Jornal Sem Terra - 318

Page 1

w w w. m s t . o r g . b r

ANO XXX– Nº 318 – MAR/ABR/MAI 2012

Camponeses lutam por Reforma Agrária e contra o agronegócio AGRICULTURA

ENTREVISTA

CAMPONESES

Agroecologia garante

Adalberto Martins: “Só a

Movimentos constroem

maior retorno

Reforma Agrária pode

unidade para

econômico ao assentado

diversificar a produção”

fazer lutas conjuntas

Página 3

Páginas 4 e 5

Páginas 10 e 11


EDITORIAL Enquanto nossas pautas têm dificuldade de avançar, interesses do agronegócio vão de vento em poupa

O bloqueio da Reforma Agrária e a necessidade de lutar MUITAS MOBILIZAÇÕES de diversas forças sociais que lutam pela Reforma Agrária no Brasil estão marcando o ano de 2012. Dentre elas, nós do MST fizemos duas grandes jornadas nacionais que contribuíram para manter a Reforma Agrária na agenda política do governo e na sociedade. Em março, as mulheres mostraram a força, a coragem e a clareza política numa articulação e construção conjunta com a Via Campesina. Já nossa Jornada de Abril foi uma das maiores dos últimos anos pelo seu caráter nacional, quantidade de ações e pessoas envolvidas, além da pela diversidade de formas de lutas. Procuramos combinar um conjunto de elementos, que perpassa desde as denúncias da paralisia da Reforma Agrária, até a afirmação da necessidade e importância que tal política tem para a

Precisamos reafirmar que o conflito organizado é o caminho para pautar a Reforma Agrária

produção de alimentos saudáveis, desenvolvimento econômico e social e para o equilíbrio ambiental. Além da pressão e negociação com os governos federal e estaduais, ambas as jornadas foram importantes para reforçar nossas articulações com as forças organizadas de esquerdas, movimentos populares, igrejas, etc. Além de tudo, as lutas que estamos realizando também têm a fundamental importância ao cumprir o papel de revelar o potencial de luta que existe no campo brasileiro e de deixar em evidência o tema da Reforma Agrária. Precisamos reafirmar que a luta organizada é o caminho para pautar a Reforma Agrária. As últimas negociações que fizemos com vários ministros, principalmente do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria Geral da Presidência, nos deixou claro que o governo não tem projeto, vontade e nem decisão política para discutir essa questão. Reuniões e discussões com o governo até acontecem, mas está evidente que o que querem é ganhar tempo, enrolar e não resolver, pois não se consegue avançar em relação às pautas estruturais. As últimas negociações foram marcadas pelo tencionamento, já que o governo

não apresenta medidas para resolver a questão relacionada ao acesso a terra, o assentamento das famílias acampadas, as dívidas dos assentados e um novo crédito específico para Reforma Agrária e o desenvolvimento dos assentamentos. Pontos considerados fundamentais para realização da Reforma Agrária.

O momento exige que repensemos nossas formas de luta para próximo período Por outro lado, o governo cede à agenda de interesses dos latifundiários e do agronegócio, o que nos mostra o verdadeiro projeto e prioridade das políticas governamentais. Nas negociações, estamos dizendo que nossa paciência acabou e que não aceitamos mais enrolação. Não basta nos posicionarmos nas mesas de negociações. Nossa resposta precisa, sobretudo, ser dada nas lutas. Precisamos ter claro que se tudo que fizemos foi importante, não foi, no entanto, suficiente para desbloquear a

Palavra do leitor

Valorização do servidor

Sinto orgulho e admiração pelo Movimento. Não existe outra saída para que os latifundiários e a burguesia ouçam o povo, a não ser os atos de justiça que vocês têm feito. Gostaria de passar um dia em um acampamento e levar meus filhos pra que conheçam o MST. JAIRO SALES DE BARROS

Reforma Agrária não se faz só com dinheiro. É preciso pessoal, com salários atrativos. Há informação de que 60% dos novos concursados não estão assumindo os cargos devido a baixa remuneração. Não resolve fazer concurso sem antes reestruturar as carreiras. Falta

equipamentos no Incra. Falta a criação de uma escola de governo para a formação e treinamento de servidores. Tudo isso deveria entrar na pauta dos movimentos sociais DANIEL DE OLIVEIRA, engenheiro agrônomo, Perito Federal Agrário do Incra

Mande sua mensagem para o Jornal Sem Terra

2

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

FRASE DO MÊS

Atos de justiça

Mulheres marcham em jornada no estado do Pará

Reforma Agrária. O momento exige que repensemos nossas formas de luta para próximo o período. Lutar mais e com mais qualidade. Se apenas o MST sozinho não é o suficiente, precisamos juntar com outras forças que fazem a luta. Essa é a única possibilidade que temos para retomar as ações da Reforma Agrária. Por isso, nossa próxima jornada está sendo construída conjuntamente com a CONTAG, FRETAF, Indígenas, Quilombolas, pescadores e Via Campesina, além de outros movimentos localizados que tenham força e disposição para lutar. A unidade da diversidade de forças é fundamental neste momento. Precisamos construir um processo e uma estratégia de luta para o próximo período. O início deste processo está marcado para a segunda quinzena de agosto de 2012, em Brasília, onde aglutinaremos o maior número de representações das organizações que atuam em escala nacional e local. O objetivo é reunir lideranças e militantes para unificar nossa leitura do momento, construir unidade, pressionar o governo e planejar 2013, para que este seja o ano de grandes ações em defesa da Reforma Agrária.

Edição: Igor Felippe Santos. Revisão: Jade Percassi e Luiz Felipe Albuquerque. Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Elaine Silva. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/SP – Tel/fax: (11) 2131-0850. Correio eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.

Sua participação é muito importante. As correspondências podem ser enviadas para jst@mst.org.br ou para a Alameda Barão de Limeira, 1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. As opiniões expressas na seção “Palavra do leitor” não refletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobre os temas abordados. A equipe do JST pode, eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.

“O aprofundamento da democracia participativa e redistributiva para assegurar o direito humano à alimentação adequada requer a concretização do direito à terra, conforme a Constituição Federal, através de amplo programa de Reforma Agrária” M ARIA EMÍLIA LISBOA PACHECO, a nova presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012


ESTUDO Biodiversidade é ferramenta para o controle de pragas e proteção de plantas agrícolas, pastagens e florestas

As vantagens econômicas da agroecologia PAULO KAGEYAMA E JOÃO D. SANTOS PESQUISADORES DA ESALQ (ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ), DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Alternativa ao agronegócio Um outro modelo para a agricultura familiar vem sendo proposto, denominado de agroecológico. O uso da biodiversidade como ferramenta para o controle de suas pragas e doenças, imitando os ecossistemas naturais, está dentro dessa categoria, e vem sendo utilizado com sucesso. Em grande escala, tem sido possível no Brasil o plantio misto de 100 ou mais espécies de árvores nativas diferentes por hectare, nos modelos de recuperação das matas ciliares, com tecnologia desenvolvida por universidades e instituições de pesquisas nessas duas últimas décadas. O mais importante é que nesses novos ecossistemas não se tem consta-

tado ataque de pragas e/ou doenças em nenhuma dessas 100 espécies, o que parece surpreendente a julgar pelo que se observa em experiências com plantações de outras culturas. Certamente, o não ataque de pragas e doenças nessas plantações mistas de proteção se deve à alta diversidade de espécies, semelhante ao que ocorre nas florestas naturais.

x R$1.858,60). O agricultor agroecológico teve um custo de produção muito menor comparado ao produtor convencional (R$ 205,00 x 7.812,00), o que fez a diferença. Essa proposta possibilitou que o produtor agroecológico com poucos recursos não se endividasse, além de produzir alimento saudável e não se envenenar com os agrotóxicos. Deve-se enfatizar que não foi computada a produção das outras 40 espécies usadas com a banana, a cultura carro chefe.Além disso, a tecnologia usada atualmente não é ainda a mais desenvolvida, podendo melhorar muito. Em Apiaí, no Vale do Ribeira (SP), o centro de produção do tomate, esta cultura foi o motivo de trabalho científico da Esalq. Os três cultivos de tomate orgânico, rodeados de biodiversidade da Mata

