PAJ2014 Materia Completa Ciencia e Tecnologia Info Como Um Viral Vira um Viral

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Di Pollini, Forum, Laborglas, Senac Tiradentes, sergio K

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Di Pollini, Forum, Laborglas, Senac Tiradentes, sergio K

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como viral vira viral

um

Não existe fórmula PRONTA para um conteúdo ser compartilhado por milhões de pessoas. Mas uma coisa é certa: o sucesso na internet vai além da sorte. Veja aqui cinco dicas para bombar seus posts ≥ Por thiago tanji ≥ fotos thomas susemihl Julho 2013 INFO

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experimente fazer um pequeno teste. Pegue a câmera do celular e filme uma cena que desperte sua atenção. Pode ser o vídeo de seu gatinho brincando no tapete da sala, do sobrinho bebê dormindo com o rosto enfiado no prato de papinha ou um registro dos amigos fazendo uma dancinha engraçada na noitada de sexta-feira. Publique o conteúdo em seu mural no Facebook, suba o vídeo no YouTube e vá dormir. Ao checar as atualizações de seu perfil pela manhã, digamos que você seja surpreendido com uma enxurrada de notificações. Milhares de desconhecidos curtiram, comentaram e compartilharam seu post. Mais do que isso: alguns jovens na Rússia publicaram vídeos copiando a dancinha esquisita que seus amigos inventaram naquela balada. Parabéns, você acaba de criar um viral e, acredite, isso está longe de ser uma coisa trivial. Em alguns casos, a sorte parece ser a melhor justificativa para o surgimento de um sucesso repentino na internet. Afinal, só no YouTube são postadas 100 horas de conteúdo a cada minuto. Mas, entre animais fofinhos, videocassetadas e produções bizarras, há gente que estuda e trabalha diariamente com o objetivo de criar ideias que se espalham rapidamente. Apesar de afirmar em coro que não são laboratórios de virais, as agências digitais de criação têm total controle na hora de administrar uma 54 / INFO Julho 2013

campanha publicitária de grande impacto. “Não é preciso ter os poderes de Darth Vader para prever o sucesso de um vídeo. Com recursos como o big data, é possível analisar quais são os principais fatores que se repetem em produções de grande alcance global”, disse a INFO David Waterhouse, chefe de conteúdo da Unruly Media, empresa do Reino Unido que estuda o poder de alcance dos hits na internet. Após conversas com estudiosos, pesquisadores e profissionais ligados às áreas de criação das agências de publicidade, também resolvemos sair atrás da receita certa para um viral. Para o ensaio fotográfico que ilustra a reportagem, convidamos o ator e roteirista Fábio Porchat, que entende bem sobre como fazer sucesso na rede. Com quatro amigos, Porchat fundou a produtora Porta dos Fundos, responsável por virais como “Na Lata”, piada com os nomes estampados nas latinhas de Coca-Cola, que ultrapassou 9 milhões de visualizações. “Acho que parte do sucesso da Porta está em seguir um critério simples: temos de acreditar no conteúdo. E, claro, rir dele”, diz Porchat. Veja, a seguir, as cinco lições apuradas por INFO para fazer aquele vídeo de seu sobrinho dançando com o gatinho se tornar um Psy.

Breshow Fantasias

Ao terminar de ler esta reportagem,


1. Defenda uma causa Sejamos sinceros. Quem não gosta de ver centenas de curtidas e comentários naquela foto postada? Se o conteúdo em questão defender a causa dos pandas em extinção no Tibete, melhor ainda. Afinal, os amigos (e as pretendentes) ficarão impressiona­ dos com seu senso de conscientização. Mobilizações do bem engajam. O português Fred Saldanha, vicepresidente de criação da agência de publicidade Click Isobar, percebeu isso ao criar a campanha Vem Sean Penn. O vídeo contava a história do ator Ariel Goldenberg, 32 anos, protagonista do filme Colegas e portador de síndrome de Down. Seu sonho era conhecer o astro de Hollywood. Segundo números apurados pela agência, mais de 1,5 milhão de pes­ soas viram a produção em 147 países e cerca de 700 mil compartilharam a campanha nas redes sociais. Foi criada ainda a hashtag #vemseanpenn, publicada no Twitter e no Instagram. Só na rede social de imagens, cerca de 10 mil fotos foram compartilhadas com o apelo. Poucas horas após a publicação, a história chegou ao ator. Apesar de avesso à badalação, Sean Penn convidou Ariel para uma visita à sua casa, em Los Angeles. “Era impossível programar esse sucesso. Mas acreditamos que as pessoas iriam se emocionar”, afirma Saldanha. No ano passado, o documentário Kony 2012, da ONG americana Invisible Children, também viralizou, chegando a 97 milhões de visualizações no YouTube. Por altruísmo ou não, parte do mundo se engajou para tornar público os crimes de Joseph Kony, líder de uma milícia em Uganda.

