w w w. m s t . o r g . b r
ANO XXX– Nº 315 – SET/OUT 2011
Jornada acerta o alvo Com ocupação do Ministério da Fazenda e ações em 20 estados, Via Campesina consegue conquistas Páginas 8, 9 e 10
ENTREVISTA
INTERNACIONAL
LITERATURA
Irma Brunetto: jornada
Estudantes chilenos
Lygia Fagundes Telles
anima militância
lutam por educação e
dá vida a questões
e alimenta mística
contra neoliberalismo
sociais em obra engajada
Páginas 4 e 5
Página 12
Página 14
EDITORIAL Cooperação agrícola é desafio estruturante que precisamos implementar em nossas áreas
Os nossos desafios para os assentamentos CONSEGUIMOS AVANÇAR na construção de um diagnóstico em relação à nossa atuação na organização dos assentamentos no último período. A nossa luta sempre teve como objetivo construir um modelo alternativo de produção e de vivência social, frente ao modelo do agronegócio. Os desafios agora são maiores para implantar na prática nosso modelo de Reforma Agrária Popular. E só dessa forma
Não existe força política sem uma materialidade e, no nosso caso, ela se fundamenta na organização da produção, das escolas, das cooperativas e da disputa de território teremos um território livre, sob hegemonia dos trabalhadores. Para enfrentar esses desafios, temos de provar a viabilidade do nosso projeto, priorizando a produção agroecológica e cooperada em nossos
assentamentos, sem deixar de intensificar a luta pela terra. É necessário desenvolver essas práticas agroecológicas dialogando com a sociedade e exigir do Estado políticas públicas, pesquisa e tecnologia. Para isso, precisamos organizar nossa base para fazer a luta local por crédito e por iniciativas produtivas, ao mesmo tempo que intensificar as ocupações de latifúndios em todo o país. Nesse quadro, a cooperação agrícola é um dos desafios estruturantes, que precisamos implementar em todos as nossas áreas. Precisamos superar a lógica produtiva fundada no lote individual e no esforço do trabalho familiar, com baixos níveis de divisão de trabalho e de mecanização agrícola. Em muitos lugares, ainda existe a ilusão no aumento da renda da produção de mercado por meio da monocultura da soja, do milho e do gado. No entanto, aprendemos que só a cooperação agrícola poderá garantir a produção de alimentos de modo que as famílias tenham soberania sobre a sua alimentação e sua forma de produção.
Além disso, precisamos fazer em cada região um diagnóstico mais preciso para definir as linhas de produção, articulando cadeias produtivas, garantindo renda e inserção no mercado. Ao mesmo tempo, é fundamental evoluir para a implementação de agroindústrias, sendo uma das únicas formas de aumentar a divisão do trabalho e agregar valor aos produtos. O desafio é concentrar esforços para desenvolver uma metodologia que permita implementar novas formas de cooperação, de produção e de organização em nossos assentamentos, visando nossa sustentabilidade e autonomia. A construção da nossa hegemonia nos municípios deve estar ancorada na organização do nosso Movimento, buscando força política a partir da organização da produção e da educação. Não existe força política sem uma materialidade e, no nosso caso, ela se fundamenta na organização da produção, das escolas, das cooperativas e da disputa de território. Dessa forma, precisamos manter vínculos e disputar ideolo-
Palavradoleitor
DIREÇÃO NACIONAL DO MST
Grilagem
Todo apoio ao MST, que é a única organização que conceitua aquilo que a mídia golpista realmente é, sem meias palavras: venal. Latifúndio improdutivo é crime contra a humanidade, pois além de não produzir nada, exceto especulação, impede que quem queira fazer o faça. ADILSON SANTOS
Qual o interesse da revista IstoÉ em afirmar em matéria de capa a derrocada do MST? Ninguém chuta cachorro morto. Sabem que o Movimento é um dos maiores do mundo, tem simpatizantes sérios espalhados em vários países e conta com um contingente enorme de militantes. É um movimento riquíssimo em experiências exitosas em várias áreas. CARMEM SILVA
Daí a guerra ferrenha com o MST: essa grilagem por governadores e prefeituras acontece há muito tempo e de montão Brasil afora, onde repassam para incorporadoras e empreiteiras até terras de proteção ambiental, alterando o plano gestor de várias regiões ao seu bel prazer e muitas vezes com conivência do ministério público. SILOÉ, DO RIO DE JANEIRO
Edição: Igor Felippe Santos. Revisão: Leandro Carrasco, Luiz Felipe Albuquerque e Vivian Fernandes. Edição de imagens: Marina Tavares. Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Mary Cardoso da Silva. Impressão: Atlântica Gráfica e Editora Ltda.. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202002 – São Paulo/SP – Tel/fax: (11) 2131-0840. Correio eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.
Arquivo MST
Mídia
“É fundamental a mobilização popular. Temos dois grandes
Mande sua mensagem para o Jornal Sem Terra
2
gicamente todos os segmentos que têm relação com os assentados, como os professores e diretores de escolas, técnicos agrícolas, agentes de saúde, entre outros. Nesse quadro, temos desafios importantes que precisamos enfrentar. Temos de articular nosso projeto com a realidade local e regional, envolvendo o conjunto do Movimento e todas as famílias assentadas. Nesse sentido, os encontros estaduais são um momento importante para fazer essa discussão, onde podemos debater os nossos desafios para os assentamentos, que devem ser pautados em todas as instâncias e de forma permanente.
FRASE DO MÊS
Especulação
Foto da capa: Wilson Dias/ABr
Precisamos superar a lógica produtiva fundada no lote individual e no esforço do trabalho familiar
grupos políticos: as torcidas
Sua participação é muito importante. As correspondências podem ser enviadas para jst@mst.org.br ou para a Alameda Barão de Limeira, 1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. As opiniões expressas na seção “Palavra do leitor” não refletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobre os temas abordados. A equipe do JST pode, eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.
organizadas e o MST. A burguesia teme que esses grupos se fortaleçam ainda mais” SÓCRATES, ex-jogador de futebol e comentarista esportivo
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
ESTUDO Rede permite fazer mais por nós mesmos do que os outros meios de comunicação
SERGIO AMADEU DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
Internet
Eles estão na internet. E nós? A GLOBO é uma rede de televisão. A internet é uma rede de redes digitais. Qual a diferença entre as duas? Para falar na Rede Globo, é preciso autorização dos seus donos e seguir a vontade dos seus editores. Para falar na internet, basta subir seu site, seu blog, seu vídeo. A internet é uma rede distribuída, ou seja, mais descentralizada. Nela, podemos criar novos conteúdos e novas tecnologias, sem autorização de ninguém. Na internet, o difícil não é falar. O difícil é ser visto, lido e ouvido. A rede das redes inverteu o ecossistema de comunicação. Ela democratizou muito a possibilidade de transferir mensagens. Muito além disso, a internet possui um
“Seria infantil acreditar que na internet só existe a lógica da ‘wikipedia’, da colaboração, desconsiderando o peso dos grandes grupos econômicos” enorme potencial interativo. Podemos falar com muitas pessoas simultaneamente. Desse modo, a internet estimula a conversação. Por isso, o Orkut, o Facebook, o Twitter e outras redes sociais proliferaram com tanta facilidade. Essas redes asseguram que as pessoas conversem, se conheçam e se articulem. No início do ano, vários ativistas nos países do norte da África colocaram à prova o grande potencial articulador da internet. As redes sociais de relacionamento tiveram um papel importante para as manifestações que derrubaram ditaduras históricas, tais como, a da Tunísia e do Egito. Alguns meses depois, na Espanha, os jovens chamaram protestos e acampamentos nas praças contra o desemprego, a corrupção e a falta de perspectivas para o seu futuro.
Em setembro, nos Estados Unidos, milhares de pessoas ocuparam o símbolo do capitalismo especulativo, a famosa rua Wall Street, para protestar contra as grandes corporações e contra as políticas de enfrentamento da crise que sacrificam os segmentos mais frágeis da população. Esses protestos foram convocados pelas redes sociais e se disseminaram pelo território norte-americano.
Sem dúvida, os sistemas de vigilância mapeiam as redes sociais. Seria infantil acreditar que na internet só existe a lógica da “wikipedia”, da colaboração, desconsiderando o peso dos grandes grupos econômicos. Também seria equivocado acreditar que qualquer bandeira ou campanha conseguirá organizar milhões de adeptos somente porque podemos lançá-la em um blog.
