuição de terra que distribui renda, é assim que resolve o problema da pobreza do campo. É necessário retomar as metas, pelo menos assentar 400 mil famílias, resolver o problema de 2, 3 milhões de pessoas.
Isso vai depender da nossa capacidade de mobilização no próximo período. Se os movimentos do campo – as articulações da Via Campesina, Contag, Fetraf – tiverem força, conseguiremos impor uma agenda para a Reforma Agrária e para a produção de alimentos. JST -Nessa perspectiva de recolocar a Reforma Agrária na pauta, qual as principais reivindicações da Jornada de Abril? EB - Primeiro é decidir qual o órgão que vai cuidar da Reforma Agrária.
“É necessário retomar as metas, pelo menos assentar 400 mil famílias. Isso vai depender da nossa capacidade de mobilização no próximo período. Se os movimentos do campo tiverem força, conseguiremos impor uma agenda para a Reforma Agrária e para a produção de alimentos”
Para fazer essa política, o governo precisa nomear pessoas que entendam de Reforma Agrária. No Ministério da Saúde eles colocam alguém que entende de saúde, e no órgão da Reforma Agrária entra alguém que não entende nada. Então, a primeira coisa é tratar da Reforma Agrária e dos órgãos que cuidam dela com seriedade, com pessoas que entendam mesmo do tema. A Jornada de Abril volta o tema de Carajás, volta o tema da luta contra a impunidade e também do cumprimento da agenda mínima: a renegociação das dívidas de todos os assentados e pequenos agricultores. Sem isso, não resolve o problema da pobreza rural e do crédito. O segundo é que o governo tem que, nessa agenda mínima, liberar os recursos que foram aprovados no ano passado, para a desapropriação de áreas, reatualizar e liberar os recursos para habitação, ter um programa realmente de assistência técnica, que esse atual é um JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
JST – Qual a importância da continuidade do Programa de Aquisição de Alimentos? EB - Esse programa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é um dos programas principais do governo, que é uma política de preço justo para a agricultura. O que precisamos é aumentar o volume geral de recursos e o volume individual de recursos, para que as famílias possam vender mais alimentos. A Conab tem que ser estruturada nos estados para essa demanda, para essa venda permanente de alimentos.
senvolvimento sustentável, ele tem destruir para se reproduzir. É isso que estamos vendo com os desastres ambientais recentes. Isso quem faz é o capital, o latifúndio, as grandes empresas, o agronegócio. Precisamos estabelecer uma legislação que realmente defenda a questão ambiental do ponto de vista de reorganizar as cidades, reorganizar a agricultura. No campo da pequena agricultura e nos assentamentos, precisamos de uma política pública, recursos e assistência técnica, pra que a gente possa recuperar do ponto de vista produtivo as áreas degradadas pelo agronegócio, pelo monocultivo. Tem que ter um programa que financie a fundo perdido – como fazem com o agronegócio – para que todas as famílias possam acessar recursos e recuperar parte das áreas que conquistamos com a Reforma Agrária. Isso não é a mesma coisa que a política de crédito de carbono, que é o grande programa das trans-
nacionais. Queremos recursos que possam ser aplicados em reflorestamento e também que possam ser reutilizados de uma forma econômica. Ao invés de as famílias receberem Bolsa Família, poderiam receber um “cartão verde”, que seria uma quantidade de recursos para reflorestar e também produzir renda para as famílias. Isso significaria a distribuição de renda de forma sustentável e permanente. JST - Qual a proposta que a pequena agricultura e o MST colocam para a sociedade no campo da produção de alimentos? EB - O governo tem que adotar e colocar para os órgãos públicos a necessidade de resolver e distribuir renda, e uma das formas de fazer isso é garantir a compra da produção. E nós queremos linhas de crédito que vão nessa direção. Quando combatemos o agronegócio e o uso indiscriminado de agrotóxicos, desenvolvemos uma
JST - O que está previsto para este ano das grandes mobilizações do MST? EB – Agora temos a Jornada de Abril e jornadas individuais dos movimentos. Mas o grande esforço é nos juntarmos ao povo urbano, pela questão da redução da jornada de trabalho para as 40 horas semanais; em maio pode ser um bom período. E também realizar no início do segundo semestre uma grande mobilização de todos os movimentos do campo – a questão indígena, ambiental – para fazer as lutas mais estratégicas, contra o monocultivo, as transnacionais, os agrotóxicos – e que também apontem para a alteração da correlação de forças para impor uma agenda da pequena agricultura e agricultura familiar. Que tenha uma política de assistência técnica, de crédito, que resolva a questão do endividamento. JST - Como é a proposta de reflorestamento pelos assentamentos? EB - Não existe no capitalismo deJORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
“No campo da pequena agricultura e nos assentamentos, precisamos de uma política pública, recursos e assistência técnica, pra que a gente possa recuperar do ponto de vista produtivo as áreas degradadas pelo agronegócio, pelo monocultivo”
Arquivo MST
desastre. E resolver logo questão do crédito. Do ponto de vista do médio prazo, as mobilizações têm que avançar no sentido de resolver os problemas estruturais: resolver o problema do Incra – não se trata de acabar com o órgão, pelo contrário, tem que dar força ao Incra, colocá-lo vinculado à Presidência da República, não como um instrumento de negociação política. Ter metas de assentamento das famílias. Resolver o problema do grande uso de agrotóxicos. Resolver o problema do analfabetismo no campo, o problema ambiental. Ter um programa que permita que os agricultores possam recuperar as áreas degradadas pelo agronegócio.
nova matriz tecnológica que seja diferente de tudo isso, que é a agroecologia. Uma matriz que elimine a produção de alimentos com venenos, com hormônios. É um processo de transição, e exige que o Estado dê condições de assistência técnica, de pesquisa, e que possa ter linhas de fomento para isso. A questão das sementes joga um papel importante, para que tenhamos sementes voltadas para a produção agroecológica. Tem que haver um programa de distribuição de sementes gratuitas, sementes resistentes a pragas, etc. Um grande programa de sementes, de mudas, vai ajudar muito na produção de alimentos, que é um grande desafio no Brasil. Hoje temos recorde de produção agrícola e aumento da fome. Porque não se produz alimentos, mas produtos que interessam a grandes transnacionais. JST - Qual o principal desafio em relação à educação este ano? EB - Combater o fechamento das escolas rurais. O governo vem promovendo o fechamento de diversas escolas, e dizemos que fechar escolas é crime. Esse processo favorece as empresas de transporte, e faz com que as crianças às vezes passem mais tempo no ônibus até as cidades do que estudando (ver matéria sobre a campanha na página 10). Outra luta fundamental é pela construção de escolas nos assentamentos. E a luta contra o analfabetismo no campo. O quarto aspecto é avançar na área das escolas técnicas no meio rural, para aperfeiçoar as técnicas para a agricultura, especialmente com a filosofia da agroecologia.
Transição para a matriz agroecológica deve ter suporte do Estado
JST - Como esses desafios se ligam com a questão internacional? EB - Essa grande batalha em relação às mudanças climáticas nos coloca um papel importante, de fazer frente às grandes empresas. Precisamos entrar nessa luta também com muita força.
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ESTADOS Cento e oito famílias comemoram as conquistas dos 12 anos do Assentamento Contestado
RIQUIELI CAPITANI E EDNUBIA GHISI SETOR DE COMUNICAÇÃO
MST-PR
Libertação da terra e vitórias dos camponeses AS TERRAS onde hoje está o Assentamento Contestado trazem as marcas da história. Casarões antigos, de paredes grossas feitas de pedra e em estilo colonial, são vestígios da grande fazenda que tinha como base a exploração de trabalho escravo. Mais tarde, monoculturas de pinus e eucalipto, que se tornaram matriz do uso da área, na época pertencente à transnacional sueca Incepa, empresa com dívidas junto à União da ordem de R$ 18 milhões. “A conquista dessa área tem o significado de libertação da terra, que com a ocupação volta para os camponeses”, afirma Roberto Baggio, da direção do MST no Paraná. As famílias foram assentadas cerca de um ano após a ocupação da fazenda, no município da Lapa. Luiz Carlos Schimith Bueno, pequeno agricultor que participou da ação, recorda as condições da área há 12 anos: “Aqui morava apenas o gerente, o capataz e umas três famílias. O restante era latifúndio, plantações feitas à base de máquinas, por isso não havia demanda de mão de obra. Com a ocupação houve a inversão nos papéis e na função da terra”.