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Calvin Klein, Coca Cola, Colcci, DCK, Ellus, Festas e Fantasias, King 55, Levi's, Nautica, West Coast


2. Desperte sentimentos É quase um mantra. Vídeos com bebês fofos e animais engraçados sempre rendem muitas visualizações. Mas cachorrinhos e gatinhos não são os únicos responsáveis por aflorar sensações. Notícias e imagens chocantes também aguçam os sentidos e despertam a atenção. “Casos como o atentado na Maratona de Boston ou a queda de um avião tocam em sentimentos muito essenciais, de vida e morte. E há certa necessidade de comentar ou compartilhar essa angústia, esses momentos intensos”, afirma Patrícia Albuquerque, sócia da agência paulistana de marketing Espalhe. Mas os responsáveis pela criação não acreditam que apenas imagens bonitinhas ou trágicas sejam capazes de despertar a atenção das pessoas. No Laboratório de Vídeo Social da consultoria britânica Unruly, por exemplo, pesquisadores desenvolveram um software chamado ShareRank, capaz de prever o nível de compartilhamento de um vídeo antes mesmo de ir ao ar. Apesar de ser muito difícil antecipar de forma exata o impacto de uma campanha, a Unruly consegue chegar muito perto quando parte para estudos científicos realizados com voluntários. Em parceria com o Instituto de Ciência do Marketing EhrenbergBass, localizado na Austrália, a consultoria analisa as reações do público com base em estudos biométricos. Já descobriu, por exemplo, que, quando há uma emoção intensa, a chance de compartilhamento é bem maior. Feito no Brasil, um dos recentes sucessos da internet prova a tese de que a emoção pode mesmo ser um potente mecanismo de compartilhamento. Ao comparar as percepções da aparência edição de imagem artnet Produção Sheila Spago

feminina, a campanha Retratos da Real Beleza, criada para a marca Dove pela agência Ogilvy Brasil, ganhou o prêmio mais importante do festival de publicidade de Cannes, em junho. “Tínhamos o dado de que 96% das mulheres não se acham bonitas. Com o vídeo, provamos que são mais bonitas do que pensam. E, ao comprovar isso, a campanha gerou uma comoção impactante”, diz Daniel Tártaro, diretor de integração digital da Ogilvy. O vídeo retrata uma experiência para comprovar como as mulheres se veem em comparação a como são vistas. O artista forense do FBI Gil Zamora, especializado em retratos falados, passou uma tarde desenhando sete mulheres com base na imagem que cada uma tinha de si mesma e no ponto de vista de um desconhecido que as entrevistou. Na comparação entre as imagens, é possível perceber que as mulheres são muito mais bonitas do que pensam.

Filmada nos Estados Unidos, a produção brasileira alcançou mais de 160 milhões de visualizações no YouTube e foi o vídeo de propaganda mais acessado da internet. No Facebook, foi compartilhado 3,5 milhões de vezes. As pessoas se identificaram com a história. “Não existe uma fórmula de bolo para idealizar uma campanha de sucesso. O essencial é pensar na mensagem que será passada e se ela tem um sentido para as pessoas que vão assistir ao vídeo”, afirma Tártaro.

3. Aproveite o momento Todos os dias, às 10h30, jornalistas e publicitários que trabalham na agência Espalhe participam de uma reunião de pauta. O objetivo é identificar os principais assuntos do momento que podem servir de poten­cial gatilho para as campanhas dos clientes.