Tabus quebrados Assim, muitos conceitos e tabus tem sido quebrados nas últimas décadas,com relação às tecnologias adotadas para o meio rural, baseadas no uso cada vez maior de agrotóxicos e insumos industriais. A utilização dos sistemas agroflorestais com biodiversidade, do mosaico de culturas e de variedades crioulas são técnicas que vêm sendo aplicadas com vantagens, principalmente pela agricultura familiar. As plantações de banana no Vale do Ribeira, em São Paulo, que foram objetos de estudos científicos na Esalq, comprovaram a viabilidade econômica dessas técnicas para a agricultura familiar. Apesar de ter menor produtividade por hectare (4 vezes menos), esse sistema teve um retorno econômico (lucro) por hectare maior ao produtor, comparado ao do agricultor convencional utilizado como comparação no experimento. (R$ 2.572,10

Com o modelo da agroecologia, agricultor tem um custo de produção muito menor

Arquivo MST

MUITOS PESQUISADORES de regiões tropicais têm apontado que a presença da alta biodiversidade e das condições naturais impõe outra forma de trabalhar a terra, o que pode ser bem exemplificado pela alta ocorrência de pragas e doenças nas culturas. É importante conhecer a base científica da necessidade de outras tecnologias nos trópicos, voltadas para uma convivência com esses insetos e microrganismos, que são traduzidas na agricultura com base na Agroecologia. Os estudos dos ecossistemas de florestas tropicais naturais, com toda a sua biodiversidade e complexidade, apontam os pontos chaves e as direções para a sustentabilidade na agricultura, principalmente familiar. Essa biodiversidade é responsável pelo seu equilíbrio ecológico, já que biodiversidade e equilíbrio estão juntos nesses nossos ecossistemas tropicais extremamente ricos em espécies. São cerca de 150 espécies por hectare, só de árvores, nessas matas tropicais. Essas florestas tropicais têm ainda uma proporção muitíssimo maior de espécies de insetos e microrganismos, ou 100 vezes mais

desses organismos em comparação a todas as outras espécies de plantas. Nesses ecossistemas, os insetos e microrganismos convivem em equilíbrio com as espécies de plantas, muito embora sejam potencialmente suas pragas e doenças. Isso ocorre quando desequilibramos esses ecossistemas naturais, transformando em extensos monocultivos, como na agricultura dita moderna, certamente com alto uso de agrotóxicos e insumos industriais.

Bananas produzidas no Vale do Ribeira garantiram lucro maior em comparação ao produtor convencional

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

Atlântica natural, apresentaram menores produtividades por 1000 pés da cultura (4 vezes menor). Porém, os retornos econômicos (lucros) aos produtores agroecológicos foram iguais, comparados aos convencionais no experimento (R$ 1.000,00 x 1.000,00). De novo, os agricultores agroecológicos tiveram custos de produção muito menores comparados aos produtores convencionais (R$848,00 x R$ 4.262,00), gastando muito menos e novamente fazendo a diferença. Deve-se destacar que os três produtores convencionais de tomate fizeram, em média, 36 aplicações de agrotóxicos, em 2,5 meses da cultura, o que justifica o alto custo de produção da cultura e o alto nível de contaminação dos agricultores e do ambiente. Infelizmente, as pesquisas sobre sistemas de produção com agrobiodiversidade, mais apropriados aos agricultores familiares, assim como as políticas públicas em prol dessas comunidades, sempre foram negligenciadas pelas universidades, instituições de pesquisa e governo, colocando este segmento, que é a grande maioria do meio rural, na exclusão social e tecnológica. Coloquemo-na em seu devido lugar!

3


Hugo Kitanishi/MST-PR

ENTREVISTA Para dirigente do MST, a cooperação agrícola é um instrumento fundamental para organização dos assentamentos

POR LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE SETOR DE COMUNICAÇÃO

Jornal Sem Terra - Por que a Reforma Agrária é o caminho para a produção de alimentos? Adalberto Martins - Somente com a Reforma Agrária é possível desenvolver a diversificação da produção, pela sua natureza, quadro fundiário e trabalho familiar. Essa produção é geralmente destinada a canais curtos de comercialização, sobretudo, o mercado local e o mercado regional. É a partir desses pequenos lotes, de forma cooperada, que a Reforma Agrária e os assentados, beneficiados desse processo de luta e de conquista, possibilitarão a produção de alimentos para esses locais. Essa é a base com a qual trabalhamos. JST- Até agora, o que foi conquistada a partir da luta pela Reforma Agrária na produção de alimentos? AM - Darei alguns exemplos concretos para sair das generalizações. No Rio Grande do Sul, um exemplo concreto dos benefícios da Reforma Agrária, é a produção do arroz ecológico. No estado, o conjunto dos assentados da Reforma Agrária é o maior produtor de arroz ecológico. Trabalhamos com quase 4.000 hectares de área plantada e, nesta safra, estamos colhendo aproximadamente 300 mil sacas de arroz orgânico, livre de agrotóxicos, um produto

4

A realização da Reforma agrária, o fortalecimento da pequena agricultura e a organização das famílias camponesas em cooperativas garantirão a diversificação da produção de alimentos para o povo brasileiro e formarão um pilar do desenvolvimento do Brasil. Essa é a avaliação do integrante do setor de Produção do MST, Adalberto Martins, conhecido como Pardal. Em entrevista ao Jornal Sem Terra, ele apresenta os obstáculos para o desenvolvimento dos assentamentos, os limites das políticas públicas e a necessidade de mudar o modelo macroeconômico para viabilizar a agricultura que está voltada para o mercado interno. “O grande problema é o monopólio do comércio. Esse modelo do agronegócio é altamente concentrador do ponto de vista da comercialização dos produtos. O comércio agrícola é concentrado na mão de meia dúzia de empresas transnacionais”, avalia. A seguir, leia a entrevista. de alto valor nutritivo. Outro exemplo é a produção de leite nas áreas de assentamentos. São mais de 50 milhões de litros de leite que saem dos assentamentos do estado. Uma parte desse leite é processado por cooperativas, que atendem o mercado do varejo, mas sobretudo o mercado institucional, por meio da doação simultânea da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do programa da merenda escolar. Para se ter uma ideia, uma cooperativa na região centro atende 240 escolas em 13 municípios com leite e derivados de produtos lácteos. Temos exemplos de hortaliças e verduras, que são operados por

meio desses programas institucionais. Uma cooperativa na região metropolitana atende mais de 2.000 famílias no município de São Leopoldo. A cooperativa central atende no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) mais de 3.000 famílias em Porto Alegre, beneficiando mais de 38 associações de moradores. Esses exemplos revelam a presença e a potencialidade da agricultura familiar e camponesa. JST - Quais são os principais obstáculos para que assentados consigam alavancar sua produção? AM - O grande problema é o monopólio do comércio. Esse modelo do

agronegócio é altamente concentrador do ponto de vista da comercialização dos produtos. O comércio agrícola é concentrado na mão de meia dúzia de empresas transnacionais. Para acessar o mercado, o agricultor acaba refém de preços oligopolizados. O segundo problema é a modalidade de crédito. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) não corresponde às necessidades da Reforma Agrária. É um crédito caro, não ajuda o desenvolvimento econômico das famílias, tem uma perspectiva burocratizada de acesso aos recursos e de uma projeção de renda para o próprio programa. Outro ponto é a ausência de um seguro que garanta a renda do assentado e não necessariamente que garanta o retorno financeiro ao banco. Precisamos ter um seguro que é de renda, desligado do financiamento bancário. Há outros bloqueios que dificultam nossos avanços, como a política macroeconômica, que está lastreada pela necessidade de um grande esforço de exportação para fazer caixa em moeda estrangeira e sustentar essa especulação financeira dentro do país. JST- Quais os problemas do modelo econômico? AM - Nosso modelo macroeconômico é dirigido pelo capital financeiro, que exige que o Brasil seja uma grande plataforma de exportação de commodities, sobretudo soja e miné-

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012


rio de ferro, para que possa ter um saldo comercial ou uma poupança em dólar de reservas cambiais, que tranquilizem os especuladores ao aplicarem seus recursos no país. Se não mudar esse modelo macroeconômico, teremos dificuldades de avançar com as políticas econômicas voltadas para o mercado interno, sobretudo, na agricultura familiar e camponesa.

