Crédito: Raul Spinassé
ENTREVISTA
MST
Dalmo Dallari fala sobre o faz de conta eleitoral
Uma visita a Iaras
Jorge Pereira Filho
Ricardo Lisias
EM PAUTA
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15 anos de luta pela terra no Mato Grosso
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Por Keka Werneck
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POLÍTICA
As milícias do agronegócio Carlos Juliano Barros
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O Censo e os agrotóxicos: o uso seguro é possível? Raquel Maria Rigotto
A maré negra do capitalismo Por Igor Fuser
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No aeroporto – a chegada INTERNACIONAL
Terra ocupada, ambiente destruído Arturo Hartmann
Fábio Luís
“Na ENFF o conhecimento serve para libertar consciências”
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Por Beatriz Pasqualino e Maíra Kubík Mano
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RETRATO SOCIAL
TROCANDO IDEIAS
Por José Arbex Jr.
A pesquisa nas Ciências Sociais e as elites agrárias brasileiras
ESTUDO
Leonilde Servolo de Medeiros
Personagens do desenvolvimento Raul Spinassé
RESENHA
Revoluções em fotografia
Um ano de repressão Renato Godoy de Toledo
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A rentabilidade dos bancos brasileiros Leda Paulani
Lógica destrutiva, modelo agroexportador e exploração do trabalho (I) Ricardo Antunes
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SEÇÕES
Editorial Balaio Companheiros e companheiras
A canção popular e o jingle (parte 1) Walter Garcia
Zapata e Villa cem anos depois Enrique Rajchenberg S.
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Charge
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Por Bira
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editorial
As eleições e os movimentos sociais de determinado partido político, seguindo suas convicções Os períodos eleitorais trazem complicações adicionais aos – pelo menos teoricamente! – político-ideológicas já movimentos sociais. As lutas sociais ficam relegadas ao segundo definidas e identificada com um programa partidário. plano, frente à enxurrada de notícias e peças publicitárias Acrescenta-se à natureza dos movimentos sociais sua geradas pelas campanhas. Governos e partido aliados enxerfinalidade de, preservando sua autonomia e respaldandogam as lutas populares com um olhar de contabilista desconfiase na sua capacidade de combatividade e organização popudo, apenas ávido por saldos eleitorais: as lutas sociais conlar, buscar a negociação com o Estado burguês. Nas sábias quistam ou perdem votos para as nossas candidaturas? Corpalavras do mestre Florestan Fernandes: não se deixar riqueiramente, eles temem as lutas populares em períodos cooptar, não se deixar esmagar, obter conquistas sempre! eleitorais. A mídia burguesa e os partidos conservadores aproVale lembrar: os períodos eleitorais são veitam a oportunidade para tentar isolar os movimentos sociais, instrumentalizados pelo Estado para legalmente inibir ou estigmatizando-os como violentos, arruaceiros e, até mesmo, diminuir as conquistas econômicas e políticas dos inimigos dos interesses do país – como se alguma vez na história movimentos sociais. Com o argumento de restringir a do nosso país a burguesia e a mídia fossem defensoras dos atuação do poder Executivo, interesses do povo brasileiro. para que os recursos públicos não Quando não há uma força política É possível aproveitar o período sejam utilizados, direta ou com capacidade de dar unidade em torno de um programa político para para elevar os conhecimentos indiretamente, em benefício do seu partido político, penaliza-se o país, os períodos eleitorais políticos dos militantes os movimentos sociais que têm aumentam as tensões e fragilizam suas pautas de reivindicações as ações comum entre os ditadas, predominantemente, por momentos conjunturais. movimentos populares e as organizações políticas que se É preciso esperar passar o período eleitoral para que se contrapõem aos interesses da classe dominante. Prevalece possa obter alguma conquista econômica através da luta um cenário de disputas de interesses próprios. social. Com isso, inibe-se a luta social e separa-se, Internamente os movimentos sociais também se institucionalmente, esta da disputa eleitoral. defrontam com uma situação sui generis nesses momentos. No entanto, é possível sim aproveitar os períodos eleitorais Por mais que um movimento social seja organizado, tenha para elevar os conhecimentos políticos dos militantes sociais, unidade na sua ação política e um bom número de indo além dos calendários e mandatos. É preciso usar a militantes e quadros políticos, sua natureza será sempre oportunidade para promover uma reinterpretação da de movimento social e não de partido político. A base sorealidade brasileira, repensando e redefinindo as formas de cial dos movimentos é composta por segmentos sociais organização e de lutas da classe trabalhadora, trabalhando que se sentem contemplados por bandeiras de lutas na construção de uma força hegemônica que tenha a puramente econômicas, expressadas por determinadas capacidade de se comunicar com a sociedade para enfrentar organizações populares. É longo e desafiador o caminho os interesses do capital e superar a sociedade burguesa. que essa mesma base social deve percorrer para perceber Esses desafios passam, necessariamente, pela nossa que seus problemas específicos estão relacionados com os capacidade de organização, mobilização e formação política. problemas de sua classe social e com a organização política Somente com esses pré-requisitos as conquistas no campo da sociedade. É um ingresso na política diferente do da institucional também serão significativas. pessoa que, individualmente, toma a decisão de participar EXPEDIENTE - Revista Sem Terra – Ano XII – Nº 55 – Set/Out 2010 Conselho Editorial: Adelar Pizzeta, Ana Chã, Antonio Biondi, Antonio David, Beatriz Pasqualino, Bernadete Castro Oliveira, Heloísa Fernandes, João Paulo Rodrigues, José Juliano de Carvalho, Neuri Rosseto, Marcelo Buzetto, Nina Fideles, Ricardo Antunes, Verena Glass, Walter Garcia e Wladyr Nader. Editores-chefes: Beatriz Pasqualino (MTB 42.355/SP) e Jorge Pereira Filho (MTB 00.000/SP). Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Secretaria de produção: Nina Fideles e Pedro Nogueira. Revisão: Pedro Nogueira. Divulgação, publicidade e assinaturas: Mary Cardoso. Colaboraram nesta edição: Adelar Pizetta, Arturo Hartmann, Beatriz Pasqualino, Bira, Carlos Juliano Barros, Enrique Rajchenberg S., Fábio Luís, Igor Fuser, José Arbex Jr., Keka Werneck, Leda Paulani, Leonilde Servolo de Medeiros, Maíra Kubík Mano, Marcelo Luis B. Santos, Neuri Rossetto, Raquel Maria Rigotto, Raul Spinassé, Renato Godói de Toledo, Ricardo Antunes, Ricardo Lisias, Verena Glass, Walter Garcia. Impressão: Gráfica Unisind. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Alameda Barão de Limeira, 1.232 - Campos Elíseos – CEP 01202-002 – São Paulo – SP – Tel/fax: (11) 2131-0840 – Correio eletrônico: revistasemterra@mst.org.br – Página na internet: www.mst.org.br. Para assinaturas da Revista Sem Terra, escreva para assinaturas@mst.org.br.
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entrevista
Um faz de conta eleitoral Jorge Pereira Filho
A fábula é conhecida. De tempos em tempos, as campanhas políticas ganham as ruas, pautam a sociedade, e os cidadãos são convocados a opinar sobre os rumos do país. Mas esse momento, que deveria ser o auge de um processo de participação popular, está longe de corresponder a uma consulta democrática, de fato. “Trata-se de um sistema que é inevitavelmente corrupto e corrompedor”, avalia o jurista Dalmo Dallari. Para ele, o poder econômico interfere de modo definitivo no
processo eleitoral. Candidatos que arrecadam mais estão mais próximos da vitória; uma vez no poder, são devedores dos compromissos assumidos com seus financiadores, que acabaram favorecidos para políticas públicas. Professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Dalmo Dallari é autor de diversos livros sobre o papel do Estado; entre eles, destacam-se Elementos de teoria geral do Estado e O futuro do Estado (ambos pela Saraiva). Nessa entrevista, o jurista afirma que a distorção do processo democrático explica, em parte, a desigualdade social no Brasil.
Revista Sem Terra: Os três principais candidatos à Presidência declararam que pretendem gastar R$ 427 milhões na campanha eleitoral. Um hospital recém-lançado em São Paulo, o Tiradentes, custou R$ 120 milhões e atende a cerca de 25 mil pessoas por mês. Qual a moralidade desse processo eleitoral? Dalmo Dallari: Isso é uma demonstração de imperfeição do sistema. Na verdade, é absurdo o gasto de quantias imensas para obter a manifestação da vontade do povo. De fato, em termos de democracia real, permanente, a manifestação da vontade deve ser parte da rotina de um povo. Mas, além desse gasto absurdo, existe outro aspecto que é um agravante muito sério: evidentemente, com custos tão elevados, há um favorecimento de quem tem mais dinheiro para gastar. Há uma distorção evidente em favor do poder econômico. Isso tudo deveria provocar uma discussão séria, urgente, a fim de aperfeiçoar o processo eleitoral para que não fique tão sujeito a interferências do poder econômico.
RST: Mesmo porque não se sabe o quanto, de fato, se gasta, a quem se deve...
“A empresa gasta porque tem a expectativa da retribuição; amanhã ela vai ser favorecida pela destinação de recursos públicos”
DD: Há uma forma expressa, uma publicidade em torno dos gastos que todos sabem que está muito longe da realidade. Há duas dimensões, a que aparece, o gasto ostensivo, mas existe outra, que não aparece, ou que mal aparece, ou que se revela pelos sinais, com peso muito maior e com muitas circunstâncias. Nós estamos vivendo um faz de conta; qualquer pessoa razoavelmente esclarecida, informada, sabe que os dados declarados são apenas uma parte. Já a parcela não declarada é um fator de corrupção de diferentes maneiras. Isso tudo está exigindo uma discussão séria para a mudança profunda do sistema eleitoral. RST: São montadas estruturas partidárias apenas para as arrecadações... DD: Já se tem informação de que as máquinas partidárias estão mobilizando muito dinheiro, comprando eleitores, montando esquemas para o dia da votação. Na verdade, trata-
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entrevista recursos públicos para a área em que ela atua. Ou então será beneficiada porque o político eleito à custa de seu financiamento terá muita influência no governo. Ou seja, poderá ajudar a definir as contratações ou as prioridades, e isso interessa à empresa. RST: O setor de construção é um exemplo de financiadores.
Dinheiro lavado: a política perde espaço para as campanhas milionárias
se de um sistema que é inevitavelmente corrupto e corrompedor. RST: Houve um recrudescimento dessas características nas últimas eleições? DD: O processo tem se mantido o mesmo tradicionalmente. Com pequeníssimas mudanças, é a mesma situação da República Velha, da Primeira República, da Nova República, não houve qualquer mudança substancial. A corrupção pelo poder econômico está muito presente no processo eleitoral há décadas. RST: Esse poder econômico, que financia as principais campanhas políticas, não o faz com desinteresse. Como fica depois a gestão do Estado? DD: Evidentemente, aquele que recebeu muito de um determinado financiador – de uma grande empresa ou um financiador particular – é um devedor. Então, ele vai pagar enquanto exercer a função pública de seu mandato. Vai retribuir o favor recebido usando os recursos públicos. Isso é inevitável e, em muitas situações, está mais que evidente. Há, no Congresso Nacional, bancadas que se definem como defensoras de determinados interesses, como a do agronegócio, que
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é poderosíssima. Parlamentares ligados a essa bancada são financiados pelo agronegócio e retribuem isso não com seus meios particulares, mas com seu mandato, com a destinação de recursos públicos. Na verdade, eles atuam como se fossem empregados do seu financiador eleitoral. RST: Ou seja, para as empresas, as eleições são um grande negócio lucrativo. DD: Sem dúvida, tudo se passa como um negócio. Com muita frequência, o candidato está procurando também uma forma de enriquecimento pessoal. Como é que pessoas que supostamente têm o seu tempo quase todo dedicado a uma função pública conseguem aumentar tanto seu patrimônio tão rapidamente? É porque usam a função pública como uma forma de ganhar dinheiro, e não estão interessados em servir o povo. RST: Mas e para as empresas? Afinal, elas não gastariam milhões de reais sem a certeza de que recuperariam esse investimento... DD: A empresa gasta porque tem a expectativa da retribuição; amanhã ela vai ser favorecida pela destinação de
DD: Ah, sim, esse setor tem um peso muito grande nas eleições por conta do volume das obras públicas, que movimentam recursos extraordinariamente elevados. Isso é um fator de atração. Mas temos vários outros setores; até mesmo empresas da área de educação participam do financiamento de campanhas eleitorais. Por quê? Elas têm a expectativa de que vão se beneficiar depois. RST: Ou seja, é o Estado brasileiro financia o lucro privado desde as eleições. DD: Esse é um traço muito negativo, que impede o Brasil de viver na sua pureza um sistema democrático. É um aspecto fundamental esse, que precisa ser repensado, rediscutido para se ter novas regras. RST: Isso se reflete também no debate eleitoral, político? Hoje os candidatos cada vez mais têm discursos mais próximos... DD: O que se verifica é que ninguém quer entrar em conflito com os financiadores ou candidatos. Há uma adaptação do discurso eleitoral para deixar o caminho aberto à celebração de acordos. RST: E esse ciclo se repete, uma vez que o político tentará se reeleger. DD: É isso que muitos parlamentares, no exercício de seu mandato de uma função pública, fazem: investem ape-
entrevista nas em sua continuidade. Querem se reeleger, para exercer influência no governo e manter a situação que lhes proporciona proveito pessoal. RST: Enquanto isso, a imensa maioria da população fica alijada de representatividade; calcula-se que um deputado federal eleito gasta, em média, cerca de R$ 2 milhões em sua campanha. DD: Essa representatividade é muito distorcida, muito precária. De fato, muitos deles, embora usando um mandato popular, assumindo a postura de representantes do povo, na verdade, são representantes de grupos determinados. Não é difícil de verificar isso pelo comportamento dos que se elegeram. Ou seja, é a influência sobre projetos de lei, sobre a fixação de políticas, sobre o estabelecimento de prioridades. Tudo isso é retribuição pelo financiamento recebido ou a receber. É uma distorção que explica também porque existe tamanho desnível na sociedade. Existem aqueles que estão próximos do centro de riqueza e se beneficiam, embora não sejam eles os titulares da riqueza; e há os que estão distante, sem poder de pressão, e ficam em uma espécie de marginalidade. Mas é interessante lembrar que esse fenômeno não é só brasileiro. Ainda agora se verificou nos Estados Unidos quando o presidente Barack Obama fez um trabalho no sentido da universalização do direito à saúde, o que revelou que milhões de estadunidenses não tinham qualquer acesso ao sistema. Porque eram pessoas que tinham uma posição de submissão no quadro econômico estadunidense.
participação popular, e isso é um avanço considerável. É o exemplo dos conselhos de saúde, de educação, a gestão democrática das escolas públicas. Mas aqui há um ponto importante a levar em conta: desde o século XVIII, discute-se se a democracia representativa é a verdadeira democracia. Contudo, pelas condições sociais e geográficas, os Estados Unidos adotaram esse sistema – embora no momento da criação desse regime houvesse essa ressalva. Já reconhecia-se que ele estava distante do ideal democrático. RST: O financiamento público de campanhas a partir da representação partidária hoje consolidada resolveria a questão? DD: Na verdade, seria a consolidação de um sistema de desequilíbrios e privilégios. Se eu destino mais recursos a quem tem mais representantes, não mudo a situação. Eu vou manter sempre os privilegiados em situação de privilégio; os outros teriam de fazer um esforço enorme para diminuir essa desigualdade. Uma das modificações que poderia ter enorme influência seria a adoção
RST: Mas é correto destinar recursos do Estado para financiar campanhas políticas? DD: Eu considero que a campanha eleitoral é um serviço público, e o povo necessita disso. É bom para o povo, e é plenamente justificável a formação de um fundo eleitoral. Trata-se de um gasto destinado ao benefício público. E isso só ocorreria com a intensa campanha popular e o uso de todos os meios possíveis para que muitos tomem consciência de que o sistema seja, efetivamente, democrático. Porque, entre outras coisas, os que ocupam cargos públicos ou têm posição relevante na ordem econômica se opõem a qualquer aperfeiçoamento, não convêm a eles. RST: Um dos críticos dessa proposta é ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
RST: Que democracia é essa nossa, então? DD: Bem, temos de considerar que houve avanços também. A Constituição de 1988 criou vários mecanismos de
do sistema distrital; o candidato só poderia ser votado numa circunscrição relativamente pequena em que é conhecido e tem o contato direto com os eleitores. Diferente do sistema atual, no qual o eleitor não tem como chegar até seu candidato e externar seu pensamento. Fora a influência que teria sobre o custo das eleições, uma vez que o candidato faria a campanha apenas numa zona determinada. Há uma vinculação do eleito com determinado colégio eleitoral. Essas mudanças seriam importantes para a redução do peso do poder econômico.
Quem tem mais verba, tem mais visibilidade
DD: Naturalmente, o ministro vem de uma família de latifundiários, no Mato Grosso do Sul. Ele é exatamente a expressão de um sistema de privilégios. Vem de uma camada privilegiada, e não tem interesse que isso seja mudado, pois sua família pertence a esse grupo. É um ótimo exemplo de alguém bem-informado, tendo cultura e que coloca o interesse de sua família acima do interesse público.