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Antarctica. Sua equipe desenvolveu o Ex Lover Blocker, aplicativo para iOS que ajudava a pessoa a não ligar para o ex-namorado durante o momento de carência. “Todo mundo estava falando em amorzinho, mas decidimos utilizar o assunto para falar de amizade. Caso a pessoa tentasse ligar para o ex, uma mensagem era enviada aos amigos do apaixonado, que impediam a ação”, afirma Versolato. Postado no YouTube, o vídeo da campanha teve mais de 1,4 milhão de visualizações.

“As pessoas querem assunto para publicar no Facebook, no Instagram ou no Twitter. Por isso, a marca pode ser transformada nesse assunto”, afirma Patrícia, da Espalhe. Com tanto conteúdo disponível na internet, um produto que deseja estar no centro das atenções não pode se dar ao luxo de desperdiçar a oportunidade de também ser o trending topic do momento. “O viral tem a coisa da esperteza, ele põe fogo na internet por alguns dias. Quando deixa de ser novidade, perde o poder de atração”, diz Paulo Sanna, vice-presidente de criação da agência Wunderman Brasil. Assim, quando uma notícia chega a seus ouvidos pela terceira vez, significa que ela já está ultrapassada. A fluidez dos temas que dominam a internet é mais sensível do que se imagina. Caso algum colega proponha nesta semana juntar o pessoal do escritório para gravar um Harlem 58 / INFO Julho 2013

Shake, é muito provável que receba um olhar de reprovação. Afinal, essa já é uma moda ultrapassada. Mas, do dia 2 de fevereiro deste ano, data em que o primeiro vídeo com a dança maluca foi postado por quatro jovens australianos, ao dia 25, mais de 400 mil produções com o nome Harlem Shake foram postadas no YouTube. Até a redação de INFO entrou na onda do viral e postou um vídeo com a dancinha. Além de aproveitar a oportuni­ dade de um possível sucesso na internet, é preciso estar de olho aberto para assuntos que fazem parte do dia a dia das pessoas. Marcos Versolato, vicepresidente de criação da agência de publicidade DM9DDB, lembra uma campanha lançada na semana do Dia dos Namorados para o Guaraná

Qualquer terráqueo minimamente informado sabe quem é o coreano Psy, autor do vídeo mais visto da história do YouTube, com cerca de 1,5 bilhão de visualizações (veja o infográfico ao lado). Com tamanho sucesso, o autor de Gangnam Style não teve dificuldade para emplacar outro blockbuster no YouTube. Lançado em 14 de abril deste ano, o clipe Gentleman superou 20 milhões de visualizações em 24 horas. A lógica para entender o alcance global desses vídeos está relacionada com a questão da visibilidade. Afinal, um viral que se preze deve estar facilmente acessível às pessoas, seja na página inicial do YouTube, seja na timeline do Facebook, para, então, virar o assunto do dia. Para alcançar esses postos, os profissionais das agências de publicidade recorrem a técnicas capazes de traçar o público-alvo e verificar o alcance do conteúdo produzido. O publicitário Paulo Sanna afirma que o primeiro passo de uma campanha de sucesso é chegar às pessoas certas. “Posso compartilhar um vídeo que acho fantástico, mas, se não conhecer muita gente, talvez ele não consiga uma grande repercussão.

Assistente de produção Sérgio Barboni Beleza Wagner Ribeiro

Colcci, Ellus, King 55

4. Cresça e apareça


super audiência

Assim nasceu Psy

Não foi preciso a produção do Psy para eles se tornarem hits Na Segunda Guerra, a península coreana é invadida por tropas japonesas

Da guerra civil ao maior viral da história do Youtube

88,9 milhões

de visualizações O coreano Sung-bong Choi, 22 anos, canta Nella Fantasia no Korea's Got Talent abr.io/IseK

Depois, exércitos da ex-URSS e dos Estados Unidos ocupam o país Três chaebols investem em produtos de alta tecnologia: Samsung, Hyundai-Kia e LG

A Guerra Fria divide o território. O Norte adota o socialismo. O Sul torna-se capitalista e conglomerados familiares (os chaebols) puxam o crescimento

36,7 milhões

de visualizações O clipe Passinho do Volante rendeu fama ao carioca MC Federado e Leleks abr.io/IseG