O peso da rede Dados mais otimistas apontam que o total de brasileiros com acesso à internet ultrapassou 73 milhões no Brasil em 2010, de acordo com a empresa de estatísticas “comScore”. Foram contabilizados acessos em diversos ambientes, como cibercafés, Lan houses (35,2%), universidades e telecentros, além de residências (57%) e estações de trabalho (31%). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2008, 56,4 milhões de brasileiros com dez anos ou mais acessaram a internet (34,8%). O número de usuários de internet cresceu 75,3% no Brasil entre 2005 e 2008, e boa parte
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
dos novos incluídos na rede tinha baixa renda. Segundo uma pesquisa da empresa de tecnologia Cisco, a internet passou a ser tão necessária para estudantes e profissionais quanto água, comida e moradia. No Brasil, três em cada cinco estudantes e jovens profissionais fizeram essa afirmação. Eles ainda disseram que, entre um carro e a internet, preferem o acesso à rede. Além disso, 72% dos universitários brasileiros afirmaram que preferem navegar na internet a namorar, ouvir música e sair com os amigos. A pesquisa foi realizada com jovens de até 30 anos em 14 países, em 2011. (da redação)
Entretanto, é preciso reconhecer que a internet nos permite fazer mais coisas por nós mesmos como nenhum outro meio de comunicação. Além disso, permite articular trabalhos coletivos que seriam improváveis sem as redes digitais distribuídas. Basta observar os mais de duzentos mil softwares livres e abertos que conseguimos desenvolver na rede, sendo apenas um deles o Linux. As elites usam a internet em seu benefício. E os ativistas, militantes, professores, trabalhadores? Estão utilizando as redes para melhorar sua articulação? É importante lembrar que o movimento Zapatista, no México, nos anos 1990, foi um dos primeiros movimentos políticos a utilizar a internet, antes mesmo de muitos grupos do capital. Os poderosos não deixarão de usar a velocidade das redes digitais em seu favor. Cada vez mais a internet é indispensável para a economia e para os governos. Ela não é moda nem é passageira. A sociedade será crescentemente uma sociedade em rede. Os movimentos sociais precisam se apropriar da comunicação digital sob pena de perder muito espaço na disputa pela formação da opinião pública.
3
Valter Campanato/ABr
ENTREVISTA Unidade da Via Campesina e de programa para agricultura foram pontos positivos da jornada
LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE SETOR DE COMUNICAÇÃO
Jornal Sem Terra – Qual o balanço político da jornada? Irma Brunetto – Foi uma construção longa. Começamos o ano passado e, a partir de setembro, já discutíamos quais formas de luta desenvolveríamos neste ano, já que é um novo governo, e como poderíamos desencalhar a Reforma Agrária, que não esteve em pauta no governo Lula. No encontro nacional, em fevereiro, reafirmamos a intenção de fazer essa jornada em agosto, no sentido de pautar a Reforma Agrária. Antes, fizemos a jornada em abril com ocupações. A proposta era trabalhar na jornada de agosto as questões relacionadas à nossa pauta amarela, que são as demandas mais antigas e que ainda não foram atendidas. JST – Como você avalia os resultados dessa articulação? IB – Foi uma construção muito interessante. Procuramos levantar os pontos principais da nossa pauta. O diferente é que foi uma jornada construída junto com os movimentos sociais que integram a Via Campesina,
4
A jornada de lutas da Via Campesina foi uma das mais importantes mobilizações dos movimentos camponeses nos últimos anos, tendo como marca a unidade da Via Campesina em torno de um programa dos movimentos sociais para a agricultura brasileira. Essa é a avaliação de Irma Maria Brunetto, integrante da Coordenação Nacional do MST, sobre a jornada que aconteceu, em agosto, em 20 estados e em Brasília. “A conjugação da nossa luta nos estados, das mais diversas formas, junto com o acampamento de Brasília, foi de extrema importância. A jornada teria sido diferente se tivéssemos feito apenas um ou outro. A conjugação das lutas foi o mais importante”, afirma Irma. Para ela, o grande ganho da jornada foi recolocar no centro do governo a pauta da Reforma Agrária, que até então não estava nem na periferia das políticas do governo Dilma. “Foi uma luta de unidade do campo, no momento certo, logo no início do governo, que trouxe uma mística de luta muito forte, além de colocar novamente a pauta da Reforma Agrária para a sociedade”, avalia. Leia a seguir a entrevista concedida ao Jornal Sem Terra. já que tínhamos vários pontos em comum. Essa foi uma das jornadas mais importantes dos últimos anos, porque refletiu a unidade da Via Campesina. É a unidade daquilo que que-
remos para a agricultura. Foi um ponto de motivação e de unidade dentro do próprio MST, ao olharmos para todos os estados e, de uma forma ou de outra, ver as mobilizações.
JST – A realização do acampamento em Brasília e ações nos estados potencializou a pressão? IB – A conjugação da nossa luta nos estados, das mais diversas formas, junto com o acampamento de Brasília, foi de extrema importância. A jornada teria sido diferente se tivéssemos feito apenas um ou outro. A conjugação das lutas foi o mais importante. Porém, mais importante ainda foi o fato de termos recolocado na pauta do governo a necessidade da Reforma Agrária. Esse é o grande ganho. Em síntese, foi uma luta de unidade do campo, no momento certo, logo no início do governo, que trouxe uma mística de luta muito forte. Além de colocar novamente a pauta da Reforma Agrária para a sociedade. JST – A quais fatores você atribui os resultados da jornada? IB – Temos uma pauta antiga que nunca foi resolvida. Com isso, qualquer saldo e conquista que tivéssemos teriam sido positivos, justamente porque temos uma demanda atrasada. Fizemos a jornada no momento e na medida certa, com unidade. Foram várias as formas de luta em nível na-
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
cional. Por exemplo, batemos diretamente na porta do Ministério da Fazenda, que concentra o controle do orçamento da União. Tínhamos que pressionar e conseguimos bater em pontos cruciais. A questão da suplementação do orçamento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi fundamental, tanto que era o primeiro ponto da nossa pauta. Ou aumentava o orçamento ou não tinha conversa.
“Pode ser um governo popular, de esquerda ou o que for, mas se não existir pressão popular e unidade dos movimentos sociais não vamos avançar” JST – A pressão social foi o principal fator dessas conquistas... IB – Não é novidade para ninguém que tínhamos uma expectativa muito grande com o governo Lula de avançar na Reforma Agrária. Agora, no governo Dilma, já não temos aquela mesma expectativa, porque sabemos que é uma continuidade do governo anterior. No entanto, ficou provado que pode ser um governo popular, pode ser um governo de esquerda, pode ser o que for, mas se não existir a pressão popular, se não tiver a pressão dos movimentos sociais e, principalmente, essa unidade dos movimentos sociais, não vamos avançar na nossa pauta e na Reforma Agrária.
Unidade e pressão popular arrancaram conquistas do governo federal
JST – O que essas conquistas representam para o conjunto do MST? IB – Foi, sem dúvida, uma injeção muito grande de motivação. Os movimentos saem fortalecidos. Essa motivação repercute internamente, dentro da própria organicidade. Até porque, como diz Florestan Fernandes, trabalhamos na lógica de não se deixar esmagar, não se deixar cooptar e conquistar vitórias. As conquistas trazem uma motivação e fazem acreditar cada vez mais na luta. É de fato uma injeção de ânimo para continuar a luta. Agora, com certeza, vamos para os nossos encontros estaduais e o nacional muito mais motivados. JST – Você acredita que essa jornada também serviu de contraponto às teses utilizadas pela grande imprensa de enfraquecimento do MST? IB – De fato, a jornada serviu para mostrar que o Movimento está vivo e que vamos seguir lutando. É claro que a mídia burguesa sempre buscará explorar algo para descaracterizar o Movimento, especialmente depois de uma jornada bem sucedida. Sempre foi assim e não será diferente agora. Sabemos que está mais difícil massificar as lutas, comparando com anos atrás. Mas temos mais de 60 mil famílias acampadas do MST. JST – Quais as tarefas daqui pra frente? IB – Garantir ao menos uma nova área de assentamento em cada estado com esse novo orçamento do Incra. Para
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
quem está acampado e está esperando há anos um pedaço de terra, isso prova que o Movimento está vivo e as conquistas estão saindo. Esse fator positivo também serve para nos contrapor à mídia, aos que fazem oposição ao Movimento, demonstrando que ao fazer luta, a vitória vem. Ainda tem muita terra para ser desapropriada e temos muito que avançar na Reforma Agrária. JST – Quais são as perspectivas para os próximos períodos? IB – Nesse final de ano, vamos fazer um debate de avaliação no Movimento, olhando para dentro de nossa organicidade. Estamos em um momento de renovação das nossas direções estaduais e nacional, isso vai gerar reflexões. Vamos analisar nossas formas de lutas, a maneira como nos desenvolveremos daqui pra frente, mudada a conjuntura, a situação agrária e as características do nosso povo. Temos que adaptar as formas de luta com as novas situações do próprio tempo.