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Fotos: Joka Madruga
política
As milícias do agronegócio Carlos Juliano Barros*
Em novembro de 2004, pistoleiros contratados pelo fazendeiro Adriano Chafik Luedy invadiram o acampamento Terra Prometida, assassinaram cinco trabalhadores rurais e deixaram feridos outros 20, na chacina que ficou conhecida como Massacre de Felisburgo, município localizado no Vale do Jequitinhonha (MG). Três anos depois, Valmir Mota de Oliveira, militante do MST conhecido como Keno, foi morto por uma empresa de segurança privada que tentava desocupar à força uma fazenda experimental da multinacional Syngenta. A empresa realizava experimentos ilegais com transgênicos em Santa Tereza do Oeste, no Paraná. Essas duas chacinas – de ampla repercussão nacional e internacional – são exemplos cabais de uma prática que está na raiz de
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A Polícia do Paraná investiga ataque de milícia armada contra o MST em 2007, em área da Singenta. À direita, MST denuncia milícias a deputados federais em Curitiba.
um grande número de sangrentos conflitos no campo brasileiro: a formação, por latifundiários, de milícias armadas. É difícil estabelecer um padrão sobre o funcionamento desses grupos destinados a reprimir à bala a luta pela Reforma Agrária. No Vale do Jequitinhonha, é mais comum que os fazendeiros recorram a seus próprios empregados para conter uma ocupação. “Alguns funcionários das fazendas, aqueles que fazem as atividades normais, com um dinheiro a mais, qualquer pouco que seja, já se oferecem isso. Mas quando os
fazendeiros suspeitam que vai acontecer alguma ocupação, eles contratam [gente de fora] também”, conta Antoniel Assis, liderança do MST na região. Já no Paraná, além da contratação de empresas de segurança privada, como ocorrido no caso Syngenta, a atuação de grupos armados a serviço do latifúndio também esteve diretamente ligada a uma banda podre da Polícia Militar (PM), e foi mais intensa entre 1999 e 2002, durante o segundo mandato do ex-governador Jaime Lerner – “inimigo declarado do movimento”, como define Cláudio
de Oliveira, do Setor de Direitos Humanos do MST-PR. Naquele período, a repressão à luta camponesa foi conduzida por entidades como a União Democrática Ruralista (UDR) e a Sociedade Rural do Oeste (SRO), com participação de policiais comandados pelo tenente-coronel Valdir Copetti Neves. Essa “parceria” chegou a receber a alcunha de Primeiro Comando Rural, uma referência à facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). “Quando havia uma ocupação de terra, os policiais ligados a essas milícias faziam o despejo com violência brutal, sem mandado de reintegração de posse e sem o oficial de Justiça”, conta Antônio Escrivão Filho, advogado da ONG Terra de Direitos. Essa articulação criminosa entrou na mira da Polícia Federal (PF), que montou a Operação Março Branco para investigá-la. Finalizado o inquérito, o Ministério Público Federal (MPF), em junho de 2005, moveu ação contra 19 indiciados por formação de quadrilha e tráfico internacional de armas, entre outros crimes. Porém, apenas recentemente, em dezembro de 2009, a Justiça Federal sentenciou Valdir Copetti Neves a 18 anos e 8 meses de prisão – ele ainda pode recorrer da decisão em liberdade. Apesar da condenação em primeiro grau, o tenente-coronel voltou à ativa durante o carnaval deste ano, quando, chegou a dar alguns tiros para o alto com o intuito de ameaçar os trabalhadores que ocupavam uma fazenda que ele próprio teria grilado de uma área da Embrapa, no município de Ponta Grossa. “Várias vezes o confronto esteve muito próximo de acontecer. Na verdade, só não ocorreu porque Ponta Grossa é muito perto da capital e esse foi um caso de muita visibilidade: a imprensa e a polícia sempre estiveram por perto”, explica Oliveira. No fim de fevereiro, porém,
Em 2009, 25 camponeses foram assassinados. As tentativas de homicídio chegaram a 62 (Fonte: CTP).
os trabalhadores do MST se retiraram da fazenda com o cumprimento da reintegração de posse. As denúncias sobre a atuação das milícias ruralistas no campo paranaense ganharam repercussão internacional. Em novembro de 2009, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Estado brasileiro por não punir os assassinos do trabalhador Sétimo Garibaldi, morto em 1998, no município de Querência do Norte, noroeste do Paraná. “Se as milícias talvez não estejam atuando com tanta intensidade, a impunidade em relação a todos os crimes que elas cometeram ainda está
muito presente no ambiente agrário do Paraná”, afirma Escrivão Filho. Pelo menos cinco assassinatos ainda não tiveram seus responsáveis punidos, avalia o advogado. No sul do Pará, um dos mais conturbados caldeirões de conflito por terra do país, a formação de milícias ruralistas guarda semelhanças com a ação que culminou com a morte de Keno. A contratação de empresas de segurança privada pela Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, braço do Grupo Opportunity do banqueiro Daniel Dantas, que já controla quase meio milhão de hectares na região, vem sendo alvo de denúncias por parte do MST e de outras entidades.
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política
Massacre de Felisburgo, em 2004, deixou cinco Sem Terra mortos; resultado da ação de milícias montadas por fazendeiros.
“Essas empresas estão oficializando a pistolagem”, critica José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra. Em abril de 2009, um confronto ocorrido na fazenda Espírito Santo, no município de Xinguara, deixou um saldo de um segurança e nove trabalhadores do MST feridos a bala – um, inclusive, resistiu milagrosamente a um tiro de escopeta na barriga. Apesar de ter seu cadastro regularizado na Polícia Federal, a empresa sediada no Tocantins e que prestava o serviço de segurança ao grupo de Dantas sequer tinha autorização para atuar no Pará, na época do incidente. Além disso, a Delegacia Especial de Conflitos Agrários (Deca) da Polícia Civil indiciou um funcionário da propriedade que não tinha porte de arma, mas que aparece atirando contra os Sem Terra nas imagens veiculadas em cadeia nacional pela Rede Globo. De acordo com os trabalhadores que ocupam a
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fazenda Espírito Santo, trata-se de um conhecido pistoleiro na região. Mas esse não foi o único episódio envolvendo seguranças privados a serviço da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara. Contando os feridos na Espírito Santo e em outros quatro confrontos semelhantes ocorridos ao longo de 2009 nas fazendas do Grupo Opportunity, um Sem Terra foi morto e outros 15 foram alvejados por balas, além de dois vigilantes que também acabaram feridos. Outro problema grave é a utilização irregular de armamento pesado pelos funcionários dessas empresas, em descumprimento às
Há denúncias sobre milícias armadas contra o MST em diversos estados.
normas estabelecidas pela PF. Na fazenda Maria Bonita, em Eldorado dos Carajás, outra que também se encontra ocupada pelo MST, os trabalhadores e trabalhadoras recolheram dezenas de cápsulas de escopeta calibre 12 e de pistolas 380 depois que seguranças dispararam contra um grupo de Sem Terra que procurava palha para remendar os barracos erguidos no acampamento, em maio do ano passado. Um dos agricultores sobreviveu até mesmo a três tiros enquanto corria para fugir da artilharia dos vigilantes. A CPT enviou um pedido formal ao MPF para que investigue a atuação dessas empresas de segurança no Estado e realizou uma audiência pública em Brasília, em 2009, para discutir a questão.
(*) Carlos Juliano Barros Jornalista.
política
O Censo e os agrotóxicos: o uso seguro é possível? Censo Agropecuario mostra que 56% dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotoxicos não receberam orientação técnica Raquel Maria Rigotto *
O Censo Agropecuário de 2006, divulgado apenas em 2010 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelou alguns dos impactos do uso de agrotóxicos em larga escala no Brasil. O país é o que mais utiliza produtos químicos no campo, e quem os administra são trabalhadores que, em sua maioria, não foram capacitados para essa ativividade insalubre.
Contexto
objetivando minimizar os riscos apresentados por agrotóxicos, seus componentes e afins” (Art. 2º, inciso II). Entre elas estão a obrigatoriedade do registro dos agrotóxicos, após (re)avaliação de sua eficiência agronômica, sua toxicidade para a saúde e sua periculosidade para o meio ambiente; o estabelecimento do limite máximo de resíduos aceitável em alimentos e do intervalo de segurança entre a aplicação do produto e sua colheita ou comercialização; a definição de parâmetros para rótulos e bulas; a fiscalização da produção, importação e exportação; as ações de divulgação e esclarecimento sobre o uso correto e eficaz dos agrotóxicos; a destinação final de embalagens etc. No que diz respeito aos trabalhadores, o Ministério do Trabalho deter-
mina que os empregadores realizem avaliações dos riscos para a segurança e a saúde e adotem medidas de prevenção e proteção. Esta Norma (NR 31 da Portaria 3214/78) sublinha ainda o direito dos trabalhadores à informação, ao determinar que sejam fornecidas a eles instruções compreensíveis sobre os riscos e as medidas de proteção implantadas, os resultados dos exames médicos e complementares a que foram submetidos assim como das avaliações ambientais realizadas nos locais de trabalho etc.
Sustentável? Mas no contexto em que vivemos hoje é possível fazer valer o uso seguro dos agrotóxicos? Vejamos alguns dados. Em primeiro lugar, é preciso saber a
Desde o começo da Revolução Verde, tem-se debatido o uso de agrotóxicos e suas implicações para o ambiente e a saúde humana. Ao que tudo indica, caminhamos para a aceitação de sua utilização, estabelecendo regras que garantam a proteção das diferentes formas de vida expostas aos biocidas – seria o paradigma do uso seguro, também aplicável a outros agentes nocivos, como o amianto. A legislação brasileira para a regulação dos agrotóxicos se constrói sob o paradigma do uso seguro. A Lei n° 7.802/89 e o Decreto nº 4.074/2002 atribuem aos ministérios da Agricultura, Meio Ambiente e Saúde a competência de “estabelecer diretrizes e exigências
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política
A falta de equipamentos de segurança na hora da aplicação dos produtos é um dos maiores problemas no uso de agrotóxicos.
magnitude do uso do agrotóxico no Brasil: somos o país que mais consumiu químicas agrotóxicas no mundo em 2008. Foram 673.862 toneladas – o que corresponde a cerca de 4 quilos de agrotóxicos por habitante. Isto rendeu US$ 7,125 bilhões para a indústria química (Sindag, 2008). São 470 ingredientes ativos, apresentados em 1.079 produtos formulados (Meirelles, 2008). Diante desse quadro, para garantir o uso seguro dos agrotóxicos, seria preciso fiscalizar 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupam uma área correspondente a 36,75% do território nacional. São 16.567.544 pessoas dedicadas ao setor – incluindo produtores, seus familiares e empregados temporários ou permanentes –, o que corresponde a quase 20% da população ocupada no Brasil. Além deles, também seria necessário acompanhar
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a proteção dos trabalhadores nas categorias de usos não agrícolas, como os comerciantes destes produtos e os funcionários das fábricas. Isso, claro, sem mencionar os moradores do entorno das indústrias e todos os consumidores de alimentos, que podem ser contaminados com doses diárias de veneno. É nessa hora que pesam as deficiências das políticas públicas. Não faltam exemplos sobre as dificuldades de implementação do receituário agronômico ou notícias sobre o uso de produtos ilegais. Mais que isso, há que considerar as condições políticas para adotar a legislação reguladora: tome-se aqui, por exemplo, a ação incisiva do segmento ruralista no sentido de dificultar a reavaliação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de agrotóxicos já banidos
por diversos países, inclusive a China – como é o caso do metamidofós e do paration metílico.
Qualificação profissional Além disso, outra dificuldade para adotar medidas mitigadoras de risco e protetoras da saúde que é, de acordo com o IBGE, a grande maioria dos produtores rurais é analfabeta e mais de 80% têm baixa escolaridade. Há também um recorte de gênero: entre as mulheres, que respondem por cerca de 13% dos estabelecimentos agropecuários, o analfabetismo chega a 45,7%, enquanto entre os homens, essa taxa é de 38,1%. As regiões Norte (38%) e Nordeste (58%) concentram os maiores percentuais. Não se pode considerar a priori que baixa escolaridade signifique pouco conheci-
política mento: há extenso e fecundo saber popular e tradicional entre os diferentes grupos de trabalhadores do campo, mas não exatamente em relação aos agrotóxicos, produto da civilização ocidental urbano-industrial. Agravando esta condição de vulnerabilidade, acrescente-se que há mais de 1 milhão de crianças com menos de 14 anos de idade ocupadas com a agropecuária e quase 12 milhões de trabalhadores temporários, o que dificulta a capacitação e o acúmulo de experiência profissional. Outro dado importante é que a assistência técnica continua muito limitada, sendo praticada em apenas 22% dos estabelecimentos – aqueles cuja área média é de 228 hectares. O Censo Agropecuário de 2006 mostra que mais da metade dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu orientação técnica (785 mil ou 56,3%). O pulve-
PARÁ – 2002–2008
rizador costal, que é o equipamento de aplicação que apresenta maior potencial de exposição aos agrotóxicos, é o utilizado em 973 mil estabelecimentos. As embalagens vazias são queimadas ou enterradas em 358 mil estabelecimentos e 296 mil estabelecimentos não utilizaram nenhum equipamento de proteção individual. E nos que utilizaram, a maioria adotou apenas botas e chapéu.
vigilância e assistência pelos órgãos públicos; e a ampliação da participação dos atores sociais no processo de tomada de decisões, entre outros. Quanto tempo, recursos e vidas demandaria isso? A intervenção para o uso seguro teria ainda que desenvolver estratégias específicas para os diferentes contextos em que o risco se materializa, considerando, por exemplo, que apenas a soja consumiu a metade destas 673 mil toneladas,
“Uso seguro” Para implementar de maneira consequente e responsável o paradigma do “uso seguro” dos agrotóxicos, seria preciso conceber um vultoso e complexo programa, que incluiria a alfabetização dos trabalhadores; a sua formação para o trabalho com agrotóxicos; a assistência técnica; o financiamento das medidas e equipamentos de proteção; a estrutura necessária para o monitoramento, a
Resultados insatisfatórios*
Cultura
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Alface**
8,67
6,67
14
46,45
28,68
40
19,80**
Banana
6,53
2,22
3,59
3,65
N
4,32
1,03
Batata
22,20
8,65
1,79
0
0
1,36
2
Cenoura
0
0
19,54
11,30
N
9,93
30,39
Laranja
1,41
0
4,91
4,70
0
6,04
14,85
Mamão
19,50
37,56
2,5
0
N
17,21
17,31
Maçã
4,04
3,67
4,96
3,07
5,33
2,9
3,92
Morango
46,03
54,55
39,07
N
37,68
43,62
36,05
Tomate
26,10
0
7,36
4,38
2,01
44,72
18,27
Abacaxi
9,47
Arroz
4,41
Cebola
2,91
Feijão
2,92
Manga
0,99
Pimentão
64,36
Repolho
8,82
Uva
32,67
N = analises não realizadas * Os resultados referem-se aos estados: AC, BA, DF, ES, GO, MG, MS, PA, PE, PR, RJ, RS, SC, SE, TO ** Grupo químico ditiocarbamato não analisado na cultura da alface em 2008
Para garantir a segurança, seria preciso fiscalizar 5,2 milhões de estabelecimentos seguida pelo milho com 100 mil e a cana com 50 mil toneladas. Ou seja, só nestes cultivos do agronegócio já teríamos cerca de 70% do consumo de agrotóxicos no país. Quais as estratégias para viabilizar o uso seguro neste setor? Talvez caiba aqui a analogia do “brinquedo perigoso demais para ficar na mão de criança”: precisamos reconhecer que, por enquanto, não temos condições de fazer o uso seguro. E como as consequências dos agrotóxicos para a vida também são graves, extensas, de longo prazo e algumas irreversíveis ou ainda desconhecidas, não seria o caso de priorizar a eliminação do risco, como quer a legislação trabalhista? Não estaria na hora de ouvir ambientalistas, movimentos sociais, trabalhadores e profissionais de saúde que vêm, há décadas, falando e fazendo agroecologia?
Raquel Maria Rigotto * Médica, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC. Coordenadora do Núcleo TRAMAS. Conselheira Titular do Conselho Nacional de Saúde, representante FBOMS (Fórum de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento).
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trocando ideias
A pesquisa nas Ciências Sociais e as elites agrárias brasileiras Leonilde Servolo de Medeiros*
Desde os anos 1970, operou-se uma formidável mudança no perfil das elites agrárias brasileiras, derivada não só da modernização da agricultura, mas também de processos sociais e políticos a ela ligados e que permitiram a emergência de novos atores, ainda muito pouco conhecidos a partir de uma perspectiva sociológica. A modernização da agropecuária brasileira e a sua expansão para as regiões Centro-Oeste e Norte ocorreram concomitantemente a um processo de migração de capitais, tanto especulativo, quanto produtivo. Além de vastas extensões de área esperando valorização, verificou-se também a instalação de plantas industriais que se deslocam ou constroem novas unidades nos lugares por onde se difunde essa produção moderna. A expansão da cana e a da agroindústria ligada à avicultura são ilustrativas. A esse processo corresponde um amplo movimento migratório, que envolve grupos sociais distintos. De um lado, nos primeiros momentos, pequenos agricultores pauperizados por efeito da própria modernização no Sul do país foram seduzidos pela possibilidade de acessar lotes de terra em projetos de colonização. Muitos deles não foram bem-sucedidos e retornaram ao sul, alimentando a demanda por terra no local de origem. De outro, há os produtores relativamente bem-sucedidos que buscaram áreas para ampliar seus negócios. Parte deles tornouse pequenos, médios e grandes empresários, com base no cultivo de grãos, numa conjuntura em que políticas governamentais, tanto de crédito quanto de pesquisa agronômica, tornaram possível, por exemplo, a transformação dos cerrados (em Mato Grosso, Goiás, Piauí, Maranhão, Oeste Baiano) em campos de soja. Essas mudanças provocaram o deslocamento das populações locais (indígenas, posseiros, pequenos agricultores etc), desestruturando seu modo de vida. Também implicaram outras levas migratórias em busca de emprego. Com isso, reproduziram-se condições de exploração do trabalho já bastante conhecidas na história brasileira, mas também surgiram novas ocupações especializadas e melhor remuneradas, que atraíram outros tantos trabalhadores. Ou seja, o processo de modernização da agricultura criou novos personagens ainda pouco conhecidos e novas denominações, como o termo agronegócio.