Nascido em Seul em 1977, o cantor Psy torna-se expoente do k-pop

As baladas de Gangnam fervem ao som do k-pop, gênero que junta música eletrônica, hip-hop e rock

A sudeste da capital, Seul, está o luxuoso distrito de Gangnam, que responde por 7% do PIB Lançada em 15 de julho de 2012, a música Gangnam Style, que faz referência ao distrito de Seul, espalhou-se por todo o mundo por meio do YouTube

Em 14 de abril de 2013, Psy lança o clipe Gentleman, ao custo de 150 mil dólares. Em 24 horas, supera 20 milhões de acessos

ilustrações evandro bertol

Com 1,5 bilhão de visualizações, o vídeo tornou-se o mais visto da história do YouTube. Já foi compartilhado mais de 35,6 milhões de vezes no Facebook

9,2 milhões

de visualizações O gatinho Loki tenta entender o que faz o porco-espinho Harley abr.io/IseU

5,6 milhões

de visualizações O bebê Diogo, 2 anos, canta Don't Let me Down, dos Beatles, com o pai abr.io/IseE

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Ellus, King 55

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Agora, se essa campanha chegar até a menina mais popular da escola, é bem possível que no dia seguinte esteja disseminado”, afirma Sanna. Para isso, as agências contam com ferramentas que rastreiam os internautas considerados formadores de opinião, como aqueles que têm muitos seguidores no Twitter ou possuem blogs com milhões de acessos. Mas o cara popular nem sempre é o mais indicado para compartilhar determinado vídeo. “É preciso entender o público da campanha para, então, selecionar as pessoas mais relevantes que passarão a mensagem adiante”, diz Patrícia Albuquerque, da Espalhe. Além disso, o viral dificilmente consegue alcançar o sucesso somente com as próprias pernas. As agências costumam comprar espaços no YouTube para que ele apareça em propaganda ou, então, como destaque da página. “Quanto mais se investe em mídia no início da campanha, mais rápido o conteúdo será visto pelas pessoas. Com esse combustível, o viral torna-se orgânico, com muita gente compartilhando o vídeo por vontade própria”, afirma Marcos Versolato, da DM9DDB. Após esses empurrõezinhos para alavancar o viral, os profissionais fixam os olhos nos resultados obtidos com a campanha. A Ogilvy, por exemplo, conta com equipe formada por técnicos em matemática e estatística que usa ferramentas para analisar o desempenho de um vídeo online. “Observamos se o material está em processo de aceleração ou desaceleração com base nas visualizações e na taxa de compartilhamento. Com esses dados, é possível calcular se ele terá alcance acima ou abaixo do estimado no planejamento inicial”, afirma Daniel Tártaro.

5. Faça algo extraordinário Criado em 2001 pelo comediante americano Charlie Todd, o grupo Improv Everywhere despertou a atenção das pessoas ao criar cenas inusitadas em locais públicos da ci­d ade de Nova York. Em seu vídeo mais popular, 207 pessoas ficaram paradas como estátua durante 5 minutos no terminal de metrô Grand Central Station. O conteúdo foi visto por mais de 32 milhões de pessoas no YouTube. “Criar algo realmente original, com

Samsung, a agência fez um videoclipe protagonizado pela “namorada assustadora”, que estourou na internet ao se declarar ao amado com uma expressão pene­trante capaz de causar calafrios em Jack Torrance, de O Iluminado. A peça foi vista por 5 milhões de pessoas no YouTube. “É necessário pensar em um vídeo que entretenha, mas que também passe a mensagem do anunciante. O desafio é calibrar esses dois fatores para que soe de maneira natural”, afirma Kate Doyle, diretora de projetos da Viral Factory.

