Revista Mercado de Capitais

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Ano 1 | Número 1 Publicação mensal da:

Regulação Presidente da CVM, Maria Helena Santana, fala aos analistas, em encontro com Lucy Sousa, da Apimec

Qualificação PEC mantém profissionais atualizados com mudanças nas regras do trabalho

Na rota da

evolução

Autorregulação entra em seu segundo ano com adequação total dos analistas brasileiros, servindo como uma bússola na busca de uma qualificação profissional cada vez maior




Sumário

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6 Expediente 7 Carta ao leitor 8 Panorama Global Ano 1 | Número 1 Publicação mensal da:

Regulação Presidente da CVM, Maria Helena Santana, fala aos analistas, em encontro com Lucy Sousa, da Apimec

Qualificação PEC mantém profissionais atualizados com mudanças nas regras do trabalho

Na rota da

evolução

Autorregulação entra em seu segundo ano com adequação total dos analistas brasileiros, servindo como uma bússola na busca de uma qualificação profissional cada vez maior

Foto de Capa: 123RF/Otnaydur

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MeRcado de Capitais

10 Uma conversa A presidente da CVM, Maria Helena Santana, fala sobre temas relevantes para os profissionais de investimento, em encontro com a representante da Apimec, Lucy Sousa


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24 14 Autorregulação Apimec comemora resultados do trabalho de supervisão e seu efeito para a profissionalização dos analistas

20 Certificação Entenda por que a educação continuada virou uma exigência para a renovação do credenciamento de analistas

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24 Entrevista O economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, diz que o pior momento da crise global iniciada em 2008 está em seus últimos dias e prevê uma retomada moderada já no segundo trimestre

30 Headhunter Pedro Roberto Galdi, um artista no mercado

33 Articulista

convidado Luiz Calado, economista

27 Contabilidade O dividendo que o acionista recebe hoje corre o risco de ser tributado no futuro, segundo especialista em IFRS MeRcado de Capitais

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Expediente

Editora

Quadro Diretivo da APIMEC Nacional Presidente

Lucy Aparecida de Sousa Vice-Presidente

David Rodolpho Navegantes Neto Conselho Diretor

Lucy Aparecida de Sousa David Rodolpho Navegantes Neto Alexandre Guimarães - Presidente da Apimec Distrito Federal Célio Fernando Bezerra Melo Presidente da Apimec Nordeste José Domingos Vieira Furtado Presidente da Apimec Minas Gerais Luiz Guilherme Ferreira Dias Presidente da Apimec Rio Marco Antônio dos Santos Martins Presidente da Apimec Sul Reginaldo Ferreira Alexandre Presidente da Apimec São Paulo

Diretorias

JB Pátria Editora Ltda. Presidente Jaime Benutte Diretor Iberê Benutte Assistente da DIRETORIA Patricia Torre COMERCIAL Otto Bush Administrativo / financeiro Gabriela S. Nascimento JORNALISTA Kelly Souza

Revista Mercado de Capitais Publicação mensal da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais conselho editorial Lucy Sousa, Alessandra Rigos, Alexandre Guimarães, Cristiana Pereira, Edson Garcia, Francisco Petros, Geraldo Soares, Luiz Roberto Calado, Marco Antônio do Santos Martins, Octavio M. R. de Barros, Ricardo Tadeu Martins Publisher Jaime Benutte Editora Maria Alice Rosa Projeto Gráfico e Arte Belatrix Ltda. Diretor de arte Marcelo Paton Impressão IBEP Gráfica

Empresa filiada à Associação Nacional dos Editores de Publicações, Anatec.

Marketing & Comunicação

Alessandra Rigos Educação Financeira e Sustentabilidade

Eduardo Werneck Relações com o Mercado

Antonio Jorge Vasconcelos da Cruz Relações Institucionais

Milton Leobons Técnica

Hélio Darwich Administrativa/Financeira

Marco Antonio de Almeida Panza

Apoio:

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A Revista Mercado de Capitais é uma publicação da JB Pátria Editora www.patriaeditora.com.br Dúvidas ou sugestões: mercadodecapitais@patriaeditora.com.br Não estão autorizados a falar pela revista, bem como retirar produtos, pessoas que não constem neste expediente e não possuam uma carta de referência assinada pelo presidente.


Carta ao leitor

É

com muita alegria e orgulho que apresentamos a você o primeiro número da Revista Mercado de Capitais, um projeto da Apimec Nacional que nasce com o objetivo de ampliar os canais de comunicação entre os profissionais de investimentos e todos os demais segmentos do mercado. Vamos precisar desta troca de informações e de experiência, pois são imensos os desafios que temos pela frente. Vivemos um momento especial em nossa história, e com um novo papel. As perspectivas de crescimento do mercado de capitais no Brasil nunca foram tão promissoras e surgem ao mesmo tempo em que nós, profissionais de investimento, atingimos a nossa “maioridade”, aos olhos de nosso regulador. Desde outubro de 2010, quando conquistamos a função autorreguladora de nossa profissão, em parceria com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), assumimos a responsabilidade de trabalhar para que nossa legislação e todas as regras

que guiam as atividades dos analistas sejam estritamente cumpridas e possamos avançar, permanentemente, rumo a uma profissionalização cada vez maior. É neste contexto que a revista ganha importância, uma vez que suas páginas vão testemunhar tudo isso econtribuir ativamente com nosso desenvolvimento. As análises, os debates, propostas, acontecimentos e mudanças de relevância para os profissionais de investimentos estarão aqui, como mostra a edição que você recebe agora, a começar pelo nosso tema de capa, que não poderia ser outro: um balanço da primeira etapa da autorregulação e seu efeito sobre a profissionalização dos analistas do Brasil. Terá também a oportunidade de conferir a visão da presidente da CVM, Maria Helena Santana, sobre a regulação dos vários segmentos do mercado de capitais doméstico e global e conhecer os cenários da economia mundial comos quais trabalha o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, entre outras reportagens. É a revista do profissional de investimentos, seu reflexo e sua voz. Aproveite e boa leitura!

Lucy Aparecida de Sousa Presidente da APIMEC

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PANORAMA GLOBAL

É intensa a polêmica entre juristas e advogados em relação ao projeto de lei que tramita no Congresso prevendo a criação de um novo Código Comercial. A proposta envolve uma série de mudanças que incluem critérios de definição de empresário, impenhorabilidade de cotas sociais, cáusula leonina e sociedade irregular. Entre os críticos, muitos apontam na falta de um anteprojeto para permitir debates sobre o tema uma demonstração do caráter “ditatorial” da iniciativa, outros consideram o projeto uma “aberração jurídica” e todos avaliam que não há necessidade de substituir as leis vigentes - Código de Processo Civil e Lei das S/A. Já os defensores do projeto consideram o CPC anacrônico e culpam a complexidade e quantidade de normas e leis, além da falta de regras para situações surgidas nos últimos anos, pela queda na competitividade brasileira. No projeto, argumentam, o Código concentra princípios, em vez de regras.

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Agenda Verde

Rio + carbono

A Apimec Nacional quer intensificar a atuação dentro da agenda de sustentabilidade do mercado de capitais este ano. Depois de criar a diretoria de Educação e Sustentabilidade, em 2011, a associação começou 2012 fazendo gestões junto à BM&FBovespa na defesa de uma participação maior dos profissionais de investimento nos debates sobre o desenvolvimento do mercado. Em reunião entre representantes das duas entidades, foi reafirmado o compromisso com os temas relacionados à divulgação de Relatórios Integrados pelas empresas, divulgação com o disclosure voluntário das informações dos questionários ISE, a adoção da prática “Pratique ou Explique” e os debates em torno da “Rio + 20”, que acontecerá em junho.

A “Rio + 20”, Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável que acontece em meados deste ano na capital fluminense, tem tudo para ser um grande fracasso nas negociações entre chefes de Estado, mas pode terminar muito bem para o setor financeiro, disse uma fonte do mercado. Segundo esta fonte, muitos grupos financeiros estão se articulando para colocar o mercado de carbono na pauta da “Rio + 20”, com grande chance de sucesso.

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Foto: Site Camara dos Deputados/Serviço Fotográfico (SEFOT-SECOM)/Rodolfo Stuckert

Arena jurídica


Blindagem do Euro

Perto do futuro

“O Brasil no Longo Prazo”. Este é o tema escolhido para protagonizar o 22º Congresso Apimec, que será realizado nos dias 30 e 31 de agosto deste ano na sede da Fecomércio, na capital paulista. Durante o encontro, palestras, debates, painéis e exposições vão centrar o foco em questões como os projetos de infraestrutura para o crescimento no longo prazo e seu financiamento - um dos grande desafios do momento para o mercado de capitais -, a análise dos cenários político e macroeconômico, sustentabilidade e perspectivas do setor. Uma das novidades é a Tarde do Analista, evento simultâneo que vai discutir questões mais específicas da profissão.