Na festa, foi servido bolo de 3 metros, feitos por três assentadas
A conquista da terra se deu em um contexto de repressão e intensiva ação do Estado para desmobilizar a organização camponesa e de outros movimentos sociais. Segundo Baggio, a ocupação da área foi estratégica e marcou o início de um novo período. Desde o começo, havia o esforço de avançar na matriz da agroecologia, superar os venenos e a monocultura, além de organizar o assentamento para fazer a aliança com a região metropolitana, que concentra grande parte da população paranaense. “O projeto do Assentamento Contestado mostra a viabilidade da Reforma Agrária, o referencial de como construir uma
agricultura soberana e popular, de educação autônoma e da construção de novas relações sociais”, garante Baggio.
Comemoração Para relembrar e festejar os 12 anos de lutas e conquistas, no dia 19 de março, as 108 famílias do MST que vivem no assentamento realizaram uma grande festa. A comemoração reuniu cerca de 500 pessoas, entre assentados, amigos e autoridades públicas.
Educação Desde o início, os assentados lutaram para trazer a escola com todos os níveis de
educação para dentro do assentamento. Logo depois da ocupação, as crianças não foram aceitas pelo munícipio da Lapa. Por três anos, educadores do assentamento fizeram trabalho voluntário para garantir que as crianças não ficassem sem aula, até que a prefeitura colocasse professores concursados nas escolas. Hoje a escola do assentamento tem desde o 1º ano até um curso de graduação de Tecnologia em Agroecologia, que é um curso da Via Campesina, do qual participam integrantes de todo o Brasil, América Latina e Caribe.
Produção O Projeto de Assentamento Contestado tem uma área de 3.228 hectares, onde são produzidos todos os tipos de alimentos, destacando-se a produção da horticultura. Hoje mais de 50% de famílias produzem alimentos orgânicos. Os alimentos são consumidos pelos assentados e também comercializados por meio das feiras, cooperativas e pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O PAA, que começou há seis anos com 15 famílias, atualmente conta com 103 projetos de assentados e abastece em torno de 6 mil pessoas de 14 entidades entre escolas, associações e hospital.
Escolas do campo no Ceará: conquista dos trabalhadores e trabalhadoras Gomes, se comprometeu a atender uma parte da demanda, construindo 10 grandes escolas. Só em 2009 foi concretizada a construção das quatro primeiras escolas. “Esse foi um direito arrancado na luta”, diz Maria de Jesus, da Coordenação Estadual. Mas para o Movimento ainda é insuficiente. Para
DESDE O início do MST, uma das principais bandeiras de luta, além da terra, é a educação. No Ceará, a luta das famílias é para que seus filhos e filhas possam estudar em escolas dentro dos assentamentos, porque as dificuldades de estudar fora são muitas: viajar 30, 40 e até 60 km em estradas, de carroça, para ir até as cidades mais próximas, muitas vezes arriscando a vida. Durante uma grande Jornada de Luta estadual, o Movimento reivindicou a construção de escolas de nível médio e fundamental nas áreas de Reforma Agrária, com a ocupação da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, em maio de 2007. Depois de 10 dias acampados em Fortaleza, o governador na época e reeleito nas ultimas eleições, Cid
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atender toda a demanda, são necessárias 64 escolas de nível médio. As quatro escolas foram construídas em grandes assentamentos do MST: 25 de Maio, em Madalena; Santana, em Monsenhor Tabosa; Maceió, em Itapipoca; e Lagoa do Mineiro; em Itarema. As escolas, com 12 salas de aula, contam com
MST-CE
MARCELO MATOS ESTUDANTE DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – UFC / I TURMA DE JORNALISMO DA TERRA
Escolas contam com 12 salas de aula, quadra, laboratórios, biblioteca e anfiteatro
quadra esportiva, laboratórios de informática, química e biologia, além de biblioteca e anfiteatro. Uma estrutura digna, se compararmos com outras escolas do estado. Ao lado das escolas, o Movimento está discutindo a implementação dos campos experimentais, com 10 hectares de terra, onde os educandos possam desenvolver pesquisas e experiências de convivência com o semi-árido, além de produzir alimentos durante os dias de aulas integrais. Estudam nas quatro escolas do campo cerca de 1.600 pessoas, no ensino médio. “Mas a grande luta do Movimento é para que todos os assentamentos tenham escolas que funcionem desde a educação infantil até o nível superior”, aponta Jesus. “A luta não vai parar por aqui. Na Jornada de Lutas das mulheres, foi realizada uma negociação com o governador Cid Gomes, que se comprometeu a construir ainda este ano as seis escolas restantes. JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
ESTADOS Cerca de 15 mil companheiras foram às ruas em fevereiro e março
Jornada de mulheres mobiliza 13 estados contra agrotóxicos
MÁRCIA MARA RAMOS
MST-BA
SETOR DE COMUNICAÇÃO
A JORNADA de Lutas das Mulheres da Via Campesina mobilizou 13 estados para denunciar os impactos na saúde humana e no meio ambiente do uso abusivo dos agrotóxicos e apontar a responsabilidade do modelo de produção do agronegócio. Em todo o Brasil, as camponesas, em conjunto com movimentos urbanos, denunciam que o país é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, inclusive de agentes contaminantes nocivos à saúde humana, animal e vegetal que já foram proibidos em outros países. A Jornada também denunciou a violência contra a mulher e cobrou a resolução de problemas que afetam a vida das famílias camponesas no país. Confira o que aconteceu em cada estado: São Paulo – As mulheres fecharam parte da Rodovia Cônego Domênico Rangoni, também conhecida como PiaçagueraGuarujá, que dá acesso ao Pólo Industrial de Cubatão. Ocuparam o prédio da superintendência do Incra em São Paulo, para cobrar o assentamento das famílias acampadas e políticas públicas para a produção agroecológica. Houve atos nas prefeituras de Limeira e Apiaí. Minas Gerais - Mulheres da Via Campesina e do Fórum Regional por Reforma Agrária ocuparam a BR-050 para denunciar que o uso de aviões de pequeno porte na pulverização de agrotóxicos pela empresa Saci está poluindo o meio ambiente na região. Em Teófilo Otoni, mulheres camponesas dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Rio Doce marcharam até o Fórum da Comarca, denunciando casos de violência contra as mulheres e a violência da concentração de terras na região. O Fórum Regional por Reforma Agrária do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba ocupou a sede da Fazenda Inhumas, em Uberaba. Rio de Janeiro – Cerca de 300 trabalhadoras do campo e da cidade ocuparam a sede do BNDES no centro da capital fluminense. A mobilização denunciou os altos investimentos e empréstimos do banco à indústria dos agrotóxicos e às transnacionais da agricultura. No Ceará, mais de mil mulheres do JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
Cultura da Infância: cantando e encantando com as crianças do campo SETOR DE EDUCAÇÃO
MST, Movimento dos Conselhos Populares e Central dos Movimentos Populares fizeram duas marchas para denunciar os impactos negativos dos agrotóxicos na saúde humana e no ambiente. Em Fortaleza, mais de 600 mulheres marcharam até o governo do Estado, para denunciar a política de isenção fiscal que beneficia as indústrias de venenos e amplia o consumo de agrotóxicos. Em Santa Quitéria, 500 mulheres protestam contra a instalação da Mina de Urânio e Fosfato de Itatiaia. Pernambuco - Cerca de 800 trabalhadoras rurais trancaram a ponte que liga Petrolina a Juazeiro para denunciar a inoperância do Incra da região. Mais 500 mulheres ocuparam o Incra em Recife para chamar a atenção para a Reforma Agrária. Santa Catarina - Cerca de 500 mulheres da Via Campesina se reuniram em Curitibanos para participar de um encontro, com o lema: “Contra o agronegócio, em defesa da soberania popular”. Rio Grande do Sul – Cerca de mil mulheres da Via Campesina, Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Levante da Juventude e Intersindical protestaram em frente ao Palácio da Justiça, em Porto Alegre. Cerca de mil mulheres também ocuparam o pátio da empresa Braskem, da Odebrecht, no Pólo Petroquímico de Triunfo. Sergipe – Trabalhadoras rurais montaram acampamento em frente à Praça da Bandeira de Aracaju. Elas participaram de atividades que denunciam os agrotóxicos,
BAHIA - Em Petrolina, mais de 500 camponesas ocuparam a sede do INSS para cobrar aposentadoria das trabalhadoras rurais, auxíliodoença e salário-maternidade. As camponesas trancaram a BR-101 por duas horas, para denunciar a monocultura de eucaliptos praticada pela Veracel. Cerca de 1.500 mulheres ocuparam a fazenda Cedro, que pertence à multinacional. o agronegócio, a criminalização dos movimentos sociais e a violência contra a mulher. Espírito Santo - Uma marcha de mulheres do campo e da cidade partiu do município da Serra e seguiu para a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), onde aconteceram debates sobre os impactos do agronegócio na vida das mulheres do campo e da cidade. Rio Grande do Norte – Cerca de 200 mulheres participaram de um acampamento de formação e realizaram uma marcha por Natal, com destino à sede do governo do Estado. Pará - 200 mulheres se reuniram no assentamento Palmares para debater temas relevantes à vida camponesa e ao universo feminino, como a questão da infância, da violência contra a mulher e soberania alimentar. Maranhão – Cerca de 350 mulheres realizaram protestos nos acampamentos João do Vale e Francisco Romão, em Açailândia. As atividades denunciaram a forma predatória de exploração da empresa Vale na região.
