

EDUCAÇÃO EM CRISE
Professores, pais e alunos apresentam graves acusações contra a Secretaria de Educação do Pará, que incluem assédio moral, manipulação de dados e alterações no sistema educacional nas comunidades tradicionais
www.revistacenarium.com.br | Março de 2025
Expediente
Diretora-Geral
Paula Litaiff – MTb 793/AM paulalitaiff@revistacenarium.com.br www.paulalitaiff.com
Coordenadora de Redação
Adrisa de Góes
Gestor de Recursos Humanos
Orson Oliveira
Gestores de Conteúdo – On-line
Adrisa de Góes (1º turno)
Izaias Godinho (2º turno)
Gestora de Produção Multimídia
Bianca Diniz
Gestora de Conteúdo Digital/Impresso
Márcia Guimarães
Edição de Textos Revista Digital/Impresso
Eduardo Figueiredo
Projeto Gráfico e Diagramação | Revista Digital/ Impresso
Hugo Moura
Núcleo de Reportagem – On-line/Digital/TV/Impresso
Adrisa de Góes
Ana Cláudia Leocádio
Ana Pastana
Fabyo Cruz
Jadson Lima
Marcela Leiros
Paula Litaiff
Correspondente Internacional
Monica Piccinini
Cinegrafista/Editor de Fotografia/Editor de Imagem
Luiz André
Arthur Hayden
Ricardo Oliveira
Reportagem e foto de Capa
João Paulo Guimarães | Cenarium
Designers Gráficos
Lucas Oliveira (1º turno)
Luís Paulo Dutra (2º turno)
Social Medias
Gustô Alves (1º turno)
Maria Eduarda Furtado (2° turno)
Revisores Textuais
Gustavo Gilona
Jesua Maia (Versão impressa/digital)
Conselho Editorial
Inory Kanamari – Povos Indígenas
Iraildes Caldas – Questões de Gênero
Lucas Ferrante – Ciências Biológicas
Luciana Santos – Povos Quilombolas
Consultor Jurídico
Denise Coêlho – OAB/AM 10.520
Tiago Lazarini – OAB/AM 9.946
Telefone da Redação (92) 3307-4394
Tiragem
5 mil exemplares
Circulação
Manaus (AM), Belém (PA), Roraima (RR), Rondônia (RO), Brasília (DF) e São Paulo (SP)
REVISTA CENARIUM O MELHOR CONTEÚDO EM MULTIPLATAFORMA

Revista Cenarium On-line | Revista Cenarium Digital/Impressa Agência Cenarium | Canal Cenarium
ASSINE
A REVISTA CENARIUM, de responsabilidade da AGÊNCIA CENARIUM, está disponível na versão digital, disponibilizada gratuitamente em www.revistacenarium.com.br, e na versão impressa, remetida fisicamente por meio de uma assinatura mensal no valor de R$ 24,99, com frete grátis disponível apenas para Manaus (AM).
ACESSE A REVISTA CENARIUM NAS REDES SOCIAIS
nosso conteúdo on-line!