“Sentimos que houve um compromisso maior do governo nas negociações. No entanto, vamos seguir cobrando” JST – De que maneira você percebeu toda a mística envolvida na jornada? IB – Todas as lutas em si já são uma mística - seja ela grande ou pequena. Mas quando tem uma conotação nacional, com forte unidade entre os movimentos e o próprio acampamento em Brasília, com o povo de todo o Brasil e de diferentes movimentos juntos, sentimos algo muito forte. Há uma mística muito grande em torno da unidade, que gera uma motivação. Havia uma energia muito forte de luta, que me fez resgatar os anos passados de uma mística muito grande. A grande mística foi o fato de ter sido uma luta não só do MST, mas da Via Campesina, com o acampamento de Brasília e mobilizações em todos os estados.
Arquivo MST
JST – E os outros pontos da pauta? Claro que ainda ficaram com alguns pontos pendentes, como a questão do endividamento das famílias, porque a proposta do governo não é o que queremos. Mas o aumento do orçamento foi um sinal positivo. Conseguimos o compromisso do governo de estabelecer metas de criação de assentamentos, que não tivemos no 2º mandato do governo Lula. No governo Dilma, não tínhamos até então. Ficaram de apresentar uma meta de quantas famílias irão assentar ao longo desses quatro anos de governo e trabalhar em cima dela.
JST – Como garantir as conquistas anunciados pelo governo na jornada? IB – Não adianta apenas cantar vitória sem ter o passarinho na gaiola. Na verdade, nós sentimos por parte do governo algo mais concreto, tanto em relação ao orçamento como também na educação e no programa das agroindústrias. Se analisarmos as prometidas renovações dos índices de produtividade, creio que houve uma falta de definição política do governo na época. Agora, com a pauta que levamos, sentimos que houve um compromisso maior nas negociações. No entanto, vamos seguir cobrando.
20 estados fizeram lutas em agosto; em Recife, o Incra foi ocupado por mil Sem Terra
5
ESTADOS Mostra Cultura da Infância envolveu mais de 500 pessoas e promoveu a cultura popular
Crianças cantam e dançam em mostra de cultura no Maranhão O Ponto de Cultura Padre Josimo Tavares, na Vila Diamante, no município de Igarapé do Meio, no Maranhão, desenvolveu o projeto “Cantando e Encantando com as crianças do Campo”, a partir do Prêmio Interações Estéticas, do Ministério da Cultura. O trabalho foi realizado a partir dos contatos que as crianças estabelecem com a música em sua comunidade, como o som da natureza, os ritmos das ferramentas de trabalho – a enxada, a foice, o arado – assim como o ritmo e dança das quebradeiras de coco. A partir dessa iniciativa, foi promovida a 1ª Mostra Cultura da Infância, organizada pelos professores da Escola Raimundo Cabral, que envolveu mais de 500 pessoas. A atividade resultou no Coral Filhos da Liberdade, formado por 22 crianças, que se apresentou para
VANESSA RAMOS SETOR DE COMUNICAÇÃO
Arquivo MST
MÁRCIA MARA RAMOS SETOR DE EDUCAÇÃO
Pontal avança para ser o principal polo produtor de farinha
Atividade resultou na formação de coral com 22 crianças
a comunidade em agosto. Na mostra, houve apresentações como Bumba Reggae, uma mistura da cultura do bumba meu boi com o reggae maranhense; o Pirilampo, uma dança indígena do povoado vizinho de Rita; a peça de teatro “O Casamento do Saci”, sobre a preservação da natureza, e as lendas
curupira, Iara, mula sem cabeça, saci; uma quadrilha com as diferentes idades de crianças e o Tambor de Criola. Esse projeto da cultura da infância foi desenvolvido também nos estados do Pará, Paraíba, Pernambuco, Ceará, Piauí, Bahia e Sergipe, envolvendo mais de três mil pessoas.
Assentamento Normandia inaugura unidade de beneficiamento O Assentamento Normandia, um dos símbolos da luta pela terra em Pernambuco, inaugurou uma mini-agroindústria em agosto. A unidade de beneficiamento de Normandia conta com um abatedouro de corte caprina, bovina e ovina, além da estrutura para empacotamento da carne cortada, da macaxeira, do inhame e do jerimum. Os produtos beneficiados são produzidos nos assentamentos Normandia e Macambira, e nas comunidades de Carneirinho e Riacho Doce, no município de Caruaru, agreste pernambucano. Os alimentos são vendidos para o Programa de Aquisição de Alimentos e distribuídos para associações e comunidades da região, beneficiando diretamente 95 famílias. Para Edilson Barbosa, assentado em Normandia e militante do MST, a instala-
6
ção de pequenas agroindústrias e unidades de beneficiamento fortalece o processo de cooperação e agrega valor aos produtos, aumentando a renda das famílias. “A unidade de beneficiamento tem trazido mudanças fundamentais no processo de cooperação, tanto entre as famílias assentadas quanto entre as quatro comunidades envolvidas. Outra mudança visível é na agregação de valor aos produtos. A carne bovina, por exemplo, era vendida a R$100 a arroba. Hoje vendemos a R$ 150, livre dos custos”, afirma. Essas unidades proporcionam também possibilidades de trabalho para os assentados. No processo de industrialização, trabalham na unidade de Normandia cerca de dez pessoas, a maioria jovens e mulheres. “Processamos oito toneladas por mês, mas a unidade tem capacidade para processar até 30 toneladas. Nosso plano
para o futuro é atingir todos os assentamentos e outras comunidades. Queremos ampliar nossas instalações e melhorar o rebanho, transformando Caruaru numa potência no corte e na produção de macaxeira”, afirma Edilson. Arquivo MST
SETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST-PE
Mais de 350 famílias assentadas na região do Pontal do Paranapanema, no extremo-oeste de São Paulo, encontraram uma forma de gerar renda e melhorar suas condições de vida com a produção de farinha de mandioca. A parceria firmada entre a Cooperativa dos Assentados da Região do Pontal do Paranapanema (Cocapar) e uma indústria de empacotamento viabilizou a venda para à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de 1.040 toneladas de farinha de mandioca. O produto é destinado às cestas alimentares distribuídas pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Até o momento, metade do produto já foi entregue. O objetivo agora é transformar a área do Pontal no principal polo produtor de farinha do estado. Atualmente, são entregues 80 mil quilos de farinha por semana, mas a região tem condições de produzir ainda mais. “Precisamos incentivar o plantio de mandioca, gerar mais renda para os agricultores e, sobretudo, alavancar a construção de cooperativas na região”, afirma Valmir Rodrigues Chávez, o Bil, do MST do Pontal. O projeto atende assentamentos dos municípios de Rosana, Euclides da Cunha Paulista, Teodoro Sampaio, Sondovalina, Mirante do Paranapanema, Marabá Paulista, Presidente Venceslau e Presidente Bernardes.
Beneficiamento da carne bovina agregou 50% ao valor do alimento
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
ESTADOS Mais de 580 toneladas foram comercializadas, superando as vendas do ano anterior
RAFAEL SORIANO SETOR DE COMUNICAÇÃO
A 12ª Feira da Reforma Agrária, que aconteceu entre 7 e 11 de setembro, na Praça da Faculdade, em Maceió, levou à população toneladas de alimentos sadios, livres de agrotóxicos e a preços baixos. Foram 200 mil bananas, 140 mil laranjas, 7,5 toneladas de inhame, 2 toneladas de farinha, entre outros, que somaram mais de 580 toneladas de produtos comercializados, superando as vendas do ano anterior. A estrutura contou com 250 barracas montadas pelos próprios agricultores com bambu, uma praça central que concentrava programações varia-
Arquivo MST
Feira leva alimentos saudáveis, saúde e cultura de luta, foi um sucesso de comercialização e de socialização da cultura. “Apresentamos concretamente os resultados da Reforma Agrária, levando produtos saudáveis e baratos para a população”, avalia Débora. Um dos espaços inovadores dessa edição da feira foi a Tenda de Educação Popular em Saúde, onde ocorreram debates, exposições, orientações sociais e uma vasta programação em torno das práticas de saúde. Pelo terceiro ano consecutivo, o Cineclube Cinema na Terra ocupou um horário fixo na programação noturna, contando com o lançamento do documentário “O veneno está na mesa”, de Silvio Tendler. Pela primeira vez, uma atração nacional animou a feira: o violeiro Pereira da Viola.
População comprou alimento sem agrotóxicos e viu o resultado da Reforma Agrária
das, infraestrutura para o convívio dos Sem Terra e um gigantesco palco cenográfico para as atrações culturais.
