destaque
16
17 Ademir Plasa
destaque
OCUPAÇÃO
Ademir Plasa Alisson Magno Daiany Araujo Fabiano Almeida Ester Vitkauskas Priscila Mazariolli Tátyla Almeida
L
Meu “lar” até quando?
ogo que o portão de entrada do número 344 da Rua Conselheiro Crispiniano, no centro de São Paulo, se abre, pode-se ter uma ideia do que vai ser encontrado no local. Na recepção, ao lado direito da entrada, o auxiliar de cozinha Rodrigo de Souza, 29 anos, nos recebe com um largo sorriso no rosto, sentado diante de uma mesa retirada de entulhos, e em meio a restos de móveis e outros objetos deixados pelos ex-ocupantes do imponente prédio construído na década de 1940 e inaugurado em 1952, o antigo Cine Marrocos. O local um dia foi palco do Festival Internacional de Cinema. Agora, fios, paredes quebradas, escadas mal iluminadas e canos à mostra revelam o contraste entre o hoje e o que já foi um dos símbolos do luxo paulistano. O prédio foi ocupado em 1º de novembro de 2013 por famílias desesperadas que lutam por seu direito à moradia na mais rica cidade do país. São pessoas que convivem com a ameaça de que hoje ou amanhã, a qualquer hora do dia, possam ser retiradas à força de um espaço que, mesmo em condições precárias, chamam de “lar”. Uma situação vivida em outros 30 edifícios do centro da cidade – públicos ou particulares – todos comandados por movimentos sociais, que defendem a ocupação de prédios que não estão sendo utilizados. MSTS (Movimento dos Sem Teto São Paulo), MMC (Movimento de Moradia do Centro), MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro) e MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) são alguns desses movimentos. Nosso “cicerone” no edifício do Cine Marrocos, Rodrigo de Souza, que aos domingos trabalha como catador de papelão, faz as vezes de porteiro do prédio. Ele, que é morador de uma outra ocupação situada quase em frente à do Cine Marrocos (no número 317 da Conselheiro Crispiniano), já foi entrevistado pela revista da Folha de S.Paulo, por ter investido R$ 4000 em sua carroça, colocando DVD, home theater, entre outros acessórios. Também trabalhou como assistente de plateia do apresentador João Kleber. Mas os momentos de fama foram breves e insuficientes para lhe dar melhor condição de vida. Há 21 anos em São Paulo, vindo do Rio Grande do Norte, ele destaca que não mora em ocupação (é assim que são chamados os prédios invadidos) por vontade própria. Se tivesse condições, não estaria no local. “Com o movimento [referindo-se à ocupação] eu tenho um teto em que eu posso tomar banho. O meu sonho é ter uma casa ou um apartamento e não morar em um barraco. Por isso prefiro estar aqui do que na rua”. Juliana Alves de Oliveira, 28 anos, sabe bem o significado de morar em ocupações. Já esteve em diversos endereços. No último - um edifício no Brás, na zona leste - um morador que era usuário de drogas ateou fogo em seu colchão e causou uma tragédia. “Uma vizinha ficou com os filhos em um quarto, só que eles respiraram muita fumaça. Acabou cozinhando o cérebro [SIC] de um deles. Depois de uma semana na UTI, desligaram os aparelhos e ele morreu”, conta Juliana. Morando atualmente no prédio ocupado da Avenida Prestes Maia, nº 911 (que abriga 468 famílias), ela afirma se sentir mais segura, explicando que essa ocupação conta com regras específicas: “Participamos de reuniões periódicas para definir normas de moradia. Aqui, por exemplo, não se pode fazer uso de bebida alcoólica e nem de drogas. Não podemos ligar o rádio alto e nem fazer barulho depois das dez da noite. Quem não cumpre é convidado a se retirar”. A falta de moradia própria não é o único problema enfrentado por essas famílias. Segundo Juliana, o que a deixa mais triste é a dificuldade na hora de conseguir um emprego. “Assim que descobrem nosso endereço, as empresas logo dão uma desculpa para não nos efetivarem após o período de experiência”, relata. O próprio marido de Juliana sofreu com o problema em duas ocasiões. Em uma delas uma empresa
Ademir Plasa
Daiany Araujo e Fabiano Almeida
18
destaque
Rodrigo de Souza, 29, morador de uma das ocupações da rua Conselheiro Crispiniano. O breve período de “celebridade” não foi suficiente para que ele conseguisse uma moradia própria
prestadora de serviços para a Prefeitura não o manteve no trabalho. Gracione Freitas do Nascimento, 48 anos, que vive com seus três filhos na ocupação da Prestes Maia - dois maiores e uma menina de 15 anos que está grávida, destaca que outro ponto negativo de morar em ocupação é o clima de tensão constante: “A gente pode ser despejado sem direito a nada. Morar em uma ocupação é estar sujeito a riscos”. Gracione, que chegou em São Paulo há 40 anos, também passou por diversas ocupações antes da atual e já viveu na rua. “Fico triste com a desigualdade. Tanto lugar vazio, não custa nada ajudar! Eu sei que não é meu, mas preciso de ajuda”, desabafa.