A estratégia de quem oprime
A reportagem especial desta edição da REVISTA CENARIUM, que aponta a precarização do ensino público nas escolas de comunidades tradicionais do Estado do Pará, pode ter como pano de fundo reflexões extraídas de duas importantes obras para a história da educação brasileira: “Pedagogia do Oprimido” (1968), de Paulo Freire, e “Metade Cara, Metade Máscara” (2018), de Eliane Potiguara, primeiro livro publicado por uma mulher indígena de modo individualizado.
Em “Pedagogia do Oprimido”, Freire desnuda os interesses de quem trabalha propositalmente e de forma velada para precarizar a educação e fortalecer processos de dominação e de opressão de grupos com menos recursos, invisibilizando-os com o objetivo de manter processos viciados de poder e de modo a atuar para garantir a baixa escolaridade e a falta de conhecimento crítico de povos tradicionais.
Com “Metade Cara, Metade Máscara”, Eliane denuncia, em verso e prosa, a violência contra os povos indígenas e a ameaça às suas tradições por meio de projetos governamentais contra a educação indígena. A obra é considerada um canto de revolta e libertação, e aborda a diáspora indígena ao apontar que determinadas etnias brasileiras precisam abandonar suas terras para buscar em outros espaços a manutenção de sua cultura ancestral.
As obras de Freire e Potiguara têm semelhança com a luta pela democratização e manutenção da identidade de povos tradicionais do Pará desde a revogação da Lei Estadual nº 10.820, em 12 de fevereiro deste ano, que pretendia gerar um desmonte da educação indígena e quilombola sob a máscara de reformulação administrativa, com a implantação de um sistema de educação a distância e a demissão de professores das comunidades, o que não prosperou graças à luta, até física, das lideranças indígenas.
O conteúdo especial desta edição da REVISTA CENARIUM, assinada pelo jornalista paraense João Paulo Guimarães, é, sobretudo, um novo grito de socorro das lideranças dos povos tradicionais às instâncias nacionais e internacionais, que lutam para ter uma educação libertadora e temem que suas culturas sejam extintas e fiquem somente nos desenhos e textos de livros virtuais de quem nunca soube valorizá-las.
Protagonismo ancestral
Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, o sistema de educação no Pará, Estado que sediará o evento, atravessa um momento de crise, especialmente no que diz respeito ao ensino em comunidades tradicionais, como as rurais, indígenas e quilombolas. A nova edição da REVISTA CENARIUM apresenta um conjunto de graves denúncias contra a Secretaria de Educação do Estado (Seduc-PA), que envolvem assédio moral, manipulação dos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e mudanças no sistema de ensino dessas comunidades.
Profissionais da educação, pais e alunos revelam a dura realidade do ensino nessas localidades, que enfrentam sérios desafios que comprometem tanto a formação dos estudantes quanto a valorização de suas culturas. Além disso, destacam a falta de infraestrutura nas escolas e a aplicação inadequada de políticas educacionais que não consideram as especificidades locais. Para os alunos dessas regiões, a educação se torna algo distante, uma vez que a infraestrutura e os recursos essenciais simplesmente não estão disponíveis.
Lideranças indígenas de diversas etnias assumiram o protagonismo na defesa da educação ao promoverem uma manifestação que durou quase 40 dias nas dependências da Seduc, em Belém. O protesto foi uma reação à sanção da Lei n.º 10.820/2024, pelo governador Helder Barbalho, que representa uma ameaça aos programas educacionais voltados para as comunidades tradicionais, comprometendo, assim, o acesso a uma educação de qualidade para essas populações.
A crise educacional no Pará é reflexo de um modelo que se mostra incapaz de atender a todos os alunos de maneira justa, além de evidenciar o descaso histórico com as comunidades tradicionais. Para que essa realidade seja transformada, é necessário que o governo estadual ouça as vozes dessas populações, que têm sido claras, e adote um modelo de ensino que respeite suas culturas e particularidades. Somente assim será possível assegurar uma educação de qualidade, que de fato atenda às necessidades de todos os estudantes. A educação deve ser uma ferramenta de transformação social, e não um mecanismo de desigualdades.

Paula Litaiff Diretora-Geral

Eduardo Figueiredo Editor de textos
Leitor&Leitora


�� Jornalismo humanizado
Gosto da REVISTA CENARIUM em muitos aspectos, mas o principal, para mim, é a maneira humana e jornalística de tratar temas socioambientais do Norte do País. Muitas matérias trazem vozes que costumam ser silenciadas por outros veículos de imprensa, o que é essencial para um jornalismo sério e combativo.
Filippo Raffaelli São Paulo – SP

�� Compromisso com a verdade
Como leitora atenta e admiradora da imprensa comprometida com pautas essenciais, considero a REVISTA CENARIUM um exemplo de jornalismo que realmente entende e valoriza a Amazônia. Em tempos de desinformação, a revista se destaca pela qualidade do conteúdo e pelo compromisso com a verdade, abordando temas como sustentabilidade, equidade e diversidade com profundidade e responsabilidade.
Marta Alencar Teresina – PI