“Aumentam os sinais de que a Europa está se blindando para a eventual saída de países como Grécia e Portugal da Zona do Euro.” A opinião é do economista-chefe da Acrefi, Nicola Tingas (foto). Segundo ele, algumas notícias começam a indicar que os europeus estão construindo uma estratégia de liquidez maior que lhes permita sair da situação anterior - em que se viam vulneráveis à eventual retirada de países do bloco, ainda que pequenos economicamente. “Com a montagem desta moldura de liquidez mais ampla, os europeus podem bancar uma situação de saída e endurecer, como de fato já estão fazendo com a Grécia.”

Força-tarefa A Baker Tilly Brasil, 8ª auditoria do mundo, com sede em Londres, se uniu a várias instituição do mercado para desenvolver um projeto com objetivo de levar empresas de médio porte a abrirem capital no Bovespa Mais, segmento criado pela BM&FBovespa. A proposta é uma tentativa de fazer com que o Bovespa Mais prospere com mais velocidade. Participam da iniciativa as corretoras Prosper, Elite/Partbank, Planner, Souza Barros, Sagres, Omar Camargo, Lerosa, Spinelli, SLW e Coinvalores, além de instituições como ABVCap, BNDESPar, BDO, Fipecafi, Albino Advogados, Pefran e Fine.

Painel Brasil O Brasil foi o foco de um dos painéis da “City Week”, em Londres, que debateu o tema “Accessing the international capital markets in order to finance Brazil’s $ 3 trillion infrastructure programme”. O evento, que reúne algumas das principais autoridades financeiras do mundo, foi realizado em fevereiro deste ano e confirmou, mais uma vez, o destaque do país no cenário mundial. “Há um interesse crescente em conhecer melhor e fazer negócios com o Brasil”, contou o presidente da Brain – Brasil Investimentos & Negócios -, Paulo Oliveira (foto), um dos palestrantes do evento.

Tensões do ofício Um estudo realizado em parceria pela Apimec-SP e o Centro Paulista de Economia da Saúde da Unifesp revela quais os problemas de saúde com maior incidência entre os profissionais de investimento. O trabalho, realizado por amostragem, envolve questionários e utiliza critérios de pesquisa sobre qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (OMS), verificando aspectos físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. A seguir, algumas conclusões:

54,9%

dos entrevistados apresentam deficiência visual

45,4%

sentem dor na coluna

40,1%

relatam apertamento e/ou travamento dos dentes

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UMA CONVERSA

Fotos: Flávio R. Guarnieri

As reguladoras

A

presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, tem obviamente uma rotina de trabalho extremamente atribulada. Mas desde os primeiros momentos em que a revista Mercado de Capitais sugeriu promover um encontro entre ela e Lucy Sousa, a presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), Maria Helena não hesitou em aceitar. Era apenas uma questão de conseguir o melhor horário entre um compromisso e outro, o que não foi nada fácil, mas aconteceu afinal, numa manhã de fevereiro, na sede da CVM em São Paulo. Assim, agora você pode acompanhar uma conversa entre as representantes das duas entidades reguladoras do mercado, em que Maria Helena, que também preside a Organização Internacional das Comissões de Valores – OICV – ou IOSCO, como é conhecida internacionalmente, esclarece dúvidas sobre temas importantes para os analistas. Confira:

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Lucy Sousa - A CVM está disciplinando a não acumulação de categorias profissionais no mercado. Muitos consultores, por exemplo, não sabem se podem atuar como analistas, e assim por diante. Como a CVM vê esta questão? Maria Helena - No caso de gestor e analista, a visão é de que, ao recomendar a investidores a compra ou venda de determinados ativos, você tem uma presunção de independência, desde que siga as regras profissionais e da própria CVM. Além disso, o seu empregador também tem obrigações de produzir independência, de a remuneração não ser vinculada a resultados de recomendação ou obtenção de determinados mandatos de negócios


com empresas. Se, além deste papel, ele também é um administrador de carteira - e, portanto, aloca recursos diretamente em ativos -, será que estará nas mesmas condições para emitir recomendações com independência? Será que, como gestor, terá em primeiro lugar o interesse do cliente ou estará preocupado em confirmar sua recomendação? Este é o pano de fundo. Certamente outros reguladores optaram por colocar mais salvaguardas ou dizer: “Você é responsável por manter a independência...” A gente optou por proibir. Certamente há argumentos legítimos a favor e contra. Lucy - Está em audiência pública uma nova Instrução para o administrador/ gestor, que anuncia que haverá uma

outra para o consultor...Pode adiantar algo sobre isso? Maria Helena - Todos os temas da (Instrução) 306 nova, a do administrador de carteiras, serão tratados igualmente na de consultor. O que ele pode ou não fazer, se pode acumular ou não outras atividades, informação ou exame que ele tem que prestar, enfim, os mesmos aspectos tratados na audiência atual. Estamos esperando terminar esta audiência porque algumas mudanças que podem ser mais profundas vão repercutir também para o consultor, que será tema de audiência no primeiro semestre. Lucy - No evento dos 35 anos da CVM, você falou dos desafios que a IOSCO colocou aos reguladores

na busca de um marco regulatório convergente, citando casos como ordens automatizadas, dark pools e precificação de derivativos de balcão... Pode esclarecer esta preocupação? Maria Helena - Estes são alguns dos temas que estão sendo discutidos, alguns por conta de problemas que apareceram na crise, como a falta de transparência do mercado privado - que era de atacado, os reguladores tinham convencionado que era privado, era entre investidores qualificados ou profissionais e, portanto, não deveria ser tutelado pelos reguladores. Até que se percebeu não ter nenhuma informação sobre segmentos tão relevantes. E não ter o mínimo de controle trouxe uma ameaça enorme à estabilidade financeira. A partir daí os reguladores viram a necessidade de vigiar permanentemente as fronteiras do seu mercado para ver se há inovações que possam significar riscos, o surgimento de produtos por conta de arbitragem regulatória e coisas deste tipo, tentando fugir de regulação mais pesada para uma mais leve. É dentro deste cenário, por exemplo, que o derivativo de balcão preocupa. E a gente sai na frente. As principais entidades reguladas já têm que registrar qualquer contrato derivativo de balcão numa central de registro e, se tiverem algum ativo, têm que manter numa conta segregada no seu próprio nome. Mas o mundo quer avançar mais e está discutindo ter regras exigindo que os derivativos que sejam suficientemente padronizados nem possam ser negociados em balcão, mas que seja tudo, obrigatoriamente, no mercado de Bolsa e liquidado por uma clearing que seja a contraparte central. Estamos envolvidos nessas discussões porque podem ser tomadas decisões inadequadas para nós. Por exemplo: determinar a negociação, num ambiente organizado, dos contratos que são padronizados. Nem precisamos fazer isso, porque mais de 90% desses contratos já estão em Bolsa. Em relação ao mercado secundário de ações, a negociação por MeRcado de Capitais

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meio de programas automatizados - e, inclusive, a negociação de alta frequência, com colocação de um número gigantesco de ordens que são quase todas canceladas e substituídas por outras em tempo real - é uma das características do novo cenário de evolução tecnológica. Outra é o fato de que, em outros mercados, grande parte dos negócios com papéis listados é feita em ambientes que não exigem divulgação das ofertas, então ninguém sabe quais são as ofertas naqueles ambientes, elas só estão disponíveis para seus participantes, não formam o preço no mercado... Estamos um pouco protegidos dessas coisas pelo fato de termos um mercado, em um certo sentido, ainda menos desenvolvido, com um único ambiente de negociação para todos os produtos líquidos, padronizados, numa única Bolsa, sem o problema da fragmentação e da concorrência que estão trazendo estas inovações. Também não ter várias bolsas tira um pouco a oportunidade de arbitragem para o pessoal de negociação de alta frequência. Mas tudo hoje chega muito mais rápido do que no passado, então temos que acompanhar a evolução e ver o que precisamos melhorar na regulação ou no ambiente em geral de administração de riscos. Lucy - Qual a agenda da IOSCO para colocar essas questões em discussão, ou rediscussão, internacional? Maria Helena - Já estão sendo desenvolvidos mandatos, projetos específicos para analisar a emissão de recomendações. No caso de High Frequency Trading, já saiu. Em relação ao ETF , está ocorrendo agora. Neste caso, a preocupação maior não é tanto com o efeito no mercado secundário de ações - esse negócio de que todo mundo vira passivo e quem é que vai olhar os fundamentos? Que é uma coisa que me preocupa muito Lucy - A nós também... Maria Helena - O aspecto que está em análise por um grupo da IOSCO é mais pelo fato de que há muitos produtos deste tipo que não são ETFs físicos, são sintéticos - vamos 12

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Maria Helena: próxima audiência pública sobre atividades reguladas será a de consultor e deve sair ainda no primeiro semestre

dizer assim. São notas, produtos estruturados que sintetizam uma determinada exposição em que, em geral, quem é o emissor também é ele mesmo ou a tesouraria dele, ou outra empresa do grupo, do próprio banco - a contraparte num derivativo total return swap, que sintetiza a exposição àquele risco específico que ele está dizendo que acompanha. Portanto, gera preocupações do ponto de vista de estabilidade financeira. Há a preocupação com o disclosure para o investidor, para ele entender que o que está comprando não é igual a um ETF físico, que tem uma cesta de ações lastreando, que está custodiada. É um ETF que, na verdade, representa um contrato de derivativo, cuja contraparte é aquele banco, que pode, em determinado momento, ser incapaz de honrar. São produtos complexos, que chegam ao varejo muitas vezes sem o esclarecimento suficiente. Lucy - A crise não espantou esses investidores para comprar esses produtos complexos?