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Um dos poucos investimentos das Ciências Sociais no sentido de compreender essas mudanças é o livro de autoria de Regina Bruno, publicado no final de 2009, pela editora Mauad e editora da UFRRJ, intitulado Um Brasil ambivalente: agronegócio, ruralismo e relações de poder. Nele a autora busca contribuir para desvendar o pensamento das elites que têm um papel central nesse processo, bem como as implicações disso, explorando as consequências do uso do termo agronegócio pelo empresariado rural, como “expressão da modernidade e de um novo modelo de desenvolvimento que atende aos interesses e às necessidades de toda a sociedade”. Como mostra Bruno, este tende a diluir a questão agrária e, ao mesmo tempo, construir uma leitura própria da questão ambiental e da sustentabilidade. A autora também discute a renovação nas formas de associação empresarial (com a proeminência de associações por produto ou agregando interesses de grupos específicos, a expansão de cooperativas etc), indicando a O processo de emergência de uma nova elite que, longe de rommodernização criou per com a antiga, assupersonagens como me alguns de seus valores básicos: a defesa da o agronegócio propriedade e da livre iniciativa e o constante apelo ao Estado tanto para perdoar suas dívidas, como para criar a infraestrutura necessária à expansão dos seus negócios. Indo além das análises que tratam essas elites de uma forma extremamente simplificadora e reducionista, o estudo de Regina Bruno busca mostrar as suas formas de ação e organização, os princípios que articulam seu pensamento, suas ambivalências, como a autora gosta de repetir. Longe de esgotar o assunto, o livro nos instiga a intensificar a reflexão e abre muitas possibilidades de pesquisa sobre um tema que pouco tem sido valorizado nas Ciências Sociais, mas que se revela fundamental para a compreensão das diferentes faces de nossa modernidade. Desnecessário ressaltar o quão importante são, do ponto de vista político, estudos como esses. (*) Professora do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
internacional
A ocupação israelense sobre a Cisjordânia impede o desenvolvimento de projetos sociais e econômicos; com o controle sobre 80% das águas e 60% das terras, Israel veta iniciativas de sustentabilidade ambiental no território Arturo Hartmann*
As terras na Palestina não são apenas ocupadas. As ações levadas adiante para que Israel as mantenha sob seu controle também conduzem, aos poucos, à sua destruição ambiental. Numa tarde fria de janeiro, Alice Gray, uma ambientalista inglesa, me recebeu no local onde mantém, em conjunto com voluntários do mundo inteiro, um programa permanente de de promoção de culturas agrícolas sustentáveis. A iniciativa está encravada numa área rural afastada apenas 10 minutos do centro de Beit Sahour, município no distrito de Belém. “A ideia é promover
culturas nas quais se possa viver de forma sustentável e permanente. Trata-se de estabelecer sistemas que não façam com que o solo fique exausto, lidando com ele dentro dos limites do que possa oferecer.” Gray tenta ser didática para um leigo como eu. Explica que o conceito nasceu da proposta de dois ambientalistas australianos, Bill Mollison e David Holmgren, que é o “de tentar imitar sistemas naturais de forma sustentável e permanente, saber lidar com as mudanças climáticas”. Na Palestina, mais especificamente nos territórios ocupados, mudanças climáticas aliam-se a outros empecilhos. Beit Sahour fica ao sul da
Cisjordânia, numa faixa de território desértico até o Mar Morto e a fronteira com a Jordânia. Para terras mais férteis nesta área da Palestina, teríamos que nos deslocar para o norte. Terrenos verdes podem ser vistos a partir da cidade de Jericó e em todo o vale do Jordão. Aos palestinos, porém, isso é proibido, pois esta área é conhecida como Área C, definida pelos Acordos de Oslo, sob controle civil e militar da força de ocupação israelense. Na pouca terra que os palestinos, ou uma ativista ambiental como Alice Gray, podem trabalhar, estamos de fato em terrenos mais áridos. Alice teve seu primeiro contato com a
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internacional Palestina em 2004, morando em Beit Sahour. A partir desse momento, foram constantes idas e vindas a esta parte do mundo. A ambientalista inglesa fez seu doutorado e retornou à Palestina para atuar no setor de desenvolvimento da Arji (Applied Research for Jerusalem). O impasse que a levou a colocar a mão na massa e criar a iniciativa ambiental Bustan Qaraqa veio em seu trabalho seguinte, quando escrevia relatórios sobre as condições ambientais na Palestina para ONGs. “Nessa época, eu estava em uma posição deprimente para alguém na área de monitoramento ambiental. Eu dizia e explicava às pessoas que elas tinham di-
aspecto da tomada de terras, em duas partes. Uma delas é o controle que Israel exerce no vale do Jordão, onde instalou assentamentos de agricultura. “Ali eles têm interesses estratégicos militares, além de ser uma região extremamente fértil e produtiva, você pode ter culturas o ano inteiro. Há pessoas ganhando muito dinheiro. Além de estarem em uma posição privilegiada de controlar o acesso à água”, relata Alice. A outra face da ocupação é a dos assentamentos – vilas, em alguns casos, do tamanho de cidades – encravados na Cisjordânia, ou Judeia e Samaria, como os documentos oficiais da administração israelense não se esquivam em chamá-la. E aqui, a peça mais recente é o Muro da Separação. Os palestinos o chamam de Muro da Vergonha ou do Apartheid. Os israelenses, num jogo de semântica que quer fazer dele algo que ele não é, o chamam de Cerca de Segurança. Alice enxerga aí um imenso potencial destrutivo ao ambiente. “Sabemos que um dia o Muro será derrubado, mas até lá fará muitos estragos”. Por um momento a entrevista é atrapalhada pelo cachorro de estimação de Bustan Qaraqa. David Bowie, nome que lhe deram as voluntárias, uma americana e outra norueguesa, pula na dona. Esqueço por um momen-
nheiro e boa vontade, mas que não podiam realizar qualquer projeto de desenvolvê-lo. Olhe para Gaza, há dinheiro alocado para reconstruções, mas alguma coisa foi realizada? Não, pois as fronteiras estão fechadas. Israel dificilmente deixa entrar cimento ou qualquer outro material de construção. E na Cisjordânia os israelenses controlam 80% da água e 60% da terra. Então qualquer coisa que você faça tem que lidar com essa realidade”. Uma viagem pela Cisjordânia é como montar o quebra-cabeça dessa realidade, dessa engenharia da ocupação, enxergar as peças que montam o controle sofisticado sobre esta terra. Como no caso dos relatórios ambientais que levavam Alice à frustração, reportagens jornalísticas podem ter o mesmo efeito. Aliamo-nos a trabalhadores de direitos humanos e de organizações internacionais para escrever um inventário da ocupação que não tem perspectivas para acabar. Podemos dividir a ocupação, sob o
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Fotos: Arturo Hartmann
Olhe para Gaza, há dinheiro alocado para reconstruções, mas alguma coisa foi realizada? Não, pois as fronteiras estão fechadas.
to que estou em uma terra ocupada, na famosa Palestina do conflito interminável. Aqui, galos também cantam. Alice devolve-me à realidade. “Você já viu Har Homa? É um assentamento enorme. Lá eles destruíram uma grande área florestal. Antigamente, a administração israelense considerava aquele espaço área verde. Por isso, os palestinos não podiam construir.” Em conversa com Mier Margalit, vereador de Jerusalém pelo partido Meretz e membro do Comitê Israelense contra a Demolição de Casas de Jerusalém (Icahd), fui apresentado à legislação de construções e demolições de casas para Jerusalém Leste, onde foi levantado Har Homa. Na mesa do israelense, mapas. Esse conflito é feito de um interminável conjunto de mapas sobrepostos. Ele me explicou, em resumo, que as negações para palestinos construírem se dão por motivos políticos. “Tenho certeza de que no Brasil isso acontece por motivos urbanísticos.” O mapa que me mostra envolve uma região que sai dos arredores ao sul de Ramallah, limite com Jerusalém, até o norte de Belém. Nesta última parte está Har Homa. As casas pré-fabricadas impressionam ao serem avistadas no horizonte de quem chega a Belém. À noite, quando tudo que se vê são as luzes das ruas e dos prédios, um observador desavisado pode-
Para um desavisado, as casas israelenses poderiam se passar por palestinas
internacional ria achar que aquele complexo de moradias faz parte da cidade palestina. De volta ao mapa. Em Jerusalém Leste ocupada, a lei dos anos 1970 define zonas verdes, onde é proibida a construção de casas; a zona azul, “os bairros israelenses”; e a zona púrpura, a zona residencial dos palestinos. Se “alguém” construir na área verde, a casa será demolida. Aqueles que vivem na “zona púrpura” não conseguem licenças facilmente: se não houver infraestrutura – como eletricidade, água, esgoto –, não ganham permissão. “A municipalidade lhe dirá que você pode bancar a construção da infra, mas o fato é que isso pode custar caro. Se você está a 50 metros de um assentamento, pode puxar daí, mas se está a 5 km, fica impossível. De um dia para o outro, resolveram que não precisavam mais daquela área verde e construíram, nos anos 1990, Har Homa”, desabafa Alice.
“O que existe é uma guerra contra trabalhadores rurais” Alice Gray
Esse anel de assentamentos que acompanha o Muro ao redor de Jerusalém é apenas um entre outros que fragmentam a Cisjordânia. A inglesa ainda destaca outros dois: o assentamento de Ariel, mais ao norte do território, que engolfa a cidade de Salfit e chega a cercar Qalqilya; e o de Gush Etzion, encravado no caminho entre Belém e Hebron, parte mais sul da Cisjordânia. “Todas essas áreas têm terras muito férteis, valiosas e de rica produção para a agricultura.” Uma das mais afetadas é a vila de Beit Ummar, que fica no distrito de Hebron. Visitei-a com Alice. Ela foi a uma reunião com o Movimento de Solidariedade à Palestina, uma rede que congrega apoio internacional a iniciativas dentro dos territórios ocupados. Por lá,
O “Muro da Vergonha”, como é chamado pelos palestinos e por ativistas internacionais
os palestinos tentavam dar forma a protestos contra a tomada de terras agriculturáveis da vila. Queriam de Alice uma opinião consultiva de como poderiam fazer algo relacionado ao uso da terra. O Comitê Popular local pretende consolidar formas de protesto pacífico como o da vila de Bil´in. Tinham o plano inicial de montar uma green house junto ao Muro que a separa de suas terras nos limites com o complexo de assentamentos de Gush Etzion. Alice rechaçou a ideia. “Precisa de muita água.” O comprometimento dela com a política é o mesmo com a natureza. Ou melhor, uma coisa não está separada da outra, ainda mais na atual situação da ocupação à Palestina. “O que existe, a meu ver, é uma guerra contra trabalhadores rurais. É só ver as ações de Israel contra protestos e demonstrações pela tomada de terras. Eles são a primeira linha de combate, digamos assim.” Alguém interrompe Alice. É sua vizinha. Ela grita algo em árabe. Alice responde e agradece. “Shukran.” Explica: “ela vai doar o lixo para virar composto de fertilização para a plantação”. Para a ambientalista, Israel quer expulsar os fazendeiros de suas terras para que possam destruir a economia e acabar com os meios de sustento das pessoas. Assim, teriam que recorrer ao “vizinho” para conseguir comida e água. “Vão colocá-los em uma máquina de suporte de vida através da qual Israel controla todos os caminhos.”
E como isso se dá na prática? “Por não ter soberania ou instituições soberanas, a Palestina teve um crescimento populacional e alguma industrialização, mas não desenvolveu infraestrutura. Há apenas uma unidade de produção de energia em Ramallah, e é isso para 2,3 milhões de palestinos. A Autoridade Palestina controla as áreas urbanas, todas já ocupadas e sem terrenos livres. Um outro problema é não haver uma estação de tratamento de água no meio da cidade. É possível fazê-lo, mas todo o desenvolvimento de projetos de água deve ter a aprovação israelense. Sobre o tratamento de lixo, há o dinheiro, mas você precisa de terras para ter unidades de processamento. Hoje o que se faz na Palestina é juntar o lixo, levar para o deserto e queimá-lo.” Essa engenharia da ocupação vai fechar a Cisjordânia nesses guetos e trechos de território sem conexão, ou que não oferecem qualquer possibilidade de sustentabilidade em um futuro Estado. É a solução que o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Sallam Fayyad, parece estar inclinado a aceitar. Mas se os palestinos não gostarem dessa vida em guetos que eles levam, podemos ter uma repetição nesta Cisjordânia da guerra de 2008, em Gaza. (*) Arturo Hartmann Jornalista
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Fotos: Brasil de Fato
internacional
Honduras
Um ano de repressão Após golpe que derrubou presidente Manuel Zelaya, país vive período de crise econômica e repressão velada; frente contra o golpe é maior força política de Honduras Renato Godoy de Toledo * de Tegucigalpa (Honduras)
A aparente normalidade do cotidiano hondurenho, transmitida pelo noticiário internacional, não resiste a uma simples caminhada pelas ruas de Tegucigalpa. Não há um quarteirão sequer do antigo centro da capital sem as marcas da resistência ao golpe de Estado que derrubou o presidente Manuel Zelaya em junho de 2009. Pichações da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), constituída desde aquele momento, exigem a
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volta imediata de “Mel” Zelaya ao país. “Urge Mel” é a frase mais lida nos muros da cidade. Xingamentos dirigidos aos golpistas e a jornalistas dos tradicionais meios de comunicação são frequentes. Nas principais vias de passagem da população, militantes contrários ao golpe colhem assinaturas para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. A expectativa da FNRP é ter 1,2 milhão até setembro. Em 28 de junho de 2009, os hondurenhos iriam às urnas para decidir se, nas eleições gerais de novembro, seria convocado um referendo para definir a instalação de uma Constituinte. Mas o pleito foi frustrado pelo sequestro do presidente, surpreendido de pijama na residência oficial e levado à Costa Rica. Hoje, Zelaya reside na República Dominicana, por questões de segurança jurídica.
Quase todos os dias, há algum tipo de vigília ou marcha para pressionar pelo fim do que os movimentos hondurenhos classificam de falsa democracia, que tampouco é reconhecida pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Democracia aparente O direito à livre manifestação – parcialmente assegurado pelo regime hondurenho – pode insinuar um arrefecimento da repressão. No entanto, a realidade denunciada pelos movimentos sociais é outra. Há constantes ameaças a dirigentes, assim como prisões e assassinatos. Estes últimos têm crescido de forma vertiginosa na capital, em San Pedro Sula e outros centros urbanos. Fontes oficiais afirmam que se trata de um aumento da violência urbana. Opositores do regime hondurenho apontam que os crimes políticos estão sendo
internacional travestidos de crimes comuns. Os números evidenciam, no entanto, uma relação com o conturbado momento político do país. O número de homicídios de janeiro a abril de 2010 foi de 1,2 mil pessoas – mais que em todos os doze meses de 2009. E janeiro foi quando o atual presidente, Porfirio Lobo, tomou posse após ser o vencedor das eleições de novembro, organizadas pelo regime golpista. “Eles vêm em motos e atiram, sem justificativa. Nós, da resistência, evitamos sair à noite, nos expor. Se há qualquer confusão, vão tentar nos incriminar e nos deter. Definitivamente, não nos sentimos mais seguros, nem em casa”, revela um militante da FNRP. O temor faz sentido. Dias após o golpe de Estado, grupos paramilitares ou estatais – não se sabe ao certo – passaram a espalhar terror pelo país atirando a esmo contra a casa de pessoas, identificadas com os movimentos sociais. Na sede da Via Campesina na capital, ainda há uma marca de bala na porta do sobrado. Os disparos foram feitos dias após o golpe; ninguém foi atingido. Uma professora, que prefere manter sua identidade em sigilo, afirma que sofre perseguição no trabalho e ameaças no celular. “Como sabem que estou 100% envolvida na resistência, sou visada no trabalho. Já mataram muitos companheiros nossos e as ameaças são constantes”, explica.
Frente heterogênea A resistência continua forte, mas sofre com cisões. O então partido de esquerda União Democrática (UD), por exemplo, não boicotou as eleições pós-golpe, como clamavam as organizações sociais. Como resultado, obteve a pior votação de sua história, amargando a última colocação. Antes, a UD era a terceira força política do país, atrás do Partido Nacional e do Partido Liberal – uma confusa agremiação que abriga, ao mesmo tempo, políticos golpistas e pró-Zelaya.
População
7,8 milhões de habitantes
Expectativa de vida
70,2 anos – no Brasil, é de 72,8
Índice de 0,732 (112°) – Desenvolvimento similar ao da Humano Bolívia Moeda
Lempira
Produto Interno US$ 30,651 Bruto bilhões (102º do planeta em 2007) Após as eleições, o governo de Porfirio “Pepe” Lobo agraciou a UD com cargos governamentais, como o importante Instituto Nacional Agrícola. Apesar disso, há setores do partido que participam de atividades da resistência, como na marcha do dia 28 de junho, que marcou o aniversário do golpe. “A Frente é integrada por indígenas, camponeses, sindicalistas e artistas, ou seja, diversos odos os segmentos da sociedade, o que é muito importante. Por isso, tem se convertido na principal força social e política do país”, analisa Rafael Alegría, dirigente da Via Campesina e da FNRP.
Próximos passos A consolidação desse campo de forças sociais tem fomentado um debate sobre uma possível institucionalização do movimento, contemplando uma participação eleitoral. “Isso está em discussão. Temos a constatação de que somos uma força social e política. O que se discute é se será constituída uma frente ampla, um partido político ou se a FNRP é uma força aglutinadora e mobilizadora da cons-
ciência do nosso povo. Creio que, agora, não há por que se mobilizar para um processo eleitoral, pois, nos marcos atuais, isso seria impossível, já que o controle político e a estrutura das eleições estão nas mãos da ditadura. Não me refiro a essa de Micheletti [Roberto Micheletti, que assumiu a presidência com a deposição de Zelaya], mas a uma ditadura de mais de cem anos de dois partidos políticos”, aponta Alegría. Alguns setores da frente, como o do dirigente da Via Campesina, deixam claro que a prioridade para o momento é a luta para a aprovação de uma Constituinte. Já os setores da frente identificados com o Partido Liberal defendem que a volta de Zelaya ao país e a Assembleia Constituinte são bandeiras urgentes e indissociáveis. Por essa razão, eles acabam sofrendo críticas internas pelo suposto excesso de culto à personalidade do ex-mandatário. Rasel Tomé, membro do Partido Liberal e assessor de Zelaya, afirma que, a pedido do presidente, os seus correligionários tentam manter a unidade da legenda dentro da FNRP, ainda que haja aqueles que apoiam o golpe. “Nós integramos a frente como políticos progressistas. Nós, liberais de resistência, estamos cada vez mais unidos. Se houver divisão, deixaremos o país na mão das oligarquias. Estamos unidos dentro da diversidade”, avalia. De acordo com Tomé, o processo da Constituinte deve ser atrelado à volta de Zelaya ao país porque ele seria o maior entusiasta do projeto. No entanto, ele regressaria como um cidadão comum, com garantias de segurança. Não seria uma volta ao poder, “como querem fazer crer as oligarquias”. O presidente atual, Pepe Lobo, chegou a convidar Zelaya a retornar a Honduras. No entanto, os apoiadores de Mel apontam que um regresso na atual conjuntura não lhe garantiria direitos políticos, por conta da composição da Corte Suprema, nem preservação de sua integridade física.
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Sandra Cuffe
internacional
Economia do país sente o golpe de Tegucigalpa
No pós-golpe hondurenho, a deterioração do cenário político se refletiu na piora das condições de vida. Além de sofrer com a instabilidade institucional, o país amarga as consequências da crise financeira internacional. O desemprego atinge cerca de 1,2 milhão de pessoas, em um país de menos de 8 milhões de habitantes. Um terço dos hondurenhos vive com menos de vinte lempiras (a moeda local) diárias – o equivalente a um dólar – situação de pobreza extrema, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Com o salário mínimo elevado pelo presidente Manuel Zelaya, em 2008, parte da população aponta que o problema do desemprego é fruto da política “populista” do exgovernante. Hoje, o déficit total de Honduras chega a 20 bilhões de dólares, o que equivale a 142% do PIB registrado em 2009. No ano do golpe, o país apresentou uma retração econômica de 2%.
Altas taxas de desemprego e a falta de democracia motivam protestos no país
cinco membros vale 338 dólares. O descontentamento com o momento econômico do país não se limita apenas aos mais pobres. Nas classes mais altas, há uma reclamação contra os pacotes econômicos apresentados pelo governo de Porfirio Lobo, que têm como principal marca o aumento de impostos. No entanto, setores conservadores se valem das sanções econômicas promovidas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para argumentar que o problema hondurenho não tem relação com o golpe de Estado, mas com o bloqueio da ajuda financeira ao país centro-americano.