NOS EMBALOS da cultura da criança, no encantamento com as brincadeiras, na singeleza em apresentar as experiências do trabalho com os nossos Sem Terrinha, na emoção em buscar nas lembranças de infância a história de vida, o curso de formação de Arte-Educadores do Campo sobre a “Cultura da Infância – Cantando e encantando com as crianças do Campo”, foi realizado nos dias 21 a 26 de fevereiro, em São Luís do Maranhão, organizado pelos setores de Cultura e Educação. Participaram educadores e educadoras militantes das áreas de assentamentos e acampamentos de estados da região Nordeste (BA, CE, PI, PE, PB, SE) e Amazônica (MA, PA). A formação foi fundamental para o entendimento da criança como sujeito social e cultural deste tempo, que brinca, pensa, questiona e faz parte da história de sua comunidade e do movimento social. As crianças do campo têm a possibilidade de vivenciar e usufruir os sons que as cercam, através das mais diversas fontes culturais. Os sons da natureza, os sons dos bichos, os sons das ferramentas de trabalho que se transformam em instrumentos musicais, tudo isso permite que a música seja uma das linguagens artísticas possíveis. A música pode ser vinculada a todos os processos pedagógicos que despertam e aguçam a sensibilidade cultural e artística das crianças, favorecendo a aprendizagem, a memorização, a concentração, a compreensão e a interação com a sua realidade. O desafio que o debate da cultura da infância coloca para os educadores do Movimento é o de pensar como envolver o conjunto dos assentamentos e acampamentos no trabalho com as crianças do campo. Outro desafio é não perder a dimensão de coletividade na perspectiva da continuidade no trabalho dos educadores com os Sem Terrinha. Garantir uma socialização nacional das experiências do fazer das crianças é também fundamental. A participação dos diferentes setores (Comunicação, Saúde, Formação, Cultura e Educação) no debate é muito importante, com o horizonte do fazer pedagógico como meta para atuação junto à infância.
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ESPECIAL Confira propostas para melhorias da vida no campo, na área da Terra, Assentamentos e Educação e depoimentos sobre Carajás
Quinze anos depois, e nada de Reforma Agrária A indignação não é só nossa...
SETOR DE COMUNICAÇÃO
O MST REALIZA em abril mais uma jornada de lutas para cobrar medidas dos governos federal e estaduais para destravar a Reforma Agrária e desenvolver os assentamentos rurais. As atividades acontecem também em memória aos mártires do Massacre de Eldorado dos Carajás, que completa 15 anos, sem que ninguém esteja preso pelo assassinato de 19 trabalhadores rurais. Nesses 15 anos, poucas coisas mudaram no meio rural. Não aconteceu a Reforma Agrária e a violência do latifúndio e do agronegócio continua a ameaçar os Sem Terra acampados pelas estradas do Brasil. Temos propostas concretas para melhorar a situação dos trabalhadores rurais, com a criação e desenvolvimento dos assentamentos, além de medidas para garantir acesso à educação em todos os níveis. Leia as principais medidas, divididas em três eixos: Terra, Assentamentos e Educação.
Terra • Assentamento de todas as famílias acampadas até dezembro de 2011, começando com a desapropriação de latifúndios na região Sul, Sudeste e Nordeste. • Estabelecer meta do assentamento de 100 mil famílias por ano em terras desapropriadas (sem contar a regularização fundiária e criação de assentamentos em terras públicas). • Reformular a forma de funcionamento do Incra para garantir um
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Cobramos o assentamento de todas as famílias acampadas até dezembro de 2011
processo mais rápido e eficiente de desapropriação de terras. • Criar um novo modelo de assentamento, baseado em áreas coletivas, agrovilas e cooperativas de produção rural.
Assentamentos • Criação de um programa de reflorestamento massivo, para recuperar as áreas degradas pelo latifúndio e, posteriormente, conquistadas pelos trabalhadores rurais. • Políticas para estimular a produção agroecológica, garantindo vantagens econômicas aos agricultores que produzem sem agrotóxicos. • Prioridade de compra dos alimentos agroecológicos pelos programas da Conab. • Criação de centros de produção e distribuição de sementes orgânicas. • Construção de escolas técnicas de nível médio e superior em agroecologia/agroflorestal. • Desenvolvimento de um programa de difusão de agroindústrias em assentamentos organizados em cooperativas de produção com apoio do BNDES e da Conab. • Fortalecimento da Conab no sentido da construção de uma empresa estatal que possa dar sustentação aos camponeses, trabalhadores rurais e pequenos agricultores que produzem alimen-
tos, com a instalação de silos e construção de armazéns. • Criar um programa público de ciência e tecnologia para o desenvolvimento de máquinas e instrumentos técnicos para a produção de alimentos saudáveis em pequenas propriedades.