Para fisgar as pessoas, é preciso ter um bom conteúdo, contar com o imponderável e escolher quem é popular nas redes para ajudar a disseminá-lo

um conteúdo de qualidade e que nunca foi visto na internet, gera uma grande chance de se transformar em um viral”, afirmou Todd a INFO. O comediante diz que é necessário contar com boa dose de autenticidade, o que não significa amadorismo. “É só lembrar do Psy. Seu clipe é uma superprodução. Mesmo assim, tem uma característica autêntica, que dá sensação de inovação”, afirma Todd. Com sede em Londres, a agência de publicidade Viral Factory também acredita que histórias criativas são a melhor maneira de atrair a atenção. Para uma campanha da fabricante

Mas se há tantas produções boas na web, feitas por amadores ou profissionais, por que só algumas ganham projeção? “É necessário ter uma pequena mágica capaz de fisgar as pessoas. Uma palavra, um personagem. Existe um fator imponderável para o sucesso”, diz Versolato. Seja qual for essa mágica, se combinada com as cinco lições descritas acima, a chance com certeza será maior. “O que viraliza é conteúdo bom. Não adianta querer adivinhar a próxima moda ou enfiar um gatinho achando que as pessoas vão compartilhar mais”, afirma Gregório Duvivier, um dos sócios da Porta dos Fundos. Vire a página e entenda como Duvivier, Fábio Porchat e a trupe da produtora carioca conseguem transformam em viral tudo o que tocam.↙ Julho 2013 INFO

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/ diversão coletiva

Ao centro, Antonio Tabet, Ian SBF e Fábio Porchat com parte dos 35 funcionários da produtora Porta dos Fundos

A Porta dos Fundos é o hype da vez na internet. Com seu humor escrachado, tornou-se a maior produtora de vídeos para a web do país. INFO invadiu as gravações para entender por que tudo o que a trupe carioca toca vira sucesso instantâneo ≥ Por Paula Rothman ≥ fotos vitor Pickersgill e Guillermo Giansanti


a arte viral do

fotos Vitor Pickersgill

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O ator, roteirista e humorista Fábio Porchat, 29 anos, é um sujeito eclético. Numa quarta-feira de junho, começou o dia em São Paulo, vestido de cientista maluco e ursinho panda para a sessão de fotos que ilustra nossa reportagem sobre viral e a capa desta edição, e o encerrou no Rio de Janeiro, de terno e gravata, interpretando um parlamentar que convida um colega para um ministério obscuro do governo, em mais um esquete de sua produtora, a Porta dos Fundos. Os mais de 100 programas de humor produzidos já registraram 330 milhões de visualizações, tornando a Porta dos Fundos a maior produtora de vídeos para a internet do Brasil e uma marca valiosa. Lançado em agosto de 2012, o canal de humor manda a seus mais de 3 milhões de inscritos um alerta a cada vídeo publicado, sempre às segundas e quintas-feiras, às 11 horas da manhã. “A Porta virou quase capítulo de novela, que as pessoas veem para ter assunto no dia seguinte”, afirma Porchat, que tem como sócios Gregório Duvivier, João Vicente de Castro, Ian SBF e Antonio Tabet. Os cinco amigos já trabalharam na televisão, mas foi na internet que eles encontraram liberdade para fazer o humor escrachado e boca-suja que conquistou milhões de fãs. Números 64 / INFO Julho 2013

superlativos não faltam à Porta dos Fundos. Tome o exemplo do vídeo “Na Lata”, em que Uelerson, um funcionário de supermercado vivido por Porchat, satiriza a Coca-Cola por gravar nomes nas latas de refrigerante. O esquete é o mais acessado do grupo, com 9 milhões de visualizações. Dos 29 vídeos de maior audiência no YouTube em maio, nove são da produtora. Um dos primeiros esquetes que viralizou debochava do atendimento da rede de fast-food Spoleto. A empresa en­trou na brincadeira e resolveu contratar a Porta dos Fundos para que fizesse a continuação da história, com outros dois vídeos pagos, que também bombaram. Começava aí a produção de vídeos encomendados que tornaria a Porta dos Fundos um negócio rentável. Marcas como LG e Fiat desembolsam, em média, 250 mil reais para ter um vídeo publicitário feito pelo grupo. Estima-se ainda que a produtora receba cerca de 80 mil reais por mês do YouTube, com a publicidade inserida no canal. Federico Goldenberg,