O meu sonho é ter uma casa ou um apartamento e não morar em um barraco. Por isso prefiro estar aqui do que na rua.” Rodrigo de Souza, morador da ocupação da Conselheiro, nº 317 A convivência entre os moradores no dia a dia, mesmo em um prédio ocupado há três anos (e que, portanto, já possui certa infraestrutura) não é fácil. O cheiro no local é forte e as famílias não contam com espaço para lazer. “Aqui temos apenas um banheiro para 13 famílias. Também não tem espaço
para as crianças brincarem. Não conseguimos levá-las ao Parque da Luz, que fica aqui do lado, porque lá há muitos drogados.”, explica.
Preconceito Além dos problemas de falta de infraestrutura e do medo eminente de despejo, os moradores das ocupações enfrentam o preconceito da sociedade. “Quando a gente sai do portão para fora as pessoas olham para nós e dizem: Vejam os ladrões. Tem uns que olham para as nossas crianças e dizem que elas são a semente do mal. Mas não é assim, nossos filhos são educados, muitas vezes mais do que um filho de um rico.”, comenta Juliana, em tom de indignação. Rodrigo de Souza avaliza a opinião de Juliana. Ele se lembra de um episódio em que foi xingado gratuitamente: “Um cara passou por mim, quando eu estava com minha carroça, e disse: Esse cara é um lixo, está atrapalhando o trânsito”.
Uma promessa chamada São Paulo Depois de visitarmos diversas ocupações para a produção dessa reportagem o que observamos é que muitas pessoas que vivem hoje nos prédios invadidos vieram das regiões Norte e Nordeste do país, em busca de uma vida melhor. Acabaram não voltando para seus estados de origem, muitas vezes por falta de
Ocupação da Avenida Prestes Maia, nº 911, que abriga 468 famílias, dentre elas a de Juliana Alves de Oliveira, 28, e Gracione Freitas do Nascimento, 48
condições financeiras ou por vergonha de terem fracassado nesse intento. O casal Luiz José da Silva, 47 anos, e Edilene Francisca da Conceição, 39 anos, moradores do prédio ocupado que fica quase em frente ao antigo Cine Marrocos, é um espelho dessa situação. Naturais de Caruaru, cidade do sertão de Pernambuco, Luiz e Edilene, que estão juntos há 11 anos, enfrentaram diversas dificuldades desde a infância até migrarem para São Paulo, procurando uma vida mais estável. Dona Edilene, uma senhora com o
19 Daiany Araujo e Fabiano Almeida
destaque
Nas imagens acima e à direita, detalhes do interior da ocupação da Avenida Prestes Maia, nº 911. Apesar de estar ocupado há três anos e já possuir certa infraestrutura, prédio ainda tem vários ambientes precários. Mau cheiro predomina
estados até chegar à capital paulista, aos 17, com o sonho de ter uma vida digna e enviar dinheiro para sua mãe. Trabalha atualmente como carroceiro em Santo André, na Grande São Paulo e, durante a semana, dorme em um ferro velho naquela cidade para economizar a condução e sobrar mais para a família. Diz que já enfrentou a polícia por conta das ocupações, mas, segundo ele, não tem o que fazer, já que não tem condições para comprar a casa própria: “Meu maior sonho é ter um teto pra eu chegar à noite e dizer: Aqui é meu! Pagar meus impostos, ter um endereço certo, pagar minhas contas. Porque lar, para mim, é ter a nossa família em um canto apropriado, ter liberdade para os nossos filhos, uma escola para eles. Faz um ano que eles não sabem o que é escola, porque a gente não consegue matricular por falta de endereço fixo”.