Classes altas Por decreto, Zelaya elevou o salário mínimo para 290 dólares, no caso dos trabalhadores urbanos, e para 214 dólares, dos rurais. Apesar das críticas do patronato e de setores conservadores, hoje, o salário mínimo considerado alto não supre as reais necessidades dos hondurenhos. Uma cesta básica com 30 itens para uma família de
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Direitos econômicos Gilberto Ríos, da FoodFirst Information & Action Network (Fian), avalia que há uma piora significativa da condição de vida em Honduras. “Além dos direitos humanos, o golpe tem repercussões na situação econômica e social do país se degradou ainda mais. Há um maior desemprego e diminuição da renda
da população e mais fome”, explica. Para o ex-candidato à presidência de Honduras, Carlos H. Reyes, a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), organização criada após o golpe de 2009, vem denunciando essa situação. De acordo com ele, que retirou sua candidatura independente no ano passado por considerar ilegítimo o processo eleitoral, a defesa de direitos econômicos e sociais tem sido tão importante para a FNRP como as bandeiras da volta de Manuel Zelaya ao país e da instauração de uma Assembleia Nacional Constituinte. “Esse governo já emitiu um pacote de impostos e tudo indica que vai impor outros. Estão nos levando aqui ao que está acontecendo na Grécia. Além de toda nossa luta pela Assembleia Nacional Constituinte, estamos em vigília em defesa dos nossos direitos sociais e econômicos. A situação no país piora por conta do desemprego e pelo fato de os EUA deportarem uma grande quantidade de imigrantes. Aqui não há trabalho”, relata. (*) Renato Godoy de Toledo Jornalista do Brasil de Fato.
trocando ideias
A rentabilidade dos bancos brasileiros Leda Paulani*
Estudo de uma renomada consultoria econômica indica que, considerado o conjunto formado pelos bancos dos Estados Unidos e os de todos os países da América Latina, os brasileiros destacaram-se como os mais rentáveis em 2009. O conceito utilizado nesse ranking foi o de rentabilidade patrimonial, ou seja, lucro dividido pelo patrimônio, ou, em outras palavras, taxa de lucro. Mais ainda, bancos brasileiros ocupam, segundo esse critério, as três primeiras posições da tabela e são os únicos latinos no conjunto, uma vez que o estudo só considerou as 20 instituições que possuem ativos com valor superior a US$ 100 bilhões. Como explicar tais resultados? Para encontrar as respostas é preciso, em primeiro lugar, retroceder um pouco no tempo. Na época das altas taxas de inflação, o lucro dos bancos deviase em grande parte ao imposto inflacionário – o ganho que existe por parte de quem emite moeda, ou seja, o governo, que emite a moeda manual ou corrente (as notas e moedinhas que carregamos conosco), e os bancos comerciais, que emitem a chamada moeda escritural (os cheques e débitos eletrônicos com os quais também pagamos à vista nossas despesas). Quem carrega moeda, não importa se manual ou escritural, sofre a desvalorização desse ativo quando ocorre inflação, perda essa que é apropriada, como se fosse um imposto, por quem emite a moeda. Assim, quanto mais elevada a inflação, maior o imposto inflacionário e maior o ganho dos emissores de moeda. Considerados os elevadíssimos níveis de inflação experimentados pela economia brasileira nos 15 anos que antecederam a adoção do Plano Real, os bancos praticamente não precisavam de outro tipo de ganho que não fosse o imposto inflacionário para ter sua lucratividade garantida. Assim, apesar de uma legislação governamental bastante rígida, que restringia quase completamente a cobrança de tarifas pelos serviços bancários, os bancos viviam uma situação bastante confortável. Por isso se especulava na época que, quando a inflação fosse debelada, o sistema bancário brasileiro passaria por sérios problemas. Mas tão logo o Plano Real surtiu efeito estabilizando monetariamente a economia, o governo de Fernando Henrique Cardoso resolveu a questão concedendo às instituições bancárias a autorregulamentação para tarifar, ou seja, os bancos passaram a decidir de forma inteiramente independente o
que cobrar e quanto cobrar de seus clientes. Em 2008, tentando conter um pouco esse movimento, mudanças nas regras de tarifação dos serviços foram impostas pelo Banco Central aos bancos, mas os resultados não apareceram. Ao contrário, estudo recente do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostra que, de abril de 2008 até fevereiro deste ano, os aumentos dos pacotes de serviços bancários chegaram a alcançar até 65,8% e os das tarifas avulsas até 328%, números evidentemente muitíssimo superiores à inflação do período, que não chegou a somar 10%. A outra razão que explica o desmesurado lucro dos bancos brasileiros é o tamanho do spread, ou seja, a diferença que existe entre o rendimento que eles pagam a quem aplica seus recursos e o que eles recebem daqueles que os tomam emprestados. Segundo estudo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) realizado o ano passado, o spread brasileiro é o maior do planeta, em média 11 vezes o dos países desenvolvidos e mais de 5 vezes o dos países em Bastaria vontade desenvolvimento. A esse respeito é preciso lembrar política para que uma das reformas que o governo neoliberais apoiadas, impulsionadas e sancionabarateasse o crédito das pelo governo Lula, foi a alteração da Lei de Falências, sob o argumento de que ela era muito condescendente com os devedores, enfraquecendo os contratos e produzindo um ambiente de incerteza, que acabava redundando nos elevados spreads bancários verificados. Feita a reforma, em 2005, nada mudou e estudos do próprio Banco Central realizados no final do ano passado mostram que a participação do lucro dos bancos no tamanho desse spread só tem feito crescer e encontra-se hoje em nível recorde. Bastaria vontade política para que o governo barateasse tanto o crédito quanto os serviços bancários, mas ele prefere se manter a distância, sob a alegação de que a concorrência vai fazer seu papel e disciplinar esses preços. Essa postura pode parecer irracional, já que a realidade cansa de mostrar o contrário, mas é absolutamente coerente com uma política econômica que tem operado, há quase duas décadas, sob a batuta do capital financeiro e do grande capital em geral. (*) Professora titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e autora de Brasil Delivery (Boitempo).
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Personagens do desenvolvimento Raul Spinassé *
O lugar comum na cena da luta pela Reforma Agrária são nossos embates com o latifúndio, a violência deste contra nós e as dificuldades de se viver acampados à beira das estradas. Porém, quando vem a posse da terra, conquista dessas lutas, um horizonte de novos avanços se abre para o assentado e a assentada. “Quando chegar na terra, lembre de quem quer chegar. Quando chegar na terra, lembre que tem outros passos pra dar.” Assim nos conta a canção, mais
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passos têm de ser dados para nos levar ao horizonte da utopia, do desenvolvimento local, dos territórios emancipados. A produção que colhemos da terra nos garante a sobrevivência, nossa inserção nas economias locais, a proteção à Mãe Terra, o convívio do trabalho familiar, a consolidação de um outro modelo de viver o mundo. Plantamos, com isto, a semente da educação do campo, a semente da cultura popular camponesa e colhemos uma identidade marcada pela autonomia e soberania do povo, pela
difusão de ideias de liberdade, numa mística que reinventa a sociedade pelos olhos do/a trabalhador/a. As imagens das páginas seguintes trazem personagens da Reforma Agrária, famílias acampadas, agricultores/as e suas produções, que depois de anos de luta, materializam a felicidade no chão de acampamentos e assentamentos do interior de Alagoas, gerando um desenvolvimento que reflete o jeito simples de viver no campo. (*) Fotográfo
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Uma visita a Iaras Eu sei que o Brasil tem uma enorme parcela da população conservadora. Sei também que boa parte dela acredita em tudo o que a TV fala. Mas é importante dizer para o movimento que existe, aqui na cidade, muita gente simpática ao MST Ricardo Lisias*
existe ladrão nenhum. Nunca tive dúvida disso, bem como sempre achei que a reforma agrária é absolutamente necessária para a justiça social no Brasil e, do mesmo jeito, se acredito que temos tudo para sentir vergonha do programa da Ana Maria Braga, também podemos ter um enorme orgulho do MST. Aqui na revista do Movimento, eu gostaria de discutir a tal opinião pública que parece estar incomodando tanto os amigos do movimento, sobretudo depois da ocupação da Cutrale. Eu sei, claro, que o Brasil tem uma enorme parcela da população completamente conservadora. Sei também que boa parte dela acredita em tudo o que a TV fala. Mas é importante dizer para os membros do Movimento que existe, aqui na cidade, muito mais gente simpática ao MST e à causa da Reforma Agrária do que parece. Logo depois da ocupação da Cutrale, eu descia o elevador do prédio onde moro com o jornal na mão. Encontrei-me com uma vizinha dentista que, com certeza, não faz ideia do que
Fotos: Ricardo Lisias
Estive em Iaras, no interior de São Paulo, para visitar os membros do MST e conhecer seu trabalho na região. Meu impulso partiu do constrangimento que eu estava sentindo depois de acompanhar o que a imprensa, de maneira geral, disse da ocupação da fazenda da Cutrale no final de 2009. Nunca acreditei exatamente no que os jornais falam. Quanto à televisão, simplesmente tenho repulsa e uso o aparelho quase que exclusivamente para assistir a filmes. O programa da Ana Maria Braga, que alguns assentados citaram, sempre me pareceu uma amostra do pior que o Brasil pode oferecer. Minha incredulidade era intensificada por um sentimento estranho, que me invadiu desde a primeira matéria que li sobre o episódio: o de que faltavam muitas informações para que a história (talvez eu devesse usar letras maiúsculas diante dessa palavra) fosse de fato contada. Em Iaras descobri que eu tinha razão. Jor-
nal algum fala da origem das terras, ninguém comenta quem é o proprietário das enormes plantações de eucalipto que eu vi atrapalhando os assentamentos e muito menos sobre a produção agrícola que os assentamentos oferecem às cidades da região. Infelizmente os ovos da minigranja da dona Cleonice que eu trouxe para São Paulo já acabaram. Mas eu continuo tomando, um pouquinho por dia, a cachaça que trouxe de outro assentamento de Iaras. Mas não é disso que eu quero falar. Não vou falar sobre o MST para a revista do Movimento... Há algo que me chamou atenção e que não coloquei no meu artigo sobre o tema publicado no jornal Le Monde Diplomatique Brasil – escrevê-lo, aliás, era o motivo principal da minha visita. Várias vezes, os assentados, os acampados e os líderes do Movimento reclamaram, para mim, da opinião que o público em geral tem deles. Em um dos acampamentos, inclusive, um dos moradores chegou a exclamar que ali, ele me garante, ao contrário do que alguns jornais estavam dizendo, não
Orgulho: a bandeira e o queijo do MST
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Em Iaras, a ordenha começa logo cedo
mst seja uma semente e um arado. Mostrei a notícia e ela, na mesma hora, disse que não acha justo que milhares de pessoas passem fome enquanto uns poucos fazendeiros enriquecem plantando laranja para exportação. Quando contei para os meus amigos, entre eles um engenheiro e um professor de xadrez, que estava indo visitar assentamentos e acampamentos do MST, todos gostaram da ideia. Na volta, fizeram mil perguntas e sem preconceitos ouviram com atenção o que eu contei. Nenhum deles acredita no que a televisão fala. Conheço muitas histórias desse tipo. Quando aconteceu o execrável massacre de Eldorado dos Carajás, eu era estudante em uma faculdade de elite, acho que na que recebe os alunos de maior poder aquisitivo do Brasil. Nunca me esquecerei: era dia de aula de literatura portuguesa, mais especificamente Eça de Queiroz. O primo Basílio não tem exatamente muita ligação com a Reforma Agrária. A professora, visivelmente chocada, entrou e passou a aula inteira falando, para uma sala muda e comovida, sobre a questão da Reforma Agrária no Brasil. No final, vários alunos, inclusive alguns dos mais ricos, estavam emocionados. Vale lembrar que um intelectual importante, Eric Nepomuceno, produziu um livro excelente sobre o assunto, O massacre, que foi ilustrado com o tra-
Depois do almoço no acampamento Maria Cícera
balho de Sebastião Salgado, o melhor fotógrafo do mundo. Estou querendo dizer com tudo isso que não acho que a opinião pública seja assim tão contra o MST. Existem os reacionários, não tenho dúvida. No entanto, parece-me que a campanha de desmoralização da mídia tem o objetivo na verdade de minar as forças do Movimento. O que os conservadores querem é que não haja mais a minigranja da dona Cleonice e que o senhor Cícero pare de ordenhar as vacas todo dia. Não pode acontecer! O Movimento não pode nos deixar, aqui na cidade, órfãos. Além da luta pela Reforma
Os Sem Terra produzem 3 mil litros de leite por dia
Agrária, o MST tem a tarefa de continuar existindo para mostrar também a dignidade brasileira, a cabeça erguida que eu vi no acampamento Maria Cícera, a impressionante consciência política dos assentados e a preocupação da vereadora Rosi com o transporte escolar das crianças. Se o Movimento desanimar, o mau gosto conservador vai conseguir mais uma vitória. Mas se depender do enorme orgulho que encontrei em Iaras, tenho certeza de que não vai ser assim, e eu me sinto na obrigação de dizer obrigado. (*) Ricardo Lisias Escritor, autor de, entre outros, O livro dos mandarins (Alfaguara).
Miguel planta verduras e frutas; à direita, Ricardo Lisias
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Quinze anos de luta pela terra no Mato Grosso
Hoje o Estado tem cerca de 400 famílias em 40 assentamentos, além de 5 acampamentos com 2500 famílias e 8 pré-assentamentos com 1170 famílias Keka Werneck *
O MST completou 15 anos de sua primeira ocupação no Mato Grosso, realizada em 14 de agosto de 1995 na fazenda Aliança. A data foi festejada durante uma semana, com debates, ato político e shows. Além disso, foi exibido um vídeo especialmente
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produzido para a ocasião. Para Rosângela Silva, da coordenação estadual do MST-MT, há muitos motivos para comemorar: “Fizemos diversas lutas massivas e organizada dos trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra; divulgamos os valores da militância, tais como o companheirismo e o trabalho voluntário; e elevamos o nível de consciência crítica”. Hoje o Mato Grosso tem cerca de 400 famílias em 40 assentamentos, além de 5 acampamentos com 2.500 famílias e 8 pré-assentamentos com 1170 famílias. Foram mais de 200 mil hectares de terra desconcentrados. Apesar dos números positivos, Rosân-
Fotos: MST-MT
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gela acredita que a maior conquista tenha sido na área da educação: “da préescola ao ensino médio, temos mais de 2 mil pessoas estudando. Realizamos também dois cursos em parceria com o Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) e a Unemat (Universidade do Estado do Mato Grosso), de Pedagogia e Agronomia”. A primeira turma de pedagogos, lembra, se formou em 1998. Rosângela ressalta ainda que existem “vários companheiros e companheiras estudando no Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário, do MST-MT, que tem capacidade para receber até 200 pessoas”. Entre os cursos, estão
mst a produção para o autossustento e em cooperativas e associações. A comemoração dos 15 anos, aliás, ocorreu na escola, foi prestigiada pela filha de Olga e Luiz Carlos Prestes, Anita Prestes, que leciona na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
Primeira ocupação A memória de Vanderly Scarabeli, um dos principais coordenadores do MST no MT, não falha. Numa salinha da secretaria estadual do Movimento, no bairro Alvorada, periferia de Cuiabá, ele nos conta como essa organização de luta por Reforma Agrária chegou ao Estado. Segundo Vanderly, só 10 anos após a primeira ocupação de terra feita pelo MST no Brasil, em 1985 no Rio Grande do Sul, o Movimento desembarcou no Mato Grosso. Isso ocorreu após o 7º Encontro Nacional do MST, em que a plenária aprovou como encaminhamento organizar os camponeses sem terra da região. Assim, algumas lideranças do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e de Rondônia ficaram com a tarefa de “aportar” na terra
do agronegócio e das monoculturas e mobilizar os trabalhadores. Na noite de 21 de janeiro de 1995, Vanderly chegou na rodoviária de Cuiabá com apenas uma mochila nas costas. “Começamos a fazer trabalho de base”, lembra ele. A equipe viajava para Jaciara, Juscimeira, São Pedro da Cipa, Rondonópolis, Pedra Preta. “Íamos rodando a região, fazendo reuniões. Nessas nossas andanças, chegamos a passar fome, mas valeu.” Sete meses depois, em 14 de agosto de 1995, chegava a hora de ocupar a primeira área. Cinco dias antes, em 9 de agosto de 1995, ocorrera o Massacre de Corumbiara, em Rondônia, no qual morreram 12 pessoas, entre elas uma criança de nove anos. O medo tomou conta das famílias. “Achei que poderia errado, mas resolvemos seguir adiante”, conta Vanderly. A mobilização era grande. Mais de 1100 famílias iam participar da ocupação, com cerca de 300 crianças. Por volta de meia-noite, os 50 veículos seguiram para a fazenda Aliança. Os Sem Terra permaneceram 20 dias na área, comprovadamente improdutiva. Um ano depois, em agosto de 1996, foi registrado o primeiro assentamento do MST no Mato Grosso.
Agricultores de Tangará da Serra colhem os frutos da Reforma Agrária
Desafios Apesar dos pontos positivos conquistados nesses últimos 15 anos, o latifúndio ainda prevalece no Mato Grosso. E no lugar de se expandir para o Sul, o agronegócio subiu o Estado, ocupando o Norte, na região da floresta amazônica. Assim, a questão ambiental tornouse também uma preocupação central para o Movimento. O tema é sempre colocado em pauta pelos Sem Terra, que buscam fazer que os assentados e a sociedade em geral entendam como se integrar ao meio ambiente e cultivar a terra respeitando a natureza. Para Rosângela os próximos 15 anos do MST no MT serão de muito suor. “Lutamos para que o Mato Grosso seja um Estado livre do agronegócio e do latifúndio atrasado; para que a nossa sociedade seja um território de homens e mulheres livres em seu sentido mais amplo, objetivo do MST também em nível nacional. Temos grandes desafios, mas eles só serão atingidos a partir do momento em que todos os trabalhadores adquiram uma consciência de classe.” (*) Keka Werneck Assessora de imprensa do MST-MT. Com colaboração de Maíra Kubik Mano.