Maria Helena - É engraçado, porque depois do estouro todo se percebeu que tinha muito produto estruturado sendo vendido como qualquer coisa, como um CDB, nas agências e tal, para investidores incautos. E isso voltou a acontecer porque os bancos estão precisando captar recursos e, ao mesmo tempo, nos países europeus, principalmente, estão enfrentando fuga de depositantes. Então emitem muitos produtos travestidos de ETFs. Esses temas que envolvem a integridade do mercado - a questão da liquidez escondida nos dark pools ou fragmentação na negociação entre várias bolsas, ou mesmo a High Frequency Trading, - estão sendo tratados por um grupo que é o especialista em questões de mercado intermediário. Possivelmente este ano ainda vão sair recomendações para tratar deste problema. Outros reguladores já estão até emitindo algumas regras ainda não muito incisivas, tentando ir devagar na intervenção, mas já intervindo na forma como isso tem evoluído,


porque o problema já está muito presente lá. É diferente daqui. A gente pode acompanhar esta discussão e esperar ver como vai se desenvolver porque não temos nada agudo em relação a isso. Lucy - Você foi diretora de Bolsa e participou do processo de introdução do Novo Mercado. Algumas empresas deste segmento têm frustrado os investidores, muitas vezes adotando formalmente as regras mas, de fato, deixando a desejar. O que aconteceu? Maria Helena - Neste caso prefiro falar em meu nome. Falar pela CVM não caberia. A impressão que tenho é que os próprios analistas e investidores não entenderam o que o Novo Mercado é - e o que não é. Vocês são os profissionais que têm que olhar detalhadamente a informação da empresa, achar aquilo que ela não quis informar. São especialistas

contrato. Tudo isso foi necessário levar em conta na hora de escolher um modelo. Escolheu-se este modelo e, que eu saiba, a Bolsa não está deixando de fazer valer nenhuma regra que exista no contrato, mas há uma insatisfação do mercado, dos investidores, em relação a algumas empresas ou operações, em função da atitude que aquelas operações denotam. E acho que é muito bom que haja. Só o culpado é que eu não sei se é o Novo mercado. É muito bom que esta insatisfação apareça e os controladores das empresas sejam confrontados com uma expectativa de que eles fossem mais justos, mais equilibrados nas decisões e nas propostas de operação que fazem e tal, porque isso faz avançar. A gente já viu operações sendo modificadas, empresas recuando em decisões, em função dos comentários negativos

Tudo hoje chega muito mais rápido. Temos que acompanhar a evolução (tecnológica do mercado) e ver o que precisamos melhorar na regulação ou no ambiente em geral de administração de riscos em olhar a informação, entender e interpretar. Em relação ao Novo Mercado, não deveria ser diferente. Muitas das queixas que ouço não são nem pertinentes. Se exige coisas de um produto que, na verdade, é um contrato que ele não se propõe a entregar. Por exemplo: por ser um contrato, é baseado neste tipo de relacionamento do âmbito privado, tem regras bem objetivas, que podem ser cobradas, cujo cumprimento pode ser fiscalizado, pode ter punição etc. O que ele não tem? Não tem princípios. Se num contrato, lá na origem - falando como parte do time que também pensou as regras -, se colocasse princípios, não sei que credibilidade isso teria. Porque os próprios investidores estrangeiros e domésticos não veem o ambiente brasileiro como um ambiente em que se fazem valer princípios. Mesmo a letra da lei é difícil, quanto mais um

que receberam. Agora, é muito importante que todo mundo leia e entenda o que são aquelas regras e o que se pode esperar delas. O fato da reforma recente ter esbarrado na recusa da maioria das empresas em aprovar algumas mudanças que a Bolsa estava propondo é uma pena, uma perda de oportunidade. Na minha opinião, eram evoluções importantes, necessárias, e as empresas não viram o valor estratégico embutido ali. Muito provavelmente ficaram focadas nas suas questões específicas em relação a uma ou outra regra e no fim se aliaram para, em bloco, recusar as principais propostas. O mercado teria ganhado muito em termos de credibilidade, atratividade para capital, que é o objetivo disso. Acho que as empresas devem ficar muito alertas para a perda de relevância do Novo Mercado no tempo, se elas

próprias não permitirem que ele se atualize, lide com problemas novos, corrija ou aperfeiçoe regras. Portanto, espero que esta percepção entre as empresas mude para a próxima vez que a discussão vier. Lucy - E quanto às empresas que ainda nem migraram para o Nível 1? Maria Helena - Isto, como sempre, desde o começo, está na mão do mercado. O único mecanismo que vejo funcionar é o da pressão do investidor, do analista, do profissional de investimentos, sobre aquela empresa. Se, por outro lado, a empresa é vista como satisfatória - e não estou falando de nenhuma, falo em tese -, transparente e eficiente, equilibrada em relação ao tratamento de usuários stakeholders e tudo mais, sem ter ido para nenhum dos níveis, certamente ela não fará isso. Tem que haver um incentivo econômico para isso. É o mais poderoso. Tem acontecido esta transformação no pregão tradicional em empresas do Novo Mercado - em geral é diretamente para o Novo Mercado, que é onde está o dinheiro, obviamente. Lucy - As demandas internacionais por sustentabilidade estão sendo incorporadas no nosso mercado, mas isso ainda está devagar. A CVM pretende estimular este processo? Maria Helena - Olha, ainda não sabemos bem como fazer isso. A gente gostaria de estimular, mas não mandando fazer - não neste momento ainda. Talvez algum tipo de sinalização fizesse sentido. É importante. Como cidadãos mesmo, os empresários e administradores das companhias estão sendo confrontados com a necessidade de lidar com o futuro - e o presente também -, com o legado que a gente pretende deixar para as gerações futuras. Compartilho com a crença de que informar publicamente infuencia o comportamento. Acho que, na hora em que você dá mais transparência à atuação da empresa na dimensão social e ambiental, as fragilidades aparecem, as críticas vêm e você se mexe para melhorar. MeRcado de Capitais

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Autorregulação

Foto: Photoxpress/Nicolay Okhitin

A bússola

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do analista Um ano e três meses após assumir a função autorreguladora, Apimec comemora a adesão dos profissionais brasileiros às novas regras, que devem conduzir o mercado rumo a uma profissionalização cada vez maior

O

terremoto financeiro que desde 2008 vem abalando sucessivas economias na Europa fez ressurgir em todo o mundo o debate entre os partidários da regulação dos mercados financeiro e de capitais e os defensores da autorregulação. Nos países considerados mais desenvolvidos, a visão de que o Estado precisa atuar mais incisivamente para conter os excessos que teriam causado os estragos vem conquistando adeptos.

No Brasil, porém, é a autorregulação que está ganhando a queda de braço entre as duas ideias. E esta falta de sincronia tem sua lógica. Os estrangeiros estão vindo de um processo de desregulação que começou ainda nos anos 80, quando passaram a experimentar um período de crescimento. No Brasil, foi o contrário: para tentar contornar e superar a sequência de crises iniciada na mesma época, disciplinando seus mercados, acabou construindo a legislação que chega aos dias de hoje abrangente e rigorosa. Agora, o país se vê diante da perspectiva de uma expansão que vai exigir uma capacidade cada vez maior para fazer com que essas regras sejam cumpridas. É neste contexto que muitos segmentos dos mercados financeiro e de capitais têm conquistado a condição de autorreguladores, tomando também para si a responsabilidade de supervisionar o cumprimento das leis e normas em suas áreas. Um dos casos mais recentes é o dos analistas de valores mobiliários, que têm na sua entidade representativa, a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional), o organismo autorregulador. A mudança envolve exigências de aprimoramento das atividades que fazem da autorregulação, se bem-sucedida, uma espécie de bússola para

CVM manteve função reguladora, mas passou a dividir a supervisão do trabalho dos analistas de valores mobiliários com a Apimec