“Qualquer força política que defenda um programa democrático tem que mexer na estrutura fundiária altamente concentrada”

JST – Mesmo com o agronegócio, por que a Reforma Agrária ainda é atual? AM - Existe um problema fundiário no Brasil, que a classe dominante tenta esconder por meio de seu braço no campo, o agronegócio. Para a elite brasileira, não há um problema social no campo. Com a nossa luta, insistimos em revelar que há problemas profundos no campo brasileiro. Uma parcela da sociedade brasileira quer viver no campo e não na cidade, quer fazer sua própria produção, com seu trabalho, de maneira que atenda as populações locais, em uma perspectiva de que as populações que vivam nele tenham uma boa vida. JST – Querem esconder também a exploração dos nossos recursos naturais... AM - O que está em disputa na so-

ciedade brasileira é uma visão sobre o que se pretende para o futuro do campo brasileiro e dos recursos naturais. Os recursos naturais gestados pelas famílias assentadas e camponesas geram mais prosperidade do que os gerenciados pelo agronegócio, que são exauridos por essa produção intensiva, com muitos insumos e poupadora de mão de obra. Toda e qualquer força política que defenda um programa democrático tem que mexer na estrutura fundiária altamente concentrada, que inviabiliza centenas de milhares de famílias de terem as condições básicas para a sobrevivência no campo. É um instrumento de justiça social, que busca corrigir essas distorções históricas. A nossa proposta tem uma perspectiva de natureza econômica, que busca desenvolver o mercado interno e as condições de produção da sua população.

JST – Qual a papel da cooperação? AM- A cooperação agrícola é um instrumento fundamental dessa nova Reforma Agrária, dentro das suas várias dimensões, desde a forma simples e históricas que os camponeses desenvolveram ao longo dos anos, como também a cooperação mais complexa, na qual se envolve trabalho, terra, parte do capital gestado coletivamente, até o nível das agroindústrias, que permite agregar valor e incidir mais fortemente nos mercados locais e regionais.

“Reforma Agrária deve ser massiva e rápida, dar os meios de produção para os trabalhadores e

JST - No atual momento histórico, qual deve ser o caráter dessa Reforma Agrária? AM - A primeira característica dessa Reforma Agrária é ser massiva. Por isso, chamamos de Reforma Agrária Popular. Tem que ser feita pelo povo. Evidentemente que vai ser legalizada pelo Estado, mas tem que ser ampla e envolver o maior número de famílias que desejam a terra. Tem que ser rápida, desburocratizada, que facilite o acesso das populações a esses meios de trabalho e de produção. Tem que ter uma preocupação de buscar produção vinculada ao equilíbrio ambiental, portanto, uma produção agroecológica, casada com a agroindústria, que é um estágio elevado de interação entre os trabalhadores.

ter um vínculo com o equilíbrio ambiental”

Arquivo MST

JST - Com a superação desses entraves, qual o potencial da Reforma Agrária? AM - O potencial da Reforma Agrária se coloca sobretudo como um dos pilares de um desenvolvimento nacional autônomo, dentro de um modelo econômico voltado para o mercado interno e com o fortalecimento das iniciativas locais e regionais. A Reforma Agrária se enquadra nesse ponto de vista, sendo um dos pilares de um desenvolvimento voltado para o mercado interno, nacional, em que os trabalhadores do campo e assentados possam gerar produção, renda, alimento, condições dignas de vida para aqueles que vivem no país.

JST - A democratização da terra pode contribuir como desenvolvimento? AM - A Reforma Agrária tem um elemento essencial por ser um motor do desenvolvimento regional e, com isso, é um pilar no desenvolvimento econômico brasileiro. A ReformaAgrária é um dos instrumentos de desconcentração de renda e de riqueza no país. Na medida em que se desconcentra a riqueza – em que algumas famílias detêm 70% da renda nacional – se consegue gerar trabalho, renda, desenvolver esse potencial de força produtiva, que hoje estão à margem desse processo de produção. Além disso, possibilita colocar de uma forma mais harmônica, a serviço da sociedade, os recursos naturais que estão bloqueados pelo latifúndio.

Acampamentos pelo país revelam os problemas profundos no meio rural, como a concentração fundiária e a pobreza

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

JST - Quais são os maiores desafios que temos para avançarmos na produção? AM - Os desafios são vários. Um deles é justamente ter políticas públicas que sejam ajustadas à realidade do agricultor assentado. É preciso desenvolver mecanismos que garantam a renda do agricultor, por meio de um seguro de renda ou por políticas públicas como o PAA e o PNAE. Essas políticas têm que ser estendidas para facilitar a comercialização dos assentados para que facilite a infraestrutura produtiva que chamamos de agroindústria. Para agregar renda, essa infraestrutura requer apoio institucional e recursos subsidiados para que o conjunto de famílias desenvolva um estágio do desenvolvimento econômico, que é o processamento da sua produção de forma cooperada. Há também outros desafios que são colocados do ponto de vista da preparação das pessoas, para os manejos agroecológicos e para a gestão desses empreendimentos econômicos que vão ser organizados e que precisam de ciência, de conhecimento de administração, contabilidade e de mercado, para se ter uma boa eficiência em sua gestão.

5


ESTADOS Agroindústria beneficia a produção de 428 famílias de 16 assentamentos, em 11 municípios

HUGO KITANISHI SETOR DE COMUNICAÇÃO

A 9ª ABERTURA DA Colheita do Arroz Ecológico reuniu 1.000 agricultores assentados da região de Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, em 2 de abril, no assentamento Capela, fruto da luta das famílias que integram o MST. Participaram prefeitos, vereadores de diversos municípios, o governador Tarso Genro, o ministro do Desenvolvimento Agrário Pepe Vargas, o ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) Celso Lisboa de Lacerda. Em uma colheitadeira, Tarso Genro, juntamente com outras autoridades, deu início à colheita do Arroz Agroecológico. A estimativa para a safra desse ano é de 300 mil sacas. O número representa cerca de 70% do arroz orgânico certificado no estado. No total, são 428 famílias envolvidas, situadas em 16 assentamentos em 11 municípios, numa área de produção que chega a quase 3.900 hectares. De acordo com Emerson Giacomelli, membro da coordenação estadual do Movimento, a produção é vendida para o Programa e Aquisição de Alimentos (PAA) e para a merenda escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além do mercado regional. A agroindustrialização do arroz é feita no assentamento em Nova Santa Rita. A safra nos anos de 2010 e 2011 somaram cerca 345 mil sacas. No total

Fotos: Caco ArgemiPalácio Piratini

Colheita do arroz agroecológico mostra força da Reforma Agrária

Estimativa de produção de 300 mil sacas de arroz nesta safra

são 28 campos de sementes, em uma área de aproximadamente 245 hectares e numa estimativa de 42 sacas. João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do MST, destacou a necessidade de desenvolver outra matriz tecnológica frente à hegemonia dos agrotóxicos. “O que estamos comemorando aqui é uma colheita, mas não qualquer colheita, é uma colheita de arroz orgânico. O que estamos mostrando é que a produção por meio de uma matriz agroecológica é possível, e o mais importante, levando alimento mais saudável para a população”.

Autoridades Tarso Genro destacou a importância da organização dos movimentos sociais no Brasil. “Vocês não são um problema para esse país: vocês são a solução”, afirmou o governador gaúcho.

Assentados apresentam a agroindústria a Tarso Genro (3º) e Fernando Bezerra (2º)

6

O ministro Pepe Vargas elencou as simbologias comemoradas pela 9ªAbertura da Colheita do Arroz Ecológico. “O primeiro símbolo é o de que a Reforma Agrária dá certo. O segundo é o da sustentabilidade ambiental, feita pela agricultura familiar. O terceiro símbolo é o conjunto de programas governamentais e políticas públicas que contribuem para o avanço e para o salto de qualidade da agricultura familiar”, pontuou o ministro.

Técnicas de produção O agricultor Jeferson da Silva, 27 anos, conhecido como Cabelo, contou que o segredo do arroz agroecológico está no manejo feito pelo controle da água, com o período de alagamento em que a área fica submetida. “A estrutura de arroz é feita na área de várzea e de forma coletiva. Participo de um coletivo formado por 12 famílias, que juntas somam um total de 90 hectares. Já são seis anos de trabalho conjunto”. Cabelo mora com a esposa e duas filhas (uma de um ano e meio e outra de sete anos) na unidade produtiva – o chamado lote. “A unidade produtiva é dividida em duas áreas. Uma com quatro hectares, voltada para a moradia e subsistência. E outra de oito hectares, voltada para a produção”, descreve o assentado. A experiência do Arroz Agroecológico tem início em 1999, pelos assentados da reforma agrária nos municípios de Nova Santa Rita, Tapes e Viamão. O Grupo Ges-

tor envolve a Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs), que fornece Certificação Participativa do Arroz “Terra Livre” – mar-

Agricultor conta que o segredo está no manejo feito pelo controle da água no período de alagamento ca que dá nome ao arroz comercializado pelos agricultores, e mais três cooperativas. A área total de certificação orgânica é de cerca de 6.700 hectares.