Educação • Fazer uma campanha nacional de caráter emergencial para erradicar o analfabetismo nas áreas rurais e urbanas, financiada através de recursos públicos, articulada entre governo federal e movimentos sociais, igrejas, sindicatos, comunidades. • Garantir acesso à Educação Básica (educação infantil, educação fundamental e média, e educação de jovens e adultos) para todas as pessoas que vivem e trabalham no campo. Contribuir para tornar realidade a lei que tornou obrigatória a escolarização dos 4 aos 17 anos. • Assegurar o direito para que os professores e professoras das escolas dos assentamentos possam ser beneficiáriosdaReformaAgrária,bemcomo incentivarquenosconcursospúblicos seja considerada esta questão. • Garantir nas comunidades do campo Cirandas Infantis, com estrutura física adequada, material didático e educadores financiados pelos
municípios. Construir escolas para a educação infantil e anos iniciais em todas as comunidades. • Garantir o acesso e a distribuição de livros que contribuam no processo de formação e capacitação de crianças, jovens, adultos e idosos dos assentamentos. • Implantação de Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio para estudantes que já tenham concluído o ensino médio. • Massificar o processo de formação de professores e profissionais das diferentes áreas (agronomia, veterinária, zootecnia, saúde, cultura, direito, jornalismo) para atuação nas áreas de Reforma Agrária e do meio rural em geral. • Construir universidades e institutos federais no interior do país. E, onde for necessário, organizar turmas específicas para estudar na modalidade da alternância. • Garantir o formato original do Pronera, que leva em consideração a participação na construção e execução das suas ações as universidades, Incra e movimentos sociais. • Desenvolver medidas para a democratização dos meios de comunicação e apoio à imprensa popular e rádios comunitárias. Fazer um programa para democratizar a internet e levar a banda larga para os assentamentos. JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
“Depois de 15 anos sem se fazer justiça às vítimas, às famílias e a toda a companheirada camponesa, o Massacre de Eldorado dos Carajás grita como uma dívida de sangue, de justiça nacional, pela realização de uma Reforma Agrária, que é causa prioritária do Brasil. Frente ao agronegócio latifundiário e depredador reivindicamos, com os mártires de Eldorado dos Carajás, a agrovida ecológica e solidária.” Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia – MT
“Nos 15 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, eu espero que a primeira mulher presidente do país, Dilma Rousseff, tenha a sensibilidade de poder fazer com que o Poder Judiciário definitivamente possa fazer a
reparação desse crime hediondo, que é a morte de 19 trabalhadores rurais. Esses criminosos devem ser punidos e deve haver a Reforma Agrária neste país. A sociedade brasileira espera uma satisfação do governo federal”. Leci Brandão, cantora, compositora e deputada estadual em São Paulo (PcdoB)
“Me dói amargamente ver a terra concentrada, devastada e improdutiva. Envenenada, queimada, exaurida. Me dói fundo saber da madrugada camponesa sem terra, sem trabalho, sem alimento. Eu quero ver chegar o dia da partilha, o cio da terra, a doçura do mel. Sigo sonhando com a terra dividida, ocupada pelas mãos que trabalham e transformam a vida, que alimentam. Que semeiam a esperança essencial à alma de ter terra, trabalho e pão!” Beth Carvalho, cantora e compositora sambista
O governo federal, sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, fez o compromisso com os movimentos do campo de cumprir uma pauta de sete pontos, depois da marcha de Goiânia a Brasília, em 2005. De lá pra cá, os principais pontos da pauta não saíram do papel. Leia na capa os sete pontos, para cobrar do governo o cumprimento dos seus compromissos com a Reforma Agrária. JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
“Junto-me a todos os de bem que até hoje assistem assombrosamente o descaso com o Massacre, essa impunidade, enfim, essa vergonha. Não podemos esquecer jamais que a “Curva do S” é apenas mais um dos muitos fatos que nos envergonham e que nossos ilustres não têm moral para resolver.”
“Saúdo a memória dos mártires de Eldorado dos Carajás, com a confiança de que sua luta por justiça no campo será vitoriosa. A luta pelos direitos agrários está viva e forte em todas as Américas.” Tom Morello, guitarrista da banda Rage Against the Machine
Marcos Winter, ator “Tentaram apagar da memória do povo o massacre de Canudos, com o desvio das águas do rio que banhava a região. Assim será com o Massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 Sem Terra foram friamente assassinados por forças do Estado, em 17 de abril de 1996. Até que, finalmente, se faça no Brasil justiça no campo: a tão necessária e sonhada Reforma Agrária.”
“É um choque nos depararmos com, passados 15 anos, não só permanecer impune o crime contra 19 trabalhadores rurais Sem Terra, em Eldorado de Carajás, como também a tropa de choque que permanece agindo em benefício da morte, por massacre, ou mais continuamente, por falta de terra e trabalho, que os latifundiários impõem à população lavradora brasileira.”
Osmar Prado, ator
Bete Mendes, atriz
Morte dos 19 trabalhadores continua impune O julgamento do recurso do coronel Mário Colares Pantoja e do major José Maria Pereira de Oliveira, que pede a anulação do julgamento que definiu a condenação dos comandantes da Polícia Militar no Massacre de Eldorado de Carajás, aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e está sob a responsabilidade do ministro-relator César Peluzo. Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou
recursos dos policiais militares condenados pela morte de 19 trabalhadores Sem Terra em 1996. Os ministros da Quinta Turma, por unanimidade, consideraram regular a formulação dos quesitos apresentados ao Júri. Com isso, fica mantida a condenação imposta ao coronel Mário Colares Pantoja, 228 anos, e ao major José Maria Pereira de Oliveira, 158 anos e quatro meses. Eles aguardam o julgamento do recurso em liberdade.
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REALIDADE BRASILEIRA MST lança campanha nacional para discutir e denunciar o fechamento de escolas no campo
Fechar escola é crime! COORDENAÇÃO NACIONAL
Arquivo MST
A ATUAL CONJUNTURA da luta pela Reforma Agrária passa pela necessidade da defesa da educação pública brasileira. Dessa forma, este debate emerge dos desafios que temos em relação ao acesso e à organização da educação nos acampamentos e assentamentos das áreas de Reforma Agrária, agricultura familiar e camponesa, neste momento de disputa de projeto de sociedade. No campo brasileiro, existem milhares de crianças, jovens e adultos que têm seus direitos fundamentais negados pelo Estado, dentre os quais: terra, trabalho, habitação, saúde e educação básica. Um dado alarmante é que, nos últimos anos, mais de 24 mil escolas do campo foram fechadas, em uma realidade onde a maioria das escolas que existem estão em condições precárias. O MST, a partir da luta pela terra, tem demonstrado o potencial de organização quando alia estes direitos fundamentais a um projeto popular dos trabalhadores. É nossa responsabilidade dar visibilidade a estas questões e construir lutas que visem a garantia destes direitos básicos. Adiante, destacamos os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2009, do Censo Escolar do INEP/MEC (2002 a 2009), e da Pesquisa de Avaliação da Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária INCRA (2010).
A realidade da educação brasileira é ainda de 14,1 milhões de analfabetos, o que corresponde a 9,7% do total da população com 15 anos ou mais de idade. Um em cada cinco brasileiros é analfabeto funcional, ou seja, lê e escreve, mas não consegue compreender, interpretar ou escrever um texto. No Nordeste brasileiro, 18,7% da população é analfabeta. São mais de sete milhões de pessoas. Entre as pessoas com mais de 15 anos considerados analfabetos funcionais no Brasil, mais de um terço vivem no Nordeste e, destas, mais da metade vivem no meio rural. A média de anos de escolaridade das crianças e jovens entre 10 e 16 anos, no Nordeste, é de 4,4 anos. Os dados apontam para as disparidades regionais, sendo que o Norte e o Nordeste do país concentram os piores índices sociais. A Pesquisa de Avaliação da Qualidade dos Assentamentos de Reforma Agrária no Brasil – PQRA, realizada pelo Incra em 2010, no que se refere à educação, aponta os seguintes indicadores: • O Brasil tem 923.609 famílias vivendo em 8.763 assentamentos, numa área de 75,8 milhões de hectares. • Deste contingente populacional, 15,58% não foram alfabetizados; 42,27% cursaram apenas até a 4ª série; 27,27% concluíram o ensino fundamental; 7,36 % fizeram uma parte do ensino médio e 6,04%
concluíram a Educação Básica (nível fundamental e médio). • Os piores indicadores estão nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, seguidas da região Norte. • No Nordeste, o índice de não alfabetizados é de 18,41%,no Centro-Oeste de 13,86% e no Norte é de 11,06% . • Em todas as regiões do País, a metade da população, em média, tem apenas 4 anos de escolaridade. Um quarto da população conclui o ensino fundamental. • Metade da população assentada, em média, tem entre 11 e 40 anos, portanto, em plena idade de formação, laboral e intelectual. Trata-se, portanto, de uma realidade criada pela negação da escola às populações do campo, que continua a se repetir. Ou seja, não é um fenômeno de décadas passadas, mas do presente. Tomando como referência os dados do Censo Escolar, INEP/MEC, constatamos que: • No meio rural, no ano de 2002, existiam 107.432 escolas. Já em 2009, o número de estabelecimentos de ensino reduziu para 83.036, significando o fechamento 24.396 estabelecimentos de ensino, sendo 22.179 escolas municipais. Isso representou, nas regiões Sul e Centro-Oeste, uma redução de mais de 39% do total de estabelecimentos de ensino no meio rural, seguidas pela região Nordeste 22,5%, Sudeste 20% e Norte 14,4%. Somente na região Nordeste isso significou o fechamento de mais de 14 mil escolas, ou seja, mais da metade do total de estabelecimentos foram fechados em sete anos. • O número de matrículas no meio rural, nos referidos anos, reduziu de 7.916.365 para 6.680.375 educandos, representando um número de 1.235.990 que estão sem escola ou que foram obrigados a estudar na cidade.