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Fotos: Flávio R. Guarnieri

Lucy Sousa, presidente da Apimec Nacional: “O que foi feito até agora mostra que estamos no caminho certo”

alcançar a excelência profissional. Não que antes as regras fossem menos rigorosas. A supervisão é que era diferente. Até 2010 todo o monitoramento, fiscalização e controle da atividade dos analistas brasileiros competia exclusivamente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que ao mesmo tempo nunca dispôs de estrutura condizente com a demanda das áreas sob seu guardachuva. Em outubro daquele ano, por meio da Instrução 483, a CVM autorizou a entidade certificadora e credenciadora dos profissionais, a Apimec, a exercer também a atividade de supervisão. “A CVM não abriu mão de seu dever de ser ‘xerife’ do mercado. Com a autorregulação, o que a Comissão busca é a parceria de entidades que conheçam

Profissionais vinculados à Apimec

Profissionais de investimento no Brasil

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as atividades”, diz Vinícius Corrêa e Sá, superintendente de Supervisão da Apimec Nacional. Para exercer a função, a Apimec precisou colocar em movimento uma nova engrenagem. Foi criado o Conselho de Supervisão do Analista (CSA), que é composto por nove representantes de vários segmentos do mercado de capitais e tem entre suas competências principais julgar os processos administrativos em segunda instância, mediante apelo entre as partes, orientar o trabalho da Superintendência de Supervisão do Analista (SSA) em relação às suas atribuições e definir circunstâncias que se caracterizem como infração e os procedimentos a serem seguidos nestes casos pela SSA, também criada com a reestruturação para fiscalizar e supervisionar o trabalho dos analistas. “Estou absolutamente confiante de que o CSA cumprirá sua missão de implementar a supervisão e analisar os casos com equidade”, afirma o presidente do Conselho, Francisco Petros. Além disto, a Apimec instituiu o Conselho Consultivo do Analista (CCA), que trabalha para que os profissionais tenham cada vez mais representatividade na instância autorreguladora e contribuam para o aperfeiçoamento de suas normas, e a Superintendência de Certificação, que, além de conceder o atestado de qualificação dos profissionais, desenvolve programas como o PEC (ver reportagem na página 22). Um ano e três meses depois, os resultados superam as expectativas, segundo a Apimec Nacional. “O que foi feito até agora mostra que


28%

19%

Relatórios de análise, por tipo Gráficos Fundamentalistas

53%

Fundamentalistas e Gráficos

ao Código de Conduta da categoria, assumindo estamos no caminho certo. Cumprimos todas compromissos como o de trabalhar com as exigências relativas à nova função feitas informações idôneas, não incorrer em situações pela CVM, que já se declarou publicamente que envolvam conflitos de interesse satisfeita com nosso trabalho”, e preservar sua independência em afirma a presidente da Apimec Autorregulação relação à instituição para a qual Nacional, Lucy Sousa. O balanço estabeleceu trabalha. “A questão da independência da autorregulação desde a estreia, adesão é crucial”, diz Corrêa e Sá. divulgado pela Apimec em obrigatória Ele admite, no entanto, que fatores primeira mão nesta reportagem ao Código de como a necessidade de preservar (ver gráficos e tabelas), mostra Conduta o próprio emprego, por exemplo, que a migração dos analistas que e ampliou as podem intimidar um profissional na estavam registrados na CVM para exigências para hora de fazer seu trabalho. “Acontece a associação foi um sucesso. Em concessão de que este profissional sabe que a outubro de 2010, a CVM tinha credenciamento principal responsabilidade é dele. 1.080 analistas habilitados. É ele quem põe a cara para bater ao Hoje 1.416 profissionais estão assinar um relatório e quem vai pagar por isso vinculados à Apimec, entre os certificados, é ele”, alerta. A autorregulação tem de ser “do aqueles que comprovam conhecimento e preparo técnico para trabalhar no mercado, mas não podem fazer recomendação de ativos; Instituições que enviam os credenciados, profissionais certificados relatórios à Apimec que produzem relatórios com recomentação ADINVEST, ÁGORA, ALPES, ATIVA, BANCO DO de valores mobiliários; e os licenciados, BRASIL, BANIF, BANK OF AMÉRICA MERRIL que são credenciados mas, por algum LYNCH, BARCLAYS CAPITAL, BES, BRADESCO, motivo, não estão em atividade no momento. “Considerando que a autorregulação trouxe BTG PACTUAL, CITIBANK, COINVALORES, consigo mais filtros para o credenciamento, CONCÓRDIA, CREDIT SUISSE, DEUTSCHE BANK, como a exigência de educação continuada, DOJI STAR, EMPIRICUS, FATOR, FLOW, GBM este dado mostra que o trabalho de BRASIL, GERAÇÃO FUTURO, GOLDMAN SACHS, comunicação, a etapa educacional, foi muito bem-sucedida”, avalia Corrêa e Sá. “Se havia GRADUAL, HSBC, ICAP BRASIL, INDUSVAL, algum receio de que a autorregulação teria um ITAÚ, JP MORGAN, LINK INVESTIMENTOS, caráter corporativista, este receio se desfez, LOPES FILHO, MAGLIANO, MCM, MORGAN pois conseguimos mostrar que o objetivo STANLEY, OMAR CAMARGO, PAX, PLANNER, deste trabalho é desenvolver e fomentar nossa atividade - e não proteger o analista, PROJEÇÃO, PROSPER, RAPHAEL CORDEIRO independentemente da situação”, CONSULTORIA, RAYMOND JAMES, SAFRA, acrescenta Lucy. SANTANDER, SLW, SOCOPA, SOLIDUS, SOUZA A autorregulação trouxe consigo uma série de BARROS, TECNICA, TRADER GRÁFICO, UBS, novas exigências. A principal delas é que, para VOTORANTIM, WALPIRES e XP INVESTIMENTOS estar regularizado, o profissional precisa aderir MeRcado de Capitais

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As campeãs de relatórios (As 20 instituições que mais enviaram relatórios até dez/2011)

analista para o analista”, reforça o coordenador do Comitê Consultivo do Analista (CCA) da Apimec, Ricardo Tadeu Martins. “É o analista olhando para si mesmo, sabendo que quem está declarando aquilo é ele - e não a instituição - e, portanto, ele tem de ser o veículo de comunicação da boa-fé que tem em suas

premissas de avaliação”, afirma. Martins é responsável pela divisão da Apimec que tem entre seus objetivos dar voz ao regulado na elaboração de propostas ou regras que o envolvam. O Comitê conta com 20 analistas credenciados que representam todos os segmentos de analistas fundamentalistas - os autorizados a produzir relatórios -, e se reúnem bimestralmente para discutir questões ligadas ao dia-a-dia do trabalho. “O CCA faz parte do que se chama de ‘inclusão’ dos analistas. Quando a regra é feita dentro da própria associação, por quem está na linha de frente, o resultado é mais rico, mais interessante”, diz. Esta participação é considerada uma das principais contribuições da autorregulação para a qualificação também em Vinícius Corrêa e Sá, superintendente de Supervisão da Apimec, diz que agora começa a fase do “amadurecimento”: “Analistas vão passar a utilizar a engrenagem de que dispõem para ajudar o mercado a oferecer um trabalho cada vez melhor”

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outros segmentos do mercado de capitais. “O governo muitas vezes não consegue visualizar adequadamente os detalhes de cada um dos setores. Quando se autorregulamenta, o setor consegue descobrir, se adaptar e fazer aquilo que é possível para promover melhorias de controles em sua área”, afirma Geraldo Soares, vice-presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri). Uma sondagem feita pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), também uma entidade autorreguladora, mostrou um exemplo disso: “Várias companhias, todas de primeiríssima linha, nos relataram que a existência do nosso Código (Código de Autorregulação e Boas Práticas das Companhias Abertas) ajudou a aperfeiçoar determinados pontos, funcionando como um check-list para verificar se todos os procedimentos estão corretos”, diz o superintendentegeral da Abrasca, Eduardo Lucano. Contar com esta espécie de bússola para avançar no rumo Para da profissionalização é vital representantes para o futuro do mercado do mercado de capitais, segundo seus de capitais, representantes. “O ‘timing’ perspectiva de (do início da autorregulação crescimento dos analistas) não poderia do país nos ser melhor”, afirma Soares, próximos do Ibri. “Nosso mercado anos reforça ainda é muito pequeno a necessidade e precisa se desenvolver de avanço na muito. Se você tem uma qualificação qualificação de profissionais de investimentos, a estrutura está montada, há qualidade técnica e ética para um bom trabalho, as condições tornam-se excelentes para este desenvolvimento.” O ponto de partida é bastante favorável, segundo Lucy. Ela conta que a própria autorregulação é novidade para os outros países. “No exterior, o alcance das associações de classe na regulação vai até a certificação. Não chega até a supervisão”, diz, revelando que a experiência brasileira já despertou interesse de um representante da “Apimec espanhola” e da “CVM” da Argentina. “Em relação à qualidade de relatório, creio que estamos dentro da média internacional de boas práticas”, avalia. Os analistas são obrigados a enviar todos os relatórios para a Apimec e a supervisão é feita por amostragem. Desde que virou autorreguladora, a entidade já recebeu 56 mil relatórios, provenientes de 53 instituições. O que define um relatório de análise, explica Corrêa e Sá, é qualquer declaração que possa influenciar um investidor a manter, comprar ou vender ação de uma determinada companhia. Não importa o meio pelo qual isso é feito -