gerente de parcerias do YouTube Brasil, não confirma esse número, mas diz que “mais de 50% da receita gerada por anúncios vai para os parceiros”. A Porta dos Fundos é procurada por marcas interessadas em seu poder de viralizar. Quem comanda a equipe comercial é o publicitário João Vicente de Castro, 30 anos. “A gente entende o que o cliente quer e inventa uma forma de fazer sem atrapalhar nossa linha editorial”, diz Castro. “Muitas vezes abrimos mão de trabalhos.” Entre as propostas recusadas está a de uma empresa que ofereceu 800 mil reais para o grupo falar mal de um concorrente. Nenhum dos esquetes pagos entra no canal da Porta dos Fundos no YouTube. Os vídeos publicitários são divulgados pelas empresas, que conseguem ótimos resultados. Uma websérie feita para a LG, por exemplo, foi vista mais de 6,5 milhões de vezes. “Cerca de 60 mil pessoas clicaram no link do Optimus G no final de cada episódio”, afirma Barbara Toscano, gerente-geral de marketing para celulares da LG. O sucesso da produtora não aconteceu por acaso. “Nossa meta é ter o maior canal de vídeos da internet até 2013”, disse Antonio Tabet a INFO em março de 2012. A reportagem Humor no YouTube noticiava, em primeira mão, a criação da Porta dos Fundos. Na época, o grupo trabalhava em casa e ainda não havia definido a estrutura da empresa. Hoje, a produtora emprega 35 pessoas, tem o próprio equipamento profissional de vídeo e uma série de projetos engatilhados, como uma nova websérie, um longa-metragem, um livro e planos de lançar produtos licenciados. Com a profecia de Tabet cumprida, INFO voltou a acompanhar a rotina da produtora para tentar entender como o sucesso aconteceu tão rápido.


em ação Fábio Porchat e Gregório Duvivier gravam esquete, na sede da Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, em que satirizam a criação de um obscuro ministério

A tarefa não foi fácil. Numa noite de junho, na nova sede da Porta dos Fundos, no bairro carioca de Laranjeiras, nenhuma das 12 pes­ soas presentes à gravação conseguiu conter o riso quando Fábio Porchat e Gregório Duvivier começaram o ensaio. Interpretando políticos que discutem a criação de um novo ministério, eles gravaram um esquete de menos de cinco minutos que mobilizou diretor, iluminador, operador de áudio, figurinista, assistente de direção. “Normalmente procuramos locações externas”,

fotos Guillermo Giansanti

afirma Ian SBF, 33 anos, diretor e editor responsável por todos os vídeos da produtora. “Como hoje precisávamos de um cenário parecido com um escritório, a produção foi simples.” Os textos escritos por Porchat, Tabet e Duvivier nem sempre são assim fáceis de produzir. Um vídeo sobre os dez mandamentos gravado em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, mobilizou uma superprodução para vestir dez pessoas com barba e túnica. A Porta dos Fundos tem um acervo com mais de 200 peças, que a figurinista Juli Videla montou durante o último ano. É como se o palhaço Bozo, toda a Liga da Justiça e uma senhora da alta sociedade tivessem desfeito suas malas no closet da produtora. “Compramos e emprestamos muita coisa, mas várias vezes tenho de criar”, afirma Juli.

Já passa da meia-noite quando todos se posicionam para dar início às gravações do esquete de política. Ian SBF liga a câmera 5D, e a imagem aparece em pequenos monitores para que dois assistentes acompanhem a captação. Gustavo Chagas, ator e diretor de making of, controla outra câmera, uma 7D, para fazer o vídeo dos bastidores, para o canal Fundos da Porta. Debruçado sobre a cena, Bruno Menezes ergue o microfone e controla a qualidade do áudio. Há três meses na produtora, Menezes fez cursos de es­pecialização no MIT e na Universi­ da­de Berkeley, nos Estados Unidos.