Quando a gente sai as pessoas olham para nós e dizem: Vejam os ladrões. Tem uns que olham para as nossas crianças e dizem que elas são a semente do mal. Mas não é assim, nossos filhos são educados, muitas vezes mais do que um filho de um rico.” Juliana de Oliveira, moradora do edifício da Av. Prestes Maia
Eterna angústia “Para aonde iremos caso aconteça a reintegração de posse do prédio?”. Esse é o eterno temor de Luiz e Edilene. Uma angústia que não é somente deles, mas de todas as famílias que moram em edifícios ocupados,
Daiany Araujo e Fabiano Almeida
rosto cansado e olhar distante, mãe de oito filhos do primeiro casamento e mais quatro do segundo (com Luiz), trabalhou desde muito cedo para ajudar nas despesas de casa. Mesmo assim, ela e seus irmãos tiveram que pedir ajuda nas ruas para terem o que comer: “A mãe trabalhava para sustentar a gente e nós pedíamos nas portas para termos o que comer em casa, a vida era dura”. Ela conta, com a voz embargada, que teve de deixar quatro dos seus filhos do primeiro casamento em sua cidade natal para vir para São Paulo em busca de uma vida melhor, não só para ela, mas para a mãe que ficou com a responsabilidade de cuidar daqueles que permaneceram. “Viemos para cá de carona em um caminhão, porque não dava para pagar a passagem. Aí eu comecei a trabalhar e mandar alguma coisa para minha mãe.”, lembra. Logo que chegou a São Paulo, foi morar com seu irmão, mas, por conta de uma desavença, saiu de lá com seu marido e filhos e foram parar embaixo do Viaduto do Chá, onde permaneceram por quatro meses. Um dia, alguns usuários de entorpecentes começaram a se drogar diante das crianças. O instinto de mãe falou mais alto e ela resolveu enfrentar o grupo de drogados. Após a discussão, tiveram que sair dali para não sofrerem represálias. Foi aí que foram procurar abrigo nas ocupações, onde conseguiram um lugar para permanecerem. “Tinha uns rapazes usando droga na frente deles. Falei para eles não usarem ali. Aí vieram todos pra cima de mim e começaram a falar um monte de coisas, que a vida era deles e tal. Discuti com eles e, por isso, saí de lá”. Luiz, seu esposo, saiu de casa aos 11 anos em um “pau de arara”. Passou por outros
20
destaque do Cine Marrocos será sede da Secretaria Municipal de Educação e, portanto, em breve sofrerá intervenções para retirada dos que o ocupam. Em tom de indignação e ironia, ele questiona: “As pessoas nas periferias ganham um baixo salário, ficando entre pagar o aluguel ou comer, justamente por conta de o Estado não oferecer a oportunidade de ensino ou uma educação de qualidade. É justo, portanto, que esse povo esquecido seja despejado de um prédio que vai ser destinado à Educação?”. Robinson diz que a coisa mais dolorida é saber que existem milhares de pessoas nas ruas da capital, procurando uma moradia e esbarrando na burocracia. Também critica a falta de transparência no processo, pois, segundo ele, embora a Prefeitura tenha informado sobre a intenção de fazer ali a Secretaria, o prédio não tem obra nenhuma iniciada, apenas a placa de identificação na frente, sem valores e sem data de início. “Cadê a obra?”, ele questiona. O projeto do MSTS para ocupação do edifício do Cine Marrocos prevê a instalação de 850 famílias, sem contar com a área do cinema, que seria utilizada para que fossem realizadas sessões entre o poder público e a população. No primeiro mezanino, seria um local para atendimento da associação com advogados e outros profissionais. Ademir Plasa