Sem Terra se organizam para combater o latifúndio no MT
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“Na ENFF o conhecimento liberta consciências” Beatriz Pasqualino e Maíra Kubík Mano
Revista Sem Terra: Quais são as principais conquistas da ENFF? Adelar Pizetta: O funcionamento da Escola – de forma ininterrupta e com a quantidade de educandos que tiveram possibilidade de estudar e professores que nela passaram – se transforma numa importante conquista dada a situação econômica e política que estamos vivendo. Não é fácil, nessas condições de refluxo dos movimentos e das lutas sociais, de crise econômica mundial que atinge a todos, de crise ideológica que afetou e afeta boa parte dos partidos e movimentos de esquerda, manter uma Escola com essa envergadura. Dessa maneira, as conquistas não são méritos da ENFF em si, mas do conjunto da classe trabalhadora, de amigos, apoiadores, militantes que participam desse importante pro-
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Arquivo MST
Entre os pilares do MST sempre estiveram a educação e a formação política. Por isso, a construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), que completou cinco anos em 2010, foi comemorada como uma conquista histórica da classe trabalhadora. A história da ENFF começou nos idos de 1996, quando surgiu no MST a necessidade de se ter um espaço de formação da militância, de troca de experiências e de debate sobre a necessidade de transformação social. Localizada em
Guararema (SP), a escola tem o objetivo de ser um espaço de formação superior plural nas mais diversas áreas do conhecimento não só para os militantes do MST, como também de outros movimentos sociais rurais e urbanos, do Brasil e de outros países da América Latina. Por ela, já passaram já mais de 16 mil educandos, cerca de 500 professores voluntários e quase 2 mil visitantes de todo o mundo. Para contar um pouco dessa história da ENFF, a Revista Sem Terra conversou com Adelar João Pizetta, integrante da coordenação pedagógica da escola e dirigente do MST. Confira a seguir.
“O temor da classe dominante é que trabalhadores pobres possam ser arquitetos de seus próprios destinos”
cesso de educação da classe, em especial dos camponeses. A conquista dos movimentos sociais é tornar a Escola em uma ferramenta transformadora para além dela. Além disso, a ENFF tem a tarefa de contribuir com a reflexão, com a qualificação da práxis de dirigentes e militantes de diversos movimentos sociais do Brasil e de outros países, com o intuito de manter viva a chama da transformação social. Ou seja, não podemos continuar com essa lógica de desenvolvimento capitalista que está destruindo o planeta, as pessoas, a natureza. Por meio do estudo e das lutas, vamos entendendo que continua válida a ideia e a necessidade de transformar a sociedade e construir uma nova civilização. Por isso, outra conquista é a de ser um espaço onde se alimentam sonhos, se aspira liberdade e vincula teo-
mst ria com a prática numa perspectiva emancipatória, com base nos valores socialistas e nas premissas políticas de uma sociedade de fato, democrática, fraterna e igual, como sustentava Florestan Fernandes. RST: Ela vem cumprindo o papel para que foi pensada? Em que medida? AP: De uma maneira geral, sim, ela cumpre um papel importante no processo de formação de lideranças e dirigentes de diversos movimentos sociais do Brasil e da América Latina. É por meio dela que muitos trabalhadores, camponeses conseguem ter acesso a elementos que os permitem entender como, historicamente, vem funcionando a sociedade e que medidas devem ser adotadas, de acordo com cada contexto, para superar as amarras que nos prendem e consolidar um processo, de fato, transformador. Já aprendemos na história que sem conhecimento sobre a realidade, a história, a economia, a organização, os processos de libertação e as perspectivas de futuro, é difícil construir novas alternativas. Assim também Florestan nos ensina
onde se busca compreender com mais profundidade as contradições da nossa sociedade, dos processos em curso na América Latina. Hoje, como tem sido na história de maneira geral, organizar a força transformadora da sociedade e construir a unidade na diversidade são grandes desafios. A Escola busca ser esse espaço de construção da unidade na interpretação da realidade e fortalecer as iniciativas, as bandeiras de lutas comuns por sua transformação social. Por exemplo, nesse novo contexto da luta de classes, em que continuamos no processo de acúmulo de
que, em um país como o Brasil, se a gente não conseguir criar um senso crítico generalizado das possibilidades de mudança (e, para tanto, o estudo – com intencionalidade política – é fundamental), os trabalhadores não serão capazes de construir instrumentos organizativos, de coletividade e de lutas capazes de implementar essas mudanças na sociedade. Então, na medida em que os trabalhadores economicamente pobres na perspectiva do capital vêm para a Escola, passam a ver o mundo de uma forma diferente e se colocam diante dele como sujeitos capazes de transformar essa realidade de opressão e injustiça no qual estão vivendo. Desde o seu início da conformação dos trabalhos da Escola, tínhamos claro que essa estrutura física não seria uma propriedade do MST, mas, sim, estaria a serviço da classe trabalhadora.
“Mais de mil camponeses, acampados e assentados, participaram do processo de construção da Escola” forças, tendo em vista a luta pela Reforma Agrária, a articulação com outros setores da sociedade, com a Via Campesina, com os movimentos urbanos é fundamental. Compreendemos que sozinhos (os Sem Terra) não teremos força suficiente para enfrentar o agronegócio, as transnacionais, o capital como um todo. Essa leitura e esse sentimento se concretizam nas iniciativas de formação que se desenvolvem na Escola Nacional. Assim, a luta pela Reforma Agrária ganha outro sentido e requer a participação dos trabalhadores urbanos, dos intelectuais progressistas, da juventude que almeja outras perspectivas que não a marginalidade e o desemprego. Por isso, continuamos defendendo que a Reforma Agrária deve ser uma luta de todos.
RST: Como a ENFF ajuda a luta pela Reforma Agrária e pelas outras bandeiras de movimentos sociais? AP: A Escola é um espaço aberto para a reflexão, para o estudo, para a elaboração de novas ideias. É um espaço
Técnica de construção da ENFF foi a solo-cimento: blocos feitos pelos próprios trabalhadores a partir da prensagem da terra
Douglas Mansur
RST: Qual a diferença, na prática, da ENFF com relação a uma escola/universidade tradicional? AP: Procuramos na Escola, trabalhar com
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sujeitos, não com indivíduos. Aqui, todos e todas possuem nome, não números. Possuem aptidões, que devem se transformar em compromissos coletivos, na construção do ambiente educativo da vida cotidiana. Esses sujeitos assumem tarefas de manutenção da escola, limpeza, lavação de louças, trabalho na produção, enfim, uma série de ações com as quais os estudantes das universidades não precisam se preocupar. Aqui, o funcionamento da Escola exige a contribuição dos educandos, pois não existem funcionários para deixar tudo limpo e organizado. Logo, a coletividade é responsável pela sua existência, manutenção e continuidade. Portanto, o trabalho é uma dimensão pedagógica, educativa fundamental na ENFF. Outro diferencial está relacionado à forma organizativa dos educandos. Todos participam dos Núcleos de Base, com divisão de tarefas e responsabilidades internamente, como forma de garantir o cumprimento das atividades práticas, de estudo, cultura. Enfim, essa organicidade é fundamental e também passa a ser uma dimensão pedagógica da ENFF. Na sua grande maioria, os estudantes que comparecem aos cursos na
Verena Glass
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ENFF conta com estrutura que inclui salas de aula, biblioteca, alojamentos, refeitório e auditório
Escola (camponeses e filhos de trabalhadores pobres) vêm com intencionalidades e integram a parcela da classe que entende a real necessidade de qualificação na efetivação de uma práxis emancipadora. Portanto, as questões disciplinares, de dedicação ao estudo, à pesquisa e a própria elaboração se desenvolvem de forma consciente, sem necessidade de mecanismos como provas, lista de presença, professores autoritários etc. RST: E no projeto político-pedagógico? AP: Ainda do ponto de vista metodológico do plano político-pedagógico, a ENFF se diferencia em vários aspectos de uma escola convencional. Primeiro porque todos os cursos são intensivos, isto é, os educandos vivem por um determinado período na Escola. Isso faz com que a convivência seja mais intensa, as relações sociais mais presentes e, ao serem desenvolvidas ao longo do dia, evidenciam uma distribuição politicamente planejada entre tempo de estudo, tempo de manutenção de uma práxis transformadora que cuida do ambiente ao mesmo tempo que potencializa o ir além dos sujeitos na for-
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mação. Segundo: todos os professores são militantes, isto é, nenhum professor recebe para dar aulas na Escola. Esta composição de uma escola centrada na unidade da esquerda, aliada à concepção do intelectual orgânica, nos tem permitido, na pedagogia do exemplo, contar com um grupo de sujeitos políticos que ao se comprometerem com o processo de produção do novo, nos ajudam a romper com uma das cercas da exclusão: o conhecimento formal universitário do país. Terceiro: o processo de aprendizagem não se restringe às aulas expositivas, mas os estudantes são desafiados a pesquisar, a apresentar seminários, debates, sínteses, que os fortaleçam nos processos de aprendizagem. Quarto: utiliza-se com frequência outros recursos pedagógicos, principalmente os audiovisuais e as visitas de estudo, como forma de auxiliar na aprendizagem e na elaboração de novos conhecimentos. Por último e, não menos importante, aqui, tanto a produção como a socialização de conhecimentos, os conteúdos estudados, visam atender ao crescimento cultural individual e coletivo (organização), mais do que se preocupar
mst com um canudo, com um diploma que os habilitam a trabalhar para o capital. Aqui, o conhecimento serve para libertar as consciências e auxiliar no processo de transformação da realidade. RST: Para promover os cursos, a ENFF faz parcerias com universidades. Como isso se dá na prática na sala de aula? AP: Atualmente, existem aproximadamente 25 cursos de graduação em andamento, em diferentes Estados, com mais de 20 universidades públicas do país. E, quase uma dezena de cursos de Especialização (PósGraduação) e Extensão Universitária, possibilitando que filhos e filhas de camponeses que vivem do seu trabalho entrem na universidade de forma coletiva, organizada e com o propósito de continuarem vinculados às suas comunidades de origem, no campo. Os cursos se desenvolvem por meio da distribuição do tempo na Alternância, isto é, de forma modular contemplando um período intensivo de aula e outro período de estudo, pesquisa e elaboração (vinculando o conteúdo estudado e realidade social), quando o educando convive em sua comunidade. Esses períodos formam parte de um mesmo processo pedagógico, isto
“A ENFF cumpre um papel importante no processo de formação de lideranças e dirigentes de movimentos sociais” é, o curso, a capacitação se realiza durante o tempo todo, normalmente são quatro anos de estudo. Nos processos de negociação desses cursos, buscamos dialogar com a universidade no sentido de potencializar nossa experiência educativa. Discutimos a necessidade e importância de ir além do que é estabelecido pela universidade no currículo formal do curso. Esses conhecimentos são importantes e garantidos durante o curso, mas acreditamos serem insuficientes para a capacitação que almejamos. Por isso, a Escola complementa com uma série de saberes em diferentes áreas do conhecimento, cujo acesso é importante para os estudantes. Com isso, reforça sua intencionalidade política de ter como fio condutor em todos os cursos a herança dos clássicos brasileiros, latinos e internacionais, como referências históricas de um processo de luta
que não começou agora, nem pretende se encerrar no imediatismo da lógica atual de não priorizar a história, os sujeitos, e a luta de classes como motor daquilo que se tem e do que se quer. RST: A ideia de se ter Sem Terra na universidade, em cursos superiores, não é bem acolhida por setores conservadores da sociedade, que tentam barrar novos cursos e chegam a dizer que a escola é doutrinária etc. Como vocês respondem a esse discurso? AP: A classe dominante não aceita que pobres, Sem Terra, possam frequentar a escola. No máximo as séries iniciais, mas, quando essa coletividade luta para ultrapassar as barreiras e romper as cercas que os impedem de ter acesso ao ensino superior, aí, a coisa complica, pois se trata também de manter a propriedade privada do conhecimento. Na nossa proposta, o acesso ao conhecimento é uma maneira que os camponeses pobres – que se entendem como integrantes da classe que vive do trabalho – conquistaram para buscarem alternativas de libertação. É uma maneira de ver melhor a realidade, de se perceberem como sujeitos com potencialidades e capacidades para
Boa parte dos alimentos consumidos na Escola são produzidos lá mesmo
Talles Reis
Filosofia Política, Sociologia Rural e Economia Política são alguns dos cursos da ENFF.
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sair da opressão, por meio da construção de caminhos alternativos, construídos por suas próprias mãos e reflexões. Esse é o temor da classe dominante, que trabalhadores pobres possam ser arquitetos de seus próprios destinos e passem a exigir participação nos rumos políticos e econômicos do país. Por isso, a discriminação por ser Sem Terra e por ser pobre. Mais que tudo,
“Na Escola Nacional, procuramos trabalhar com sujeitos, não com indivíduos” por tentar entrar nas universidades de forma coletiva, organizada, exigindo que de fato a universidade seja para todos, numa sociedade em que apenas uma minoria insignificante de jovens tem acesso a ela e, essa minoria na sua grande maioria é juventude de classe média. Mas a teimosia, a persistência do MST faz que uma parcela importante da juventude que mora nos assentamentos tenha acesso à universidade, de uma forma diferente. Defendemos e lutamos pelo direito à educação em todos os níveis. Quando parcelas significativas de trabalhadores exigirem esse direito sagrado que é o estudo, então poderemos romper barreiras, derrubar muros e pintar as universidades com as cores do povo. RST: A construção da estrutura física ENFF foi diferenciada, feita pelas mãos dos próprios Sem Terra e todos estudando “ao mesmo tempo”. Como foi esse processo? AP: Recordar esse processo, depois de praticamente dez anos desde o início da construção, é um exercício ímpar. É sabido que iniciamos esse processo sem que nenhuma experiência desse
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porte tivesse acontecido antes. Já tínhamos muitas experiências do trabalho em mutirão, tanto nos assentamentos como também em processos de construção habitacional no meio urbano. Mas esse da ENFF se diferenciava de todos eles. Por isso, o grande desafio foi articular essa nova experiência, sem experiência. Mas é assim que os processos inovadores se constituem, os trabalhadores sendo sujeitos de sua própria história, de seus próprios projetos, lateralmente: de construção! Foram mais de mil camponeses, acampados e assentados, na grande maioria jovens, que participaram desse processo. As 25 brigadas de trabalho voluntário, organizadas por estados, possibilitaram esse processo em que vinculou aprendizagem prática com os elementos teóricos, concretizando um dos nossos princípios pedagógicos dos processos educativos. Durante o período de construção, a Escola proporcionava também espaços e tempos para os processos de formação como: alfabetização (essas aulas eram ministradas por companheiros das próprias brigadas de construção que tinham mais conhecimento escolar, durante as noites). Os demais companheiros/as que integravam as brigadas tinham aulas nas noites, para o estudo de temas organizativos, da história, política com a finalidade de conhecer a realidade, a sociedade que vivemos e entender por que precisamos nos organizar e lutar para transformá-la. Além desses espaços mais formais de educação, o processo de construção também se constituiu num importante instrumento educativo. Aqui, os trabalhadores eram organizados em frentes de trabalho que abrangiam: fabricação de tijolos, alvenaria, hidráulica, elétrica, madeira etc. Nelas os companheiros recebiam orientações e explicações técnicas e pedagógicas de como e por que fazer dessa forma. Isso possibilitava que os trabalhadores ao
Douglas Mansur
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Socióloga Heloísa Fernandes, filha de Florestan, durante comemorações dos cinco anos da ENFF
retornarem para seus assentamentos conseguissem construir suas casas e de seus vizinhos e assentados. O efeito multiplicador foi imenso. RST: Como a ENFF se relaciona com a comunidade ao seu redor, em Guararema? AP: A ENFF é parte da comunidade, não é uma ilha isolada. É claro que essa relação é uma construção, por isso, leva tempo e exige estratégias de aproximação, de conhecimento da realidade e de ações conjuntas que podem ser desenvolvidas. Nesse sentido, temos uma relação com a Escola Emilia Leite (Escola Estadual) que funciona no bairro, cujos alunos podem acessar o acervo da nossa biblioteca. Existe
também um programa no qual os alunos podem frequentar a Escola, todas as sextas-feiras à noite, para assistirem filmes. Imaginem que no município de Guararema o único espaço de projeção é o da ENFF. Ainda, estamos construindo juntamente com a Escola, a realização de cursos de línguas (espanhol e inglês); palestras sobre a África e América Latina, aproveitando os próprios estudantes latinos que vêm para os cursos, onde os estudantes e trabalhadores da comunidade possam frequentar. Além dessas iniciativas, há a contribuição com doações de livros para a escola do bairro, que até o ano passado não tinha biblioteca para seus alunos. Ainda, a ENFF dispõe de espaços de capacitação na área da informática e espaços de lazer, principalmente o campo de futebol, onde jovens do bairro participam. RST: A ENFF está vivendo uma fase de dificuldades financeiras e pedindo apoio à sociedade. Quais são as formas de ajudar a Escola? AP: Manter o funcionamento permanente de uma estrutura coma a ENFF não é tarefa fácil. Os estudantes não pagam nada para estudar, ter alimentação,
Verena Glass
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Ciranda infantil: escola tem espaço dedicado às crianças
material didático, acesso à internet etc. No entanto, contribuem na manutenção da Escola por meio do trabalho diário, tanto nos serviços domésticos, como também na parte produtiva (horta, pomar, suínos, aves, coelhos, vacas de leite). Uma parte do que consumimos na Escola é produzido aqui mesmo e outra parte da alimentação vem dos próprios assentamentos. Alguns produtos ainda dependemos de comprar no mercado. Mas temos muitos gastos com água, energia, impostos, telefone, gás, manutenção permanente, pois, uma estrutura com mais de cinco anos
de uso já requer reparos. Além disso, está posta a necessidade de ampliação da Escola, por meio da construção de novos alojamentos. Porém o mais importante é a continuidade dos cursos. Para tanto, contamos com a contribuição militante e voluntária dos professores e agora, recentemente, criou-se – por iniciativa de amigos professores, estudantes e militantes sociais de outras áreas – a Associação dos Amigos da ENFF. Portanto, se alguém quiser mais informação e estiver disposto a contribuir e a se somar nessa causa, deve entrar em contato com ela (amigosdaenff@enff.org.br).
Mais de 500 pessoas participaram do ato político para marcar aniversário da Escola
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ENFF em vídeo Para conhecer um pouco mais da construção e trajetória da Escola Nacional Florestan Fernandes, há um documentário disponível na internet, produzido pelo Ponto de Cultura da ENFF, em parceria com o Pontão de Cultura Rede Cultural da Terra. O vídeo, de 15 minutos, chama-se “ENFF: um sonho em construção” e pode ser assistido no link www.mst.org.br/node/9047.