Termo de Empenho Durante o evento, Tarso Genro e o ministro da Integração Nacional assinaram protocolo de implementação do programa “Água para Todos”, que visa atender 47 assentamentos de 18 municípios do Rio Grande do Sul, conforme projetos elaborados pelo Incra. O termo de empenho é de R$ 38 milhões, sendo R$ 2 milhões provenientes do governo do estado. “Hoje nós estamos inaugurando o programa. O Água para Todos vai beneficiar as famílias de agricultores por meio do fornecimento de infraestrutura hídrica para as áreas de assentamento”, garantiu Bezerra.

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012


ESTADOS MST e entidades de direitos humanos denunciam recrudescimento da violência

SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-PE

Arquivo MST -PE

Dois trabalhadores rurais são assassinados em Pernambuco DOIS TRABALHADORES rurais Sem Terra foram assassinados em Pernambuco, desde o final de março, nas regiões da zona da mata sul e no agreste. O primeiro foi o agricultor Pedro Bruno, assassinado a tiros próximo ao engenho Pereira Grande, no município de Gameleira, na Zona da Mata Sul, no dia 2 de abril. Ele vivia no Assentamento Dona Margarida Alves e se deslocava para outro assentamento. O outro foi Antônio Tiningo, coordenador do MST, assassinado em uma emboscada quando se dirigia a um acampamento na fazenda Açucena, no município de Jataúba, agreste de Pernambuco, no dia 23 de março . O MST acredita que o assassinato de Pedro Bruno tenha sido uma retaliação à reocupação do engenho Pereira Grande, pertencente à Usina Estreliana, uma das áreas mais emblemáticas de conflitos de terra no estado. A área foi declarada de interesse social para fins de Reforma Agrária em 2003, mas depois de uma série de recursos impetrados, a Usina conseguiu barrar o processo de desapropriação. O caso está pendente na justiça.

Sem Terra protestam contra violência no agreste pernambucano

No agreste, pistoleiros atiraram contra famílias Sem Terra acampadas próximas à fazenda Serro Azul, no município de Altinho, no final de março. Em outubro, o Sem Terra José Amaro da Silva desapareceu na zona da mata quando saía de um acampamento no município de Joaquim Nabuco. O MST e entidades de direitos humanos, como a Terra de Direitos, já denunciaram formalmente os episódios de violência do latifúndio. “Há um recrudes-

cimento da violência no campo em Pernambuco. Pistoleiros recebem R$ 50,00 por dia para atirar contra trabalhadores rurais, enquanto fazendeiros andam armados ameaçando acampados”, relata Cristiane Albuquerque, da Coordenação Nacional do MST em Pernambuco. Segundo ela, o governo do estado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e demais órgãos responsáveis continuam de braços cruzados sem tomar uma atitude diante dos casos de violência.

Educação para a emancipação humana POR MIGUEL STEDILE COORDENAÇÃO DO ITERRA

O TRABALHO como princípio educativo e formador para a emancipação do ser humano foi o centro das discussões do seminário “Agricultura camponesa e educação politécnica”, realizado no Instituto de Educação Josué de Castro (Iterra), em Veranópolis (RS), em março. A atividade reuniu educadores das áreas de Reforma Agrária da região sul, centros de formação e estudiosos da educação, como Luiz Carlos Freitas (Unicamp), Maria Ciavatta e Isabel Brasil (Escola Politécnica Joaquim Venâncio). “O seminário contribuiu para a compreensão do conceito de educação politécnica, resgatando sua concepção e práticas originais, que estão vinculadas com a luta socialista”, disse Roseli Caldar, do Setor de Educação do MST. Nessa concepção, o objetivo da educação é a emancipação do ser humano, que vai além do domínio de técnicas a serviço do capital. Para Falcinelo Toná, do Setor de Produção do MST do Paraná, a atividade fortaleceu os conceitos de educação do campo e de agricultura camponesa, diferenciando a educação dos camponeses em movimento da transformação da sociedade do ensino técnico para atender demandas do agronegócio.

Experiências da Reforma Agrária contribuem na superação do analfabetismo em Fortaleza programa, a meta é tornar a região um território livre do analfabetismo. O sistema usado nessa empreitada foi desenvolvido por uma equipe coordenada pela pedagoga cubana

O MÉTODO cubano de alfabetização “Sim, Eu Posso” (Yo si puedo) começou a ser disponibilizado neste ano à população de Fortaleza, no Ceará, em parceria da prefeitura com os educadores que atuam em assentamentos da Reforma Agrária. O Programa Fortaleza Alfabetizada, que deve formar 1888 turmas no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), pretende manter o acompanhamento das turmas, além de alfabetizar. Segundo Ana Edite, da prefeitura de Fortaleza e da coordenação geral do

Inés Relys Diaz e pelo instituto Pedagógico Latino Américo e Caribenho (IPLAC), entre 1997 e 1998. Trata-se de uma série de vídeoaula, no formato de telenovela, que

Arquivo MST -CE

POR GUILHERME ALMEIDA

Educadores de assentamento ajudam na alfabetização de 1888 turmas

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

totalizam 32,5 horas de gravação. “Educadores que atuaram em áreas da Reforma Agrária fazem parte de um coletivo que acompanha o programa em Fortaleza, composto por assentados, que atuam juntamente com a secretaria de educação do município”, explica Maria de Jesus, coordenadora do Setor de Educação do MST. Ao todo, o processo em Fortaleza deve levar oito meses. Depois das 65 vídeos-aulas de alfabetização, são organizados ciclos de cultura para fortalecer a compreensão de palavras e textos. “Essa atividade é importante para dar continuidade no processo de alfabetização”, afirma Maria.

7


ESPECIAL Logo após a jornada, o TJ do Pará expediu o mandado de prisão contra o Coronel Mario Pantoja e o major José Maria de Oliveira, condenados pelo envolvimento no Massacre de Carajás

Mobilizações de 60 mil Sem Terra demonstram impaciência com o governo na Jornada de Abril Foram mais de 60 mil trabalhadores rurais do MST que se mobilizaram em torno da Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária, em todo o país. Na pauta, as principais reivindicações estavam em torno justamente da punição dos responsáveis pelo Massacre de Eldorado dos Carajás e por uma maior eficiência PARÁ – Em Eldorado dos Carajás, a Juventude do MST montou o 7° Acampamento Pedagógico “Oziel Alves”, entre os dias 8 a 17 de abril. Desde 2006, a juventude Sem Terra do estado se reúne em torno desse acampamento em memória às vítimas. Na curva do “S”, onde aconteceu o Massacre, 3 mil Sem Terra fizeram um ato político em memória aos mortos. Outras três rodovias federais também foram fechadas por cerca de 2 mil pessoas. A prefeitura do município de Curionópolis foi ocupada por 500 Sem Terra que cobravam a construção de novas escolas.

Envolvidos no Massacre são presos Foram necessários 16 anos consecutivos de mobilização, com milhares de famílias do MST se mobilizando todo o mês de abril em torno das Jornadas Nacionais, para que os Sem Terra visem finalmente os responsáveis pelo assassinato dos 21 trabalhadores rurais no Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996, serem punidos. A vitória veio quando, no último dia 7 de maio, o Tribunal de Justiça do Pará expediu o mandado de prisão contra o Coronel Mario Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira, condenados pelo envolvimento no Massacre de Carajás. O major Oliveira foi condenado a 158 anos e 4 meses pelos crimes, e o coronel Pantoja a 228 anos.

8

no processo da Reforma Agrária, exigindo o assentamento das 186 mil famílias acampadas em todo o país. Ao todo, foram realizados protestos em 20 estados e no Distrito Federal. Houve 105 bloqueios de rodovias, estradas, avenidas e ferrovias. 45 latifúndios e onze superintendências do Incra foram ocupadas. As mobilizações aconteceram nos municípios de São Luiz Gonzaga, Sarandi, Trindade do Sul, Eldorado do Sul, Piratini, Candiota e Hulha Negra. Em Livramento, foi realizada uma audiência pública com participação de governo, prefeitura e Incra.

SERGIPE – Foram realizadas três ocupações de latifúndios, nos municípios de Santo Amaro, de Itaporanga da D’Ajuda e em Caria e Nossa Senhora da Glória. Cerca de 300 famílias ocuparam a sede do Incra em Aracaju. Ainda foram bloqueadas 14 rodovias em todo o estado.