População do campo é mais excluída do direito de estudar
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Estes dados nos levam a constatar que, embora haja a nucleação intra-campo, que
pode ser uma solução, a maioria das escolas foi fechada de forma arbitrária, sem levar em consideração as discussões dos movimentos sociais e toda a legislação que garante o acesso universal à educação básica. Também fica evidente que nossa ação deve ser local, visto que a maioria das escolas fechadas pertence à rede municipal, mas sem perder de vista que devemos responsabilizar e fazer o Ministério da Educação dar respostas sobre o fechamento de escolas, exigindo o não fechamento de escolas e dando condições para a construção de novos estabelecimentos. Tendo em vista o grande número de fechamento de escolas, principalmente no campo, estamos lançando uma campanha nacional para discutir e denunciar a situação do fechamento das escolas principalmente no campo. Esta campanha tem o objetivo de defender a educação pública que seja um direito de todos os trabalhadores. Para que isso se concretize, é importante mobilizar comunidades, movimentos sociais, sindicatos, enfim toda a sociedade para se indignar quando uma escola for fechada e lutar para mudar esta realidade. Alguns pontos de reivindicação da campanha: • as escolas devem estar perto das residências dos estudantes; • as escolas devem ser nucleadas no próprio campo; • o transporte escolar não é suficiente para resolver o problema da falta de escolas no campo. As escolas do campo devem ser no campo; • as escolas do campo devem ter todos os níveis e modalidades de ensino; • o MEC deve ter uma ação para garantir, nos estados e municípios, a construção de escolas; • as escolas devem ser construídas com áreas de esporte, cultura, lazer e informática; • as esferas do Poder Executivo, Legislativo, o Ministério Público, Conselhos de Educação devem barrar imediatamente o processo sistemático de fechamento das escolas. JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
REALIDADE BRASILEIRA “E qual a missão básica do Incra? É fazer a Reforma Agrária”
JADE PERCASSI PARA A PÁGINA DO MST
Maria Aparecida
Mudanças no Incra preocupam servidores O DIRETOR HONORÁRIO vitalício da Confederação Nacional dos Servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Cnasi), José Vaz Parente, vê com preocupação a proposta reestruturação do Incra, em discussão no Ministério do Desenvolvimento Agrário. As mudanças defendidas pelo ministério, de acordo com nota da direção da Cnasi, representariam a extinção do Incra enquanto instrumento para a implementação da Reforma Agrária. “Queremos chamar a atenção das autoridades, do governo Dilma principalmente, para que se tenha cuidado, atue com mais seriedade e faça as mudanças que precisam ser feitas”, afima Parente. Tais mudanças vêm sendo discutidas no âmbito do grupo de trabalho coordenado pelo ministério que discute a nova estruturação do Incra, instaurado a partir da pressão dos servidores. Para ele, as mudanças necessárias para o Incra devem ter como orientação seu fortalecimento enquanto instrumento de realização da Reforma Agrária. Há elementos da proposta do MDA, segundo Parente, que fazem parte de um processo em andamento desde o governo do presidente José Sarney de desmantelamento e desestruturação do Incra.Abaixo, leia trechos da entrevista concedida à Página do MST. Dentro do MDA, circula um documento que deve servir de base para uma reestruturação do Incra. Quais as linhas gerais dessa proposta? Parente - Esse documento sinaliza para possíveis ajustes, dentro de uma visão restrita, circunscrita a determinado grupo de dirigentes e técnicos que atuam no Ministério de Desenvolvimento Agrário. A iniciativa, até onde a conhecemos, sinaliza para uma espécie de centralização, de concentração de poderes, em termos de gestão administrativa. Isso pode ter efeitos positivos por um lado, e negativo por outros, até por esse tipo de iniciativa não se coadunar com uma acepção de administração moderna. Nós temos que ter uma administração que seja de fato descentralizada, no sentido de reforçar as unidades de base que têm por incumbência executar as ações da instituição. Uma estrutura que permita uma partiJORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
da tecnologia adequada apropriada a que prosperem e evoluam em termos da organização social da produção.
Trabalhadores rurais e servidores não foram chamados para debater reestruturação do órgão
cipação maior dos agentes que a integram, no caso, os servidores do Incra, quanto em termos verticais como horizontais. Uma estrutura que seja mais democrática, que sinalize para uma inserção também de maneira mais interativa e orgânica das representações dos trabalhadores. Essa proposta foi debatida com os servidores do Incra? É uma iniciativa que não foi tratada a rigor nem sequer com as representações dos servidores a da instituição a quem interessam essas mudanças. E muito menos com as representações dos trabalhadores rurais, no caso o público beneficiário das ações de Reforma Agrária e ordenamento fundiário. Portanto, por uma questão de princípio, não podemos admitir que sob um governo democrático popular essas questões passem ao largo de qualquer discussão, à revelia de um tratamento mais aprofundado, com os principais protagonistas da história e da própria missão desta instituição - de um lado, os servidores que a integram, e de outro, os trabalhadores rurais que representam o seu público beneficiário. O que mudou no Incra do começo do governo Lula pra cá? O Incra, antes do início do primeiro mandato do Lula, tinha um passivo em termos de famílias assentadas, em torno de 300 mil famílias. E na época o Incra tinha uma estrutura em termos de recursos humanos não muito diferente da atual, praticamente o mesmo quantitativo de pessoas. No entanto, suas demandas nesse período foram mais do que quadruplicadas. Portanto, o
incremento de recursos que tivemos tanto em se tratando de orçamento, em termos de recursos financeiros, como recursos humanos e materiais - em muito pouco ou quase nada alterou esse coeficiente que possuíamos há oito anos. Não mudou a relação entre servidor e população assistida, de recursos financeiros por família assentada. As intervenções ficaram muito concentradas - não muito diferente dos governos que o antecederam - nas terras de natureza pública. Isso em nada altera a realidade em termos de concentração excessiva da propriedade rural no país, como revelam os dados do Censo Agropecuário de 2006. No entanto, não podemos desconsiderar que apesar da situação de insuficiências, sobretudo no que diz respeito aos serviços sociais básicos, na parte de infraestrutura e de créditos, houve sim algumas melhorias, mas são avanços que estão muito aquém do necessário. Quais os desafios para o Incra atualmente? O Incra hoje para além do público potencial, em se tratando das ações de Reforma Agrária que perfazem para mais de três milhões de famílias, tem um passivo da ordem de quase um milhão de famílias assentadas. Parte dessas famílias ainda padece da insuficiência ou ausência dos ditos serviços sociais básicos, o que nos permite dizer que, em que pese elas terem conquistado o bem mais importante à promoção da sua inclusão social e cidadania que é a terra, o Estado ainda permanece bastante ausente e agindo de forma muito incipiente no que diz respeito ao provimento dos seus direitos fundamentais, a exemplo da educação, da saúde,
O que levou a Cnasi a apontar em nota que está em curso um processo de “extinção do Incra” como órgão executor das políticas de Reforma Agrária? Creio que estes sejam apenas elementos mais visíveis de um processo crônico de desmantelamento, de desestruturação pelo qual essa instituição vem passando desde a inauguração da nova república até a atualidade. Queremos chamar a atenção das autoridades, do governo Dilma principalmente, para que se tenha cuidado, atue com mais seriedade e faça as mudanças que precisam ser feitas. Nós precisamos de estrutura de serviço que reúna todas as condições necessárias para que se cumpra de maneira satisfatória com a sua missão. E qual é a missão básica do Incra? É fazer a Reforma Agrária, resgatar a cidadania roubada não apenas dos trabalhadores rurais sem terra, mas das comunidades tradicionais de modo geral aqui habitam. O que vocês propõem para qualificar a atuação do Incra para avançar efetivamente na democratização do acesso à terra? Uma das primeiras formas seria evidentemente se fazer um diagnóstico por demais preciso acerca dessas necessidades, não desconsiderando que as ações do Incra interagem com outras políticas públicas de outros setores que têm inserção no meio rural. O Incra não pode ser visto como uma organização que tenha por obrigação suprir todas as necessidades decorrentes da implementação dos projetos de assentamento dentro de um programa de Reforma Agrária, ou mesmo em se tratando daquelas políticas concernentes ao processo de ordenamento da estrutura fundiária do nosso território. No entanto, o Incra tem por competência principalmente implementar as ações básicas inerentes à Reforma Agrária, no sentido de corrigir as distorções em termos de concentração excessiva da propriedade e distribuir de uma forma mais equânime essa propriedade. Para isso, evidentemente o governo tem que saber o tamanho da Reforma Agrária que exige a realidade desse país.