Vem aí o Manual de Melhores Práticas A Apimec Nacional prepara para março o lançamento do Manual de Melhores Práticas do profissional de investimentos, com o qual deverá aprofundar e traduzir para os procedimentos do dia-a-dia a aplicação dos princípios do Código de Conduta dos analistas. “O Código é a peça inicial, enquanto o Manual de Melhores Práticas é o primeiro documento produzido após a autorregulação que vai na direção exclusiva da qualidade das análises, tema de alguns artigos do Código”, explica Lucy Souza, presidente da Apimec Nacional. “Não estamos obrigando ninguém. Na verdade, as melhores casas já aplicam estes procedimentos. O que o Manual de Melhores Práticas faz é sistematizar essas práticas”, explica Lucy.

pode ser uma entrevista à imprensa, uma conferência por viva-voz ou um relatório clássico, fundamentalista. Além de verificar se o autor está habilitado a fazê-lo, a Apimec confere se o relatório cumpre os critérios adequados. Entre outubro de 2010 e abril de 2011, na primeira etapa da autorregulação, denominada “educacional” pela Apimec, foram enviados 44 emails de esclarecimentos a autores de relatórios com problemas. De maio de 2011 até janeiro deste ano, foram enviadas 12 cartas de recomendações - a maioria apontando disclaimers sem apresentação adequada - e aplicadas oito multas. Este foi o período de adaptação, segundo a Apimec. Agora a autorregulamentação entra na terceira fase. “É o momento do amadurecimento, quando os analistas vão passar a utilizar toda a engrenagem de que dispõem para ajudar o mercado a oferecer um trabalho cada vez melhor. O analista já vê a Apimec como entidade autorreguladora e sabe que pode contar com ela no combate a desvios de conduta. Sabe que todo o mercado ganha com isso”, afirma Corrêa e Sá. Tanto é que foram abertos recentemente os dois primeiros procedimentos de averiguação de irregularidades, etapa que precede um eventual processo administrativo contra o analista acusado e entra na esfera do Conselho de Supervisão do Analista, a segunda instância. Ao fim deste um ano e três meses, o superintendente considera que o processo de construção e consolidação da função autorreguladora na Apimec já foi concluído e agora só precisa ser administrado. “Já estamos voando em céu de brigadeiro”, comemora.

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Certificação e credenciamento

Fotomontagem com fotos: 123RF/Dmytro Shevchenko/Ping Han/Jim Pruitt

Profissional é o

o Educaçã e d a m a r Prog mantém ) C E P ( a d Continua s de valore a t s li a n a o do s atualiza e io r iá il b o m as o às regr ã ç la e r as em tos de su n e im d e c pro que hoje o , s e d a ativid a o decisiv é condiçã bom para um nho desempe al profission

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aprendiz D

e médicos a professores, de engenheiros a psicanalistas, não há profissional hoje em dia que não tenha tido algum contato com o conceito de “educação continuada”. A ideia de que a formação técnica ou universitária é suficiente, junto com a prática, para preparar um profissional para o resto da vida vem sendo ofuscada por uma outra visão: a de que os aspectos que envolvem a eficiência do trabalho mudam constantemente e, portanto, o aprendizado precisa ser permanente. Educação continuada envolve tudo o que contribui para a reciclagem profissional, como cursos, seminários, palestras, congressos etc. Em uma área tão dinâmica como a do analista de valores mobiliários, é hoje uma condição para renovação de credenciamento junto à Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional). Sem esta revalidação, por mais experiente que seja, o analista não pode exercer suas atividades plenamente. O credenciamento só pode ser feito por profissionais certificados pela Apimec. É um estágio além da certificacão. O certificado atesta que seu portador tem a capacitacão técnica e o conhecimento do mercado de capitais necessários para atuar como analista de investimentos. No entanto, este profissional não pode emitir relatórios de

análise. “Ele pode, no máximo, recomendar investimentos em um tipo de ativo, como ações em geral. Se nominar o ativo, estará cometendo uma irregularidade”, explica Francisco D’Orto Neto, superintendente de Certificação da Apimec Nacional. Já o analista credenciado, que necessariamente é certificado, está habilitado a produzir relatórios e recomendar investimentos em um determinado ativo, uma ação de determinado emissor, por exemplo. E este é o profissional que precisa comprovar, a cada cinco anos, que acompanhou as alterações em regras e procedimentos de suas atividades. A renovação do credenciamento ocorre dentro do Programa de Educação Continuada (PEC) da Apimec Nacional. O PEC é uma exigência da Instrução 483, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que delegou à entidade a função autorreguladora. Para um analista revalidar seu credenciamento, a associação oferece duas opções: ser aprovado no exame CR (Conteúdo de Reciclagem) ou comprovar que nos últimos cinco anos somou pelo menos 160 horas de participação em cursos, seminários, palestras, congressos e qualquer outro evento, por meio dos quais ele se manteve em dia com as mudanças na profissão. O PEC só se torna obrigatório para profissionais exclusivamente certificados caso eles solicitem o credenciamento. Os analistas credenciados que estão em licença não precisam fazer o PEC. “Alguém poderá argumentar: ‘Mas é da natureza da atividade do analista estar por dentro do que acontece no mercado o tempo inteiro’. Sim, mas isso se refere aos fatos relacionados aos emissores. Não entram aí medidas como a mudança no padrão contábil dos relatórios, por

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Foto: Flávio R. Guarnieri

Francisco D’Orto Neto, superintendente de Certificação da Apimec Nacional: “O mundo está olhando para o Brasil. Precisamos estar bem vestidos e a certificação, sem dúvida, é uma roupa de grife”

exemplo, que nós promovemos recentemente e não tem como ser conhecida se não for estudada”, afirma Lucy Sousa, a presidente da Apimec Nacional. O argumento não vem do nada. Um dos principais desafios da entidade autorreguladora, segundo ela, é vencer a resistência de profissionais extremamente experientes que a partir de agora terão de mostrar que estão atualizados em seus conhecimentos e técnicas para continuar no mercado de trabalho. “Há quem veja nisso o mesmo que voltar aos bancos escolares, mas não é assim. É aprimorar a qualificação indo a congressos, seminários, etc., como ocorre com médicos, arquitetos, engenheiros...”, explica Lucy. Neste ano começam a vencer os primeiros credenciamentos que terão de ser revalidados sob a regência da Instrução 483, que vigora desde outubro de 2010. Nesta medida, foi estabelecido um ponto de corte em 2006 - quem fez seu credenciamento até 2006, portanto, está no momento de renová-lo. O prazo final para quem optou pelo exame foi inicialmente fixado no fim de 2011, mas posteriormente adiado para o dia 29 de junho deste ano. No ano passado foram realizados 56 exames, com aprovação de 59% dos candidatos. Quem é reprovado deve voltar a fazer as provas. O PEC envolve dois tipos de exames: o Conteúdo de Reciclagem (CR) e o Conteúdo de Reciclagem Técnico (CRT). Os temas dos testes e vários 22

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materiais de estudo podem ser conferidos no site www.apimec. com.br. Ivanor Torres, analista de valores mobiliáriosdesde 1982, optou por fazer a prova. Na primeira tentativa, foi reprovado. “Não estava preparado”. Antes de tentar de novo, revisou toda a legislação e, na segunda vez, passou. “Realmente, é preciso se manter atualizado constantemente. Ocorreram muitas mudanças em relação às leis, regras, normas e procedimentos nos últimos anos.” A falta desta reciclagem, diz, pode interferir negativamente em atividades como a emissão de relatórios, por exemplo. “Poderia vir a me prejudicar no futuro. Há uma supervisão maior da Apimec e o impacto no meu trabalho poderia ser grande.” Ao mesmo tempo em que os analistas de valores mobiliários estão se reciclando profissionalmente, outros segmentos e setores do mercado de capitais estão fazendo o mesmo. Um destes exemplos vem do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Adriane de Almeida, superintendente-adjunta de Conhecimento do instituto, conta que o IBGC ofecere atualmente cerca de 25 cursos, que registram frequência cada vez maior. Ela cita como principal exemplo os cursos destinados aos mais de 600 conselheiros de Administração certificados pela entidade - a certificação IBGC exige adesão ao seu Programa de Educação