SÃO PAULO – No Pontal do Paranapanema, 600 Sem Terra ocuparam a Fazenda São Domingos, no município de Sandovalina. Os trabalhadores também protestaram contra o projeto do governador Geraldo Alckmin que visa legalizar terras griladas no extremo oeste paulista. Foram sete paralisações de trechos de rodovias no estado. A Rodovia Anhanguera foi paralisada em quatro diferentes trechos, mobilizando cerca de 600 pessoas ligadas ao MST e outros movimentos e organizações sociais. Em Andradina, a paralisação mobilizou 300 pessoas e aconteceu na Rodovia Marechal Rondon. No município de Sandovalina, região do Pontal do Paranapanema, 150 pessoas fecharam a Rodovia General Euclides Figueiredo. Em Itaberá, a paralisação aconteceu na Rodovia Alves de Negrão (SP 258), mobilizando cerca de 100 pessoas dos assentamentos da região.

RIO GRANDE DO SUL – 300 famílias Sem Terra fizeram duas ocupações nos municípios de Sarandi e Santa Margarida do Sul. 16 rodovias federais e estaduais foram trancadas simultaneamente.

RIO DE JANEIRO – O prédio do Incra na cidade do Rio de Janeiro foi ocupado por cerca de 300 Sem Terra, que também bloquearam a Av. Presidente Vargas, próximo ao Incra. Na sequência, os manifestantes

BAHIA – Em todo estado baiano, cerca de 5 mil famílias do MST ocuparam 28 latifúndios. Outras 3 mil famílias do MST junto com outras organizações também ocuparam o Incra e o Denocs. 4 mil pessoas fecharam sete rodovias federais e duas ferrovias.

ALAGOAS – Foram interditadas 17 rodovias em todo o estado por 3 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais. Os prédios do Incra, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, da Receita Federal, da Secretaria de Agricultura e do Instituto de Terras e Reforma Agrária também foram ocupados em Maceió. Nas cidades de Messias e Murici, os Sem Terra fizeram duas retiradas massivas de cana-de-açúcar plantadas ilegalmente pelas usinas. BRASÍLIA – Cerca de 1500 trabalhadores rurais do MST ocuparam o Ministério do Desenvolvimento Agrária (MDA) para denunciar a estagnação da Reforma Agrária e a diminuição de investimentos em desapropriações de terras no país por parte do governo federal.

PERNAMBUCO – Oito latifúndios improdutivos foram ocupados em Pernambuco. Além disso, 15 pontos das principais rodovias de acesso ao estado foram fechados por mais de 2.500 camponeses.

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

partiram para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, onde realizaram ato cobrando ações efetivas do Judiciário. SANTA CATARINA – Mais de 400 trabalhadores rurais ocuparam o Incra, em Florianópolis. Além disso, fizeram um protesto em frente ao Tribunal de Justiça, para relembrar o Massacre e depois se juntaram à outras 10 mil pessoas na 3ª Marcha dos Catarinenses, organizada pela Central dos Movimentos Sociais (CMS). CEARÁ – O Palácio da Abolição, sede do governo do estado, e o Incra foram ocupados por cerca de 1.500 trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, em Fortaleza. A BR 116 também foi trancada com apoio de uma comunidade que luta pela construção de uma passarela e para denunciar o número de acidentes na rodovia. MATO GROSSO – Em Cuiabá, a sede da Receita Federal foi ocupada

PARANÁ – Em Curitiba, mais de 500 camponeses montaram acampamento e ocuparam parte das ruas da cidade. Quatro rodovias foram trancadas no estado. Na BR-116, em Curitiba, cerca de mil trabalhadores fecharam a rodovia. No município de Cascavel, a BR-277 também foi trancada por aproximadamente 300

por cerca de 200 trabalhadores do MST. Um acampamento também foi montado na Praça Ulisses Guimarães. Além disso, os camponeses bloquearam a BR-163, no município de Sorriso, e a Av. Historiador Rubens de Mendonça, em Cuiabá. Após o trancamento, os trabalhadores rurais fizeram uma marcha que passou na Secretaria de Saúde e no Tribunal da Justiça. MATO GROSSO DO SUL – 250 famílias do MST ocuparam a Fazenda Boa Esperança, localizada às margens da rodovia MS-134, há cerca de 10 quilômetros da sede do município de Batayporã. Cerca de outros 300 lavradores do MST ocuparam o prédio do Incra em Campo Grande. Em Itaquirai, por volta de 800 pessoas trancaram a rodovia 163. TOCANTINS – Cerca de mil famílias realizaram um ato político no Tribunal de Justiça contra o despejo do acampamento Sebastião Ribeiro, no município de Palmas, onde cerca

integrantes do MST. Já na BR-158, em Rio Bonito do Iguaçu, 60 pessoas também pararam a rodovia. Outros 70 Sem Terra de 15 assentamentos do MST da região norte e noroeste do Paraná fecharam a Rodovia PR 317, junto com moradores da Escola Milton Santos de Agroecologia, na altura de Maringá.

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

MINAS GERAIS – Cerca de 40 famílias do MST ocuparam a fazenda Palmeiras no município de Carmo do Paranaíba. Em Uberaba, outras 43 famílias ocuparam a Fazenda Inhumas. Em Belo Horizonte, cerca de 100 pessoas do MST ocuparam a sede do Incra, ao cobrarem o assentamento das 2.700 famílias

acampadas no estado e por políticas de melhorias para os assentamentos. Outros 900 trabalhadores liberaram o pedágio da rodovia federal Fernão Dias, no município de Perdões. A BR 365, em Jequitaí, no norte de Minas foi trancada por 200 pessoas, assim como a BR 050, bloqueada por outras de 500 pessoas.

de 300 famílias do MST e MAB ocupavam a fazenda Dom Augusto e estavam para ser despejadas. Foram fechadas cinco rodovias federais, mobilizando 2 mil pessoas. Mais de mil famílias do MST e MAB, ao lado de estudantes, professores e pastorais, trancaram a TO 050, próxima à capital Palmas. Depois, os integrantes realizaram um ato político e fizeram uma vigília durante toda a noite com diversas atividades de protestos e denúncias.

RONDÔNIA – No município de JiParaná, 700 pessoas participaram da ocupação da sede do Incra. Após o fechamento da BR 364, os trabalhadores rurais seguiram em marcha de volta a Ji-Paraná. 400 pessoas também realizaram um ato público no Fórum de Justiça.

PIAUÍ – Por volta de 600 pessoas fecharam a principal rodovia que dá acesso à capital Teresina.

RIO GRANDE DO NORTE – 700 pessoas fecharam a BR 304, próximo a Natal. Depois do ato, os Sem Terra fizeram protesto na capital no Tribunal de Justiça junto a outros movimentos sociais. Em seguida, fizeram manifestação em frente ao Incra.

MARANHÃO – Em Imperatriz, sudeste do estado, cerca de 400 camponeses ocuparam a sede do Incra. O protesto cobra o assentamento das 3.500 famílias acampadas no estado. As rodovias BR 316 e a Belém Brasília foram trancadas por cerca de 600 militantes.

PARAÍBA – Em João Pessoa, a sede do Incra foi ocupada por cerca de 500 famílias camponesas, onde também ocorreram protestos na Avenida Epitácio Pessoa e manifestação no Tribunal de Justiça. Mais de 100 famílias ocuparam duas áreas do sertão da Paraíba.

9


ESPECIAL Mulheres também denunciaram a violência do capital e do patriarcado, especialmente a violência doméstica

Camponesas lutam em 21 estados Foi enviada uma carta à presidenta Dilma Rousseff exigindo o veto integral das mudanças

GOIÁS Em Santo Antônio de Goiás (GO), 500 agricultoras ocuparam a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Arroz e Feijão, para exigir a manutenção da Embrapa 100% pública e a retirada do Projeto de Lei 222/08, que

Em Planaltina, 600 camponesas ocuparam a fazenda Toca da Raposa, reivindicando a destinação da área para assentamento e a aceleração do processo de Reforma Agrária. Parte das terras da fazenda pertence à União e foi grilada pelo produtor de soja Mário Zanatta. Em novembro de 2004, o Ibama apreendeu mais de meia tonelada de agrotóxicos contrabandeados no local.

PERNAMBUCO

MATO GROSSO DO SUL Em Dourados, cerca de 200 mulheres saíram às ruas em protesto contra o uso de agrotóxicos. A marcha que passou pela avenida Marcelino Pires contou com faixas, cartazes e batuques. Muitas mulheres utilizavam máscaras de proteção e desenhos em forma de caveira, demonstrando a preocupação com a saúde no campo.

10

propõe transformar a Embrapa em empresa de economia mista com ações negociadas na bolsa. Em audiência, o presidente da empresa, Pedro Arraes, assegurou aos trabalhadores que o governo não permitirá a privatização.

