I n t e r i o r e s Siemens Megastore Lisboa Arq.to Paulo André Horta Rodrigues (EMITFLESTI)
Arquitectura e marketing Embora um espaço comercial possa ter um carácter mais afirmativo pela sua condição efémera, argumenta-se que é possível conciliar os dois conceitos – arquitectura e marketing – em proveito de ambos Texto de José Nuno Beirão arquitecto
Uma multinacional necessita de manter reconhecível uma imagem pelo mundo fora. A identidade afirma-se pela repetição de uma cor, de uma forma, dos acabamentos, de um símbolo, enfim, algo que conseguimos reconhecer em qualquer lado independentemente da especificidade do local onde se insere. Em favor de uma estratégia comercial desvirtua-se a contextualização do objecto arquitectónico, princípio querido aos arquitectos e responsável pela manutenção dos valores patrimoniais. Embora um espaço comercial possa ter um carácter mais afirmativo pela sua condição efémera, argumentase que é possível conciliar os dois conceitos em proveito de ambos. No projecto da loja Siemens os arquitectos confrontaram-se com a necessidade de responder a um duplo problema: não só a elaboração de um projecto para um espaço comercial, mas também a elaboração de um projecto-piloto, um conceito e uma imagem que pudesse ser reconhecida e aplicada noutros contextos. Tratando-se de um programa que surge na estrutura hierárquica da multinacional, as principais directivas de imagem são definidas a montante de maneira a estabelecer uma estratégia universalmente transversal. A imagem deverá ser igualmente transversal aos diferentes media, a fim de que o público os reconheça sobre qualquer suporte e em qualquer meio. Os arquitectos são geralmente excluídos deste processo, uma vez que tais acções de marketing são vulgarmente assumidas como exclusivas do foro da imagem, gráficas ou, pelo menos, conceptuais. Esquece-se normalmente que os arquitectos lidam também com imagem no âmbito do espaço arquitectónico. Assim, as directivas estabelecidas pelos departamentos de marketing apresentam geralmente condicionantes de imagem, ao nível arquitectónico, que, por não terem a intervenção de arquitecto, se apresentam frouxas no seu potencial de referenciação espacio-cultural ao nível das vivências e usos, e descontextualizadas do local de intervenção.
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A loja da Siemens em Benfica demonstra a possibilidade de se conciliarem vários aspectos de dimensão arquitectónica numa estratégia de imagem dinâmica e inovadora. A forma e geografia do espaço original apresentaram-se como responsáveis pela estratégia de atravessamento. As duas frentes do lote disputam ambiguamente a importância. Uma virada para a rua que, embora com comércio, é geralmente esquecida como tal e, outra, virada para um estacionamento vivo, diariamente animado pela actividade de um centro comercial. Esta bipolaridade de vivências sugeriu uma estratégia de imagem que promove o atravessamento forçando o convite ao conhecimento do produto. A forma do espaço contribui para acentuar a estratégia comercial: tornar o espaço de venda numa rua interior, um espaço destinado ao público onde a passagem induz o consumo. O convite à passagem apresenta-se claramente na transparência expressiva das fachadas e na escada que prolonga a loja para o lado da 2.ª circular resolvendo o desnível e conferindo-lhe visibilidade – um largo ecrã publicitário virado à 2.ª circular. No interior, a loja divide-se em duas áreas distintas: a comercial e a de pós-venda, a qual se desenvolve para o piso inferior e cujo balcão de atendimento estabelece o limite entre o público e o privado. Uma sala de espera mostra ao público os meandros das oficinas de apoio técnico construindo um universo de credibilidade do serviço que oferece. A arquitectura exprime-se fortemente no desenho das diferentes escadas, estabelecendo uma riqueza espacial na relação entre níveis e na separação das áreas funcionais. As restantes valências do acto arquitectónico estão patentes nas definições materiais das superfícies, quer enquanto matéria quer enquanto imagem publicitária criando um equilíbrio eficiente com um mobiliário de exposição imposto. As definições são austeras para que espaço e imagem não se anulem ou sobreponham, antes pelo contrário se dignifiquem mutuamente. O espaço arquitectónico ajudou assim a propor um contributo sólido para uma estratégia de marketing. A conclusão positiva é a de que há um contributo específico do arquitecto neste campo – que, embora geralmente esquecido, proporciona novos valores e atributos para uma estratégia de marketing beneficiando-se simultaneamente com a arquitectura.