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trocando ideias
Lógica destrutiva, modelo agroexportador e exploração do trabalho (I) Ricardo Antunes*
O capitalismo contemporâneo vem acentuando a sua lógica destrutiva. Alguns exemplos falam por si só: 1) a precarização estrutural do trabalho em escala global e o consequente desemprego, ampliado enormemente depois da eclosão da crise atual; 2) a destruição ambiental sem precedentes, colocando em risco pela primeira vez a totalidade da reprodução da humanidade; 3) a produção de commodities e a expansão da fome global; 4) a eclosão das guerras (Iraque, Afeganistão etc), configurando a destruição direta. Ou seja, é quase infindável a lista das causas e as consequências da produção destrutiva e o quadro nacional se insere neste contexto. Sabemos que no capitalismo industrial brasileiro a internacionalização da economia avançou fortemente, por meio do ingresso de vários grupos transnacionais. A nossa base produtiva estruturou-se de modo dual: de um lado, por meio da produção de bens de consumo duráveis, como automóveis, eletrodomésticos etc., voltada para um mercado interno restrito e seletivo. De outro lado, pela expansão de um pólo voltado para a exportação, não só de produtos agrícolas, mas também de industrializados de consumo. Nas duas últimas décadas vem ocorrendo, entretanto, uma redefinição do Brasil em relação à divisão internacional do trabalho e da produção, bem como sua reinserção junto ao sistema produtivo e financeiro global. Ainda que em seus traços essenciais o padrão de acumulação permaneça essencialmente o mesmo, foi possível perceber algumas mutações no processo produtivo, especialmente na agroindústria. A produção para a exportação de commodities (em particular, os produtos agrícolas como soja, etanol/álcool etc.) encontrou, no governo Lula, plenas condições de expansão. E o Brasil, com isso, ensaia uma espécie de regressão neocolonial, responsável pela retração da produção de alimentos, pela diminuição da pequena agricultura alimentar e a consequente expansão e transnacionalização do agronegócio, gerador da destruição ambiental e do aumento da fome. Segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), citados por Maria Moraes,
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há no mundo atual cerca de 850 milhões de pessoas que passam fome. Esta situação é particularmente alarmante em alguns países da África, Ásia e América Latina. Em contrapartida, em várias partes do mundo, tem havido protestos contra a alta dos preços alimentícios, como no Egito, Camarões, Indonésia, Filipinas, Burkina Faso, Costa do Marfim, Mauritânia, Senegal, Haiti, Peru, Bolívia, México, sem contar a situação de insegurança alimentar. Foi o que levou ao relator da ONU, o sociólogo suíço Jean Ziegler, a afirmar que a produção de biocombustíveis é um crime contra a humanidade1. Esse quadro é resultante do fato de que a produção de alimentos encontra-se cada vez mais nas mãos de poucas empresas transnacionais que dominam as cadeias produtivas do chamado agrobusiness e controlam o comércio nacional e internacional de cereais, sementes, agroO Brasil ensaia uma espécie tóxicos: Monsanto, Bayer, de regressão neocolonial, Syngenta, Dupont, Basf responsável pela retração e Dow, seis empresas dentre as maiores proda produção de alimentos dutoras de sementes do mundo. A Cargill, ADM, ConAgra, Bunge e Dreyfus, juntas, dominam mais de 80% do comércio mundial de cereais. E este modelo, atuando a partir do controle da produção de sementes (sobretudo as transgênicas), de fertilizantes e agrotóxicos, acaba por ditar também a sua distribuição. A agricultura tornou-se, portanto, como lembra ainda Maria Moraes, um ramo lucrativo do capital. E vale recordar duas consequências: as formas de produção que não interessam ao capital são destruídas. E as rentáveis, dentre tantas outras consequências nefastas, reinventam formas degradantes de trabalho, incluindo o trabalho escravo. Tema que retomaremos no artigo seguinte. (*) Professor titular de Sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor de A desertificação neoliberal no Brasil (Ed. Autores Associados) 1
Jean Ziegler. Folha de S.Paulo, Caderno Mais, 2 de dezembro de 2007, p.6-7, cit. por Moraes, Maria, Revista Pegada – vol. 9 n.1 80 Junho/2008.
trocando ideias
A canção popular e o jingle (parte 1) Walter Garcia*
A Coca-Cola oferece a Tom Jobim e Vinicius de Moraes US$ 68 mil para utilizar “Garota de Ipanema” em seu anúncio. Corre o ano de 1965, e a proposta é recusada pelos dois compositores. Na opinião do maestro, aceitá-la seria “tomar parte de um festim imoral”. Duas décadas depois, em 1983, Tom compõe seu primeiro jingle: uma canção para o anúncio do carro Monza, da General Motors. Ele então afirma à imprensa que, se antes tinha “um certo preconceito” em relação a esse tipo de trabalho, agora percebe que é “bem legal”. E comenta que uma grande qualidade dos publicitários é saber falar direto, “igual a assaltante”. Quatro anos depois, “Águas de março” anuncia o festim da Coca-Cola. Tom defende a campanha que transforma em alegria a tristeza dessa canção, e ainda acrescenta: precisava de dinheiro, “para sustentar meus cinco mil pobres”. É claro que Tom Jobim não inaugurou a ponte entre a canção popular e o anúncio cantado, depois chamado de jingle (com duração de 15 a 30 segundos, o jingle é produzido para ser veiculado nos meios de comunicação de massa com a função primordial de incentivar o consumo de marcas, produtos, serviços ou ideias). Antes da indústria cultural, anunciar produtos cantando já era recurso antigo no mundo. Para ficarmos no caso brasileiro, os mascates da capitania de São Vicente já vendiam entoando pregões (anúncios gritados ou cantados) no primeiro século da América portuguesa. Ao final do século XIX, a polca (dança da Boêmia importada pelo Rio de Janeiro via Paris, e que entraria no processo de formação do maxixe, um dos pais do samba) também foi usada para divulgar remédios e fumo. Em 1917, logo após o grande sucesso no carnaval de “Pelo Telefone” (canção que passou para a história como o primeiro samba registrado), o “chefe da folia” propagava, nos jornais, “que há em toda parte/ Cerveja Fidalga/ para se beber”. Durante a década de 1930, elogios a padarias e exaltações a lojas de louças e ferragens são compostos por Nássara, Noel Rosa, Orestes Barbosa, Marília Batista, Lamartine Babo, Hervê Cordovil e Custódio Mesquita. Os mesmos, não custa lembrar, que apresentavam nas rádios cario-
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cas uma das bases mais sólidas da música brasileira como hoje a conhecemos: sambas, sambas-canção, marchas e foxes da chamada Época de Ouro. Em 1943, quando Radamés Gnattali forma a Orquestra Brasileira na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o caráter nacionalista do acompanhamento de violões, cavaquinho, pandeiro, prato de cozinha tocado com faca e ganzá é patrocinado, nada mais nada menos, pela Coca-Cola, então em lançamento por aqui. Assim, sempre foram praticadas com certa proximidade, no Brasil, a canção que se torna mercadoria e se vende a si mesma (primeiro impressa em partitura, com veiculação e divulgação em teatros, bailes e saraus, e depois gravada, com veiculação e divulgação em rádios e tevês, e daí Caso deseje tornar-se à internet) e a canção mercadoria, uma canção que vende uma outra deve ser forte o suficiente mercadoria (seja o artesanal pregão rimando para levar à sua compra produtos nas ruas e nas feiras, seja o industrial jingle). O que não quer dizer que não haja diferença entre a finalidade da canção comercial e a do anúncio cantado. A perspectiva histórica nos ajuda a enxergar pontos de contato entre as duas formas, desde a economia colonial incipiente até o dilema enfrentado por Tom Jobim, um dos maiores artistas brasileiros. Mas isso não apaga a distância entre dois fins que são diversos. Caso deseje tornar-se mercadoria, uma canção deve ser forte o suficiente para permanecer na cabeça do consumidor e levá-lo à sua compra. O jingle, para ser eficaz, não pode se sobrepor ao produto anunciado, uma vez que este é quem deve ser consumido e não a propaganda. Quando Tom Jobim repele o assédio da Coca-Cola na década de 1960, recusa vincular sua música, considerada “alienada” pela segunda geração da bossa nova (depois chamada MPB), a um dos símbolos do capitalismo imperialista estadunidense. Mas ao mesmo tempo, e talvez principalmente, Tom apostasse na capacidade de ver sua obra veiculada e consumida por qualidades intrínsecas. (Continua...) (*) Músico e jornalista. É professor da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC-SP e doutor em Literatura Brasileira pela USP. É autor de Bim bom – A contradição sem conflitos de João Gilberto (Ed. Paz e Terra).
Igor Fuser*
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Chemical Safety Board
Primeira grande catástrofe ambiental do século XXI, a explosão e o afundamento da plataforma petroleira Deepwater Horizon, que matou 11 operários e espalhou, durante três meses, milhões de litros de petróleo que poluíram as águas do Golfo do México em 40% de sua extensão. A fauna e a flora foram mortalmente atingidas e espécies raras, que existiam apenas nessa área e já estavam sob risco de extinção, provavelmente vão desaparecer para sempre. O impacto humano também se mostrou terrível, com a poluição que inviabilizará durante vários anos a atividade pesqueira e o turismo em mais de mil quilômetros de litoral do sul dos Estados Unidos. Embora a empresa que operava a plataforma – a multinacional britânica BP, uma das maiores do mundo – tenha conseguido conter o vazamento, seus efeitos deverão se agravar conforme o óleo que boiava na superfície afundar em direção ao fundo do mar. Uma enorme extensão do solo marinho, justamente a região mais rica em nutrientes para os peixes e demais seres vivos, começa a ser coberta por uma camada negra e espessa de petróleo, um tapete viscoso que transforma o oceano em deserto líquido. Ninguém sabe quanto tempo (décadas? séculos?) serão necessários até que o ambiente natural da região consiga se recuperar. Só se pode prever com certeza uma coisa: novas tragédias causadas pela indústria global do petróleo devem ocorrer nos próximos anos, com consequências talvez até mais graves. Três motivos dão fundamento a essa amarga profecia. O primeiro é a insaciável sede de lucros das companhias petroleiras. No caso da Deepwater Horizon, a ganância dos empresários atingiu uma dimensão criminosa, com o desligamento dos dispositivos de segurança a fim de evitar interrupções
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Canada Climate Justice
em pauta
Ativistas protestam no Canadá contra exploração das areias betuminosas
que diminuíssem o ritmo da extração. Um segundo fator que aumenta o risco dos atuais projetos em petróleo e gás natural é a desregulamentação das atividades econômicas, como parte do fenômeno mais amplo da globalização neoliberal. Em nome de uma ideologia de livre mercado, as empresas passam a operar à margem da capacidade de controle dos Estados nacionais onde estão sediadas. O perigo que isso representa ficou evidente quando se soube que a plataforma acidentada pertencia, formalmente, a uma empresa fantasma com registro nas Ilhas Marshall, um dos muitos paraísos fiscais utilizados para encobrir negócios sujos. Dessa forma, a poderosa BP (a antiga British Petroleum) conseguia driblar os impostos, as normas de segurança e as leis ambientais do seu país de origem, o que tornava o negócio muito mais lucrativo. Um terceiro motivo presente na catástrofe do Golfo do México deve merecer nossa especial atenção: os riscos dessa atividade. A preocupação tem a ver com a importância da exploração de petróleo em águas oceânicas
no Brasil e, sobretudo, com as recentes descobertas de imensas reservas petrolíferas na camada do pré-sal. Em meio à euforia com as perspectivas econômicas desse empreendimento, tende-se a desprezar os perigos envolvidos na difícil tarefa de levar as sondas de perfuração a profundidades de cerca de sete quilômetros.
Os limites do petróleo A exploração de petróleo em condições difíceis, como as existentes no Golfo do México e no pré-sal brasileiro, é uma tendência nova no cenário energético mundial. Durante quase todo o século XX, as sondas de extração eram instaladas em reservas de acesso relativamente fácil. Nos últimos 15 anos, porém, o panorama se modificou, com a diminuição das descobertas em terra e o gradual esgotamento das maiores jazidas do planeta. O quadro atual se define pelo desequilíbrio entre a oferta global de energia, limitada por fatores geológicos, e o rápido aumento da demanda, impulsionada principalmente pelas altas ta-
em pauta xas de crescimento econômico da China, Índia e outros países do antigo Terceiro Mundo. A perspectiva da escassez da energia – algo incompatível com o desenvolvimento do capitalismo global – traz entre suas consequências a alta dos preços do petróleo e dos demais recursos energéticos, a busca frenética de novas fontes de energia, como os agrocombustíveis, e o esforço de extrair petróleo em lugares antes
procura por petróleo continuará crescendo em ritmo acelerado. De acordo com os cálculos da AIE, nos próximos 20 anos a produção mundial de petróleo precisará passar dos atuais 85 milhões de barris diários para 105 milhões, no mínimo. Um desafio atormenta as autoridades e os empresários dos países mais poderosos do mundo: onde encontrar esse suprimento adicional de 20 milhões de barris de petróleo diários, indispensáveis para manter em funcionamento a máquina gigantesca da economia capitalista? Durante os dois séculos decorridos desde a Revolução Industrial, a expansão das capacidades produtivas sempre se deu com base no aumento do uso da energia – primeiro, o carvão de pedra e, a partir do início do século XX, o petróleo, mais flexível e eficiente que o carvão. O impasse atual acontece porque a produção petroleira tende à estagnação. Estamos prestes a atingir um ponto em que, por maiores que sejam os
mantidos inexplorados por serem muito perigosos, de difícil acesso ou porque os custos operacionais eram elevados demais. Estudos da Agência Internacional de Energia (AIE), controlada pelos países ricos que respondem pela maior parte do consumo energético mundial, apresentam o dilema de uma forma muito clara. De acordo com as previsões, o petróleo continuará como a principal fonte de energia nos próximos 20 a 30 anos, seguido pelo gás natural e pelo carvão. O uso da energia solar e eólica – as chamadas fontes alternativas, de menor impacto ambiental – permanecerá muito pequeno, com um aumento de sua participação de 1% para apenas 2% do consumo energético total em 2030. Os agrocombustíveis também devem se expandir nesse período, mas não muito, atingindo no máximo 5% da energia usada no setor de transportes. E a energia nuclear tem o seu crescimento limitado por razões de segurança (entre elas, o destino do lixo atômico) e pelos gastos com infraestrutura. Na falta de um substituto viável, a
HeatingOil
As catástrofes surgem como um custo inevitável a pagar por esses empreendimentos
investimentos, não se consegue mais ampliar a extração nos volumes exigidos pelo mercado. Na avaliação da maioria dos especialistas, a humanidade já atingiu ou está perto de atingir o chamado “pico do petróleo”, ou seja, o ponto a partir do qual, pela própria natureza desse combustível como um bem não renovável, a produção petroleira deverá se estabilizar e em seguida iniciar um longo e irreversível declínio. Em uma busca desesperada para adiar esse ponto de virada, as empresas petroleiras se voltam, cada vez mais, para a exploração de fontes energéticas de viabilidade duvidosa, com custos altíssimos e impacto ambiental devastador. Destacam-se os gigantescos depósitos de areias betuminosas na província canadense de Alberta. Essa região contém 178 bilhões de barris de petróleo, mais do que as reservas provadas da Arábia Saudita, o líder mundial em jazidas convencionais. A dificuldade é que esse tipo de petróleo
Desesperadas por petróleo, as empresas avançam para áreas cujo risco ambiental é maior
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em pauta flutuantes se veem sob o risco permanente de furacões, e também a empreitada brasileira do pré-sal.
A era da “energia extrema”
Em lugar da busca incessante por novas fontes de energia, o esforço da humanidade deveria ter como foco a mudança dos padrões de consumo
não se encontra em estado líquido e sim em forma de betume, um óleo extremamente denso. Para extraí-lo, são necessárias técnicas de mineração, em lugar das torres utilizadas nos campos convencionais. A produção do óleo demanda enormes quantidades de água e de gás natural, pois é necessário produzir vapor para separar o combustível da areia e das pedras com as quais está misturado. Uma parte dessa água é reutilizada, mas o restante retorna ao meio ambiente, provocando contaminação em grande escala. Para cada duas toneladas de petróleo obtidas dessa forma, consome-se o equivalente a uma tonelada em energia. A AIE estima que, se prosseguir a tendência atual de alta dos preços do petróleo, a produção das areias betuminosas do Canadá chegará a 2,1 milhões de barris diários em 2015 e 3,9 milhões em 2030 – ou seja, mais
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do que o triplo das cifras atuais. Para alcançar esse objetivo, porém, o governo canadense terá de vencer a crescente resistência dos grupos ambientalistas e pôr em risco suas metas de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. Outra frente de expansão dos negócios petroleiros tem lugar nas águas geladas do Oceano Polar Ártico. Numa cruel ironia, as grandes empresas petroleiras se aproveitam do derretimento das geleiras que circundam o Pólo Norte – catástrofe ambiental que tem como causa principal justamente a mudança climática decorrente da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo – para conseguir acesso às reservas situadas no subsolo marinho daquelas regiões, antes inacessíveis. Sob a mesma ótica pode ser encarada a exploração petroleira no Golfo do México, onde as plataformas
Na visão do analista estadunidense Michael Klare, o desastre no Golfo do México é o sinal mais visível do início de um novo período no cenário energético mundial, que ele chama de “a era da energia extrema”. Essa definição se refere ao fato de que, cada vez mais, os atores econômicos se dedicarão a buscar energia em lugares perigosos, como o Golfo do México, de difícil acesso, como o pré-sal brasileiro, ou ambientalmente delicados, como as regiões polares e as florestas canadenses. As catástrofes – humanas ou ambientais – surgem como um custo inevitável a pagar por esses empreendimentos temerários, regidos pela lógica capitalista do máximo lucro em tempo mínimo. Nessa corrida insana para ampliar indefinidamente a oferta energética, os homens que controlam o poder global se comportam como se os recursos fossem infinitos, o que é, evidentemente, um absurdo. Em lugar da busca incessante por novas fontes de energia, o esforço da humanidade deveria ter como foco a mudança dos padrões de consumo, de modo a garantir que os recursos existentes sejam utilizados por critérios racionais, ecologicamente sustentáveis e socialmente justos. Para isso, será necessário colocar em ação uma outra lógica, que priorize o bemestar dos seres humanos acima das forças cegas do mercado. (*) Igor Fuser Jornalista e professor universitário, autor dos livros México em transe (Scritta, 1995), Geopolítica – O mundo em conflito (Salesiana, 2007) e Petróleo e poder – o envolvimento militar dos EUA no Golfo Pérsico (Unesp, 2008).
em pauta
No aeroporto — a chegada Fábio Luís*
No aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, esperavam-nos três homens. Grandes dois deles, mais baixo e jovem o terceiro. Tinham as costas levemente curvas, e um rosto envelhecido pela vida. De imediato, lembrei das mulheres com quem trabalhei no Carandiru: em pouco tempo de cadeia estavam desfiguradas fisicamente, e algumas já nem pareciam mulheres. Eu sabia que, no Brasil, a prisão destrói. O maior deles abraçou a menor delas, a amiga com quem eu viajava. Foi um abraço emocionante. Não conhecia os personagens e mal sabia da história, mas fui acometido de uma inexplicável vontade de chorar. Por decoro, me contive. Os homens me beijaram, e eu achei que fosse algum costume estranho de formação política bolchevique. Que fossem afetuosos os argentinos e mais ainda meus anfitriões, não me ocorrera.