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dentro da porta

Estátua da Liberdade de gesso, uma das 200 peças do acervo da produtora, montado pela figurinista Juli Videla (embaixo da mesa); à esquerda, o ator Totoro e, ao lado, os sócios Ian SBF, Gregório Duvivier e Fábio Porchat antes de gravar um esquete

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Qualidade é uma preocupação constante da turma. Uma reportagem da revista americana Forbes diz que a Porta dos Fundos deu uma “demão de tinta profissional” no humor brasileiro de internet. “A gente fez o que muitos achavam impossível: consolidou conteúdo de qualidade na internet”, diz Antonio Tabet, 38 anos. Há 11 anos, Tabet criou o site de humor Kibe Loco, um dos mais acessados do país e famoso por transformar quase tudo o que publica em viral. O Kibe Loco foi a plataforma de lançamento dos vídeos da Porta dos Fundos e sua audiência determinou quais eram os melhores horários e dias para a publicação dos vídeos. “O Kibe foi fundamental para a gente crescer em tão pouco tempo”, afirma Ian SBF. Tabet conciliava o Kibe Loco com a função de roteirista do programa Caldeirão do Huck, no qual trabalhava João Vicente de Castro. Porchat e Duvivier se conheceram no teatro, mas também participaram de programas da Globo. Em comum, além do senso de humor, os amigos descobriram a vontade de fazer algo na web. “A TV tem uma responsabilidade maior porque fica ligada na casa das pessoas”, diz Duvivier, 27 anos. “Não dá para transmitir um absurdo ao meio do dia na TV. Na internet pode, porque é o público quem vai buscar o conteúdo.” Com Gabriel Esteves, Duvivier, Porchat e Tabet formam o time de roteiristas. Toda semana, entregam quatro novas propostas de roteiro, discutidas em reuniões de pauta. Não há tema proibido, desde que faça rir. “Quando falamos de pedofilia, não estamos atacando a Igreja, mas o idiota do padre pedófilo. A gente bate nas pessoas que têm de bater”, diz Porchat.

fotos Guillermo Giansanti

No início, só na primeira segundafeira do mês era lançado um programa de 12 a 15 minutos, com várias cenas. Mas logo o grupo percebeu que quando as pessoas gostam de um esquete querem compartilhar só aquele, e não oito juntos. Como é mais fácil viralizar vídeos curtos de uma cena, foi essa a estratégia usada para conseguir cada vez mais compartilhamentos. Outra vantagem: a cada 1 mil visualizações, a produtora ganha um valor do YouTube, que monetiza os parceiros de acordo com a audiência que geram.

O sucesso da Porta dos Fundos já chama a atenção de canais de TV, e até a Globo teria sondado o grupo. Mas eles dizem que não há interesse em voltar para as restrições de uma emissora de TV. “A gente achou a melhor forma de se expressar. A internet é nosso horário nobre”, afirma Duvivier, ao retirar a gravata após encerrar sua participação no vídeo dos políticos. São quase 3 horas da manhã quando a gravação do esquete termina. A reportagem da INFO deixa o prédio da produtora, mas o trabalho continua.

Quando começou, a Porta dos Fundos fazia programas de 12 a 15 minutos. Mas logo percebeu que esquetes curtos viralizam mais fácil. A audiência explodiu

Há dois meses, a Porta dos Fundos fechou seu primeiro contrato de inserção de produto nos vídeos, com a cerveja Itaipava. Como no merchandising de TV, a cerveja pode aparecer, mas não precisará ser citada. Até hoje, todas as outras marcas mencionadas em vídeos, como a bolacha Negresco, apareceram por escolha do grupo. “As pessoas falam de marcas o tempo todo”, diz Porchat. “Não é estranho quando alguém diz que vai acessar uma rede social no lugar de dizer Facebook? A TV faz isso porque monetiza todas as inserções, mas a gente acredita que falar delas naturalmente gera realismo.”

Roupas são dobradas, objetos usados em cena são embalados para devolução, câmeras e cabos são recolhidos. Alguém oferece Doritos, Coca-Cola e sanduíches. Da parte de baixo do prédio alugado de três andares vem o som de risadas. Antes de sair, Ian SBF chama Fábio Porchat para conversar sobre um projeto. Porchat está há quase 48 horas sem dormir, ensaia uma careta sensual, chama o colega de “meu amor” e sai de cena dando tchau e um gemido. E aí tudo fica mais claro. Se existem mesmo elementos que garantem o sucesso de um vídeo, a Porta dos Fundos é hoje o canal que melhor soube combiná-los. Talvez porque a trupe guarde na manga, além de um profissionalismo inédito na internet, um último ingrediente secreto: não perder jamais o bom humor. ↙ Julho 2013 INFO

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