como a do ex-morador de rua Marcos Freitas, 42 anos, que reside no prédio da rua Conselheiro Crispiniano, número 317. Vendedor de eletrônicos, ele defende que o problema da falta de moradia na cidade é mais simples de se resolver do que aponta o poder público. “Existem dezenas de prédios desocupados no centro e milhares de pessoas morando nas ruas. A Constituição Brasileira diz que todos têm direito à moradia e, se existem edifícios sem função nenhuma, porque não dar uma função social a eles? As pessoas pretendem conquistar de forma digna seus imóveis, só precisam de uma ajuda do governo. Não querem o imóvel de graça, mas sim de forma que consigam cumprir com suas responsabilidades. É como uma parceria em que os dois lados saem beneficiados. As autoridades fazem sua parte, utilizando o Decreto de Interesse Social (DIS), e desapropriam os edifícios. Já nós, compradores, pagamos o valor referente à nossa unidade, criando mais fundos para beneficiar outras famílias”, argumenta. Robinson Nascimento dos Santos, 30 anos, presidente do Movimento dos Sem Teto de São Paulo (MSTS), responsável por várias ocupações no centro, incluindo as da Conselheiro Crispiniano, diz ter sido informado pela Prefeitura de São Paulo que o prédio
Apesar de ter sido ocupado há pouco tempo, a organização do prédio é boa, cada um tem uma função. As mulheres ficam com a parte da faxina e os homens com as reformas estruturais, como conserto de utensílios, parte elétrica, hidráulica e segurança. O movimento tem regras específicas também. Não são aceitos usuários de drogas nem pessoas que causem desordem como confusões. As lideranças tratam cada morador de acordo com sua necessidade, já que as famílias vivem em situações diversas. No edifício do nº 317 da Conselheiro Crispiniano, por exemplo, a família do senhor Luiz e da dona Edilene receberam meio andar, o que equivale a mais ou menos três apartamentos, por terem um número elevado de membros (são 20 pessoas da família, no total).
História A luta por moradia se arrasta há anos, não só na cidade de São Paulo, mas em todo país. A especulação imobiliária e diferentes problemas sociais têm feito com que aqueles que necessitam de um lugar para morar fiquem à margem da sociedade, pedindo aos órgãos públicos que os enxerguem como pessoas honestas, que simplesmente querem fazer
Direito à moradia Constituição Brasileira: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (...)”. (Art. 6º) Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. (Art. 25º, parágrafo 1º)
Edilene Francisca da Conceição, 39 anos, e sua família: veio para São Paulo, de Pernambuco, na carona de um caminhão em busca de uma vida melhor. Chegou a morar embaixo do Viaduto do Chá, antes de conseguir um espaço nas ocupações
21 Ademir Plasa
destaque
À esquerda, o presidente do MSTS, Robinson Nascimento dos Santos, responsável pelas ocupações da rua Conselheiro Crispiniano: para ele, “o mais dolorido é saber que existem milhares de pessoas nas ruas da capital, procurando uma moradia e esbarrando na burocracia”. À direita: imagens do interior das ocupações
valer um dos princípios básicos de cidadania, o direito à moradia. O que existe hoje é uma inversão de valores em todas as áreas, que faz com que a dignidade fique em segundo plano, em detrimento de interesses financeiros. Segundo a socióloga Nathalia Oliveira, que é doutoranda em Ciência Política pela UNICAMP e possui um trabalho científico sobre o assunto (o artigo: A luta por moradia dos trabalhadores sem-teto brasileiros. Uma reflexão sobre trabalho e moradia no contexto do capitalismo neoliberal), dentre as primeiras lutas por moradia na cidade destacam-se as paralisações que trabalhadores realizaram em 1913 e 1914, pleiteando a redução dos aluguéis, na mesma época em que aconteciam movimentos em prol da redução do custo de vida na capital paulista. Estes movimentos, durante o passar dos anos, foram se moldando de acordo com as necessidades, ganhando força no início da década de 1980, quando foi criada a União dos Movimentos de Moradia, que se estendeu para outras regiões da cidade, atuando em favelas, cortiços, mutirões, entre outros espaços. “No centro, quem ganhou força na década de 1990 foi a ULC (Unificação das Lutas de Cortiços) que tinha como principio básico a luta pela redução do Imposto Predial Territorial Urbano, o IPTU, contas de consumo como água e luz, e ações de despejos, muitas vezes violenta. A partir de seu surgimento