Continuada. “São conselheiros de companhias abertas e fechadas que buscam conhecer as melhores práticas na área de governança corporativa”, conta Adriane. “Esta atualização, hoje, faz parte do trabalho”, resume. Neste processo de capacitação, obter o Certificado Nacional do Profissional de Investimentos (CNPI) é o primeiro passo para o analista evoluir profissionalmente. Há três categorias, que variam conforme a especialização desejada: fundamentalista (CNPI), que faz seus pareceres a partir dos dados dos balanços das empresas; técnico ou grafista (CNPI-T), que toma por base o histórico dos preços das ações; ou pleno (CNPI-P), que é fundamentalista e técnico. São três tipos de exames - Conteúdo Brasileiro (CB), Global (CG1) e Técnico (CT1) - (ver quadro nesta reportagem). Até dezembro passado, foram realizados 638 exames, dos quais 300 de Conteúdo Brasileiro, em que 65% dos candidatos foram aprovados. No Global, foram 266 testes, com 38% de aprovação, enquanto a prova de Conteúdo Técnico foi aplicada 72 vezes, com 69% de aprovação. “A certificação do profissional de investimentos em um contexto de autorregulação é uma inovação no mundo. Somos a única certificadora privada. Nos demais países, são as organizações similares à nossa CVM que certificam”, afirma D’Orto. O resultado, diz ele, é que todo o processo se dá em consonância com o Código de Conduta dos analistas, “que é totalmente moderno e segue os mais altos padrões de exigência”. Para o superintendente de Certificação, este aspecto ganha ainda mais importância em um momento em que o Brasil começa a se destacar na economia mundial. “O mundo está olhando para o Brasil. Precisamos estar bem vestidos e a certificação, sem dúvida, é uma roupa de grife”, afirma.


CNPI

Certificado Nacional do Profissional de Investimentos O que é É o certificado que comprova a qualificação técnica necessária para que um profissional atue nos mercados financeiro e de capitais no Brasil, concedido pela Apimec, dentro do Programa de Certificação Nacional. É a carteira de habilitação do analista de investimentos

A quem se destina A todos os profissionais com nível superior completo em qualquer área e com interesse em trabalhar nos mercados financeiro e de capitais, desde que possuam pelo menos 3 anos de experiência na atividade

Quais as áreas de atuação Em geral, os candidatos possuem ou pretendem desenvolver experiência profissional nos seguintes segmentos dos mercados financeiro e de capital:

- Administração de Recursos - Consultoria - Análise e Pesquisa Financeira - Investment Banking - Finanças Corporativas

- Administração de Riquezas - Relações com Investidores - Vendas e Operações nos Mercados Financeiro e de Capital

Como obter Os exames são oferecidos pela Apimec, em geral em tempo contínuo, e realizados nos Centros de Testes da FGV em praticamente todo território nacional. A certificação está dividida em três categorias - CNPI para o analista fundamentalista; CNPI-T, para o analista técnico; e CNPI-P, para o analista pleno (fundamentalista e técnico)

Quais são os exames Para analista fundamentalista, técnico e pleno:

CB - Conteúdo Brasileiro Prova de 2h de duração com 60 questões de múltipla escolha sobre: Sistema Financeiro Nacional, Mercado de Capitais, Mercado de Renda Fixa, Mercado de Derivativos, Conceitos Econômicos, Ética e Relacionamento, Governança Corporativa

Para analista fundamentalista:

CG1 - Conteúdo Global 1 Prova de 2h de duração com 60 questões de múltipla escolha sobre: Análise e Avaliação de Ações, Finanças Corporativas, Contabilidade Financeira e Análise de Relatórios Financeiros

Para o analista técnico:

CT1 - Conteúdo Técnico 1 Prova de 2h de duração com 60 questões de múltipla escolha sobre: Princípios de Análise Técnica; Dow, Elliott, Fibonacci e Candle Stick; Retas, Tendências e Médias móveis; Stop, Suporte e Resistência; Volume & Contratos em Aberto

OBS: Aprovado no CB e CG1 recebe o CNPI (recomendações através de relatórios de análise fundamentalista); no CB, CT1 e CNPI-T (recomendações através de relatórios de análise gráfica); e nos três exames, recebe o CNPI-P (recomendações através de relatórios de análise fundamentalista e/ou gráfica).O candidato poderá se inscrever separadamente em qualquer dos exames pelo site http://www.fgv.br/certapimec. Fonte: Apimec Nacional MeRcado de Capitais

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Entrevista oCTAVIO DE BARROS / Economista-chefe do Bradesco

Fotos: Divulgação/Bradesco

“Odofundo poço na economia brasileira ficou para trás” 24

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É

bem provável que estejamos vivendo os últimos dias do pior momento da atividade econômica global desde o começo da crise deflagrada em 2008. Tudo indica que entrará em curso uma retomada moderada da atividade já no segundo trimestre deste ano, embora ainda dentro do cenário de recessão que deverá persistir durante este ano. No Brasil a recuperacão se dará mais claramente perto da entrada no segundo semestre. Este é o cenário que aparece para o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, quando ele analisa o rumo tomado pela economia mundial e seus desdobramentos até o começo deste ano. do ritmo intrinsecamente lento do processo Na entrevista a seguir - em que, ressalta, procura decisório europeu, seguem na direção correta fazer “especulações de maneira despretensiosa” de ajustes e reformas, que jamais seriam feitos sobre as questões da ordem do dia -, Barros diz em condições de normalidade. O pragmatismo que o “fundo do poço” para o Brasil já passou prevalece, até que se chegue um dia a algo que e há grandes possibilidades de o país fechar se aproxime de uma “federação orçamentária”, este ano com crescimento de 3,7%, o que seria com regras mais rígidas de atingimento de “excepcional”. metas, dentro de uma inédita governança. Mas Existe chance de a crise europeia se atenuar nunca perdemos de vista que mesmo a possível ainda em 2012 sem grandes traumas ou consolidação fiscal europeia terá também um crises bancárias? caráter contracionista. Apesar de todas as A recessão europeia parece contratada para dificuldades, não apostamos em rupturas na 2012 e isso naturalmente traz dúvidas sobre o Zona do Euro. Assim, consideramos que em 2012 impacto da atividade econômica sobre a saúde continuaremos observando uma gradual redução das empresas e, consequentemente, sobre os das tensões de caráter sistêmico, mesmo em bancos europeus. Até aqui, a vida corporativa um ambiente econômico de recessão e ajuste, europeia resiste heroicamente - com exceções, apesar do razoável desempenho econômico da é claro. Restruturações, fusões e algumas Alemanha. quebras inevitavelmente farão parte do cenário É possível o cenário de uma recuperação europeu. A situação dos bancos da região não é cíclica global a partir do segundo confortável, na medida em que eles dependerão trimestre de 2012? por um longo tempo do Banco Central Europeu. O negócio bancário seguirá aflito por alguns anos de desalavancagem para O pragmatismo (europeu) prevalece, até que se sustentar os padrões de chegue um dia a algo que se aproxime de uma ‘federação requerimentos de capital determinados pelos orçamentária’, com regras mais rígidas de atingimento de critérios de Basileia. Toda metas, dentro de uma inédita governança desalavancagem é, por definição, contracionista. Não obstante, houve uma Sim, é possível, e esse é o cenário com o qual mudança de atitude do Banco Central Europeu trabalhamos. O pior momento da atividade sob comando de Mario Draghi, que praticamente econômica global deve se localizar ainda no decretou que nenhum banco quebrará na Zona do primeiro trimestre de 2012. A partir do segundo Euro. Isso alivia indiretamente as tensões fiscais, trimestre, nossas reflexões sugerem uma na medida em que poupa os Estados do fardo do retomada moderada da atividade e da confiança socorro às instituições em dificuldade. sob uma perspectiva global, com destaque para Como o senhor avalia as medidas tomadas a economia norte-americana, que seguirá como para contornar a crise? um celeiro de dinamismo, a despeito dos desafios Apesar do contexto desfavorável, todas as fiscais em um ambiente eleitoral complexo. As iniciativas governamentais, independentemente

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economias emergentes e o preço de commodities se recuperarão, ainda que não de forma exuberante. Isso é positivo para os países emergentes. A desaceleração da China seguirá moderada, mantendo o país ainda como o principal motor da economia mundial. Os investidores estão voltando mais rápido do que se esperava a colocar a sacola no braço e sair às compras. Eles se prepararam para o pior - e possivelmente o pior não virá. Começam a colocar a cabeça para fora da toca. Como poderá ser a recuperação da economia brasileira? As condições globais seguirão desfavoráveis no trimestre corrente, impedindo um crescimento mais robusto no Brasil, em função dos vasos comunicantes de uma economia comercial e financeiramente

do que em 2011. Lembro que nosso cenário de desemprego médio em 2012 é de uma taxa menor do que a do ano que passou (5,5% em 2012 contra 6% em 2011). Investimentos públicos vão aumentar neste ano, ao passo que investimentos privados retomarão, em alguma medida, o dinamismo observado até o primeiro semestre de 2011. O crédito bancário surfará confortável nessa onda, crescendo a taxas superiores a 16%. O setor industrial começará a se recuperar modestamente (crescimento estimado de 2,5% em 2012), mesmo ainda enfrentando o seu principal problema, que é a sobreoferta de produtos manufaturados no mundo. O fundo do poço na economia brasileira ficou para trás, em outubro de 2011, e a recuperação do PIB se dará bem mais claramente antes do segundo semestre. O crescimento doméstico terá um desempenho satisfatório, dado o ambiente global. Trabalhamos com 3,7% em 2012, o que deve ser encarado como um crescimento excepcional. Em relação aos juros reais, o que podemos esperar? A princípio, o processo de convergência dos juros reais no Brasil seguirá consistente. Entretanto, não é possível descartar que, ao longo da caminhada - não necessariamente em 2012 -, sejam necessárias algumas elevações da taxa básica ou pelo menos momentos de paradas técnicas