Arquivo MST
Preservação do meio ambiente atrai visitantes a assentamento
A integrante da Direção Nacional do MST Débora Nunes avalia que a feira, que é resultado de um processo
Jovens se formam para enfrentar desafio da agitação e propaganda comunicação. “Para produzir uma arte e uma comunicação contra-hegemônica, é necessário também saber criticar, entender a essência, de que maneira o sistema induz comportamentos e visões de mundo, para então construir uma ação contra-hegemônica”, explicou Sotilli. Para a coordenadora nacional do Setor de Cultura do MST, Ana Chã, os educandos têm uma série de desafios. “ A comunicação e a cultura permitem utilizar outras linguagens para dialogar com a nossa juventude e com a juventude urbana. A agitação e propaganda pode ser o caminho para colocar esses setores em movimento”, acredita.
MIGUEL STÉDILE
Visitantes conhecem área de vegetação nativa preservada pelos assentados SETOR DE COMUNICAÇÃO E CULTURA MST-MT
O assentamento 14 de Agosto, conquistado pelo MST em 1997, no município de Campo Verde, no Mato Grosso, realizou mais uma edição da Caminhada na Natureza Trilha dos Alimentos, no dia 25 de setembro. O assentamento tem 80 famílias e se consolidou no município como grande produtor de leite, cereais, frutas e hortaliças, em 1.700 hectares. No entanto, tem também 800 hectares de Reserva Legal e preservação permanente. Essa área possibilita atividades de pesca, banho de piscina, passeio a cavalo e visitas aos módulos produtivos,
assim como cria oportunidade do turista conhecer a Trilha do Sacrifício. Os participantes da atividade aproveitaram momentos em contato com a natureza, com banhos refrescantes, comida caseira e produtos artesanais. A vegetação nativa preservada pelos assentados é caracterizada como cerradão, onde as principais espécies arbóreas são aroeira, bacuri, copaíba, ipê, angico, aricá, entre outras. O relevo é ondulado com paisagens que possibilitam cavalgadas por estradas tortuosas. A caminhada, promovida pelos assentados em parceria com governo do estado, secretarias municipais e a entidade Anda Brasil, foi considerada um sucesso.
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
Trinta e um jovens de assentamentos e acampamentos concluíram o ensino médio com qualificação em comunicação e cultura no mês de agosto. Essa é a 2ª turma formada nesta área pelo Instituto de Educação Josué de Castro, em Veranópolis, no Rio Grande do Sul, que formou camponeses para desenvolverem meios de comunicação nas áreas de Reforma Agrária. Durante o curso, os educandos optaram por um eixo de qualificação profissional: agentes em desenvolvimento cultural ou rádios comunitárias. Segundo Tiago Sotilli, coordenador do curso, os formandos voltam para os seus 11 estados de origem aptos a organizar um processo de agitação e propaganda, cultura e comunicação. “Realizamos várias experimentações em diversas linguagens, do teatro ao audiovisual. Esse acúmulo pode ser multiplicado na ação destes educandos”, afirmou. O curso procurou oferecer subsídios para que cada educando pudesse não apenas produzir novas linguagens, mas desenvolver um olhar crítico sobre a produção artística e a área de
Arquivo MST
SETOR DE COMUNICAÇÃO
Educandos experimentaram novas linguagens
7
ESPECIAL Mais de 60 mil camponeses participaram de manifestações pelo assentamento das famílias acampadas e políticas na área da educação e produção
Arquivo MST-AL
Cerca de duas mil pessoas participaram das ações. Houve ocupações no Complexo da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, na divisa com o município de Paulo Afonso (BA), e na sede da Eletrobrás Distribuição Alagoas, em Maceió. Foi ocupada a superintendência do Incra e a Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário (Seagri).
para reivindicar a desapropriação de terras para fins de Reforma Agrária. Os manifestantes também fizeram reunião com o governador Renato Casagrande (PSB).
PERNAMBUCO Mil Sem Terra ocuparam a sede do Incra, no Recife. O MST reocupou a Fazenda Serro Azul, com 117 famílias, no município de Altinho, e a Fazenda Consulta, com 50 famílias, no município de São Joaquim do Monte.
PARÁ
MARANHÃO Mais de 450 trabalhadores rurais, índios e quilombolas mantiveram ocupação da sede do Incra. Os manifestantes cobraram audiência com o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA),
A Via Campesina ocupou as sedes do Incra de Cáceres e de Cuiabá, com a participação de 200 trabalhadores Sem Terra.
CEARÁ
BAHIA Por volta de 400 pessoas realizaram um acampamento em frente à Universidade do Vale do São Francisco, na cidade de Juazeiro. Os manifestantes debateram o problema das barragens, o combate ao uso de agrotóxicos, o incentivo à agroecologia e o endividamento dos agricultores.
RIO GRANDE DO NORTE
Famílias organizadas pelo MST ocuparam quatro fazendas na região sudeste do estado para cobrar a retomada de terras griladas para a Reforma Agrária. Cerca de 700 pessoas do MAB marcharam em direção à barragem de Tucuruí, para cobrar os acordos firmados que até agora não foram cumpridos pela Eletronorte. Os atingidos pela barragem de Belo Monte montaram acampamento próximo à Universidade Federal do Pará (UFPA).
Cerca de 400 pessoas participaram da ocupação do Incra de Vila Velha
8
SÃO PAULO
Mais de mil trabalhadoras e trabalhadores de diversos municípios ocuparam a sede nacional do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), em Fortaleza. Os movimentos exigiram a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos na Chapada do Apodi, na divisa com o Rio Grande do Norte. A sede da Caixa Econômica Federal, em Fortaleza, também foi ocupada por 800 trabalhadores. Arquivo MST-CE
Afonso Florence, para discutir recursos para assentar três mil famílias acampadas, além da demarcação de terras indígenas e quilombolas.
MATO GROSSO DO SUL Cerca 300 trabalhadores do MST e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) ocuparam o prédio do Incra, em Campo Grande. A sede do Incra no município de Dourados também foi ocupada por 350 camponeses.
PARAÍBA Organizações sociais do campo e da cidade mobilizaram em torno de 500 pessoas na capital João Pessoa, com ato em frente ao Incra. Foi realizada também uma manifestação em frente à Energisa, a distribuidora de energia do estado, para denunciar o aumento nas contas de energia imposto pela distribuidora.
PARANÁ Mais de 150 Sem Terra ocuparam a sede do Incra, em Curitiba. Foram realizados também atos políticos e audiências públicas em prefeituras, agências do Banco do Brasil e em secretarias em Curitiba, Londrina, Maringá, Laranjeiras do Sul e Francisco Beltrão. MST -PR
MINAS GERAIS ESPÍRITO SANTO
450 famílias ocuparam a sede do Incra em Natal. Foram realizadas audiências com o órgão, com a Companhia Nacional deAbastecimento (Conab), Instituto de Desenvolvimento Sustentável e MeioAmbiente e a Secretaria de Estado de Assuntos Fundiários e de Apoio à Reforma Agrária.
MATO GROSSO Arquivo MST -MA
ALAGOAS
Brasília recebeu 4.000 trabalhadores e trabalhadoras rurais de 23 estados e do Distrito Federal dos movimentos da Via Campesina, entre 22 e 27 de agosto, em um grande Acampamento por Reforma Agrária, durante a Jornada Nacional de Lutas da Via Campesina. Os movimentos sociais ocuparam o Ministério da Fazenda em Brasília para cobrar a recomposição do orçamento do Incra. Os R$ 530 milhões destinados para promover desapropriações de terras para este ano já tinham sido totalmente executados. No período do acampamento, foram organizados diversos atos políticos, audiências de negociações e atividades culturais. Todos os dias os trabalhadores rurais seguiram em marcha pela capital federal rumo aos ministérios. O acampamento contou com grande apoio da sociedade. Na abertura, recebeu representantes do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), da União Nacional dos Estudantes (UNE), da Associação Nacional dos Estudantes Livres (Anel), da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), da União da Juventude Socialista (UJS), dos Pataxó Hã-hãhães, do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (Stiu), do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), da Associação Brasileira de ONGs (Abong) e da Cáritas. No dia 24 de agosto, foi realizado um café da manhã com parlamentares. Entre os senadores, participaram Ana Rita (PT-ES), Eduardo Suplicy (PT-SP), Lindberg Farias (PT-RJ), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Walter Pinheiro (PT-RJ). Estiveram também presentes os deputados Assis Carvalho (PT-PI), Bohn Gass (PT-RS), Chico Alencar (PSOL-RJ), Domingos Dutra (PT-MA), Ivan Valente (PSOL-SP), Janete Pietá (PT-SP), Jô Moraes (PCdoB-MG), José Stedile (PSB-RS), Marina Santana (PT-GO), Mauro Ruben (PT-GO), Nazareno Fonteles (PT-PI), Padre Ton (PT-RO), Paulinho da Força (PDT-SP), Paulo Rubem (PDT-PE), Pedro Ucsai (PT-SC), Valmir Assunção (PT-BA), além de representantes da embaixada da Venezuela e dos gabinetes dos Deputados Jean Willys (PSOL-RS), Marcon (PT-RS) e Amauri Teixeira (PT-BA).