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INTERNACIONAL Quase dois anos depois do golpe, população articula projeto para o país
FELIPE CANOVA COLETIVO DE CULTURA
PASSADOS QUASE dois anos do golpe de Estado, Honduras vive uma intensa luta de classes, com a perspectiva de mudanças concretas para a classe trabalhadora. A resistência do povo hondurenho ao golpe, que tem na Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) a sua máxima expressão, busca no momento atual construir sua proposta política para refundar o país, articulando um processo que permita superar os estragos de sucessivos governos nas mãos da oligarquia local e da permanente intervenção norte-americana. O golpe civil-militar, ocorrido em 28 de junho de 2009, naufragou o país em uma intensa crise social, política, econômica e cultural, em que os setores populares do campo e da cidade são os mais afetados. Planejado pelas dez famílias que mandam no país juntamente com a CIA e a embaixada estadunidense, o golpe teve como efeito colateral inesperado para as elites a resistência massiva dos hondurenhos. Inicialmente essa resistência se articulou na defesa do presidente deposto Manuel Zelaya – mais conhecido entre o povo como “Mel” – e na retomada do processo de mudanças na Constituinte do país, mudanças estas que foram o pretexto para o golpe. Entretanto, mesmo com 150 dias de marchas e mobilizações populares não foi possível garantir o retorno do presidente ao cargo, e ele partiu para o exílio na República Dominicana no fim de 2009. Líder do Partido Liberal, Zelaya pertencia ao mesmo partido de Roberto Micheletti, presidente do Congresso Nacional na época do golpe, que assumiu o poder após a expulsão de Zelaya, levado de pijama pelos militares. Conhecido pela resistência como “Goriletti”, juntamente com los chepos e los chafas (polícia e exército), deram início a uma repressão brutal ao povo que se organizava nas ruas. Contudo, não era apenas Micheletti que considerava Zelaya um peixe fora d’água dentre os liberais, pois suas iniciativas como o aumento do salário mínimo, o freio às privatizações, o tensionamento das relações com os EUA – questionando claramente a presença militar ianque em território hondurenho – e, principalmente, a adesão à ALBA, levaram a uma correlação de forças em seu grupo político muito desfavorável.
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Fotos: Felipe Canova
Honduras: da resistência à refundação
Frente de Resistência organiza assembleia com mais de 2 mil delegados, em fevereiro
A crise se aprofunda com Pepe Lobo O governo golpista de Micheletti não teve o reconhecimento internacional, nem mesmo dos Estados Unidos, portanto precisou apressar a convocação de novas eleições. Porfirio “Pepe” Lobo Sosa foi eleito pelo Partido Nacional, tradicionalmente mais conservador, com o discurso de um governo de unidade nacional. A resistência, entretanto, denunciou a abstenção de mais de 60% da população ao pleito, o que representou uma clara rejeição popular à tentativa de legitimar o golpe. Em 2010 assume Pepe Lobo, mas a dinâmica da sociedade pós-golpe se agudiza: crise intensa, descrédito nas instituições do Estado, repressão e violações dos direitos humanos. A economia vive uma situação similar a de um embargo, pois o não-reconhecimento do regime por muitos países e instituições como a Organização dos Estados Americanos (OEA) diminui o ingresso de auxílio financeiro internacional e as trocas comerciais. Os alimentos, em boa parte importados, estão em constante alta de preços, assim como os combustíveis. O corte do convênio Petrocaribe, ligado à ALBA, acarretou um aumento de 20% no custo da gasolina, por exemplo. Na arena política, o governo de Lobo Sosa recebe pressão da esquerda, com o crescimento da FNRP nos seus calcanhares, e também da ultra-direita, que não aceita seu discurso conciliador e a perspectiva de retorno de Zelaya. Seu governo, sob pressão da oligarquia que de fato controla o Estado, reprimiu duramente a resistência em seu início, e pos-
teriormente foi migrando para uma repressão “sistemática”, eliminando quadros da luta popular aos poucos, inclusive sob a alegação de que esses crimes seriam decorrentes da violência urbana, que assola as cidades em todo o país. Um exemplo desse tipo de repressão é o assassinato de dez jornalistas no ano passado, todos vinculados aos meios de comunicação alternativos, numa violação evidente ao direito da liberdade de expressão.
Reconstrução Durante o ano passado, a FNRP, com seu coordenador-geral Manuel Zelaya no exílio, concentrou suas forças em articular uma Assembleia Constituinte Popular. Foram coletadas mais de 1.300.000 assinaturas, o que corresponde a um sexto da população de Honduras. Esse enorme processo de mobilização popular, somado à permanente luta nas ruas das diversas categorias de trabalhadores organizados,
contribuiu na consolidação da Frente como uma força política inquestionável no cenário hondurenho. Como consequência deste acúmulo, este ano a FNRP realizou, em fevereiro, a Asamblea Mártires Campesinos de Aguan, com mais de 2 mil delegados provenientes de 19 estados (18 do território de Honduras e uma representação dos migrantes nos EUA e Canadá que participam da resistência). Numa demonstração de unidade em torno da urgente refundação do país e da necessidade de derrotar o atual regime, as diversas forças que compõem a Frente debateram os caminhos de como construir e chegar ao poder - se pela via eleitoral, cujo processo se dará em 2013, ou se pela via insurrecional. A definição construída na Assembleia foi de que nesse momento não há condições para a resistência participar de eleições. Para que isso ocorra, a Frente reivindica o retorno ao país de Manuel Zelaya e de todos os exilados, a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte, uma reforma da lei eleitoral e mudanças no Tribunal Superior Eleitoral. O processo de convocatória da Constituinte virá acompanhado de uma grande paralisação nacional, que pressione o governo golpista a aceitar o retorno de Zelaya. A Frente, enquanto uma ampla articulação de forças sociais e políticas, tem como desafio manter aceso o ânimo dos lutadores e lutadoras do povo hondurenho. Na medida em que avança gradualmente na sua concepção de projeto para o país, demonstra em sua prática que vem construindo poder popular através da luta no campo e na cidade, o que nos leva crer na perspectiva de um novo horizonte para classe trabalhadora de Honduras.
