Paj mc casa casaclau tramas do brasil

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tramas do brasil O hábito de trançar fios existentes na

natureza e transformá-los em utensílios acompanha nossa história desde antes do descobrimento do país. Séculos depois, esses elementos ainda têm lugar de honra na casa – não apenas em nome da mera praticidade mas também da pura beleza.

ouro do cerrado Até então desconhecido pelo grande público, o capim-dourado, nativo das veredas do Jalapão, no Tocantins, começou a atrair olhares em 1997, graças a oficinas ministradas pelo designer Renato Imbroisi a moradores do vilarejo quilombola de Mumbuca, que aprenderam a entrelaçar os fios em tom raro com a já falecida e lendária dona Miúda. Sobre o banco, anéis de guardanapo do Depósito Kariri. O apartamento onde foram realizadas as fotos tem projeto de interiores de Aldi Flosi. 96 casa claudia maio 2014


artesania industrial Incluída no acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Nova York, a poltrona Vermelha (que aqui aparece em versão dourada), lançada pela grife italiana Edra em 1998, impulsionou a trajetória internacional dos irmãos Fernando e Humberto Campana. Emaranhar seus 500 m de corda de acrílico e algodão sobre a base metálica leva tempo: cada concha intrincada como esta exige, pelo menos, 45 horas de trabalho. casa claudia maio 2014 97


As texturas remetem a nossas Rore latia que autatemono sam origens e reconfortam a alma

Já faz séculos que índios ianomâmis, habitantes da fronteira de Roraima e do Amazonas com a Venezuela, trançam cipós para compor os cestos que ajudam a carregar banana, lenha e mandioca floresta adentro. O mesmo fazem os carajás, guaranis e outras tantas tribos pelo Brasil bem como os moradores dos sertões de Pernambuco e de vilarejos no interior do Tocantins. “O costume de tramar os próprios utensílios com os recursos que a natureza dá nasceu com a humanidade”, fala Maria Cecília Loschiavo dos Santos, professora de design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Gerado com base na necessidade, o gosto pelos elementos trançados acabou impresso em nossa memória afetiva e se transformou numa identidade nacional, como provam as criações de Joaquim Tenreiro (1906-1992), que reinventou a palhinha ao combiná-la com o jacarandá em móveis de traço moderno, e a mais nova geração de designers, a exemplo de Rodrigo Almeida, para quem a aposta na técnica tem uma justificativa irrefutável: “Ela é uma verdadeira aula de expressão e simplicidade”. 98 casa claudia maio 2014

amor à primeira vista Quando conheceu o trabalho feito de palha de carnaúba em Várzea Queimada, no interior do Piauí, o designer Marcelo Rosenbaum se apaixonou de imediato. “Há muitas comunidades como essa no país, cheias de esperança e potencial. Falta valorizá-las”, diz ele, que tornou o bogoió (cesto abaixo) e outros itens lá produzidos famosos em todo o Brasil por meio do projeto A Gente Transforma.


riqueza vegetal A majestosa carnaúba, palmeira abundante em estados como Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, é essencial para a economia nordestina. Dela se extraem farinha, cera, amêndoas – com as quais se faz uma espécie de café – e a palha, matéria-prima destes cestos (AP Nordeste), tramados em Caruaru, PE.

joias da mata O wapahu (sobre o bufê), de fibra de babaçu, tem função nobre entre os índios carajás da Ilha do Bananal, TO: guardar as penas e plumas que serão usadas na montagem de cocares. Já o adjaka (no chão), confeccionado com a fibra de uma taquarinha existente na região de Parelheiros, distrito rural de São Paulo, transporta os alimentos dos guaranis. Peças da Amoa Konoya.

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Cada objeto conta uma história de tradição e aprendizado

inspiração nos arredores A cultura e a geografia da Paraíba motivam o designer Sérgio J. Matos, nascido no Mato Grosso e radicado no estado nordestino há 13 anos. Batizada Corais de Acaú, a coleção da qual faz parte este vaso reverencia uma praia local. Seus contornos orgânicos, que parecem saídos do fundo do mar, levam arame, barbante e conchas de mariscos trituradas e tingidas.

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segunda chance à tecelagem Já fazia quase 20 anos que mudanças econômicas haviam aposentado os teares em Santa Rita, na zona rural de Teresina, conhecida décadas antes pela fabricação de redes. Isso até a médica Tereza do Carmo Melo criar a marca Trapos & Fiapos, sob a qual artesãs do vilarejo produzem tapetes como este, de taboa com bordado de fios de algodão (By Kamy).


resgate da memória A intensa pesquisa sobre elementos de nossa cultura levou o designer Rodrigo Almeida a lançar, no ano passado, o banco Trama, de cordas de poliéster sobre uma base de madeira e tecido. Inspirada na cestaria indígena, a peça instiga os sentidos do autor. “Gosto de sua maleabilidade e de vê-la tomando forma aos poucos, numa evolução contínua”, diz.

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As técnicas ancestrais se adaptam ao uso contemporâneo

tropical que não sai de moda Nasceu com Joaquim Tenreiro a ideia de combinar, em peças de traçado limpo, a madeira à palhinha, material até então recorrente no mobiliário dos séculos 18 e 19. “Sua transparência e leveza atendem às necessidades do clima daqui”, afirma Jo Slaviero, proprietária da Jo Slaviero & Guedes Galeria de Arte, de cujo acervo vieram estas cadeiras dos anos 1950.

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tintas da floresta Para os ianomâmis, cabe aos homens a arte de conceber cestos como estes (Casa do Amazonas), feitos de cipó e casca de árvore e coloridos com urucum. O mesmo corante é empregado nas pinturas que eles aplicam no rosto e no corpo, reveladas nas fotos de Maureen Bisilliat, reproduzidas no livro Xingu, de 1978. Reportagem Visual zizi carderari Texto rosele martins Fotos marco antonio

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