350 integrantes da Via Campesina ocuparam a sede da superintendência do Incra em Belo Horizonte. JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
RIO GRANDE DO SUL Em Santana do Livramento, 250 trabalhadores e trabalhadoras interditaram o trevo na entrada da cidade. Em Bagé, São Luiz Gonzaga, Júlio de Castilhos e Piratini, os pequenos agricultores ocuparam o Banco do Brasil. Em Tupã, os camponeses fizeram panfletagem em três pontos da cidade. Em ManoelViana, mais de 300 trabalhadores e trabalhadoras também realizaram interdição de rodovia.
SANTA CATARINA 150 agricultores ocuparam a sede do Incra. As famílias reivindicavam a compra de novas áreas por parte do órgão para assentar 1.200 famílias acampadas, além de resolver questões pendentes nas áreas de assentamentos. Foi ocupado o Banco do Brasil, em Chapecó, por 400 pessoas.
400 Sem Terra ocuparam a Fazenda Santo Henrique, de 2.600 hectares, no município de Iaras, na região de Bauru. A ocupação denunciou a criminosa utilização da área pela empresa Cutrale. Estudos do Incra apontam que a área utilizada pela Cutrale tem origem pública e, de acordo com a lei, deve ser destinada à Reforma Agrária.
SERGIPE RONDÔNIA Mais de 300 manifestantes bloquearam a rodovia BR-364, com a participação de trabalhadores e agricultores atingidos pela Usina de Samuel.
RIO DE JANEIRO 200 famílias montaram acampamento em frente à sede do Incra, no centro da cidade. Fizeram também uma mobilização em frente à sede da EBX, do empresário Eike Batista, para denunciar o megaempreendimento do Porto do Açu, no norte do estado. JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
Foi realizado um trancamento de estrada no município de Japaratuba e um ato no município de Alto Sertão, com movimentos sociais, no Banco do Brasil e no Banco Nordeste.
TOCANTINS AVia Campesina Tocantins mobilizou 500 famílias e ocupou as unidades do Incra nas cidades de Araguaína e Araguatins para cobrar do órgão federal a pauta apresentada na jornada de lutas do mês de abril. Mais de 300 pessoas fizeram uma marcha para a cidade de Porto Nacional, organizada peloAcampamento Sebastião Bezerra da Via Campesina.
Arquivo MST
A organização de manifestações em todo o Brasil fez de agosto um mês de luta. Entre os dias 22 e 31 de agosto, a Via Campesina mobilizou mais de 60 mil camponeses e camponesas, Sem Terra, atingidos por barragens, pequenos agricultores, indígenas e ribeirinhos. As principais reivindicações foram o assentamento das 180 mil famílias acampadas (60 mil organizadas pelo MST), a recomposição do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a renegociação das dívidas dos assentados e pequenos agricultores. Foram realizadas mobilizações em 20 estados do país. Em Brasília, foi montado o Acampamento Nacional da Via Campesina, com quatro mil trabalhadores e trabalhadoras rurais. Nos estados, os movimentos sociais do campo fizeram ocupações de 12 sedes do Incra, protestos em frente a órgãos
públicos e bancos, além de marchas e ocupações de terras. A Via Campesina é uma articulação internacional de movimentos sociais camponeses. No Brasil, é formado pelo MST, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pescadores e Pescadoras, Quilombolas, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), além do Sindicato dos Trabalhadores da Embrapa (Sinpaf), da Federação dos Estudantes de Agronomia (Feab) e da Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (Abeef). As mobilizações permitiram aos movimentos sociais conquistas importantes no sentido de garantir o assentamento das famílias acampadas e o desenvolvimento das áreas de Reforma Agrária já constituídas (veja na página 10). A seguir, o Jornal Sem Terra apresenta um panorama das manifestações pelo país.
Arquivo MST -TO
SETOR DE COMUNICAÇÃO
Arquivo MST -PE
Via Campesina mobiliza 20 estados em jornada de lutas
Acampamento em Brasília pressiona o governo
Parlamentares manifestaram apoio à Via Campesina
9
REALIDADE BRASILEIRA Suplementação do orçamento do Incra e políticas na área da educação estão entre as conquistas
DO SETOR DE COMUNICAÇÃO
Wilson Dias/ABr
Sob pressão, governo faz compromissos AS MOBILIZAÇÕES da jornada de lutas da Via Campesina conseguiram arrancar do governo federal compromissos em relação a diversos pontos apresentados na pauta de reivindicação. A militância deve ficar atenta à sequência das negociações, a partir dos elementos que foram discutidos com o governo. Abaixo, leia o retorno do governo federal à pauta apresentada pela Via Campesina na mobilização de agosto.
Obtenção de terras A presidenta Dilma Rousseff garantiu a liberação de R$ 400 milhões para suplementar o orçamento de obtenção de terras do Incra. O Incra ficou de apresentar um plano de assentamento de famílias e outras políticas necessárias para a Reforma Agrária.
Dívidas dos assentados O governo apresentou uma proposta, não aceita pelo conjunto dos movimentos, que consistia em criar uma nova linha do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), com limite de R$ 30 mil. O pagamento seria em sete anos e com 2% de juros anuais, com carência de três anos. As dívidas antigas poderiam ser consolidadas e pagas por esse novo financiamento, que deixaria o agricultor adimplente. Ainda estão em andamento as negociações entre o governo e os movimentos.
Educação O governo vai assumir a proposta apresentada pela Via Campesina para a erradicação do analfabetismo. O Ministério da Educação vai fazer um destaque orçamentário para o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que executará a proposta. Foram liberados R$ 15 milhões que estavam contingenciados.
Habitação Será criado um grupo de trabalho entre os ministérios das Cidades, Planejamento e Fazenda, além do Incra, para desenhar uma proposta para a Reforma Agrária. Foi publicada portaria do programa de habitação rural, mas os assentamentos rurais não foram incluídos.
10
As ações, como a ocupação do Ministério da Fazenda, pressionaram o governo
Agroindústria Foi constituído um acordo entre Incra, Ministério do Desenvolvimento Social e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para criar um programa de pequenas agroindústrias. O valor é de até R$ 50 mil, a fundo perdido, com o montante inicial de R$ 20 milhões. Para a Reforma Agrária, será criado um fundo de R$ 250 milhões a fundo perdido, sem teto por projeto, operacionalizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Agroecologia A presidenta Dilma definiu a criação da Política Nacional de Agroecologia, sob coordenação dos ministérios do Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário. O programa Bolsa Verde, voltado para assentamentos e áreas extrativistas, não atender a demanda apresentada pelos movimentos sociais. O programa começa com 15 mil famílias, sendo um complemento ao Bolsa Família em áreas que estão conservadas. O governo afirmou que não há problemas na questão dos recursos para projetos de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais) e que o Banco do Brasil vai solucionar a escassez de recursos para a assistência técnica.
prefeituras. O teto do Pnae por família vai subir para R$ 20 mil.
Agrotóxicos Dilma criou um grupo de trabalho, coordenado pela Secretaria Geral da República, para discutir o uso excessivo de agrotóxicos e criar um novo marco regulatório, com a perspectiva de limitação da pulverização aérea. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atuará na construção de mecanismos para a rotulação dos produtos que contêm agrotóxicos e participará na construção de um processo de capacitação dos camponeses na questão da vigilância sanitária.
Desnacionalização das terras A presidenta determinou que a Advocacia Geral da União faça uma nova proposta mais restritiva à compra de terras por estrangeiros.
Comunicações Abertura de licitação de uma faixa de espectro para telefonia rural e internet, sendo que as empresas serão obrigadas a instalar internet em todas as escolas rurais. Construção de 500 casas digitais caso seja aprovado no Congresso a suplementação orçamentária. Apresentação de uma nova normatização das rádios comunitárias, ampliando a potência para as instaladas no campo. Criação de um projeto especial para rádios em assentamentos e acampamentos. Agilizar os processos de rádios solicitados pela Via Campesina.
Esportes Conheça também o resultado das negociações com os ministérios Meio Ambiente Ministério garantiu que discutirá com o Incra mudanças no sistema de licenciamento ambiental dos assentamentos.
Compra de alimentos O governo anunciou que não há problema de recursos com os programas de garantia de compra da produção. Para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o problema é a capacidade operacional da Conab. Em relação ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o gargalo é criar um sistema mais eficiente de controle das
Construção de 350 escolas no campo, criando um grupo executivo com o Incra, para viabilizar essa demanda emergencial. Criação de 20 Instituições Federais de Ensino Técnico (Ifet) no campo, com o compromisso de que essas unidades sejam construídas em áreas da agricultura camponesa. Apresentará um Programa Nacional de Educação no Campo, construído conjuntamente com as organizações. As Licenciaturas em Educação do campo terão recursos garantidos na Matriz Andifes (associação de reitores de universidades federais), desburocratizando o processo e garantindo a institucionalização do programa com oferta regular. Garantirá uma ação de apoio aos estados e municípios para assegurar a logística necessária para a aquisição de alimentos no âmbito do Pnae.