Poder popular vem sendo construído através da luta no campo e na cidade
JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
LUTADORES DO POVO “Era a Revolução. Era em versos. Versos e Revolução ficaram ligados na minha cabeça”
CECÍLIA LUEDEMANN JORNALISTA E ESCRITORA
Internet
Maiakovski: poeta da classe trabalhadora POETA MAIOR da classe trabalhadora do mundo inteiro, Vladimir Maiakovski passou pela vida tão rápido e tão brilhante como um cometa. Viveu intensamente 36 anos e colocou no céu da nossa memória a arte livre como nossos desejos e afiada como uma faca amolada. Quem entrasse pela porta de sua poesia, se surpreenderia com um jeito novo de ver o mundo, com novas palavras, novos versos, novos temas: as lutas nas ruas, nos campos, nas fábricas. Era o nosso mundo que nascia, entre combates de rimas, anunciando a vitória da classe trabalhadora. Vladimir nasceu na aldeia de Bagdali, na Geórgia, em 1894, dominada pelo Império Russo. Viveu a infância e a adolescência no campo, filho de um guarda florestal. Recorda-se de suas primeiras lições com os primos: “Era preciso contar as maçãs e as peras distribuídas. Ora, eu sempre ganhei e sempre dei frutas sem contar. No Cáucaso, as frutas estão à disposição de todos.” A vida na comunidade camponesa e a sua solidariedade, no entanto, sempre era abalada pelos grandes fazendeiros, pelo Estado e pela Igreja. Por isso, um menino do povo não poderia continuar seus estudos, como conta em suas memórias, sobre a reprovação no exame de admissão ao ginásio, por causa do significado de uma palavra, oko, que em eslavo antigo queria dizer olho: “Foi por isso que comecei a odiar tudo o que é velho, tudo o que é eslavo, tudo que é igreja. É possível que esteja aí a origem do meu futurismo, do meu ateísmo, do meu internacionalismo.” A arte aparece na vida do jovem Maiakovski junto com as lutas dos trabalhadores russos no ensaio geral da revolução, em 1905: “Era a Revolução. Era em versos. Versos e Revolução ficaram ligados na minha cabeça.” As transformações políticas mostraram um novo caminho a Vladimir e seu coletivo de artistas: tudo poderia ser transformado e todas as linguagens experimentadas, sem fronteiras, sem seguir as antigas normas burguesas. Poesia, pintura, teatro, cinema. A luta de classes, o enfrentamento com o patrão, no campo, na fábrica, nas ruas, ensinaram que a arte é épica, é lutadora e sem fronteiras. Aos 12 anos de idade, Vladimir já participava de manifestações e reuniões. JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
Artista viveu intensamente seus 36 anos
Ao ver o massacre do Estado contra o Novas palavras, novo ritmo, novas povo no chamado “domingo sangrento”, ideias. A arte era uma experiência libertalembra-se das primeiras greves no ginásio dora. Era também um ensaio, um convite à e das primeiras leituras de textos derrubada da burguesia e a construção do revolucionários: “Mas, já nesta época, sem poder proletário. Por isso, fugia da biblioleitura, nós compreendíamos para que lado teca, das salas de espetáculo, direto para as ir, em que grupo lutar.” ruas. Os artistas cubo-futuristas transAos 15 anos, Vladimir decide abando- formavam seu cotidiano em manifestação nar os estudos e entrar para o Partido Social- contínua, não andavam nas ruas, marchaDemocrata, na facção bolchevique, com vam, com roupas-arte, com os rostos a liderança de Lênin e Trótski. É preso pintados,sérios, gritando versos. Maiakovski pela primeira vez, acusado de fazer ficou conhecido como o poeta da blusa panfletos em uma tipografia clandestina, amarela, como escreveu em seu poema: e outras vezes mais será preso ao auxiliar “Atirem os seus sorrisos ao poeta, na fuga e no esconderijo de militantes que eu vou costurá-los, perseguidos pelo Estado Czarista. como se fossem flores, Na prisão, leu os livros mais conhecina minha blusa amarela!” dos da literatura internacional e decepcionou-se. Ali não estavam os personagens Em 1913 inicia sua criação teatral com do novo mundo, nem suas lutas. Ao sair os temas da luta contra a exploração. A da prisão, decidiu estudar e criar o novo. poesia e a pintura cubista se unem no palco Estuda na Escola de Belas Artes, mas ali denunciando a alienação do capitalismo, também descobre que os inovadores são das mercadorias e das ferramentas do perseguidos. Conhece David Burliuk e trabalho que dominam o trabalhador: juntos iniciam os novos caminhos da arte “Objetos sem alma sobre o sol das revolucionária russa, também conhecida cidades como futurismo russo. Unem-se aos pintores se proclamam nossos mestres e do movimento cubo-futuavançam em nossa direção rista e escrevem o manifesto para nos destruir. Balalaica Uma Bofetada no Gosto do É preciso massacrar os (como um balido abala Público, em 1912. objetos! a balada do baile Vladimir aprendeu a Em seus carinhos eu de gala) trabalhar a poesia como tinha razão em descobrir (com um balido abala) o artesão que faz e refaz o inimigo!” abala (com um balido) sua obra, escrevendo e (a gala do baile) reescrevendo cada palaNos anos seguintes a louca a bala vra. Em 1913 nasce o 1914, Vladimir conhece laica. poema Balalaica. a guerra, a batalha no
campo das artes e o amor, viajando pela Rússia. Um amor impossível, a Lili Iurevna Brik, esposa do amigo Ossip M. Brik, com quem fará a revista LEF (Frente de Esquerda), que moverá sua poética, tão fortemente quanto a luta no campo da arte e quanto da política. Amor e Revolução. Vida e morte. Sempre juntos e sempre um se alimentando do outro. Quanto mais vitória, mais esperanças ao amor. Quanto mais derrota, mais difícil de encarar a solidão. Do triunfo da revolução, em outubro de 1917, ao seu trágico suicídio em 14 de abril de 1930, Vladimir Maiakovski tornou-se o propagandista do socialismo e o crítico do stalinismo. E anuncia a sua mais fértil fase de criação, o encontro com a classe trabalhadora: “A orientação para as massas faz mudar todos os métodos de nosso trabalho poético.” Falar para uma grandiosa quantidade de camponeses e operários em tão pouco tempo não seria possível com livros e teatros. Então, Maiakovski descobre o cinema, uma nova concepção de mundo e também participa como ator e roteirista de filmes de agitação e propaganda, como “Para o Front!”. Na noite trágica de 14 de abril, escreve um poema despedida, o amor havia sido vencido por tantas derrotas às perseguições stalinistas. Para Maiakovski, a morte foi uma alternativa de vida, com tanta morte ao seu lado. O sonho suicida de que falaria aos vivos depois de morto: “Como se diz, o incidente está encerrado A canoa do amor se quebrou na vida cotidiana Nós estamos quites com você Não há porque recordar As dores as desgraças os erros recíprocos Veja que silêncio existe sobre o universo A noite cobriu o céu de tantas estrelas Em horas como essa a gente se ergue a gente fala Aos séculos à História ao universo...” Camarada Vladimir Maiakovski, seus versos estão mais vivos do que nunca, do Egito ao Japão, do Brasil aos Estados Unidos, um rumor que se transforma em canção, em protesto e toma as ruas do mundo. Somos nós, camarada, a classe trabalhadora que te saúda em cada batalha.
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LITERATURA Pó de pirlimpimpim e porviroscópio são algumas das criações do autor
Por que ler Monteiro Lobato MARCIA CAMARGOS JORNALISTA E ESCRITORA, TEM MAIS DE 20 LIVROS PUBLICADOS, ENTRE ELES “MONTEIRO LOBATO: FURACÃO NA BOTOCÚNDIA”
A TURMA DO Sítio do Picapau Amarelo vem, há décadas, povoando a imaginação de sucessivas gerações. Desde o lançamento de “A menina do narizinho arrebitado”, de 1920, o “pai” de Emília (1882-1948) não parou de publicar aventuras para crianças com nossas paisagens e nossa gente. No ambiente rural do Sítio descobrimos personagens cosmopolitas que viajam para o passado e o futuro, sem perder o frescor da roça. Espaço multiétnico e multicutural, a casa de Dona Benta converte-se no exemplo da convivência harmoniosa, numa pluralidade invejável nos dias correntes marcados pela intolerância. Ali os horizontes ampliamse e o sistema solar inteiro cabe dentro da sala, num movimento dialético de enraizamento regional e pertença universal. Com o pó de pirlimpimpim, ingrediente mágico catalisador da fantasia, os netos de Dona Benta, a boneca de pano, o Visconde de Sabugosa e Tia Nastácia passeiam pelos céus, visitam a Grécia antiga, enfrentam monstros mitológicos e, acima de tudo, divertem-se a valer. Em “A chave do tamanho”, uma alegoria contra a guerra, Emília percorre cidades, países, troca ideias com presidentes e sábios e por um triz não acaba com a civilização. O ponto alto está no seu encontro com o temido Adolf Hitler. Conhecido pela extrema crueldade, o
ditador nazista escuta de bico calado a maior bronca da sua vida: “Quem fala agora sou eu”, avisou ela. “Quero todos muito direitinhos e humildes”. Homem de múltiplas facetas, este paulista de Taubaté teve uma atuação que extrapolou o universo da literatura infanto-juvenil, gênero em que foi pioneiro. Engajando-se em campanhas para fazer do Brasil um país moderno, com distribuição de riqueza e inclusão social, Monteiro Lobato apostou na prospecção do petróleo, na indústria siderúrgica e na abertura de estradas. Mas sua atitude em defesa da soberania nacional feria interesses poderosos, rendendo-lhe processos e uma condenação a seis meses de cadeia no governo de Getúlio Vargas, em 1941.