DISTRITO FEDERAL

Arquivo MST -MS

AS MULHERES da Via Campesina realizaram ocupações, protestos e negociações em 21 estados e no Distrito Federal, em torno do Dia Internacional de Luta das Mulheres, no 8 de março. As camponesas cobraram da presidenta Dilma Rousseff a realização da Reforma Agrária e um novo modelo agrícola, baseado em pequenas propriedades. Por todo o país, mulheres enviaram cartas à presidenta Dilma exigindo o veto total da proposta de mudanças do novo Código Florestal. A jornada denunciou o capital estrangeiro na agricultura e as empresas transnacionais. No enfrentamento ao modelo de morte do agronegócio, a Via Campesina propõe como alternativa um projeto de agricultura baseado na agroecologia, com a produção de alimentos

saudáveis, defesa da soberania ambiental e o respeito aos direitos das camponesas e camponeses. Durante a mobilização foram realizadas marchas (Brasília e Tocantins), ocupações (da Embrapa em Goiás, do Ministério da Fazenda em Porto Alegre, do Incra e do Itesp no interior de São Paulo, do Incra em Marabá e Curitiba, no reservatório da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) em Petrolândia/PE e da fazenda da Suzano em Alcobaça/BA), além de encontros de mulheres. As mulheres também denunciaram a violência do capital e do patriarcado, especialmente a violência doméstica, uma das principais formas de violação dos direitos humanos das mulheres, que afeta a saúde, integridade física, emocional e patrimonial. Veja um panorama das ações nos estados.

Arquivo MST -GO

DA PÁGINA DO MST

Em Gameleira, mata sul do estado, 300 mulheres Sem terra ocuparam o Engenho Pereira Grande, que pertence a Usina Estreliana, em protesto contra o monocultivo da cana de açúcar e o trabalho escravo no estado. Em Petrolina, 500 camponesas ocuparam a fazenda da empresa Copa Fruit. Paralelamente, outras 300 mulheres da Via Campesina ocuparam a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Recife.

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012


por Reforma Agrária

PARANÁ

no novo Código Florestal, aprovadas na Câmara e no Senado. Arquivo MST-SP

ALAGOAS Em Maceió, 1.200 trabalhadoras rurais do MST ocuparam a sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para denunciar os riscos da aprovação das alterações no Código Florestal e cobrar Reforma Agrária. As mulheres camponesas também realizaram uma marcha em Maceió e no município de Delmiro Gouveia.

Em Belo Horizonte, 500 mulheres da Via Campesina e da Marcha Mundial das Mulheres ocuparam a sede do Incra, para cobrar o assentamento de 3.700 famílias que vivem em condições precárias no estado, à espera da Reforma Agrária. Há seis anos nenhuma área é desapropriada para assentamento em Minas Gerais.

RIO GRANDE DO SUL 600 mulheres ocuparam o prédio da secretaria do Ministério da Fazenda e liberaram o pedágio do município de Guaíba. As trabalhadoras exigiram a liberação de recursos para a desapropriação de terras para assentar as famílias acampadas no estado, e cobraram programas para resolver os problemas causados pela seca para as famílias camponesas.

MARANHÃO

SÃO PAULO Em São Paulo, cerca de 500 mulheres do MST e diversas entidades parceiras realizaram mobilização em frente ao Tribunal de Justiça de São Paulo, em denuncia a setores do Poder Judiciário que impedem a desapropriação de áreas para a criação de assentamentos de Reforma Agrária.

TOCANTINS Cerca de 300 mulheres da Via Campesina, movimento estudantil, movimento de defesa dos direitos humanos e da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), marcharam mais de 8km

BAHIA

na cidade de Palmas e acamparam em frente à Assembleia Legislativa, onde realizaram vigília. As Mulheres reivindicaram o veto da presidenta Dilma Rousseff ao novo Código Florestal.

Em Alcobaça, Sul da Bahia, no dia 01/03, mais de 1.100 mulheres camponesas ocuparam a fazenda Esperança, de propriedade da empresa paulista Suzano Papel Celulose, para cobrar do Incra agilidade nos processos de desapropriação dos latifúndios em áreas do monocultivo de eucalipto.

RIO DE JANEIRO Mulheres do campo e da cidade realizaram protestos como parte da jornada nacional de Luta das Mulheres da Via Campesina, em denúncia ao novo Código Florestal, o modelo do agronegócio e para exigir soberania ambiental.

PARÁ Em Marabá, 600 trabalhadoras rurais ocuparam a superintendência do Incra e do Ibama, para exigir o assentamento das famílias acampadas e políticas públicas para os assentamentos já existentes na região.

PARAÍBA Em Sousa, região de Patos, cerca de 500 mulheres do MST ocuparam a fazenda Santana, para denunciar a utilização exagerada de agrotóxicos na produção de algodão, na Mesorregião do Sertão Paraibano, o que tem causado problemas de saúde para os trabalhadores e a comunidade que vive na região.

SANTA CATARINA

CEARÁ Em Fortaleza, no dia Internacional da Mulher, 600 mulheres do MST bloquearam a Avenida Washington Soares, no Bairro Edson Queiroz. O protesto exigia o veto integral da presidenta Dilma Rousseff às mudanças no Código Florestal.

No município de Bom Jesus das Selvas, cerca de 800 trabalhadoras rurais do MST e da cidade realizaram manifestação para cobrar dos governos municipal, estadual e federal uma política para a Reforma Agrária e Reforma Urbana. A manifestação encerrou o Encontro de Mulheres sobre Soberania Alimentar e contra as mudanças no Código Florestal.

Arquivo MST-RJ

MINAS GERAIS

Em Curitiba, mais de duas mil pessoas participaram da Marcha das Mulheres do Campo e da Cidade: Por Justiça Social e Ambiental. As camponesas denunciaram os malefícios do agronegócio, a violência do capital e do patriarcado contra a mulher e protestaram contra a aprovação do novo Código Florestal. No dia 06/03, cerca de 1.000 trabalhadoras Sem Terra ocuparam a sede do Incra para cobrar agilidade na desapropriação das áreas para o assentamento de 6 mil famílias que permanecem acampadas no estado.

SERGIPE Cerca de 1.200 mulheres realizaram uma marcha do assentamento Quissamã, em São Cristóvão (SE), localizado a 17 km da capital, até Aracaju, onde realizaram manifestação na sede do Incra, cobrando medidas concretas para a efetivação da Reforma Agrária no estado.

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

No município de Passos Maia, cerca de 200 mulheres da Via Campesina participaram de um Encontro de Mulheres Camponesas, para debater o uso abusivo dos agrotóxicos e seus males e reafirmar a necessidade do veto integral da presidenta Dilma Rousseff às mudanças no Código Florestal.

11


INTERNACIONAL No norte do país, trabalhadores rurais dos movimentos camponeses são mortos pelo latifúndio

SÍLVIA ALVAREZ JORNALISTA, VIVEU EM HONDURAS EM 2011

NESTE MÊS DE ABRIL, fomos às ruas exigir nosso direito à memória e à verdade. Por meio dos “esculachos” aos ex-ditadores e torturadores que, durante mais de 20 anos, interromperam um período democrático e de ascenso popular no Brasil, denunciamos a impunidade. Não que os dias de hoje estejam assim muito fáceis, mas foram tempos difíceis aqueles em que não podíamos exercer nem sequer nosso direito à organização, à reunião. Quando quase ninguém imaginava que seriam possíveis golpes de Estado civil militares na América Latina, o presidente hondurenho Manuel Zelaya Rosales, eleito pelo voto popular, acordou em 29 de junho de 2009, com barulhos de tiros na madrugada do dia anterior. Foi até a sacada do seu quarto e viu seu segurança rendido em frente ao portão. Teve sua casa invadida e foi levado, ainda de pijama, à base militar estadunidense de Palmerola, localizada a uma hora de Tegucigalpa. Dali foi expulso do país e enviado à Costa Rica. A população foi imediatamente às ruas protestar contra o golpe e foi duramente reprimida. Estamos falando do ano 2009, século 21.

Desafio da frente é manter unidade para enfrentar a repressão De lá pra cá, eleições fraudulentas foram organizadas pelo Estado golpista e Porfírio Lobo Sosa, herdeiro do golpe, governa o país até hoje. Zelaya, que passou dois anos exilado na República Dominicana, após uma intensa luta da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), organização da qual é coordenador nacional, conseguiu retornar à sua pátria. Enquanto aqui nós lutamos pelo direito à verdade, lá eles lutam pela refun-

12

Fotos: Felipe Canova

Resistência enfrenta repressão na luta por democracia em Honduras

Frente luta pela refundação do país e restituição de direitos democráticos

dação do país e pela restituição dos princípios básicos da democracia.