Educação Apresentará o tema do fechamento de escolas no campo ao Conselho Nacional de Educação, definindo que os conselhos estaduais e municipais sejam obrigados a emitir parecer para cada escola que será fechada. O ministério organizará uma campanha nacional pela manutenção e valorização das escolas no campo.
Criação de grupo de trabalho interministerial com movimentos para elaborar uma política nacional e programas específicos para o campo. Criação de grupo de trabalho com um representante do ministério, do Incra e dos movimentos para encaminhar a criação de infraestrutura de esportes nos assentamentos. Metas serão apresentadas este ano.
Cultura Lançamento do edital do Programa Cultura e Mundo do Trabalho. Apoio aos cursos para trabalhadores Sem Terra. Montar grupo de trabalho para implementar um programa para a cultura do campo.
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
REALIDADE BRASILEIRA Mobilização se firma no calendário do Movimento como o período dos jovens Sem Terra
DOS SETORES DE COMUNICAÇÃO, CULTURA, EDUCAÇÃO E JUVENTUDE
Arquivo MST
Protagonismo da juventude marca atividades da jornada A 2ª JORNADA Nacional da Juventude Sem Terra, que aconteceu devido ao Dia do Estudante, em 11 de agosto, mobilizou um grande número de jovens dos assentamentos e acampamentos, em atividades de formação e de luta. Com isso, a mobilização vem se firmando no calendário de lutas do MST como momento de protagonismo da Juventude Sem Terra. A jornada consolida seu caráter de estudo e luta, casando a realização de oficinas de arte e cultura e atividades esportivas com debates de temas importantes, como trabalho e renda. A educação do campo e a necessidade de construção de um novo modelo agrícola, com a produção de alimentos sem agrotóxicos, também é discutida na jornada. No âmbito da luta, foram realizadas ações concretas pelo direito à educação, com audiências em órgãos públicos, reuniões e atividades de trabalho voluntário. Essas atividades contribuíram tanto para a construção de pautas de reivindicações como também para a participação ativa dos jovens como sujeitos de direitos.
Jovens precisam atuar como sujeitos ativos e transformadores da própria realidade, não permitindo que outros falem em seu lugar Nas áreas da Reforma Agrária, vivem 500 mil jovens, sendo um desafio sua inserção na dinâmica organizativa do MST. A maioria deles enfrenta diversas dificuldades, como a ilusão da saída do assentamento para aumentar a renda, a falta de escolas para estudar e a ausência de políticas para a arte, comunicação e cultura. Essa situação preocupa o Movimento, que constrói a jornada justamente para debater e
Oficinas de teatro, arte, pintura e stencil foram desenvolvidas na mobilização
refletir sobre esses problemas, buscando conjuntamente com a juventude as alternativas. O destaque da jornada neste ano foi a preparação e construção coletiva entre os setores de Educação, Cultura, Juventude e Comunicação do MST. Foi importante também o envolvimento das escolas e comunidades assentadas e acampadas na organização das atividades.
Lugar, vez e voz A juventude quer um espaço onde suas demandas e expectativas – no cotidiano da vida dentro dos acampamentos e assentamentos – possam ser expressadas e ouvidas. Na jornada, os jovens podem colocar para o conjunto dos espaços da Reforma Agrária os seus desejos e necessidades, que alimentam as lutas pela
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
conquista de direitos. Para isso, precisam atuar como sujeitos ativos e transformadores da própria realidade, não permitindo que outros falem em seu lugar. Nesse sentido, a Juventude Sem Terra tem lugar, vez e voz no Movimento. Esse espaço vem se cristalizando com a definição de que agosto é um período reservado no calendário do MST para que se possa protagonizar os processos, assim como conquistaram as mulheres e os Sem Terrinha. Nesse período, os jovens exercitam sua capacidade “conspirativa e rebelde”, dentro de um espaço orgânico para fortalecer o coletivo de juventude do Movimento nos locais, regiões, estados e em nível nacional. O desafio é avançar no jeito e na forma de fazer a jornada, a partir da compreensão de que é essencial pensar as diferentes linguagens na comunicação e no diálogo com a juventude. Dessa forma, será construído pelos próprios jovens o caminho para a elevação do nível cultural, de organização e participação. Nessa perspectiva, a juventude se faz Jovem Sem Terra e contribui para que o Movimento avance nas lutas. Daqui para frente, os jovens continuarão mobilizados, contribuindo na organização de cursos e acampamentos no começo de 2012, caminhando para a construção de mais uma grande jornada em agosto.
Avanços da jornada 2011 • Processo de preparação e construção coletiva dos setores de Comunicação, Cultura, Educação e Juventude foi bastante rico. • Jornal da Juventude Sem Terra contribuiu para fortalecer a jornada e fomentar as discussões. • Campanhas contra o fechamento das escolas do campo e contra os agrotóxicos tiveram destaque. • Envolvimento das escolas e das comunidades assentadas e acampadas na organização. • Realização de atividades de estudo e formação. • Organização de oficinas de arte, como teatro, desenho, pintura, música, rádio, stencil, painéis, filmes, documentários. • Avanço na construção de um método para que a juventude seja cada vez mais protagonista.
11
INTERNACIONAL Enorme polarização, incendiada pela repressão, abre brechas para uma disputa dos rumos políticos
Movimento estudantil coloca em xeque modelo neoliberal FÁBIO NASSIF JORNALISTA DA REVISTA DEBATE SOCIALISTA
Fábio Nassif
O MOVIMENTO ESTUDANTIL está levantando o povo chileno. Já são mais de cinco meses de protestos massivos pela educação pública e gratuita para todos. O clima é de pura efervescência política, com os colégios e universidades ocupadas, os muros marcados com palavras de ordem, atividades diárias de mobilização. Aos poucos, a autoorganização ganha força no enfrentamento ao modelo neoliberal e seus representantes institucionais. A razão econômica dessa explosão está no endividamento das famílias chilenas. Parte dessa dívida vem exatamente do setor da educação, já que, só no ensino superior, a média do endividamento ao final dos cursos é de R$ 66 mil. Calcula-se também que 40% dos estudantes abandonam a universidade antes da formatura e que a média do tempo de pagamento dessa quantia é de 20 anos. O golpe de Estado no Chile interrompeu os projetos educacionais do expresidente socialista Salvador Allende (1970-1973). Fruto de um acúmulo histórico de setores progressistas, o governo da Unidade Popular conseguiu em três anos ampliar em 101% as matrículas no ensino superior e 32% no ensino médio. Isso significou 30% da população matri-
culada, a maior parcela atingida até hoje. Neste período também foi transferida a maior porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) para educação pública, segundo dados do Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo (CENDA). O general Augusto Pinochet em seu último dia de governo ditatorial, em 1990, publicou a Lei Orgânica Constitucional de Ensino que autorizava a privatização do setor. Era apenas a conclusão oficial de um processo de enquadramento ideológico da sociedade pelos métodos repressivos. A transferência de responsabilidade pelas instituições de ensino às municipalidades e a alteração no modo de subvenção do Estado à educação contribuíram para a consolidação do modelo que vigora atualmente. A legislação vigente não permite o lucro na educação. Mas os empresários utilizam uma forma alternativa: criam uma entidade jurídica da universidade e uma do imóvel onde esta se instala. Assim, justificam que o dinheiro pago pelos estudantes é utilizado no aluguel dos prédios para as aulas. Esse esquema simples e descarado garante o controle da educação por alguns poucos conglomerados. Incluem-se nesse grupo ministros, parlamentares e a Igreja Católica, que detém sozinha cerca de 30% das escolas. Existem diferentes tipos de escolas. As chamadas municipais (públicas),
As mobilizações já passaram do quinto mês e não há perspectiva para seu término
12
particulares e particulares subvencionadas (que recebem dinheiro estatal). As universidades são divididas entre tradicionais e não tradicionais. As tradicionais podem ser “públicas” ou privadas. Mas nenhuma delas é completamente garantida pelo Estado, incluindo as chamadas públicas. O Estado fornece para a Universidade do Chile, por exemplo, de 12% a 27% dos seus recursos apenas, mesmo sendo uma das mais importantes em produção de conhecimento do país. É o máximo gasto em uma instituição de ensino superior. O ensino universitário chileno é considerado o mais caro do mundo, depois dos Estados Unidos, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. E o ensino médio sofreu drásticas alterações após a reforma, durante o governo de Michelle Bachelet, que permitiu cobrança de mensalidades em instituições públicas. Portanto, o que alguns chamam de “democratização do acesso ao ensino”, por meio do financiamento estudantil, se transformou em “prisão ao sistema bancário”.