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NOTAS DE AUTOR CONTEXTO Situada numa das entradas norte da cidade de Lisboa, a Siemens Megastore de Lisboa é limitada por duas realidades urbanas distintas, actuando como elemento de transição entre a escala de um tecido urbano consolidado e a incessante vertigem da Segunda Circular. Negando uma vocação meramente local, a Siemens Megastore será constituída como um atravessamento desde a escala da rua comercial tradicional até à exposição despudorada perante a via de alta velocidade, constituindo-se como um acontecimento urbano. O vazio rasgado na massa anónima do quarteirão, activará o espaço público em frente à nova entrada, reinterpretando as suas qualidades, reinventando a sua identidade e redimensionando a amplitude de influência da Siemens Megastore no contexto urbano. A loja será o prolongamento da rua enquanto espaço social, enquanto a dinâmica urbana da rua será o cenário da loja. No exterior, a imagem projectada será um grande outdoor em permanente mutação. FRONT OFFICE_ Uma superfície é manipulada de forma a conformar a espacialidade interior da Siemens Megastore e a relação com as infraestruturas de apoio, definindo os diferentes níveis do plano horizontal, o atravessamento longitudinal e a transição de escala entre as duas montras da loja. A diversidade espacial, criada pela variação sucessiva da secção, suporta o mobiliário de exposição de produtos e a efemeridade dos elementos gráficos que asseguram a permanente mutação do ambiente interior. A cor branca que envolve o espaço comercial contrasta com o pavimento, revestido por uma brilhante película reflection blue que unifica a construção já existente. BACK OFFICE_ Infraestruturas de um espaço comercial são todos os mecanismos técnicos e comerciais que regulam a relação do público com a Siemens Megastore. As infraestruturas técnicas contribuem para o controle do ambiente (iluminação, ventilação, aquecimento e arrefecimento do ar), tornam possível o fornecimento de energia e informação, gerem os sistemas de segurança e vigilância (circuito interno de televisão, sistemas contra incêndios, gestão de filas de espera, sistemas anti-roubo). As infraestruturas comerciais são todos os espaços que albergam funções, cujo objectivo é prestar serviços aos clientes da loja. São espaços de trabalho (zonas administrativas, zonas de logística, salas de informática, armazéns, laboratório de assistência técnica), um mundo complexo e intencionalmente oculto, que se mostra ao público apenas através um plano envidraçado, que revela o sofisticado mundo da assistência técnica. ELEMENTOS DE ARTICULAÇÃO_ Asseguram a ligação entre as várias partes do todo, transpondo desníveis e introduzindo movimento na estrutura estática da construção. Organizam a energia dos fluxos através da Siemens Megastore, evitando obstáculos e qualificando os percursos do público. São movimentos construídos com ligeiras estruturas metálicas brancas, delimitadas com planos de vidro transparente, sobrepondo à realidade múltiplos layers de reflexos e brilhos, permitindo o acesso aos diferentes espaços da loja.
FICHA TÉCNICA NOME: Siemens Megastore Lisboa LOCALIZAÇÃO: Alameda Manuel Ricardo Espírito Santo, Lisboa ÁREA TOTAL DE CONSTRUÇÃO: 526 m2 PROMOTOR: Siemens, SA / SOS Mobile, Assistência e Reparação de Telemóveis, Lda. ARQUITECTURA: EMITFLESTI Arquitectos, Lda (Paulo André Rodrigues com Luís Pereira Miguel, Nuno Jacinto, Ricardo Camacho, Raquel Ochoa Ruiz, Pedro Furtado, Arq.tos) ESTRUTURAS: Paulo Matias Ramos, Eng. PRÉ VISUALIZAÇÃO 3D: E_dv - Escritório para o Design Virtual SHOP GUIDELINES: MetaDesign, AG INTERVENÇÃO GRÁFICA: McCann Erickson, Portugal MOBILIÁRIO INTEGRADO: ARNO, Gmbh EMPREITEIRO GERAL: JQS - Obras e Recuperações, Lda (João Sobrinho, Oscar Soares, Eng.os) FOTOGRAFIA: Siemens, EMITFLESTI, Marisa Baptista
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