�� Abordagem esclarecedora
Revista boa é assim: clara, reta e com conteúdo. A REVISTA CENARIUM acerta em cheio, principalmente nas matérias sobre a Amazônia. A CENARIUM fala com a gente de igual para igual. As matérias sobre política são boas porque explicam as coisas sem termos complicados.
Israel Cruz Manaus – AM
�� Precisamos avançar
É impossível ficar indiferente às reportagens sobre as lutas dos povos indígenas. Cada edição da revista me lembra o quanto ainda temos que lutar por justiça e preservação cultural. Que venham muitas e muitas revistas para a gente. Eu, particularmente, adoro!
Marcos Silva Belém – PA
�� Formadores de opinião
A REVISTA CENARIUM se destaca como um importante veículo de comunicação, com um compromisso sólido e constante com as pautas ambientais e políticas da Região Norte. Ao focar nessas temáticas, a revista se coloca como um elo essencial entre a sociedade e as políticas públicas, desempenhando um papel fundamental na formação de uma opinião pública mais crítica e engajada.
Emanuel Pinto Manaus – AM
Crédito: Acervo pessoal
Crédito: Acervo pessoal
Crédito: Acervo pessoal
Sumário



E
Descolonizar

Crédito:
Crédito:

E o clima só piora...
Nortistas classificaram 2024 como o pior ano em eventos climáticos, aponta pesquisa da Nexus
Letícia Misna – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Os eventos climáticos de 2024 foram os mais severos para 72% da população da Região Norte, segundo pesquisa realizada pela Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados. Entre os fenômenos mais citados, o calor extremo se destacou ao ser mencionado por 91% dos entrevistados.
Em uma divisão por área, 81% dos moradores das zonas metropolitanas sentiram mais o impacto da falta de chuvas, enquanto 84% dos interioranos sofreram principalmente com as intensas secas dos rios, fatos que estão interligados.
ALTAS TEMPERATURAS
A estudante de veterinária Rumilla Luna, de 29 anos, mudou-se para Belém (PA)
em 2022. Para ela, as condições climáticas no ano de 2024 foram muito piores do que em 2023. Mesmo acostumada com o calor amazônico, uma vez que cresceu no Amazonas, a falta de chuvas fez com que ela sentisse mais o aumento da sensação térmica na cidade, algo que considerou “muito ruim”.
“O clima, ano passado, comparado com 2023, foi bem mais quente, teve menos chuva. E olha que aqui ainda é menos quente do que em Manaus, porque venta mais. Agora [2025], está chovendo muito. Demais. Tudo fica alagado. Aqui alaga muito na chuva e dá muito mofo”, comentou Rumilla.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o acumulado das chuvas de
Calor extremo se destacou ao ser mencionado por 91% dos entrevistados
Crédito: Lucas Oliveira | Cenarium
novembro de 2024, em Belém, foi de 94,8 milímetros, volume que representa apenas 63% da média climatológica da região para a época, que é de 151,4 mm. Nesse período, a capital paraense atingiu sua maior temperatura já registrada: 37,9 °C.
SEM CHUVA, SEM RIO
João Carlos, de 54 anos, tem uma banca de café da manhã na Feira Municipal de Pauini, interior do Amazonas. A seca dos rios, especialmente do Purus, que banha a cidade, afetou diretamente seu negócio.
“Esse problema climático que aconteceu em 2024 acho que veio mais intenso. É tanto que afetou os rios, a estiagem. Devido a essa situação, o preço das mercadorias aumentou muito, porque ficou difícil o transporte das mercadorias, foi difícil chegarem aqui na cidade”, relatou.
Segundo João Carlos, foi um efeito dominó: pela dificuldade de locomoção nos rios, as embarcações aumentavam o valor dos fretes, fazendo com que os comerciantes aumentassem o valor das mercado-
65%
Entre os entrevistados pela pesquisa, 65% acreditam que os eventos climáticos dos próximos cinco anos serão mais intensos