Produção engajada
“Pai” de Emília defendia o desenvolvimento nacional
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Para além das suas batalhas em prol do desenvolvimento, e da criação das incríveis figuras que saltaram das páginas para a TV, viraram letra de música e desenho animado, ele também deixou uma vasta obra para adultos. Em sua maioria, fruto da compilação de artigos de jornal, crônicas, entrevistas, prefácios e contos publicados na imprensa do período, além de cartas remetidas à esposa, Purezinha, e a numerosos amigos, dentre os quais Godofredo Rangel. Com o colega da Faculdade de Direito, que se tornou juiz em Minas Gerais, manteve um longo diálogo epistolar. Discutiam artes, política, economia e, claro, literatura, o foco central de ambos. Recheada de
reflexões sobre os mais variados temas, esta correspondência, que excedeu quatro décadas, seria enfeixada em “A barca de Gleyre”, um riquíssimo painel de época. Já “O Sacy pererê, resultado de um inquérito”, de 1918, resgatava a figura do simpático mito do folclore verde-amarelo, colocando a discussão sobre a necessidade de cultivarmos a cultura popular contra a invasão predatória dos estrangeirismos. “Cidades mortas” e “Onda verde”, entre outros, reúnem contos que revelam as entranhas de um Brasil profundo e pouco visitado pelos intelectuais. Um terceiro título, lançado em 1923, após o estrondoso sucesso de “Urupês”, desnuda os bastidores da sociedade patriarcal. Em “Negrinha”, que dá nome ao volume, aflora o crítico que expõe a crueldade da patroa endossada pela hipocrisia do vigário. De um lado, a virtuosa dama, esteio da religião e da moral, “gorda, rica, dona do mundo, animada dos padres, com lugar certo na Igreja e camarote de luxo no céu”. De outro, a vítima atrofiada, com os olhos eternamente assustados. “Órfã aos 4 anos, por ali ficou feito gato sem dono. Levada a pontapés”. Sagaz contador de histórias, Lobato tem um único romance. Assim mesmo “O presidente negro” saiu antes como folhetim no jornal “A Manhã”, do Rio de Janeiro. Escrito em 1926, meses antes dele partir para Nova Iorque como adido comercial junto ao consulado brasileiro, prevê, pelas lentes do “porviroscópio”, um futuro interligado por infovias, após o homem ter “aposentado” a roda. O livro
intriga pela atualidade, pois o enredo também fala da disputa entre uma mulher branca e um afro-descendente nas eleições presidenciais norte-americanas, quando o feminismo engatinhava e as lutas pelos direitos civis e igualdade racial não haviam despontado nos Estados Unidos. O exemplo maior da produção engajada de Lobato é Jeca Tatu, que se tornaria seu personagem-símbolo. Nascido em 1914 no artigo “Urupês”, para o jornal “O Estado de S. Paulo”, Jeca era preguiçoso e indolente. Esta imagem seria reformulada quando Lobato entrou contato com Saneamento do Brasil, de Belisário Pena e Artur Neiva, sobre as endemias que infestavam a população. Assim, se em 1914 o autor pintava o caboclo como preguiçoso e indolente, graças às pesquisas médicas ele descobre que sua apatia advinha do subdesenvolvimento, da fome e da exclusão. No início da década de 1930, de volta dos EUA, Lobato escreveu um livreto para a Editorial Vitória, em 1947. Nele, narra o sonho sobre um lugar onde os trabalhadores do campo seriam donos da terra, plantando e colhendo os frutos de sua labuta.A história de Zé Brasil começava como a de milhares de brasileiros: “Zé era um pobre coitado que sempre viveu em casebres de sapé e barro, de chão batido e sem mobília. No canto, uma espingarda, o pote d’água, a sela gasta, o rabo de tatu, o facão, um santinho na parede. (..) Tomava o café ralo com farinha de milho quando tinha e ia para a roça pegar no cabo da enxada. (...). A luta era brava, pois o mato teimava em tomar conta das plantações. (...) Zé era agregado na Fazenda Taquaral. Plantava milho e feijão numa grota do coronel Tatuíra. Para o dono da terra era o melhor negócio do mundo, pois sem fornecer nem uma foice ou semente, levava meia colheita, a metade gorda... (...) E Zé pensava que, se fosse dono de dez ou vinte alqueires, tudo mudava. (...) Se os que sofressem por falta de terra, num país grande como o nosso, se unissem, a situação mudava. E acabava de uma vez com isto de uns poucos terem tudo e a maioria não ter nada”. JORNAL SEM TERRA • ABRIL 2011
O medo das reformas que o presidente João Goulart vinha anunciando levou os militares a efetuar o golpe. As forças armadas deflagraram uma onda de prisões pelo país, começando pelos camponeses e operários organizados, fecharam sindicatos e associações de trabalhadores. Começam as práticas de torturas, provocando a morte de muitos trabalhadores e trabalhadoras; manifestações nas ruas eram reprimidas a bala e muitos lutadores foram exilados. O regime militar chega oficialmente ao fim com a eleição de Tancredo Neves para presidente, em 1984.
“Da educação da mulher depende a educação do homem, particularmente o homem do povo (...) Reclamo direitos para a mulher porque todas as desgraças do mundo procedem do esquecimento e desprezo com que ela tem sido tratada.”
Jôfre Corrêa Netto - capitão camponês (1921 a 2002)
ERRAMOS: Na edição do JST 310, a foto de Camilo Cienfuegos foi identificada erroneamente como de Camilo Torres.
AUTOR: Clifford Andrew Welch EDITORA: Expressão Popular (www.expressaopopular.com.br) Em Santa Fé do Sul, no noroeste do Estado de São Paulo, o conflito entre mais de 800 famílias de camponeses - muitas delas numa situação de total miséria- ameaçadas de expulsão por um poderoso latifundiário não era diferente dos milhares de conflitos que pipocavam por todos os cantos do país. Foi nessa luta que surgiu a figura lendária do “Fidel Castro sertanejo”, Jofre
Correa Netto, o capitão camponês que organizou a defesa dos camponeses, quando o latifundiário, para agilizar a desocupação das terras.
Em memória dos lutadores mortos em Carajás, o MST organizou uma marcha de mil quilômetros, reivindicando Reforma Agrária, emprego e justiça. Após dois meses de caminhada, trabalhadores e trabalhadoras chegam à capital do Brasil recebidos por trabalhadores urbanos, estudantes e sindicatos, reunindo 100 mil pessoas ao adentrar a cidade.
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Para não esquecer Abril 1º Golpe militar no Brasil, 1964 4 Assassinato de Martin Luther King, líder pacifista e contra o racismo estadunidense, 1968 7 Nascimento de Flora Tristan, 1803. Uma das precursoras do movimento feminista 16 Maior comício pelas Diretas Já: 1 milhão e 500 mil pessoas em São Paulo, 1984
Foi a maior manifestação pública da história do Brasil. O país vivia sob a ditadura militar e os direitos políticos estavam restringidos por diversos Atos Institucionais, entre eles as eleições diretas para presidente. As eleições diretas viriam apenas em 1989, depois de aprovada a Constituição Federal de 1988. 17 Massacre de Eldorado dos Carajás, 1996 17 Dia Internacional de Luta Camponesa 17 Chegada em Brasília da “Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça”, 1997. 20. Assassinato de Galdino Jesus dos Santos, indígena da nação Pataxó hã-hã-hãe, 1997 21 Enforcamento de Tiradentes, 1792. Joaquim José da Silva Xavier ganhou o apelido Tiradentes por sua profissão de dentista. Participa de um processo de agitação em Vila Rica (MG) a favor da independência da província. Em 1789, o Movimento pela Independência foi delatado. Tiradentes assume sozinho a responsabilidade do movimento republicano. Seu corpo é esquartejado e pedaços são espalhados pela estrada de Vila Rica. Sua cabeça é colocada numa gaiola e exibida num poste no centro da cidade.
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