e consolidação, começaram a aparecer novas frentes que buscavam espaços para
“As pessoas nas periferias ganham um baixo salário, ficando entre pagar o aluguel ou comer, justamente por conta de o Estado não oferecer oportunidade de ensino. É justo que esse povo esquecido seja despejado de um prédio que vai ser destinado à Educação?” Robinson Nascimento dos Santos, presidente do MSTS moradia em prédios desocupados em São Paulo”, explana Nathalia. Mesmo após cem anos de existência dos movimentos pró-moradia, milhares de
pessoas ainda vivem nas ruas, embaixo de viadutos, em favelas e em locais afastados dos grandes centros por conta da falta de interesse público. O Programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, na sua segunda fase (MCMV2), prevê que 89% das moradias sejam destinadas a famílias com renda familiar de até cinco salários mínimos, porém, além de não suprir a demanda, o programa tem investido nos extremos das cidades que ainda enfrentam problemas estruturais como saneamento básico, transporte e lazer. O programa ainda possui uma outra modalidade que é o Minha
Casa Minha Vida – Entidades, uma conquista dos movimentos pró-moradia, que tem como objetivo atender famílias cadastradas que possuam renda familiar mensal de até R$ 1.600,00. O presidente do MSTS, Robinson Nascimento dos Santos, diz que são mais de seis mil pessoas cadastradas somente na entidade que ele preside, e aponta que existem prédios desocupados em São Paulo suficientes para reduzir drasticamente o número de sem teto na cidade de São Paulo, a ponto de quase zerar o déficit habitacional da capital.
Prefeitura Lideranças e moradores de algumas das ocupações visitadas pela reportagem afirmam que a Prefeitura de São Paulo não vem tomando ações necessárias para resolver o problema e não recebe os movimentos para dialogar. O Secretário de Habitação do Município, José Floriano, refuta as críticas. “Eu estranho esta observação. Temos recebido todos os movimentos sociais e, desde janeiro de 2013, quando assumimos, já foram realizadas cerca de 350 audiências, nas quais eu fiz questão de estar presente. Temos um canal aberto com as entidades que estão cientes da lentidão do programa por conta das desapropriações. Mas o programa está consolidado e sedimentado dentro das nossas metas, inclusive ele se
22
chama ‘Renova Centro’ justamente por causa da renovação do centro de São Paulo, garantindo a habitabilidade para todo mundo, sendo boa parte para aqueles que estão em ocupações.” Segundo Floriano, a Prefeitura está atuando de maneira incisiva nas desapropriações e tem procurado terrenos vazios para que estes também sejam destinados a programas habitacionais. O secretário afirma que serão construídas, em toda a cidade, 53 mil unidades habitacionais em áreas desapropriadas, porém, no caso dos prédios desocupados, seria um trabalho um pouco mais demorado, pois, em sua grande maioria, são indústrias e comércios e as adaptações para moradia são mais complicadas. Referente ao prédio ocupado na Avenida Prestes Maia (citado no início desta reportagem), Floriano disse que a Prefeitura deu entrada no processo de desapropriação e que ele já está em curso. “Existe uma avaliação imobiliária, mas é preciso esperar os trâmites judiciais para a realização do depósito para pagamento pela desapropriação. A engenharia já está desenvolvendo os projetos de revitalização e até o início de 2014, provavelmente, estará disponível o valor para a realização das obras de adequação do edifício, para que ele seja transformado em moradia. Outra boa notícia é que as famílias não serão retiradas do local enquanto as obras não forem iniciadas”, explica. José Floriano informou que hoje são mais de 130 mil famílias cadastradas em programas habitacionais em São Paulo. Para se cadastrar, é preciso ser morador da cidade por pelo menos cinco anos.