Ribeirinho com os pés cheios de lama em meio ao chão rachado e peixes mortos durante a seca no Amazonas
rias, afetando, assim, negativamente, o dia a dia do consumidor final.
“A gente que trabalha com lanche, como eu, teve prejuízo, principalmente no preço alto do café, açúcar, queijo, presunto, essas coisas que a gente usa no dia a dia lá no negócio”, disse João Carlos.
PIOR SECA DA HISTÓRIA
O ano de 2024 foi marcado pela pior seca já registrada no Amazonas, dificultando o cotidiano e isolando diversos moradores do Estado. Na ocasião, todos os 62 municípios decretaram situação de emergência, e várias calhas registraram suas piores cotas mínimas desde que começaram a ser monitoradas, no século XX.
No Baixo Amazonas, o nível chegou a -2,68 metros; no Alto Solimões, -2,54 metros; no Médio Solimões, -0,29 metros; no Baixo Solimões, -0,26 metros; no Médio Amazonas, -0,14 metros; e no Madeira, 4,92 metros. Em Manaus, a calha do Rio Negro também atingiu sua menor cota da história, com 12,11 metros, no dia 9 de outubro. Os dados são da Defesa Civil do Amazonas.
Além da vazante anual na região amazônica, a estiagem foi agravada pelo déficit de chuvas que a Amazônia enfrenta a cada ano, afetando diversos Estados do Norte. Ainda segundo a pesquisa, os jovens da Região Norte são os mais preocupados com a situação, especialmente aqueles com idades entre 16 e 24 anos. Entre eles, 41% já consideram a situação uma crise climática.
O futuro
Entre os entrevistados no levantamento, 65% acreditam que os eventos climáticos dos próximos cinco anos serão mais intensos, com 12% apontando para a classificação “extremamente mais fortes” e 53% para “muito mais fortes”.
A pesquisa “A visão do Norte sobre mudanças climáticas” foi feita com 1.195 pessoas, em 57 municípios da Região Norte, entre os dias 12 e 17 de dezembro de 2024.

“O
clima, ano passado, comparado com 2023, foi bem mais quente, teve menos chuva. E olha que aqui [Belém] ainda é menos quente do que em Manaus, porque venta mais. Agora [2025], está chovendo muito. Demais. Tudo fica alagado”
Rumilla Luna, veterinária.

Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium
De acordo com a pesquisa, 65% dos nortistas já não veem esperança de climas melhores
Temporal que vale por dez
Chuva em Manaus no dia 4 de março foi equivalente a dez dias de precipitação
Letícia Misna e Ana Pastana – Da Cenarium

A precipitação registrada no dia 4 de março foi equivalente, em média, a dez dias de chuva
MANAUS (AM) – O temporal do dia 4 de março, em Manaus, capital do Amazonas, que começou no fim da tarde e seguiu pela noite, causou transtornos e deixou vítimas. Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), até as 21h foram contabilizados 109,6 mm de volume de chuva, o que representa 34,15% do normal esperado para o mês de março, que é de 320,9 mm.
A precipitação foi equivalente, em média, a dez dias de chuva. Por área, segundo a Defesa Civil do Amazonas, os maiores registros ocorreram nos bairros Santa Luzia (152,20 mm), Igarapé do Quarenta (134,80 mm), Igarapé do Mindu (97,40 mm), Bairro da União (95,60 mm) e Santa Etelvina (75,57 mm).
Em 2024, por sua vez, foram registrados 411,9 mm em março, com o maior volume de 24 horas chegando a 104 mm, entre os dias 24 e 25.

Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Reprodução | Redes Sociais
Segundo a Prefeitura de Manaus, a Defesa Civil da capital contabilizou pelo menos 32 ocorrências, entre alagamentos, deslizamentos de barranco, desabamento de muros e casas. O Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) informou que recebeu cerca de 190 chamadas de emergência apenas no dia 4 de março.
VÍTIMAS
Além dos danos materiais causados a diversos moradores, uma pessoa ficou ferida após o desabamento de um muro no bairro
Praça 14 de Janeiro, na Zona Sul. O homem sofreu fraturas e foi encaminhado para atendimento médico. Já no bairro Zumbi dos Palmares, na Zona Leste, um homem de 40 anos desapareceu após cair em um igarapé. Até o fechamento desta edição, equipes do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) ainda seguiam nas buscas pela vítima.
ESTADO EM ALERTA
Ainda no dia 4 de março, alguns municípios do Amazonas também registraram


“As
áreas verdes são fundamentais. Muitas praças estão pavimentadas com concreto, o que reduz a infiltração da água no solo. A reversão dessa tendência e a ampliação de espaços permeáveis ajudariam a evitar alagamentos”
Antônio Fábio Sabbá Guimarães Vieira, professor doutor em Geografia Física.