A história Há alguns anos, os sequestradores do empresário Abílio Diniz estavam esquecidos em um canto presidiário brasileiro. Na universidade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, a professora apresentou o seu caso junto com outros, como exemplo de uma condena aberrante. Não havia relação entre o delito e a sentença: em outras palavras, tratavase de um exemplo de julgamento político. Alguns estudantes se interessaram em conhecer melhor o caso e os presos. Daí originou-se um vigoroso movimento de direitos humanos que, após sucessivas greves de fome, possibilitou a extradição dos condenados e logo sua liberdade. Eu
viajava com uma das estudantes que começou o processo. E me hospedava na casa do líder do sequestro, Humberto Paz. Gozava de liberdade condicional havia quatro meses, depois de 12 anos na prisão e uma luta na qual quase morreu diversas vezes. De fome de justiça.
O Falcon Entramos no Falcon anos 1980 – “escuta, esse não é o carro que a ditadura usava?” pergunto. “Era. E também o que a gente usava nas operações. Quer melhor disfarce?”. Eu tentava falar castelhano e Humberto só falava português. O dele, excelente. Seria sempre assim. Ligou o carro e saiu na contramão do estacionamento. Percebi que ele não percebia, e quando percebeu não se importou. “Sempre na contramano?”, arrisquei uma piadinha perigosa. “É che, parece que sim!” e riram todos. Riram todo o caminho, até a casa onde pousavam, na periferia de Buenos Aires. A liberdade, era só alegria.
A casa A casa em que vivia é alugada junto a antigos companheiros. Nos fundos, o depósito de uma gráfica: 40 mil títulos encalhados na crise argentina. Na frente, os quartos. Nos acomoda em uma cama; ele vai para o chão. Identifico os outros personagens do Falcon: Horácio é seu irmão, parceiro na luta e na prisão. O mais jovem é Carlos, militante e seu filho. À noite na casa, reúnem-se diversas lideranças de movimentos piqueteros para um churrasco. Alguns não se afinam, mas naquela casa todos se encontram e se respeitam.
Humberto Cedo descubro que Humberto não é “o planejador do sequestro do Abílio Diniz”. Como acontece na história escrita pelos vencedores, ficou conhecido pelo que não deu certo. Humberto é um quadro do movimento guerrilheiro latinoamericano, responsável por inúmeras
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em pauta
Cerveja 3 “A primeira vez que meu filho me visitou na prisão pediu: ‘pai, me ensina a atirar?.’ Eu perguntei: ‘atirar para quê?.’ ‘Veja, eu já levei tiro aqui, aqui, aqui, aqui’ – e não parava de mostrar. ‘Dar tiro é fácil, é como operar uma máquina: qualquer um aprende. A questão que importa é: atirar para quê?’”
Dignidade
ações de resistência e combate através do continente. Foram 13 anos entre a ditadura do argentino Jorge Rafael Videla (1976-1981) e o sequestro no Brasil. Não foram anos de lazer. Dizem que em uma operação, levantaram 15 milhões de dólares. Humberto não tem dinheiro para tomar café.
Lições Não sou de dormir tarde nem tomar cerveja. Mas, na casa de Humberto, comprávamos um par de Quilmes todas as noites e deixávamos a Maria Betânia cantar, enquanto corria a conversa. Eram as lições da história que a sua sensibilidade oferecia.
Cerveja 1 “Os estudantes apareceram na prisão, e a gente ficou conversando. Uma hora duas meninas me puxaram para um canto e perguntaram: ‘você se arrepende?.’ Senti que era uma pergunta séria. A gente pode fazer uma autocrítica política, até considerar que errou. Mas não se arrepender. Então ali, no esquecimento daquela cela eu disse: ‘Não me arrependo.’ E as meninas ficaram cheias de felicidade!”
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Cerveja 2 Quando se conversa com Humberto, é ele quem escolhe o assunto. Não somos nós que fazemos perguntas, é ele quem fala – ou não. Mas uma pergunta eu fiz: – “Para você, o que é mais importante em um revolucionário?” “– O mais importante é o sentimento. Veja, a gente cometeu muitos erros no passado. Eu sabia todos os clássicos russos, e Marx e tudo. Mas eu fui aprendendo que o que mantém o revolucionário não é tanto a ideia, mas o sentimento. E isso eu aprendi a valorizar.”
Tortura Quando pego pela polícia brasileira, o grupo liderado por Humberto foi obrigado a vestir camisetas do PT para ser fotografado pela imprensa. Era véspera das eleições de 1989, vencidas por Collor. Humberto foi barbaramente torturado. Difícil uma tortura que não seja bárbara, mas seu caso foi extremo. Certamente não morreu nem traiu por duas coisas: é forte fisicamente, e mais forte ainda no sentimento.
Humberto não fala de si. As histórias, garimpamos dos outros. Conta-se que, no ápice da greve de fome no Hospital das Clínicas, o Ministério da Justiça determinou que ele fosse alimentado à força. “Não como. Nem à força.” Seria um vexame completo oficiais de Justiça lutando com um homem sem comer há mais de mês no hospital e que contava com o apoio de toda a enfermaria. Lula foi chamado para convencê-lo a comer, e não conseguia. Tentou em tom intimista: “– Escuta companheiro, a coisa mais importante para um homem é sobreviver. E você vai morrer!” “– Você está enganado. A coisa mais importante para um homem é a sua dignidade.” Não fosse a sua dignidade, Humberto não seria extraditado. E solto em seguida.
Cerveja 4 Apenas uma noite falou-se do famoso sequestro. Não há por que. Humberto descreveu o momento da captura, apenas para dizer o seguinte: “– O senhor Abílio não sabe, mas deve a mim a sua vida.” Quando o abordaram, o empresário sacou uma arma do porta-luvas. Humberto também estava armado; qualquer militante menos experiente teria atirado. Mas Humberto sabia do trabalho de planejar uma ação. E o que importava não era matar, mas levantar o dinheiro que possibilitaria a ofensiva decisiva da
em pauta guerrilha em El Salvador. Confiou em sua força física. Deu-lhe um safanão, desarmou e capturou o homem. Na outra porta do carro, seu irmão Horácio apontava a arma. Salvou a vida de Abílio, duas vezes. Humberto era muito respeitado na prisão. Fora dela, tinha um fã-clube. Um homem bonito. De uma integridade apaixonante.
Gorriarán Propomos visitar Gorriarán Merlo na cadeia. Gorriarán seria mais procurado que Osama bin Laden, caso a CIA não o houvesse sequestrado no México alguns anos atrás e remetido a uma prisão perpétua argentina. Membro da executiva do antigo ERP, a guerrilha marxista argentina, Gorriarán colecionou ações espetaculares. Diferente de Bin Laden, Gorriarán tem formação política e projeto. Por isso, mais perigoso. A maior devoção quem lhe deve são os sandinistas. Dizem que foi responsável por manter a força aérea nicaraguense no chão, só com sabotagem – fator decisivo na vitória final sandinista. Depois, planejou o assassinato de Somoza realizado no Paraguai. Não é pouca coisa. Humberto tenta participar da visita. A caminho da cadeia, quebra o Falcon. Empurra, mexe aqui, aperta ali. “– Sabe? Na verdade a gente não entende nada de carro!” Saímos atrás de um táxi. Mas antes, vira e propõe:
“– Vamos dar uma última tentadinha?” Vamos. Otimista incorrigível. No táxi, passamos pelo quartel de La Tablada. O motorista comenta: “– Ontem fez 13 anos!” Treze anos do assalto a La Tablada. A ação conduzida por Gorriarán evitou um golpe militar no final do governo Alfonsín. Muitos assaltantes foram assassinados; outros, presos e seu líder cumpre pena perpétua sob uma perversa acusação: “golpista”. “– Está preso por não roubar”, diz o taxista. Encontrar Gorriarán não é qualquer coisa. Seus olhos azuis firmes e penetrantes, o corpo musculoso, apesar da cadeia e da idade. Tem uma “casa” na cadeia só para ele. Quando chegamos, estava pelado. E “Pelado” é seu apelido, talvez pela careca redonda. “– Estava fazendo ginástica, não sabia que vinha uma moça!” A surpresa em ver Humberto. São quase 20 anos desde que se viram pela última vez, na Itália. Um encontro histórico, que evidentemente não se desenrolará na nossa presença. O “Pelado” discorre por três horas sobre a situação argentina, enquanto se toma chimarrão. Nos entrega sua análise escrita. Faz algumas perguntas sobre o Brasil, e nunca deixa de olhar nos olhos. Com ele, se fala quando ele quer. Na saída, abraçou a todos. E a Humberto disse:
“– Volte outra vez. Para hablarmos en serio.” Na rua, o silêncio. Humberto está emocionado. Desta vez, ele está do outro lado da parede. Na boleia do guincho, conversa sobre o tempo, o futebol, o desemprego. O revolucionário Humberto é um homem do povo.
Cerveja 5 “Na prisão eu descobri muita coisa bonita. Eu li Jorge Amado, por exemplo. ‘Capitães da Areia’, depois os outros todos – fica um pouco repetitivo depois de algum tempo. Mas o que eu mais gostei foi Guimarães Rosa. E aquela história, do militar que se apaixona por outro e entra em crise? Não sabe se é homem, se não é... E depois descobre que o outro era uma mulher, disfarçada para lutar. Mas só descobre isso quando ela já está morta... Que história!” Outra coisa que Humberto descobriu foi a pintura. Na parede da casa, um quadro. Aliás, um belo quadro. Pinta e tenta vender seus quadros na galeria de amigos. Ao contrário do que se pensa, Humberto não é um sequestrador. Humberto é apenas um homem sensível.
No aeroporto – despedida “Aqui colocamos a bomba para pegar o Videla. Deu certo, mas o general escapou. Eu lembro quando vim aqui. Era um menino da periferia, me impressionou esse lugar assim, todo sofisticado. Eu era um ‘pibe!’” Nos despedimos com um forte abraço. Aliás, qualquer abraço de Humberto é forte. Qualquer gesto. Eu disse: “volveremos!”. Falava de nós. Pensava na revolução. (*) Fábio Luís Historiador e doutorando em História Econômica pela USP.
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resenha
Revoluções em fotografia José Arbex Jr.*
Você já imaginou como eram, fisicamente, os participantes da Comuna de Paris (1871)? Ou como era a capital francesa naquela época, como as pessoas se vestiam, qual a aparência dos prédios, monumentos e vias públicas que serviram de cenário aos grandes momentos do “assalto aos céus”? Tudo isso ficou registrado como fotografia, e agora está à disposição dos leitores brasileiros, no livro Revoluções, organizado por Michael Löwy e editado pela Boitempo (São Paulo). Lançada em Paris, no ano 2000, a primeira edição foi rapidamente esgotada, relata Luiz Bernardo Pericás, e não sem motivo: trata-se de uma fantástica pesquisa histórica e iconográfica, que abarca até a revolução cubana (1953–1967). Felizmente para o leitor brasileiro, o tratamento editorial dado pela Boitempo é primoroso. Basta percorrer o índice da obra para termos uma ideia de sua importância e extensão: além da Comuna de Paris, somos brindados com fotos de cenas e pessoas que participaram das seguintes revoluções: Russa (1905), Russa (1917), Húngara (1919), Alemã (1918–19), Mexicana (1910–20), Chinesa (1911–49), Espanhola (1936) e a já mencionada Cubana. O leitor mais atento notará que não estão na relação alguns movimentos extremamente importantes, como a Revolução Húngara (1956) e as lutas de libertação nacional (por exemplo, na Indochina e na Argélia). O critério para a seleção é explicado numa página de “advertência”, logo no início do livro: “Por uma questão de coerência, escolhemos as revoluções ‘clássicas’, revoluções sociais de inspiração iguali-
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Autor: Michael Löwy Editora Boitempo 550 páginas – Ano: 2009 Preço: R$ 68,00, em média
tária que visavam distribuir as terras e riquezas, abolir as classes e entregar o poder aos trabalhadores. (...) Portanto, fomos obrigados a deixar de lado outros movimentos revolucionários não menos importantes: as revoluções democráticas, antiburocráticas e antitotalitárias. (...) O último capítulo passa em revista uma série de eventos revolucionários – distintos, em certa medida, das revoluções no sentido pleno do termo – dos últimos trinta anos: Maio de 1968, a Revolução dos Cravos em Portugal (1974–1975), a Revolução Nicaraguense (1978–1979), a queda do Muro de Berlim (1989) e a sublevação zapatista de Chiapas (1994–1995).” Cada revolução coberta pelo livro é comentada por um especialista, que trata de contextualizar os acontecimentos e permitir uma leitura crítica
das fotos. Temos, então, a sensação de que a própria história se desenvolve diante de nossos olhos. Mas o valor documental da fotografia é discutido por Löwy, no capítulo introdutório, fazendo eco a um complicado debate entre historiadores. Até que ponto a fotografia pode e deve ser aceita como um “registro da história”? “É claro que as fotografias não podem substituir a historiografia, mas elas captam o que nenhum texto escrito pode transmitir: certos rostos, certos gestos, certas situações, certos movimentos. A fotografia possibilita que se veja, de modo concreto, o que constitui o espírito único e singular de cada revolução. Alguns críticos negam o valor cognitivo das fotografias de acontecimentos. Por exemplo, o grande teórico do cinema Siegfried Kracauer tinha convicção de que a foto não permite conhecer o passado, mas somente a ‘configuração espacial de um instante’. (...) Esse ponto de vista me parece discutível. É verdade que a fotografia não pode substituir a narrativa histórica, mas isso não a impede de ser um instrumento insubstituível de conhecimento histórico, que torna visíveis aspectos da realidade que frequentemente escapam aos historiadores.” Para além do debate teórico sobre o valor documental da fotografia, o livro oferece, no mínimo, o prazer proporcionado pelo acesso a cenas que, até então, faziam parte unicamente do universo imaginário e algo mitológico das revoluções. Se fosse apenas por isso, sua leitura já valeria muito a pena. (*) Jornalista, doutor em História Social (USP) e professor da PUC-SP. É autor, entre outros, de Showrnalismo – a notícia como espetáculo (Ed. Casa Amarela).
estudo
Zapata e Villa cem anos depois Os principais líderes da centenária Revolução Mexicana vieram de uma história diferente, de tecidos sociais díspares e defendiam propostas distintas para o México Enrique Rajchenberg S. *
Entre 1919 e 1923 foram assassinados os dois líderes dos principais exércitos camponeses da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata e Francisco Villa. O primeiro combateu no sul e no centro do país; o segundo, no norte. Cada exército varreu de modo diferente a ordem oligárquica constituída durante os mais de trinta anos da ditadura de Porfírio Díaz (1876-1911). Ambos aplicaram um duro golpe contra uma
das mais antigas instituições herdadas da época colonial, o latifúndio. Separados por milhares de quilômetros, Villa e Zapata encontraram-se, no fim de 1914, às portas da Cidade do México e falaram sobre uma possível aliança político-militar que eliminaria o adversário comum, o chamado constitucionalismo encabeçado por Venustiano Carranza, latifundiário liberal autonomeado Primeiro Chefe da Revolução. Não se sabe exatamente quais foram os termos da conversa, é possível que te-
nham delineado a estratégia de luta contra o constitucionalismo. Do norte, Villa deveria acuar Carranza, refugiado no litoral do estado de Veracruz; Zapata faria o mesmo do oeste. Villa forneceria as armas necessárias. Em um ímpeto de retórica, um assessor presente nesta reunião proclamou: “(...) o norte e o sul acabam de abraçar-se para trazer o necessário aos pobres e humildes: a justa liberdade que o general Villa trará é o poder do norte e o general Zapata, o do sul”.
Reprodução
Pancho Villa (esq.) e Emiliano Zapata (dir.) posam para foto no Palácio Nacional do México em 1914
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Nevada Observer
estudo
Perseguido pelas oligarquias mexicanas, Zapata foi morto em 1919
No entanto, o acordo não prosperou. As armas nunca chegaram aos comandantes zapatistas. O fato não é atribuído a uma ação decidida do Villa em si, mas a seus aliados – os quais, ironicamente, poucas semanas antes, haviam adotado o Plano de Ayala zapatista como uma plataforma política de todos os revolucionários. Naqueles últimos dias de 1914, ambos os exércitos camponeses entraram na Cidade do México, seus dois líderes arrombaram as portas do Palácio Nacional e Villa se sentou na cadeira presidencial por alguns momentos, uma imagem inesquecível que parece ter sido fotografada mais para zombar do poder supremo do que para assegurar a substituição de um poder por outro. A convivência entre ambas as forças na capital foi conflituosa, houve contendas entre eles e o assassinato de um homem próximo a Zapata foi atribuído a um general villista. Na verdade, o casamento entre os dois exércitos foi curto e, depois de algumas semanas, cada um retornou para seu lugar de origem: Zapata para o estado vizinho de Morelos, Villa para o norte. Alguns meses depois, este último iria sofrer uma dramática derrota militar, a primeira de uma bem-sucedida carreira na qual sempre se sagrou vitorioso desde
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1910. Os zapatistas, entretanto, seriam combatidos com métodos brutais até sua virtual eliminação. Sem dúvida, se os dois exércitos tivessem alcançado um acordo estratégico e conseguissem aplicá-lo, a história posterior teria sido radicalmente diferente. Mas, para o conhecimento histórico, o “se” não existe, pertence ao campo da produção literária. O termo camponês contém diversos sentidos e isto nos leva a supor, erroneamente, uma unidade de ação e efeito entre todos os indivíduos que trabalham a terra. Zapatistas e villistas vieram de uma história diferente, de tecidos sociais díspares e defendiam propostas distintas do que deveria ser o México pós-revolucionário, embora ambos se sentissem despojados de seu direito à terra e sua luta fosse para a restauração do mesmo. Sua ação conjunta deveria vir de um acordo político negociado em 1914.