Organização dos trabalhadores A FNRP (Frente Nacional de Resistência Popular), entidade que aglomera diversos movimentos contrários ao golpe - manteve-se meses ininterruptos nas ruas e quase três anos em resistência, em um país que foi sempre considerado “pacífico” e submisso aos Estados Unidos. Nos anos 80, por exemplo, Honduras era base dos Contras – exército contrarrevolucionário, apoiado pelos Estados Unidos, que pretendia minar a revolução sandinista na Nicarágua. Por essas lutas os golpistas não esperavam. No marco dos dois anos do golpe de Estado, a população em resistência, após intensos debates sobre qual a melhor forma de chegar ao “poder”, decidiu criar um novo partido, o Partido Liberdade e Refundação (Libre). Esse novo instrumento foi considerado uma alternativa ao bipartidarismo vigente no país e possibilitará a participação eleitoral em

2013. Na época de sua criação, Zelaya defendeu que esse deve ser um partido político que “combata a oligarquia; que se oponha à exploração do homem pelo homem e que não deixe que uma elite sequestre o poder do Estado para manter seus privilégios”. Fruto da diversidade ideológica que compõe a resistência hondurenha, o Partido Libre já nasceu com cinco correntes internas, sendo a principal delas a Força de Refundação Popular (FRP), liderada pela coordenação da FNRP. Como a atual Constituição de Honduras não permite a reeleição, a corrente FRP escolheu Xiomara Castro, esposa de Zelaya, como candidata à presidência pelo Partido Libre. As correntes concorrerão neste ano a cargos de condução do partido nas eleições internas.

mais um trabalhador rural foi assassinado. É na região do Aguán, norte de Honduras, onde estão enterrados a maioria desses mártires que lutaram por recuperar suas terras, pela soberania alimentar de seu país e por uma melhor qualidade de vida no campo. Também é nessa região onde se encontra a maior quantidade de terras férteis do país. A maioria delas concentradas nas mãos de poucos latifundiários. Foi no Aguán que aconteceu, em fevereiro, o Encontro Internacional de Direitos Humanos em Solidariedade com Honduras, com a presença de movimentos e organizações populares de várias partes do mundo, inclusive o MST. Esse importante encontro tornou evidente a continuidade do golpe de Estado em Honduras e sua expressão em todo o aparato institucional responsável pela impunidade e pela agudização da violência. Só no Aguán foram contabilizados 45 assassinatos em dois anos. O desafio da resistência hondurenha, que tanto nos deu exemplos de luta nesses quase três anos desde o golpe, é a unidade. As diversas forças que integram o movimento de resistência hondurenho precisam focar na bandeira comum – a da refundação de Honduras – para reverter o processo em curso de repressão, impunidade e aprofundamento do modelo neoliberal no país.

Luta no campo A mídia internacional insiste em tentar passar a mensagem de que está tudo bem e estável por lá. A aparente calmaria da situação política de Honduras, porém, é abalada toda vez que os movimentos camponeses anunciam:

Zelaya, líder do FNRP, defende combate à oligarquia

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012


LUTADORES DO POVO Cinco mil pessoas participaram de inauguração de memorial e homenagem a João Pedro Teixeira

DO SETOR DE COMUNICAÇÃO*

Arquivo MST

Um memorial para as lutas camponesas ainda não foi realizada”, disse. “Há 50 anos, tiros do latifúndio abateram João Pedro Teixeira. Ele tombou no chão da história como um valente que não se curvou ante forças poderosas”, comentou o ex-deputado constituinte Agassiz Almeida. “O MST teve como embrião as Ligas Camponesas e a história de luta de homens como João Pedro Teixeira, Francisco Julião, Pedro Fazendeiro e tantos outros companheiros”, disse João Pedro Stedile, do MST.

O MEMORIAL DAS Ligas Camponesas foi inaugurado em 2 de abril, em um ato com 5.000 pessoas, no município de Sapé, na Paraíba, que celebrou também a vida de luta de João Pedro Teixeira, líder camponês, ao completar 50 anos da sua morte. João Pedro Teixeira, assassinado pelo latifúndio no dia 2 de abril 1962, foi um dos fundadores das Ligas Camponesas de Sapé, em 1958, juntamente com Biu Pacatuba, João Alfredo, Pedro Fazendeiro e Ivan Figueiredo.

“Eu sei que vou me matar. Eu sei que a Reforma Agrária vai demorar. Haverá tempos de derrota. Não desanimem. Mas nossa luta vai ficar como brasa, escondida nas cinzas. Até que um dia renascerá, com toda força, e como fogo, será invencível. E um dia, o povo brasileiro terá Reforma Agrária.” Frase impressa em um cartaz, retirada de um discurso de João Pedro Teixeira

O memorial fica no povoado de Barra de Antas, na casa onde moraram João Pedro Teixeira, sua esposa Elizabeth Teixeira e seus 11 filhos. A inauguração contou com a presença do governador Ricardo Coutinho, o arcebispo Dom José Maria Pires, parlamentares, representantes de entidades de classe e órgãos de defesa dos direitos humanos. Coutinho destacou a presença histórica de Elizabeth Teixeira, Agassiz Almeida, Assis Lemos e Francisco Julião (representado pelo seu filho Anacleto Julião) nas lutas camponesas do Nordeste. “O memorial resgata a história das lutas camponesas e, ao mesmo tempo, dizer ao

Museu resgata as lutas das Ligas Camponesas no nordeste

povo paraibano que estamos bem próximos dos trabalhadores rurais, a fim de trazer dias melhores e recuperar uma parte das lutas agrárias deste país, que não podem ser esquecidas”, disse o governador. “A maior dificuldade para instalar o memorial foi o ódio daqueles que implantaram a ditadura no país, que além de matarem muita gente, quiseram apagar da memória do povo documentos da época”, revelou Coutinho. As homenagens começaram com uma caravana, que visitou o túmulo de João Pedro Teixeira no Cemitério Velho de Sapé. Participaram da atividade militantes e ativistas de movimentos sociais e antigos militantes daquela época. Depois foi realizada uma caminhada pelas ruas do município - assim como os camponeses faziam na década de 1960 - que terminou na sede do memorial. Na Praça João Pessoa - onde as Ligas faziam suas reuniões - discursaram personagens históricos das lutas camponesas. Com palavras carregadas de emoção, Elizabeth Teixeira relatou o seu calvário após a morte de João Pedro. “Mesmo carregando o peso dos meus quase 90 anos, estarei sempre lutando pela Reforma Agrária no Brasil, que

Elizabeth Teixeira em frente ao túmulo de João Pedro

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

*Com informações do Centro de Referências em Direitos Humanos do Agreste da Paraíba

O surgimento das Ligas Camponesas em Pernambuco JOSÉ VALENTIM ALVES DOS SANTOS MILITANTE DO MST DE PERNAMBUCO

As Ligas Camponesas surgiram por volta de 1955, tendo como sua primeira experiência o Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, na região Metropolitana de Pernambuco. Com a desapropriação desse engenho, o Movimento se expandiu por diversos estados brasileiros, sendo que na região Nordeste foi mais atuante. As Ligas desempenharam nos anos 50 e 60 o papel de organizar os camponeses para que pudessem reivindicar seus direitos trabalhistas e deixam de ser explorados pelas grandes oligarquias agrárias. A organização era formada por associações compostas por homens e mulheres camponeses, que não reivindicavam apenas os direitos trabalhistas, mas tinham como objetivo a Reforma Agrária. O seu surgimento foi no contexto geral da crise cíclica do modelo de industrialização dependente, entre 1954 e 1964. Por volta de 64, aconteceu uma desarticulação dessas associações, por meio de um processo imposto pela Ditadura Militar marcado por violência e

mortes. O Engenho Galileia era uma propriedade rural com exploração pelo sistema de arrendamento. Em 1954, o valor do aluguel das parcelas de terra era muito superior às possibilidades de pagamento dos arrendatários. As tentativas no sentido de rediscutir o valor das rendas e de evitar a expulsão de camponeses em débito foram fracassadas. As oligarquias temiam que iniciasse no campo um processo de “comunização” que se expandiria por todo o território nacional, e tentaram construir a imagem de que as Ligas eram um movimento ilegítimo. A desapropriação do Engenho Galileia, em 1959, foi antecedida por mobilizações na cidade do Recife, que reuniram centenas de agricultores nas proximidades da Assembleia Legislativa e do palácio do governo. A luta pela desapropriação foi muito acirrada, mas ficou marcada como exemplo de que aqueles que não desistem dos seus objetivos saem vitoriosos. Essa vitória rendeu bons frutos para o movimento camponês e serviu como estimulo para expansão de outras Ligas em diversos estados brasileiros, como na Paraíba.