Mobilizações Depois da convocação da primeira marcha, no dia 12 de maio, que reuniu 100 mil pessoas, o movimento seguiu numa crescente até atingir quase um
milhão de pessoas no dia 21 de agosto, num protesto cultural, a maior manifestação depois do fim da ditadura. A correlação de forças permite com que o movimento mantenha suas reivindicações radicalizadas. O fim do lucro, educação pública e gratuita, fim do repasse de verbas do Estado, construção de uma carreira docente, são algumas das bandeiras específicas. No entanto, a enorme polarização, incendiadas pela repressão policial e institucional, abre brechas para uma disputa dos rumos políticos do país.
Movimento segue numa crescente e mobilizou um milhão de pessoas em protesto cultural O questionamento da democracia representativa institucionalizada é extremamente presente nas ruas. Foram necessários 20 anos de “redemocratização” sob governo do bloco que combatia a ditadura (Concertación) e pouco mais de um ano do governo de Sebastián Piñera, da direita tradicional, para o despertar da população contra a “classe política”. Atualmente, ainda sob a Constituição de Pinochet, até as pesquisas mostram que tanto esses blocos políticos, como os próprios parlamentos, são desaprovados pela absoluta maioria das pessoas. A soma de vários desses fatores é o que pode trazer esperança. A partir do tema da educação, estão sendo colocados em cheque o modelo neoliberal e o regime democrático representativo, transcritos em insígnias anticapitalistas. Enquanto a classe trabalhadora é massacrada pela superexploração e impedida pelo Estado burguês de lutar, foi o movimento estudantil quem teve condição de dar o primeiro grito de basta. Com todas as dificuldades de um período de profunda desorganização e confusão programática, a retomada da auto-organização numa perspectiva de transformação é um convite atrativo para os povos de toda a América Latina que queiram se somar à indignação de todos os outros continentes.
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
LUTADORES DO POVO Há 40 anos, Lamarca foi assassinado pela ditadura militar em um povoado no sertão da Bahia
Do Exército à guerrilha revolucionária Serra Lamarca
SETOR DE COMUNICAÇÃO
CARLOS LAMARCA foi o terceiro dos seis filhos de uma família pobre da zona norte carioca. Ainda na adolescência, participou da campanha “O Petróleo é Nosso”. Com poucas opções, decidiu ingressar na carreira militar, cursando a Escola Preparatória de Cadetes, em 1955, em Porto Alegre. Dois anos mais tarde, cursou a Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro. Em 1959, casou-se com Maria Pavan, sua irmã de criação, com quem teve dois filhos. No ano seguinte, como aspirante a oficial, serviu no 4º Regimento de Infantaria, no quartel de Quitaúna, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Anos mais tarde, Lamarca
A tarde arriava o pendão do sol frente à Serra Pintada. Lamarca! E em Brotas, (dormindo?, tal vez acordada), a morte-raiz re-brotava. Lamarca, Lamarca...
Internet
O sangue tingia o céu e a memória na reta da estrada. Lamarca, Lamarca, Lamarca!
“Eu vim servir ao Exército pensando que o Exército estava servindo ao povo, mas quando o povo grita por seus direitos é reprimido. Aqui o Exército defende os monopólios, os latifundiários, a burguesia. O povo é sempre reprimido.” Carlos Lamarca, em 1966
declararia que era um dos poucos oficiais brasileiros de origem operária. “Estudei com o sacrifício de meus pais e escolhi a carreira por entender que as Forças Armadas teriam condições de contribuir para o desenvolvimento e emancipação do meu país. Logo me desiludi”, afirmou. Em 1962, integrou as Forças de Paz das Nações Unidas que atuaram na região da Palestina, o chamado Batalhão de Suez. No retorno ao Brasil, em 1964, serviu na 6ª Companhia de Polícia do Exército, em Porto Alegre, quando pede filiação ao Partido Comunista, sem obter resposta. No ano seguinte, de volta a Quitaúna, intensificou o debate sobre a
Lamarca teve ousadia e coragem para enfrentar a ditadura
necessidade de reagir ao golpe com outros colegas de quartéis e estabeleceu contatos com outros revolucionários. Influenciado pela Revolução Cubana de 1959, Lamarca pretendia construir um exército popular de libertação. Finalmente, junta-se à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), integrando um núcleo clandestino no quartel. Em 24 de janeiro de 1969, Lamarca comandou uma das mais ousadas ações da guerrilha brasileira: levou consigo fuzis, metralhadoras e munição do quartel de Quitaúna, quando desertou das Forças Armadas. Imediatamente foi integrado à guerrilha urbana, enquanto seus familiares foram enviados a Cuba por segurança. Durante meses, Lamarca permaneceu clandestino na capital paulista, até que se deslocou ao Vale do Ribeira, onde pretendia iniciar um foco guerrilheiro, juntamente com outros 16 militantes. Porém, a localização dos guerrilheiros foi descoberta pelo Exército, que cercou a área em maio de 1970. Mais uma vez, Lamarca foi protagonista de uma ação ousada, conseguindo romper o cerco militar e escapar ileso. Outros quatro integrantes da VPR não tiveram a mesma sorte e foram presos depois de 41 dias de operação. Depois, participou de sequestros para troca dos presos políticos e de expropriações de bancos, em São Paulo.
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
Descontente com a VPR, Lamarca ingressou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e partiu para o sertão baiano em nova tentativa de formar um foco de guerrilha rural. Iara Iavelberg, psicóloga e guerrilheira, também foi para a Bahia e se tornou sua companheira na clandestinidade. Iara foi morta durante um cerco da polícia em Salvador em agosto de 1971, em circunstâncias até hoje nebulosas. A versão oficial da ditadura afirmava que Iara se suicidou. Porém, há a suspeita de que ela possa ter sido assassinada depois do cerco ou durante o próprio ataque. Em 17 de setembro de 1971, Lamarca foi assassinado pela ditadura militar no povoado de Pintadas (hoje município
Nos campos calados, a muita pobreza gritava. Lamarca! E a Serra-Lamarca, proa de futuro, a noite rasgava. Pedro Casaldáliga
de Ipupiara), quando já estava cercado e fragilizado pela perseguição de quase 300 quilômetros durante 20 dias no sertão. Na localidade onde foi morto, foi erguida uma praça com seu nome e a data de sua morte é considerada feriado municipal. Em 2007, a Comissão de Anistia promoveu Lamarca, postumamente, ao posto de coronel.
Filme reconstrói trajetória do lutador “Lamarca” é um filme brasileiro de 1994, dirigido por Sérgio Rezende e baseado na biografia escrita por José Emiliano e Miranda Oldack, chamada “Lamarca, o capitão da guerrilha”. Fazem parte do elenco Paulo Betti, Carla Camurati, Deborah Evelyn, Roberto Bomtempo e José de Abreu. O roteiro alude os personagens da época da repressão militar pela sonoridade dos nomes. O delegado Sérgio Paranhos Fleury se transformou em “Flores” e Iara Iavelberg tem o nome de “Clara”.
13
LITERATURA Contos da escritora dão vida às questões políticas e sociais do país
JADE PERCASSI SETOR DE EDUCAÇÃO MST-SP
LYGIA FAGUNDES TELLES nasceu no dia 19 de abril de 1923, na cidade de São Paulo, e durante a infância mudouse muitas vezes pelo interior do estado por conta do trabalho de seu pai. O gosto por escrever e compartilhar os escritos começou cedo: desde os oito anos de idade já criava seus próprios contos e lia para a família e amigos. Eram histórias cheias de imaginação, com personagens amedrontadores. Em 1938 publicou seu primeiro livro de contos, Porão e Sobrado, com apoio de seus pais. Ao concluir o ensino fundamental, ingressou na Escola Superior de Educação Física e, em 1941, iniciou também os estudos de direito na Faculdade do Largo do São Francisco. Frequentando as rodas literárias que se reuniam em cafés e livrarias
A seguir, leia trecho do livro “As Meninas”, romance escrito em 1973, que conta a história das amigas Ana Clara, Lia e Lorena durante a ditadura no Brasil.