O planalto Durante o período colonial (15211821), no planalto central, as fazendas e os povos indígenas dividiam o mesmo território. A relação entre eles não era simétrica nem harmoniosa, obviamente,
mas existia certo grau de complementaridade. Esses indígenas eram o que havia restado das populações nativas depois de um cataclismo demográfico no século XVI. Eles proporcionaram, de um lado, a mão de obra estatal para as fazendas, vilas e as cidades espanholas nos trabalhos agrícolas e no setor de construção; por outro lado, forneceram bens agrícolas e artesanais, que eram sua competência inquestionável. As fazendas ou trabalho urbano traziam-lhes dinheiro para complementar a renda, que era usada para pagar os impostos aos funcionários reais ou para custear uma festa na aldeia. O povoado [pueblo] era a instituição política da comunidade de camponeses. Por mais de três séculos, essa organização pôde continuar existindo, embora dentro de limites estreitos, até que teve de enfrentar um fazendeiro vizinho que, por exemplo, queria aproveitar a terra e a água. A reprodução material e cultural desses povoados, apesar de suas ligações com empresas espanholas e crioulas, e com os mercados urbanos, era pautada pela comunidade camponesa, a qual definia as coordenadas principais da identidade de seus habitantes. Assim, a propriedade da terra era coletiva e inalienável, no sentido de que eram terras do povoado como um todo mesmo que cada camponês trabalhasse uma parte determinada. A situação mudou radicalmente nas últimas duas décadas do século XIX, quando a economia mexicana tornou-se intimamente integrada aos mercados mundiais. O cultivo extensivo de alguns produtos para exportação ou para o consumo interno, ampliado graças à implantação de linhas férreas, tornou-se muito rentável. Se antes não havia sentido estender as plantações de cana-de-açúcar no estado de Morelos, agora a ampliação dos canaviais era um negócio lucrativo. Assim, as terras dedicadas pelas comunidades à cultura do milho representavam, para os fazendeiros
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Sem a radicalidade dos camponeses, os acontecimentos iniciados em 1910 teriam resultado em uma reforma do quadro institucional da política bastante limitada poderosos, uma irracionalidade. Da noite para o dia, povoados que haviam sido subsidiários para as fazendas, mas autônomos, ficaram presos em suas casas e igrejas dentro das propriedades desses fazendeiros ou submersos na água em um rio que um fazendeiro desviara para fazê-los desaparecer. Os povoados estavam à beira da extinção.
foi feita a partir do recrutamento para guardas de fronteiras, aos quais um pedaço de terra foi prometido após a conclusão do serviço de armas, algo que nunca conseguiriam alcançar no cobiçado e saturado altiplano. Houve, sim, fazendas no norte, mas, para combater os indígenas, os grandes proprietários precisavam do apoio de ex-colonos militares que afirmavam seu direito à terra por ter lutado por ela. No final do século XIX, a última resistência indígena, chefiada por Gerónimo, foi derrotada. Desde então, os laços de solidariedade dos fazendeiros com os pequenos proprietários foram quebrados. Os grandes proprietários não precisam mais deles, que agora os incomodavam, já que havia um novo atrativo: a proximidade com os Estados Unidos e principalmente com sua economia, altamente lucrativa no Sudoeste uma vez que os territórios eram interligados pelas linhas férreas. A criação
Ao contrário do México central, a região norte não estava habitada na época pré-hispânica por populações sedentárias dedicadas exclusiva ou principalmente à agricultura. As condições ecológicas os obrigaram a adotar modos de vida que implicava seu deslocamento pela região em busca de recursos para alimentação, vestuário e habitação. Era mais fácil realizar em pequenos grupos as frequentes mudanças e a travessia de territórios inóspitos do que em grandes contingentes. Portanto, no norte do país, a organização política era mais horizontal: nessas circunstâncias, o vértice não pode ficar muito longe da base. Os pequenos grupos se reuniam para tempos de guerra e, uma vez que a situação fosse resolvida, voltavam a desagregarse. É também por isso que os líderes eram efêmeros e não haviam ordens dinásticas de sucessão do poder. A colonização espanhola do vasto norte mexicano levou mais de dois séculos, mas nunca conseguiu subjugar os povos indígenas, que lutaram contra os invasores até quase o fim do século XIX. Neste período, a escassez de trabalho foi grave. A colonização branca e mestiça
Na Revolução As queixas contra os camponeses tinham um longo histórico, mas pioraram na primeira década do século XX. Essas também não eram as únicas feridas na sociedade mexicana. Setores de pequenos e médios proprietários percebiam como a avalanche de investidores estrangeiros estava arruinando-os. As classes médias viam reduzidas as suas possibilidades de mobilidade social. Trabalhadores industriais recebiam golpes severos da repressão política da ditadura de Porfirio Díaz. A conjuntura eleitoral em 1910 detonou o conflito revolucionário. A prisão de Francisco Madero, filho de um adversário poderoso da família Díaz e defensor da causa democrática-liberal, além da fraude eleitoral, foi a faísca que iniciou a Revolução. Para os moderados, tratava-se apenas de restaurar as regras da vida democrática, deixando
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O extremo norte
de gado expandiu-se rapidamente, ao lado da atividade das mineradoras e das madeireiras. Assim, começou um ciclo de expropriação de terras que levou, em 1910, uma família do estado de Chihuahua, os Creel-Terrazas, a monopolizar 5 milhões de hectares.
Villa comandou as tropas que controlaram o norte do país durante a Revolução
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Latifúndios foram expropriados durante o curto governo de Villa (dir.) no estado de Chihuahua
todo o resto intacto. Mas outros grupos da sociedade imaginaram nessa situação a possibilidade de reafirmar suas antigas demandas e de propor uma ordem social diferente. A luta começou em novembro de 1910 e, em poucos meses, o que parecia um regime robusto, desmoronou em maio de 1911. O presidente Díaz renunciou e partiu para a Europa, de onde nem mesmo seus ossos jamais regressariam. Nessa época, as insuperáveis distâncias entre os posicionamentos dos muitos participantes da guerra de 1910-1911 começavam a se manifestar. Não há espaço aqui para descrever os projetos de cada um desses protagonistas e no que eram antagônicos. No entanto, é preciso esclarecer uma questão que, do meu ponto de vista, é fundamental. Os agricultores não foram os únicos atores e até mesmo os exércitos dos camponeses revolucionários tiveram uma composição mista social. Além disso, a questão da terra não foi a única que animou o conflito revolucionário, como sugere a historiografia revisionista das últimas décadas. De fato, o problema da terra era o centro da guerra, e os camponeses foram os protagonistas do processo; sem sua radicalidade, os acontecimentos iniciados em
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1910 teriam resultado em uma reforma de alcance limitado do quadro institucional da política, assim como poderiam produzir uma redistribuição das quotas de poder entre grupos proprietários e as classes médias. Em nenhuma outra parte da América Latina havia se almejado, nem parcialmente conquistado, o desmantelamento da colonialidade do poder.
O Plano de Ayala Em novembro de 1911, os camponeses de Moreles entenderam que o fim da ditadura e a chegada de Madero à presidência não significavam o fim da luta. Pelo contrário, era o início de um enfrentamento e, para isso, era necessário expressar politicamente as aspirações tanto tempo adiadas. Este foi o Plano de Ayala, o documento político mais radical do campesinato mexicano, que decretava a expropriação de um terço das grandes propriedades de terra ou sua totalidade daqueles que se opusessem à medida. Da minha perspectiva, em um só artigo, condensam-se o conteúdo transgressor da legalidade vigente e a essência da formulação revolucionária desse plano.
Diz o artigo sexto deste documento: “[Com respeito a] terrenos, campos e águas que tenham sido usurpados por fazendeiros, científicos ou caciques [...] passaram para a posse aos povoados desde já, mantendo-se a todo custo, com armas em mão, a mencionada posse, e os usurpadores que se considerem com direito a esses bens argumentarão diante de tribunais especiais que se estabelecerão com a Revolução”. Três aspectos chamam a atenção. O primeiro concerne à posse “desde já” das terras usurpadas. Ou seja, a recuperação deveria ocorrer imediatamente e sem espera em favor dos tribunais. Não havia que se aguardar o triunfo da Revolução, como alguns queriam, para as exigências zapatistas serem atendidas. A Revolução era exatamente isso: a expropriação dos expropriadores. O segundo aspecto refere-se à forma com que se garantia o ato expropriatório “com armas em mãos”. Ao contrário das ordens governamentais, que exigiam dos zapatistas a deposição das armas para começar a dialogar, eles compreenderam muito bem que, sem a força da pólvora, seria impossível obter a divisão de terras. Por último, o plano menciona que os fazendeiros que se sentissem lesados deveriam seguia a via legal. Ou seja, não eram os que reivindicavam a terra que deveriam recorrer aos tribunais de justiça, mas sim os usurpadores. Em termos jurídicos, é o que se denomina a inversão da prova. O estado de Morelos deixou de ser região de fazendas e canaviais, o “cultivo maldito” como lhe batizou um historiador, para converte-se em terras de povos reconstituídos. A estrutura da propriedade agrária ficou totalmente subvertida.
A estratégia villista A partir de 1913, e por alguns poucos meses, Villa governou o estado de Chihuahua, no norte. Sua gestão durante
estudo Villa reduziu-se a uma guerrilha sem a capacidade ofensiva de antes. Em 1923, Villa vivia em uma fazenda que o governo havia lhe entregado, sob a companhia de filhos gerados em seus múltimos e simultâneos casamentos. Zapata e Villa, apesar disso, eram vistos como figuras políticas temíveis pelo novo poder pós-revolucionário que almejava consolidar-se. Mesmo depois de mortos, ambos tornaramse personagens quase mitológicos. Como frequentemente ocorre, não é fácil convencer-se de que os grandes líderes carismáticos perecem, já que são semideuses e, por definição, imortais. Por isso, em 1994, alguns morelenses pensaram que o Subcomandante Marcos não era outro senão o mesmo Emiliano Zapata que regressava depois de uma longa ausência. Apesar da derrota, as mudanças ocorridas durante a década revolucionária foram irreversíveis. A elite canavieira voltou a Morelos e a divisão de terras conheceu nesse estado uma de suas expressões mais bem acabadas. Em Chihuahua, os Creel-Terrazas tampouco voltaram a ser os poderosos fazendeiros de antes da Revolução.
Sem dúvida, os objetivos dos zapatistas e dos villistas não se cumpriram por completo; mas, durante a década de 1930, no auge e no fim do reformismo revolucionário, vale dizer, durante o cardenismo, 18 milhões de hectares foram divididos. O antigo latifúndio havia desaparecido, embora a estrutura da propriedade agrária ainda estivesse distante de ser igualitária: em 1950, cerca de 300 propriedades tinham mais de 40 mil hectares cada. Contudo, residem em outra instância da realidade os efeitos mais duradouros da experiência revolucionária zapatista e villista: a memória popular. Não me refiro à simples recordação ou à nostalgia do tempo passado, mas sim à atualização da experiência histórica, à sua releitura em função das necessidades materiais e simbólicas do presente. É neste âmbito do imaginário popular que alimenta as utopias sociais, que o zapatismo e o villismo gozam de uma insuperável vitalidade. (*) Enrique Rajchenberg S. Professor da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam).
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esse breve período varreu a estrutura oligárquica do poder econômico e político desse território. Expropriou os bens do clã Creel-Terrazas e das famílias próximas a ele. Apesar disso, não dividiu as terras entre os camponeses, mas sim colocou essas propriedades sob a administração estatal. A alta rentabilidade das fazendas, graças à exportação de gado aos Estados Unidos, permitiu a Villa, por um lado, financiar a guerra por meio da aquisição de armas do outro lado do rio Bravo até cerca de 1915; por outro lado, ele pôde montar uma espécie de “Estado de bemestar social” que auxiliava viúvas e órfãos de seus soldados e viabilizava a venda de milho e carne sob baixo preço. Por que Villa postergou a reforma agrária? A urgência do financiamento de suas campanhas revolucionárias é um argumento a considerar, mas a esse se soma frequentemente outro. Os soldados de Villa tinham de afastarse milhares de quilômetros de seus lugares de origem. Se Villa tivesse repartido as fazendas confiscadas, dificilmente conseguiria arrancá-los de suas plantações caso optassem por cultivar seu quinhão. Em outras palavras, a entrega da terra seria a recompensa pelos serviços à causa revolucionária, uma vez que essa fosse concluída. Isso não significa que todos esperaram com paciência o triunfo villista. Pelo contrário, houve casos de ocupação de terras sem autorização de Villa que ocasionaram até mesmo fortes disputas entre o então governador e os atrevidos camponeses.
Depois de Villa e Zapata Em 1919 e em 1923, quando foram assassinados os dois dirigentes camponeses, seus movimentos eram um pálido reflexo do que tinham sido entre 1911 e 1915. Os zapatistas foram obrigados a esconder-se nas montanhas e a sobreviver comendo raízes. A gloriosa Divisão do Norte de
Após quase 100 anos de sua morte, Zapata continua a inspirar os movimentos sociais mexicanos
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Expressão Popular inaugura livraria No dia 13 de agosto, em São Paulo (SP), a editora Expressão Popular inaugurou sua Livraria. Na ocasião, além do ato público, foi lançado também o livro A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984), de Celso Frederico. Com a livraria, o objetivo da Expressão Popular, que completa 11 anos em 2010, é tornar seus livros mais acessíveis à militância. A editora possui mais de 100 títulos publicados, com preços de capa entre R$ 3,00 e R$ 22,00. Várias edições estão esgotadas.
Benício Del Toro visita Escola Nacional Florestan Fernandes “O MST traz oportunidade e esperança ao ser humano. Oportunidade de educação, de mudança. Tem os mesmos
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princípios que defendia Che Guevara, é portanto um movimento guevarista”. A declaração veio do ator
porto-riquenho Benício Del Toro, que visitou a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, em 15/09. Del Toro, que interpretou Guevara no cinema, conheceu a experiência do espaço, voltado ao fortalecimento dos processos de estudo, articulação e intercâmbio entre organizações da classe trabalhadora do campo e da cidade. Depois de visitar as instalações da Escola, o ator participou de um debate com o jornalista e escritor brasileiro Fernando Morais (autor dos livros Olga e Chatô, entre outros), a atriz Priscila Camargo, do Movimento Humanos Direitos (MHuD), e militantes que participavam de cursos no local. “O sonho de Che está vivo aqui”, comentou. Ao final da visita, usando o boné do MST, Del Toro ajudou a plantar um jambeiro na área externa na Escola.
Pronera aprova novos cursos para o Rio de Janeiro O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) do Incra aprovou a realização de cinco novos cursos no Rio de Janeiro. Serão três de nível superior e dois para o nível médio, que atenderão trabalhadores rurais assentados. Segundo a asseguradora do Pronera-RJ, Rosane Silva, a implementação dos cursos deverá acontecer ainda este ano. No nível superior, serão realizados os cursos de Licenciatura em Educação do Campo, para 60 alunos, em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), MST e Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RJ); Formação de Professores, também com 60 vagas, envolvendo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Fetag-RJ; e Serviço Social, que atenderá 50 alunos, em convênio com UFRJ e MST. Já no nível médio, serão oferecidos os cursos Técnico com habilitação em Energia, Ciências Marítimas e Ciências Agrárias, para 60 alunos, em parceria com a UFRJ e a Fetag-RJ; e Educação de Jovens e Adultos, com Formação nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, que atenderá 240 alunos, em convênio com a UFRRJ e o MST.
Brasil cumpre pena da OEA por assassinato de Sem Terra no Paraná O Ministério da Justiça cumpriu parte das determinações da Organização dos Estados Americanos (OEA) e publicou, em 16 de agosto, no jornal O Globo e no Diário Oficial do Estado do Paraná, a sentença que condenou o Brasil no caso da morte do agricultor Sétimo Garibaldi, assassinado há 11 anos. O país foi considerado culpado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, com
sede na Costa Rica, pela não responsabilização dos envolvidos no assassinato de Garibaldi. Sétimo Garibaldi foi assassinado durante um confronto no acampamento do MST na Fazenda São Francisco, em Querência do Norte, noroeste do Paraná. Segundo testemunhas, ele foi alvejado por atiradores encapuzados. O inquérito se arrastou de 1998 a 2004 e foi arquivado sem apontar culpados.
Fórum incentiva a luta em Defesa da Reforma Agrária em Paraupebas (PA) Em 19 de agosto, cerca de 60 pessoas, entre advogados, professores, estudantes e trabalhadores rurais apoiadores do MST, se reuniram no Sindicato da Construção Civil de Parauapebas, no Pará, para a criação do Fórum de Apoio e Defesa da Reforma Agrária de Parauapebas e região da grande Carajás no Pará.
O fórum surge diante da ofensiva dos fazendeiros e empresários do município, na tentativa de retirar as famílias do MST acampadas em frente à fazenda Marambaia, na rodovia PA0275. Essa articulação pretende promover debates nas universidades, dar apoio e estrutura ao acampamento e convocar os movimentos sociais para atuarem na região em defesa da Reforma Agrária.
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Poema Não quero ser mais um a passar vagamente ao mundo dos ignorantes; Eu quero fazer a história; Não preciso ser lembrado; Mas ter reconhecido a luta; De um verdadeiro Socialista Revolucionário. Gilvan Oliveira
Ronaldo Silva/AGECOM
companheiras e companheiros
Eu apoio a Reforma Agrária “O movimento pela Reforma Agrária é vítima da politilização da justiça brasileira, que visa referendar e ratificar todos os tipos de pressão e interesses da elite brasileira contra qualquer um que se manifeste contra ela”
Solidariedade Escrevo dos EUA onde nasci e cresci. Tenho trabalhado pela justiça desde jovem. Voltei à universidade e descobri aqui vários livros sobre o MST, a maioria favorável, entre outros sobre o Fórum Social Mundial e Economia Solidária, e em português! Mark Rego Monteiro
Na luta Obrigada por lutar em nome de todo o povo brasileiro. Sinto-me honrada de conhecer o movimento político mais consciente e politizado do Brasil. Vão com garra, companheiros! Não se deixem abater por capitalistas medrosos, em pânico com a possibilidade de deixar de explorar. Amo vocês com todo o meu coração. Não desistam! A grande massa pobre desse país injusto precisa de vocês, cada vez mais. Bárbara Roncati *** Uma grande parte de nossa população ainda enxerga o MST com a ótica de algumas mídias sensacionalistas, que impedem que
Paulo Henrique Amorim, jornalista
se tenha uma visão justa. Essa mídia faz das pessoas marionetes. Ora, companheiros, essa mídia diz que o MST “invade”, quando deveriam publicar o que é correto: invasão no nosso país é crime; ocupação em nosso país é LEI. Leiam o Art. 5º XXIV, da Constituição Federal. Edir Kleber *** Em nosso país, com a nossa história, ter um movimento social organizado que consiga ser reconhecido nacionalmente é muito importante. O MST se tornou — ao longo dos anos — uma referência quando falamos de organização social. Não interessa que muitos sejam contrários, mas que sejam capazes de compreender a importância de segmentos sociais diferenciados criarem metas, perspectivas e lutarem por elas. Fátima Abrantes
Criminalização Acho que uma das primeiras resistências que o MST deveria fazer é justamente tomar o exemplo de Caracas (Venezuela) e ocupar a Rede Globo, proporcionando um grande impacto na principal criminalizadora dos movimentos sociais. Assim, poderíamos conscientizar as pessoas, mostrando o que realmente é verdade quando se fala dos movimentos sociais! Ramiro, de Pernambuco
http://twitter.com/MST_Oficial
Mande sua mensagem para a Revista Sem Terra – Sua participação, em texto, foto, desenho – ou da forma que preferir e imaginar –, é muito importante. As correspondências podem ser enviadas para revistasemterra@mst.org.br ou para a Alameda Barão de Limeira, 1.232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. As opiniões expressas na seção “Companheiras e Companheiros” não refletem, necessariamente, as opiniões da revista sobre os temas abordados. A equipe da RST pode, eventualmente, ter de reduzir o texto das cartas recebidas.
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