13


LITERATURA Escritor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971, destacado como o poeta da humanidade violentada

Internet

Neruda: o poeta do amor e da Revolução GABRIELA DIAS COLETIVO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

PABLO NERUDA nasceu Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto, em 12 de julho de 1904, em Parral, no Chile. É considerado um dos mais importantes literatos do século 20. Ainda adolescente, adotou o nome de pena Pablo Neruda (inspirado no escritor checo Jan Neruda). Um dos maiores poetas da literatura contemporânea, foi um militante comunista, engajado na luta da classe trabalhadora e por uma América livre. Sua obra é plena de emoção e marcada por humanismo.Aos 20 anos, contou o amor e a ausência da mulher amada no livro “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada” (1924), que está entre os livros mais conhecidos da literatura mundial. Neruda foi cônsul na Espanha quando estourou a Guerra Civil Espanhola,

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,e tiritam, azuis, os astros, ao longe”. O vento da noite gira no céu e canta. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu a quis, e às vezes ela também me quis...

a tive entre os meus braços. A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito.

E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la. A noite está estrelada e ela não está comigo.

Ela me quis, às vezes eu também a queria. Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. Minha alma não se contenta com tê-la perdido.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.

Poema 20 (trecho), em “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada”

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. Internet

Em noites como esta eu

em 1934. Identificou-se com o exército popular, ainda que devesse ser neutro por prestar serviços diplomáticos. Deposto de seu cargo com a guerra, voltou ao Chile. A partir desse momento, iniciou uma nova fase, de poesia comuni-

tária, combativa e a vida militante. Em 1945, saiu candidato ao Senado chileno pelo Partido Comunista, na ampla coalizão para apoiar José Antonio Ríos Morales à presidência, e se elegeu. Ríos Morales, que havia sido eleito presidente, faleceu no ano seguinte. Gabriel González Videla passou a ocupar a presidência, instaurou a censura na imprensa e deu início a uma onda de repressão. Neruda escreveu o poema “Canto Geral” como uma resposta poética à traição de Videla e às injustiças históricas na América Latina. Em 1970, Neruda foi indicado a candidato à presidência do Chile pelo Partido Comunista, mas abdicou em favor de Salvador Allende, como candidato único da Unidade Popular. Já doente, em tratamento de um câncer de próstata, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971, destacado como “O poeta da

Perguntareis: e onde estão as lilas? E a metafísica coberta de amapolas? E a chuva que com frequência golpeava suas palavras as enchendo de buracos e pássaros? (…) Perguntareis por que sua poesia não nos fala do sonho, das folhas, dos grandes vulcões de seu país natal? Venham a ver o sangue pelas ruas, venham a ver o sangue pelas ruas, venham a ver o sangue pelas ruas! Espanha no coração

14

51 obras traduzidas em todo o mundo Na obra de Pablo Neruda, destacamse Residência na Terra (1933), España en el corazón (1937, inspirado na Guerra Civil Espanhola), Canto Geral (1950), Cem sonetos de amor (1959), Memorial de Isla Negra (1964), A espada incendiada (1970) e a autobiografia póstuma, Confesso que vivi (1974). No total, são 51 obras, traduzidas para mais de 35 idiomas. humanidade violentada”. Em 23 de setembro de 1973, após 12 dias do golpe de Estado no Chile, liderados pelos militares apoiados pelo imperialismos estadunidense contra Allende, Neruda morreu por consequência do câncer. É a tua paz o que amamos, não a tua máscara. Não é formoso o teu rosto de guerreiro. És formosa e vasta, América do Norte. Vens de humilde berço como uma lavadeira junto dos teus rios, branca. Edificada no desconhecido, é a tua paz… Amamos o teu homem com as mãos vermelhas do barro do Óregon, o teu menino negro que te trouxe a música nascida na tua comarca de marfim; amamos a tua cidade, a tua substância, a tua luz, os teus mecanismos, a energia do Oeste, o pacífico mel, de colmeia e povoado, o homem robusto no trator, a aveia que herdaste de Jefferson, a roda murmurante que mede os teus oceanos terrestres o fumo da fábrica e o milésimo beijo de uma colónia nova: o teu sangue lavrador é o que amamos, a tua mão popular coberta de óleo (…) Que desperte o lenhador (trecho), em Canto Geral

JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012


Um século de luta Para não esquecer Junho 02 Criação da Organização para Libertação da Palestina, OLP, 1964 04 Nascimento de Pancho Villa, 1878 13 5° Congresso Nacional do MST, 2007 14 Nascimento de Ernesto “Che” Guevara, 1928 14 Nascimento de José Carlos Mariátegui, 1894

O documentário “Luiz Poeta, uma história de 103 anos” retrata a vida do Seu Luiz, que mora em um assentamento do MST em Promissão (SP). Baiano de Paramirim, agricultor e poeta, pai de oito filhos e avô de 47 netos, tem ainda 75 bisnetos e 20 tataranetos. Com as idéias em ordem, fala sobre o tempo, os filhos, a terra, o Brasil e não se esquiva quando o assunto é política. Luiz Beltrame de Castro vive no interior de São Paulo há

muitos anos. Lutou pela reforma agrária e conseguiu um pedaço de terra em Promissão, a pouco menos de 500 quilômetros da capital paulista. É o fruto de muita caminhada. Ele marchou com o MST

diversas vezes pelo país, como do Rio de Janeiro a Brasília a pé, quando tinha “apenas” 95 anos. Direção: Bruno Benedetti, Fábio Eitelberg, Patrick Torres, Pedro Biava e Rafael Stedile.

18 Golpe militar na Guatemala, 1954 20 Morre Clara Zetkin, revolucionária alemã, 1933 21 Nascimento de Luís Gama, líder abolicionista, 1830 21 Nascimento de Machado de Assis, 1839 25 Independência de Moçambique, 1975

Após 10 anos de guerra de resistência e independência, a Frente de Libertação de Moçambique e Portugal assinam os acordos que reconhecem a independência do país africano, dominado pelos portugueses desde o século 16. Após a independência, Moçambique se declarou uma República Socialista.

Campanha lança cartilha para trabalho de base com agricultores A cartilha Plantando o Amanhã, voltada para o trabalho de base com camponeses, agricultores, assentados e trabalhadores rurais, é um instrumento para organizar a sua luta local e avançar na construção dos comitês da campanha. O material apresenta elementos para o trabalho de base, como um conjunto de métodos para animar e organizar a companheirada na busca de soluções para nossos problemas. Cada capítulo apresenta sugestões de oficinas para cada tema, que devem ser adaptadas para a realidade local, dialogando com os elementos e materiais disponíveis. Baixe a cartilha na página do MST e na página da campanha www.contraosagrotoxicos.org/

Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável O livro de Miguel Altieri, que tem forte influência na disseminação da agroecologia no Brasil, é referência para profissionais e instituições oficiais de ensino, de pesquisa e de extensão rural. Diante da evolução teórica, prática e política da Agroecologia, a terceira edição do livro chega para dar uma contribuição distinta das anteriores. O setor do agronegócio não consegue mais ocultar os efeitos maléficos de sua lógica criminosa de apropriação da natureza e de expropriação de direitos sociais. O livro pretende contribuir no processo de internalização do modelo agroecológico nas instituições que incidem sobre os rumos do desenvolvimento rural.

26 Nascimento de Salvador Allende, 1908

www.radioagencianp.com.br JORNAL SEM TERRA • MAR/ABR/MAI 2012

15


O Dicionário de Educação do Campo apresenta uma síntese da compreensão teórica e prática da Educação do Campo. O livro tem 113 verbetes, formulados por 107 autores, sobre conceitos e categorias que expressam fundamentos filosóficos e pedagógicos. A Editora Expressão Popular, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio e Fiocruz lançam o livro, que está articulado em torno dos eixos campo, educação, políticas públicas e direitos humanos. O dicionário é leitura obrigatória para educand@s dos movimentos sociais!

www.expressaopopular.com.br

Alameda Barão de Limeira, 1232 Campos Elíseos CEP 01202-002 - São Paulo/SP

ASSINATURA ANUAL: R$ 30,00

IMPRESSO


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.