Acendo um cigarro. Que me importa dormir no meio dos bêbados, das putas, o cigarro aceso no meu peito, dói sim, mas se soubesse que você está livre, dormindo na estrada ou debaixo da ponte. Mas livre. Não sei agüentar sofrimento dos outros, entende o seu sofrimento, Miguel. O meu agüentaria bem, sou dura. Mas se penso em você fico uma droga, quero chorar. Morrer. E estamos morrendo. Dessa ou de outra maneira não estamos morrendo? Nunca o povo esteve tão longe de nós,
A
14
próximas à faculdade, conheceu intelectuais e artistas como Mário e Oswald deAndrade e Paulo Emílio Sales Gomes. Colaborou com os jornais Arcádia e A Balança. Nessa época, trabalhava como assistente do Departamento Agrícola do Estado de São Paulo. Em 1945, participou com colegas da Faculdade de passeatas contra o Estado Novo. Formou-se em Direito e nunca largou a profissão, tendo se aposentado como procuradora no Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Lygia é uma escritora engajada, e dá vida às questões políticas e sociais do país ao longo de sua obra. Escreveu mais de 15 livros de contos, alguns dos quais foram adaptados para televisão e cinema, e grande parte traduzida e editada em outros países. Seu primeiro romance foi “Ciranda de Pedra” (1954). Publicou, entre outros, “Antes do Baile Verde” e “Seminário dos Ratos”.
não quer nem saber. E se souber ainda fica com raiva, o povo tem medo, ô como o povo tem medo. A burguesia aí toda esplendorosa. Nunca os ricos foram tão ricos, podem fazer as casas com as maçanetas de ouro, não só os talheres mas as maçanetas das portas. As torneiras dos banheiros. Tudo de puro ouro como o gangster grego ensinou na sua ilha. Intactos. Assistindo da janela e achando graça. Resta a massa dos delinqüentes urbanos. Dos neuróticos urbanos. E a meia dúzia de intelectuais. Os simpáticos simpatizantes. Não só explicar mas tenho mais nojo de intelectual do que de tira. Esse ao menos não usa máscara, ô Miguel. Precisava tanto de você hoje esta vontade de chorar, lá sei. Mas não choro. Nem tenho lenço Lorena não acharia fino limpar meu nariz na fralda da camisa. -Lorena, me empresta um lenço, estou resfriada — digo tenho vontade de esfregar esta cara molhada de lágrimas. Mas, que lenço? Não quero lenço, quero o carro. — Quero o carro Lorena. Posso contar com você? -Tenho branco, rosa, azul e verdemalva. Ah, e um turquesa, olha que lindo este turquesa. Então, Lia de Melo Schultz que cor a senhora prefere? Fico olhando a caixa de lenços que ela foi buscar. Guarda tudo em caixinhas de
Arquivo MST
A obra engajada de Lygia Fagundes Telles
Escritora tem mais de 15 livros de contos
pano florido, essa é de papoulas vermelhas e azuis com fundo preto. Tem ainda as de prata e couro que ficam nas prateleiras da estante. E sinos. Por onde o irmão passa, manda um sino. Outros colecionam selos, um outro coleciona gravatas e lá adiante um entra na fila de cinema. Maurício aperta os dentes que se quebram. Não quer gritar e então aperta os dentes quando o bastão elétrico afunda lá no fundo. No desenho animado, o gato leva um trompaço e dentes e ossos se trincam. Mas na cena seguinte já se colam e o gato volta inteiro. Seria bom se fosse como nos desenhos. Silvinha da Flauta. Gigi, japona. E você, Maurício? Quando o bastão entrar mais fundo, desmaia. Desmaia depressa, morra. Devíamos morrer, Miguel. Em sinal de protesto devíamos todos simplesmente morrer. ‘Morreríamos se adiantasse’, você disse. Lembra? Eu sei, ninguém daria a mínima. Arrancaríamos o coração do peito, olha aqui meu sangue, olha aqui meu coração! Mas tem um tipo ao lado engraxando os sapatos, que cor de graxa o cavalheiro prefere? -O verde. Tiro da caixa o verde-malva que está em terceiro lugar na Pilha. Tão delicados os lencinhos que Remo mandou de Istambul, adeus meu lencinho. Lião é capaz de limpar os
sapatões em você mas pense no if dos lenços: a poeira é tão digna quanto as lágrimas. Não será uma poeira lunar, tão branquinha, tão fina a Poeira terrestre é da pesada, principalmente essa dos sapatos da minha amiga. Mas não se importe não, seja lenço, Solto-o no espaço. Abriu-se leve como um pára-quedas que Lião apanha impaciente. -Você está deprimida, Lião? Angústia existencial? -Exato. Existencial. Está furiosa comigo, ai meu Pai. Mudou tanto, coitadinha. Quer dizer que Miguel continua preso? E aquele japonês. E Gigi. E outros, estão caindo quase todos, que loucura. E se de repente ela? Ana Clara já viu um careta meio suspeito rondando o portão, Aninha mente demais, é lógico, mas isso pode ser verdade. Sim, Pensionato Nossa Senhora de Fátima, nome acima de qualquer investigação. Mas quando aparece agora nome de padre e freira no horizonte, já ficam todos de orelha em pé. -Devolvo amanhã — diz ela dobrando o lenço. -Fique com ele, imagine. Quer levar mais um? Atiro-lhe o lenço cor-de-rosa que não se abriu como o verde. Porque meu coração também se fecha?
JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
Para não esquecer Outubro 25 Nascimento de Darcy Ribeiro, 1922 27 Nascimento de Graciliano Ramos, 1892 30 Assassinato de Santo Dias da Silva, morto pela Polícia Militar com um tiro pelas costas durante uma greve em São Paulo, 1979 31 Assassinato de Dorcelina Folador, na cidade de Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul, com oito tiros pelas costas, 1999 31 Manifestação de 30 mil pessoas em São Paulo, acompanhando o velório e o sepultamento do operário Santo Dias, 1979
Novembro 03 Início da Guerra dos Mascates, no Pernambuco, 1710 04 Assassinato de Carlos Marighella, militante comunista e na época líder da ALN, 1969 07 Revolução Russa, 1917 07 Revolução Praieira, no Pernambuco, 1837 09 Repressão à Greve da CSN dos metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), 1988 20 Assassinato de Zumbi dos Palmares, 1695
A Esquerda e o golpe de 64
Nasceu na cidade de Quebrângulo, em Alagoas, no dia 27 de outubro de 1892. Viveu a infância em Alagoas e Pernambuco, mudando-se para Maceió em 1905. Morou ainda no Rio de Janeiro, em 1914, onde trabalhou em jornais. É autor de Vidas Secas. Foi acusado de ter colaborado com a tentativa de Revolta de 1935 e, em 1945, filiou-se ao Partido Comunista. No dia 20 de março de 1953, faleceu no Rio de Janeiro, vitima de câncer.
Estudo comprova preconceito da mídia burguesa O relatório “Vozes Silenciadas – a cobertura da mídia sobre o MST durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito”, da pesquisadora e professora Monica Mourão, realizado pelo Intervozes, demonstra que a mídia burguesa trata o MST de forma pejorativa e criminalizadora.
Zumbi foi o último líder do Quilombo dos Palmares, um dos mais duradouros quilombos da história do Brasil e cuja população atingiu o número de 30 mil habitantes. Sua extensão era equivalente ao território de Portugal e localiza-se onde hoje é o estado de Alagoas.
O documento é resultado da análise de 301 matérias de jornais, revistas e telejornais que citavam o MST, entre fevereiro e julho de 2010. O tema predominante na mídia eram as eleições, e que em geral o nome do Movimento era associado a atitudes irresponsáveis e violentas. Foram utilizados 192 termos negativos diferentes nas matérias. O MST foi ouvido em apenas 57 reportagens. Baixe o relatória na página do MST, em www.mst.org.br O documentário “Marighella”, que desfia a trajetória do lutador do povo morto pela ditadura, tem estreia prevista para outubro. A direção é de Isa Grinspum Ferraz, sobrinha de Marighella. O filme apresenta olhar íntimo, de uma pessoa de dentro da família. Mano Brown, do Racionais MC´s, fez uma música em homenagem ao militante comunista para a trilha sonora do documentário. Fique atento!
Dênis de Moraes, professor da Universidade Federal Fluminense e pesquisador respeitado na área da Comunicação, é autor de “A esquerda e o golpe de 64”. Neste livro, publicado originalmente em 1989 e relançado pela editora Expressão Popular, o seu objeto são as concepções, táticas e projeções (e, sobretudo, de ilusões e equívocos) com que os diferentes setores da esquerda brasileira se movimentaram antes do Golpe de 1964. Ele reconstrói o processo político como num roteiro fílmico, reconfigurando o protagonismo de sujeitos coletivos e de personalidades da esquerda, como as Ligas Camponesas. “A Esquerda e o golpe de 64” Dênis de Moraes Editora Expressão Popular
20 Massacre de Felisburgo, Minas Gerais, 2004 21 Faleceu, aos 27 anos, Salete Stronzake, educadora e dirigente do Movimento Sem Terra, 1997 22 Revolta da Chibata, no Rio de Janeiro, liderada por João Cândido, 1910 JORNAL SEM TERRA • SET/OUT 2011
15
Alameda Barão de Limeira, 1232 Campos Elíseos CEP 01202-002 - São Paulo/SP
ASSINATURA ANUAL: R$ 30,00
IMPRESSO