Barros: “A recessão europeia parece contratada para 2012 e isso traz dúvidas sobre o impacto para a saúde das empresas e, consequentemente, dos bancos”

integrada como a brasileira. Contudo, as condições domésticas seguem favoráveis, na medida em que os elementos de confiança do consumidor e dos empresários não industriais permanecem praticamente intactos em patamares pré-crise. O mercado de trabalho, ainda apertado, manterá níveis de consumo elevados e os ganhos reais salariais mais generosos 26

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para observação dos efeitos defasados da política monetária. Os modelos sugerem que os juros nominais neutros sejam levemente superiores aos 9,5% com que trabalhamos para o final do ciclo de afrouxamento atual. No entanto, o cenário de juros estáveis em 9,5% ou um pouco abaixo não pode ser descartado. É que não seria correto ignorar a

possibilidade de que, depois de muitos anos de melhora macroeconômica, de maior previsibilidade e de um ciclo duradouro de investimentos (diga-se de passagem, que o ciclo de investimentos não foi abortado pela crise, mas apenas recalibrado para as circunstâncias globais), o histórico desequilíbrio entre oferta e demanda no Brasil possa ter sido estruturalmente atenuado. Não temos controle sobre essas mudanças, em especial porque elas não são facilmente mensuráveis. As forças inflacionárias que ainda estão presentes são originárias essencialmente da dinâmica da inclusão social, que, ainda longe de ter sido exaurida, contribui para pressionar os preços no setor de serviços. A indexação da economia ainda é um fator que gera uma resistência à baixa da inflação e posterga a convergência mais rápida para a meta perseguida. Portanto, teremos inflação ainda levemente acima de 5% em 2012. A taxa de câmbio parou de se apreciar? Tudo indica que não voltará aos patamares de apreciação observados até meados de 2011. Os termos de troca (relação entre os preços de exportação e os de importação) pararam de melhorar e já exibem uma pequena deterioração. Por outro lado, qualquer melhora no cenário global poderá contribuir para manter vivas as forças gravitacionais que apreciaram o real nos últimos anos, dada a penúria de oportunidades de negócios nas economias maduras e a abundância das mesmas no Brasil. Alguma melhora nos preços de commodities ao longo do ano também poderia contribuir para certa apreciação em relação à cotação atual. A taxa real de juros em queda e um déficit externo não integralmente financiado pelos investimentos diretos estrangeiros poderão manter a taxa média anual de câmbio de 2012 na órbita dos R$ 1,70 por dólar. Enfim, consideramos que 2012 será ainda um ano de boas oportunidades no Brasil em um ambiente de gradual explicitação da recuperação global e doméstica.


CONTABILIDADE

$

O lucro

Foto: Flávio R. Guarnieri

cifrado

Sem definir como será cálculo da parcela de lucro isenta de IR, Receita abre brecha para que os dividendos apresentados nesta temporada de balanços venham a ser reduzidos no futuro

Fernandes, da Fernandes Figueiredo: “A situação é de insegurança total”

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A

temporada de balanços das empresas já começou, para alegria de seus acionistas, que agora poderão saber quanto de dividendos vão colocar no bolso, certo? Errado. Mesmo com o resultado da companhia em mãos e os dividendos discriminados na demonstração financeira, é impossível saber se o montante a receber é exatamente aquele indicado no balanço. Isto porque, um ano após concluída a adoção do padrão contábil internacional, o IFRS (International Financial Reporting Standards), a Receita Federal não definiu oficialmente como deve ser calculada a parcela de dividendos isenta de Imposto de Renda, deixando aberta a possibilidade de uma revisão, mais para frente, do valor pago hoje. O alerta é do especialista em IFRS, o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Edison Fernandes. “Nada impede que parte do lucro apurado hoje venha no futuro a ser tributado, reduzindo os dividendos do investidor. A situação em relação a isso é de insegurança total”, afirma. Segundo o especialista, que também é sócio do escritório Fernandes Figueiredo Advogados, esta definição vai depender da interpretação oficial que a Receita dará ao Regime Tributário de Transição. Conforme o texto do RTT, o IFRS não tem efeito “para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica”, o que garantiu “neutralidade tributária” no processo de migração para o padrão contábil internacional. No entanto, manifestações extraoficiais da Receita em meados do ano passado deram a entender que parte do lucro pode vir a ser tributada, pois não estaria enquadrada na “neutralidade”. Se não houver uma posição oficial da Receita, os acionistas

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Tânia Relvas, da Fipecafi: “Ainda deve demorar mais ou menos uns cinco anos para que processo de mudança para o novo padrão seja sedimentado”

Definição vai depender da intepretação que a Receita Federal dará ao Regime Tributário de Transição poderão ter outros tipos de problemas pela frente. Fernandes explica que o Fisco dispõe de um período de cinco anos para fiscalizar os balanços das empresas, a partir da data da publicação. “Imagine se daqui a três anos a Receita concluir que o imposto deve ser cobrado, fazendo o acionista arcar com uma tributação retroativa sobre tudo o que ele já ganhou, mais juros?” Outra situação: um acionista recebe os dividendos atuais e daqui a alguns anos vende as ações. A Receita, por sua vez, decide cobrar o imposto. Quem deve arcar com o tributo, o acionista que vendeu ou o que

comprou, caso a empresa assuma este custo? Para Fernandes, é urgente a necessidade de a Receita se posicionar oficialmente sobre a matéria. “Seria muito importante que os analistas e os acionistas se moblizassem para exigir esta definição, pois podem surgir vários problemas se persistirem as dúvidas atuais”, afirma Fernandes. A economia brasileira ainda está em fase de adaptação ao padrão contábil internacional, instituído pela Lei 11.638, de 2007. “Ainda deve demorar mais ou menos uns cinco anos para que esse processo de mudança para o novo padrão seja sedimentado”, afirma Tânia Relvas, especialista

em IFRS da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Neste processo, ela ressalta a importância de manter o mercado permanentemente atualizado sobre o IFRS. O International Accounting Standards Board (IASB), que delibera sobre o IFRS, vem editando novas normas e é preciso que o Brasil estabeleça uma maneira de acompanhar as alterações e se preparar para elas, na opinião da especialista. “Um exemplo: o IASB já editou novas normas que têm início de vigência no ano que vem, mas o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) ainda não publicou no seu site os teores dessas alterações para que o mercado possa se preparar para as mudanças que virão. Acho que resolver isso é um exemplo dos desafios que temos pela frente”, afirma. MeRcado de Capitais

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Headhunter

Galdi, um

artista mercado no

Estrategista-chefe da SLW, eleito o melhor profissional de investimentos de 2011 pela Apimec, encontra na música a tranquilidade de que necessita para atuar com afinação e virtuosismo na análise de investimentos