O que dizem os especialistas A socióloga Nathalia Oliveira diz que as famílias têm andado na contramão das políticas impostas pelo poder público, uma vez que as moradias são criadas somente nos extremos. Os movimentos vêm ocupando prédios nos grandes centros por conta da facilidade de morarem próximo ao trabalho e ao lazer, como teatros e parques. “A reivindicação é por moradia digna na região central, pois além do direito à moradia, as pessoas reivindicam o direito à cidade, ou seja, de usufruir toda infraestrutura e oferta de serviços existentes”, observa Nathalia. José Arbex Júnior, jornalista que se destaca por sua defesa dos movimentos social, explica que a urbanização da cidade de São Paulo aconteceu de maneira que
Ademir Plasa
destaque
Ocupações da Rua Conselheiro Crispiniano. Fachada do edifício que já abrigou o Cine Marrocos, no nº 344
Temos recebido todos os movimentos sociais e, desde janeiro de 2013, quando assumimos, já foram realizadas cerca de 350 audiências. Temos um canal aberto com as entidades que estão cientes da lentidão do programa por conta das desapropriações.” José Floriano, secretário de Habitação de São Paulo
favoreceu os interesses do poder financeiro, afastando os menos favorecidos para as regiões mais distantes do centro. Em relação a ações do poder público, o jornalista acredita que deveriam ser realizadas mais audiências para discutir os problemas e atitudes a serem tomadas referentes à questão “Deveria acontecer um amplo processo de audiências públicas com a maior liberdade possível, para que todos possam expor seus pontos de vista. E aí todos são todos mesmo.” Edson Miagusko, doutor em Sociologia pela USP e autor do livro Movimentos de Moradia e sem Teto em São Paulo Experiências no Contexto de Desmanche, afirma que São Paulo possui aproximadamente 400 mil imóveis desocupados e um déficit habitacional de 550 mil moradias, o que significa que, se fosse utilizada uma política
23
Ademir Plasa
destaque
Visão do Teatro Municipal de São Paulo a partir da janela do prédio ocupado da Conselheiro Crispiniano, nº 344
de taxação e apropriação destes espaços, grande parte das famílias seria atendida. Miagusko não acredita que haja uma política de distribuição de imóveis para os sem-teto. “Ao contrário, nos últimos anos se abriu mão de uma política habitacional mais vigorosa pela constituição de programas pontuais. É o que denomino de ‘gestão da pobreza’”, lamenta o sociólogo. Quando questionado se considera legítimas as ocupações de imóveis de propriedade privada, ele questiona: “É legítimo que um edifício cujo proprietário não paga impostos, e esteja abandonado aos ratos à espera de valorização especulativa, continue onerando a cidade, quando milhões não têm casa para morar?
Moradia digna “A moradia digna não é apenas um abrigo formado por paredes e telhados. Significa também que a família deve morar perto do trabalho e de equipamentos públicos como escola, creche, posto de saúde, além de ter acesso a opções de lazer.” Fonte: Trecho retirado da publicação Moradia é Central - lutas, desafios e estratégias, produzida pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, em parceria com movimentos e entidades sociais
Saiba mais sobre ocupações e programas habitacionais: Central de Habitação Avenida São João, 299 – Centro Horário de atendimento: De segunda a sexta feira, das 8h30 às 16h Telefones: (11) 3242.0522 / 3242.0514 / 3242.0507 / 3101.6240 / 3105-3319