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U

m dia muito estressante no mercado de capitais costuma dar samba na rotina de Pedro Roberto Galdi, 51 anos, um dos mais renomados analistas de investimento do Brasil. É na Música Popular Brasileira que ele busca compensar a trilha “heavy metal” que tem tocado a economia mundial nos últimos anos. “A música me ajuda a relaxar”, conta, em meio a um cenário composto por baixo, violão, guitarra, instrumentos de percussão e aparelhos de som, em sua casa, na cidade de São Caetano do Sul, ABC paulista, onde vive em companhia da esposa e do filho Tiago, de 20 anos, com quem toca quase todas as noites e nos fins de semana, empunhando principalmente o baixo. Estes momentos contribuem para alimentar sua percepção afinada dos humores do mercado e seu virtuosismo na análise dos seus desdobramentos, vocação que no ano passado rendeu a ele o Prêmio Apimec de melhor Profissional de Investimento do país. Hoje, 26 anos depois de começar a trabalhar no mercado de capitais, Galdi repete com entusiasmo a frase que lhe veio à cabeça quando tomou os primeiros contatos com a atividade de analista de investimentos: “É isto que eu quero!” O estrategista-chefe da SLW Corretora de Valores e Câmbio - campeã de 2011 no ranking de carteiras recomendadas do “Portal InfoMoney” - acredita ter descoberto ainda jovem um aspecto fundamental para o desenvolvimento profissional: “Acho que muito cedo peguei o segredo da coisa, que é a responsabilidade da indicação para o investidor.” Ainda mais no Brasil, onde a maioria da população tem muita dificuldade para manter um controle financeiro a ponto de ter um excedente para fazer aplicações. “Você tem que ser muito competente e honesto para fazer com que este recurso dê ganhos para esta pessoa, que se esforçou tanto para conseguir fazer Galdi e o filho, Tiago: rotina estressante no mercado de capitais costuma dar samba no fim do dia

um investimento”, afirma. Se hoje a consciência desta responsabilidade está tão presente no mercado é porque um longo caminho foi percorrido. E Galdi participou de tudo. “Quando comecei, não havia a seriedade que existe hoje. Quem queria ser analista simplesmente entrava no mercado e começava a indicar investimentos. Não tínhamos tantas regras nem a certificação dos analistas, que proporcionou uma evolução fantástica”, diz, observando que muito desta mudança é fruto do trabalho realizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais) para estimular a profissionalização no mercado. A tecnologia também não fazia parte do cotidiano profissional. “A gente datilografava os relatórios e mandava MeRcado de Capitais

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Fotos: Flávio R. Guarnieri

“Dias como o 11 de Setembro são terríveis porque você precisa convencer o investidor de que o mundo não vai acabar” Galdi, sobre o sucesso na atividade de analista: “Acho que muito cedo peguei o segredo da coisa, que é a responsabilidade da indicação para o investidor”

para o investidor pelo Correio! Era uma época ‘medieval’”, brinca. Galdi, figura frequente no ranking dos 10 melhores analistas elaborado pela Apimec Nacional, trabalhava em uma agência do Banco Real em 1986, quando foi convidado a mudar para a área de mercado de capitais. A partir daí, seus cartões de visita já exibiram nomes como os do Banco Alfa, Sudameris Corretora, Santander e ABN Amro, em uma carreira que envolve especialização no setor de siderurgia e a qualificação mais completa que um analista pode almejar hoje no Brasil, equivalente ao que, no passado, era denominado profissional sênior. Ele é também um dos integrantes do Conselho Consultivo do Analista (CCA), da Apimec Nacional (ver página 16). A experiência acumulada desde os anos 80, diz ele, é também uma grande vantagem para seu desempenho. “Convivi com vários cenários diferentes da economia do Brasil e do mundo e isso ajuda hoje a montar para o cliente uma situação mais confortável e que dê retorno”, avalia. É essa experiência de quem viveu tempos agitados e instáveis que vem à tona quando ele é procurado pelos investidores em momentos de 32

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“pânico”, como o inesquecível 11 de Setembro de 2001. “Dias como aquele são terríveis porque você precisa convencer o investidor de que o mundo não vai acabar”, ensina. Às vezes, nem é preciso tanta tragédia para que o investidor se apavore. “Muitas vezes, investidores que não são experientes entam no mercado quando a Bolsa já subiu 30%. Aí as ações sobem mais 10%, pois já não têm tanta margem de valorização, e depois caem. Neste momento eles ficam furiosos e concluem: ‘a Bolsa é um lixo’, e saem do mercado”, conta o analista, achando graça na conclusão precipitada - e exagerada - do cliente. “Eles não sabem que a Bolsa vai voltar a subir. E uma de nossas funções é mostrar isso, acalmando ou alertando o investidor”. Um dia sem catástrofe não é, porém, muito menos agitado. Galdi costuma entrar na corretora por volta das 8 horas, de segunda a sexta-feira, e ler quatro jornais e os noticiários disponíveis na tela do computador até às 10h15, quando participa de uma conferência por viva-voz com sua equipe e seus clientes. Ali são feitas as análises sobre os destaques do dia anterior e sobre o que é esperado para

aquele dia. “Depois disso, não existe mais rotina. Posso atender clientes ou visitar investidores, participar de reuniões...Enfim, a partir deste momento não consigo parar. É uma correria absurda.” E ele adora. “Me considero privilegiado por ter um trabalho em que recebo uma injeção de cultura todos os dias, que me permite saber de tudo o que está acontecendo no mundo. Não entendo quando vejo algum analista completamente alienado em relação aos acontecimentos.” Para que um profissional em início de carreira não venha a desanimar no futuro, tornando-se relapso em relação ao trabalho, só existe uma fórmula, na opinião de Galdi: “Tem que gostar muito do que faz porque simplesmente não sobra tempo para a vida pessoal.” Sorte dele que o filho, Tiago, não só demonstra compreender como também admirar essa postura profissional. “A dedicação e a determinação dele são um grande exemplo para mim. Ele é esforçado, um exemplo de trabalhador, de guerreiro”, diz, ressaltando que: “Ele trabalha muito sim, mas sempre temos nosso momento juntos.”. Alguns dos momentos musicais dele com o pai vão parar no YouTube, onde o jovem se apresenta com o nome Tiago Natera, na busca de uma carreira musical. Galdi apoia a escolha do filho por considerar que ela é movida pelo mesmo combustível que o mantém há quase 30 anos no mercado de capitais: gostar, gostar demais do que faz.


Articulista convidado |

Luiz Calado

Emissão impossível? Ou o futuro do mercado...

Ilustração: 123RF/Leonid Dorfman

R

eportagem de capa publicada na primeira edição deste ano da The Economist, a mais prestigiada publicação econômica do mundo, mostra o quanto os britânicos são beneficiados pelo fato de Londres ser o principal centro do mercado de capitais no mundo, mas alerta para os riscos de a cidade perder esta posição por conta de fatores como a elevada tributação e restrições à entrada de mão de obra estrangeira. A matéria destaca as profundas alterações por que passam os tradicionais núcleos de decisão. Movimentos como o “Ocupe Wall Street”, o “Ocupe Londres” e de outros grupos contrários ao mercado financeiro têm ao menos um aspecto positivo: o de mostrar o que, de fato, está em risco. O enfraquecimento do principal centro financeiro mundia não interessa a ninguém. Ou, ao menos, a nenhum dos britânicos. Mais do que apenas amortecimento de um país desenvolvido, trata-se de uma alteração na dinâmica de poder, com consequências diretas no mercado real. Os centros de decisão pulverizam-se e, nitidamente, deslocamse para mercados emergentes. Prova disso é o crescimento do número de empresas multilatinas, ou seja, baseadas em mercados emergentes latinoamericanos e com raio de ação em outras regiões do mundo. Apesar de o número de empresas multilatinas ser pequeno, houve evolução rápida, passando de 86 para 100 em três anos. Um estudo do BCG indica um aumento de 100 para 115 o total de multilatinas de 2010 para 2011.

Tal fenômeno impacta o modo como os analistas avaliam as empresas. Por exemplo, agora é necessário entender os desdobramentos do fato de um banco como o Itaú ou Banco do Brasil adquirir outros, no Chile, na Argentina ou Estados Unidos. Ou como lidarão com o novo cenário as empresas brasileiras que decidirem não se internacionalizar. Estarão preparadas para as multilatinas que virão? Em resumo: nova forma de gerar caixa, novo modo de assumir risco. O movimento também cria uma demanda por análises de empresas em outros idiomas. Afinal, pode ser possível, nesta nova dinâmica, uma empresa argentina ou chilena realizar uma emissão de ações em nosso mercado. Isso faz voltar ao ponto inicial do artigo, o enfraquecimento de centros financeiros torna oportuno um avanço do Brasil no sentido de se consolidar como um polo de investimentos e negócios. Os analistas parecem já estar preparados para esta realidade. O assunto já foi abordado no 21° Congresso da Apimec e voltará à tona no Congresso deste ano. Isso é importante. Transformar o Brasil em um polo financeiro e de negócios não será efeito da gravidade, mas sim ação coordenada da iniciativa privada e governo. Como consequência direta, o potencial de negócios atrai habilidades específicas necessárias a um centro financeiro, criando um círculo virtuoso. Mas é necessário ter os talentos, o que significa receber os analistas estrangeiros no Brasil, sendo o modelo de certificação da Apimec propício para isso. Finalmente, caberá aos analistas brasileiros estarem preparados para análises cada vez mais globais. Neste contexto, uma companhia chilena captar recursos, no mercado brasileiro, a fim de adquirir uma empresa argentina, pode não ser uma “emissão impossível” neste futuro próximo. Luiz Calado é economista, autor de mais de dez livros voltados a investimentos, como Imóveis (Ed. Saraiva), Fundos de Investimento (Ed Campus), Securitização (Ed Saint Paul), e integrante do Conselho Editorial da revista Mercado de Capitais. www.luizcalado.com

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Em agosto temos um encontro marcado. O Congresso Apimec. Momento oportuno para avaliar o Mercado de Capitais. Participe.

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