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
Crédito: Reprodução | Redes Sociais

Alertas do Inmet para chuvas
altos índices de chuvas, com destaque para Careiro Castanho, Parintins, Presidente Figueiredo e Nova Olinda do Norte. Ainda segundo o Inmet, o Amazonas, junto com o Pará, recebeu quatro bandeiras de alerta para temporais naquele dia.
FENÔMENOS RECORRENTES
Os deslizamentos de terra em Manaus são fenômenos recorrentes, influenciados por fatores geográficos e ambientais, conforme explicou o professor doutor em Geografia Física, Antônio Fábio Sabbá Guimarães Vieira.
Segundo o profissional, a principal causa desses eventos está relacionada à infiltração da água no solo, o que compromete sua estabilidade. “Movimentos de massa, como deslizamentos e corridas de lama, são processos naturais influenciados diretamente pela gravidade. No entanto, quando há um grande volume de água infiltrado, o solo se desagrega e perde sua capacidade de sustentação, aumentando as chances de desmoronamento”, afirma Sabbá.
Além da influência das chuvas, a declividade do terreno é um fator determinante para os deslizamentos. Sabbá aponta que
Chuvas acima da média
411,9 mm
Em 2024, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) registrou 411,9 mm de chuvas em março, com o maior registro de 24 horas marcando 104 mm, entre os dias 24 e 25.
109,6 mm
No dia 4 de março, até as 21h, foram contabilizados 109,6 mm de volume de chuva, o que representa 34,15% do normal esperado para o mês, que é de 320,9 mm.

Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium
Crédito: Reprodução | Inmet
áreas com inclinação acentuada já possuem risco natural de instabilidade e que a ocupação desordenada pode agravar esse quadro. “A retirada da vegetação elimina uma barreira natural que auxilia na contenção do solo. Quando isso ocorre em terrenos íngremes, o risco de deslizamento se intensifica”, explica.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
O especialista também destaca que o regime de chuvas em Manaus passou por mudanças nas últimas décadas. Ele afirma que, nos últimos 30 anos, a quantidade total de precipitação anual na cidade “não aumentou expressivamente”, mas a distribuição ao longo do ano foi alterada.
“No passado, Manaus tinha uma média de 191 dias de chuva por ano. Atualmente, esse número caiu para cerca de 172 dias, o que significa que o volume de precipitação está mais concentrado. Esse fenômeno resulta em chuvas mais intensas em curtos períodos, elevando o risco de alagamentos e deslizamentos”, analisa.
SOLUÇÕES
Sabbá defende a adoção de medidas preventivas para mitigar os efeitos das chuvas

intensas. Entre as soluções sugeridas, está a ampliação das áreas verdes em Manaus, incluindo praças e parques, que podem contribuir para a drenagem natural da água da chuva.
“As áreas verdes são fundamentais. Muitas praças estão pavimentadas com concreto, o que reduz a infiltração da água no solo. A reversão dessa tendência e a ampliação de espaços permeáveis ajudariam a evitar alagamentos”, observa Sabbá.
O especialista também sugere a substituição de pavimentações convencionais por materiais mais permeáveis, especialmente
em ruas de bairros e vias secundárias. O uso de lajotas de concreto permeáveis facilitaria a infiltração da água no solo, diminuindo a sobrecarga no sistema de drenagem e contribuindo para a regulação térmica da cidade.
Outra recomendação é a revisão e ampliação do sistema de drenagem urbana, principalmente em áreas críticas. “Hoje, há sistemas de drenagem que terminam no meio de encostas, o que gera erosão e voçorocas. A água precisa ser canalizada de forma eficiente para evitar esses problemas”, afirma Sabbá.
Idosa de 93 anos relata tristeza ao ter casa alagada
MANAUS (AM) – “Não foi a primeira, nem vai ser a última”. O relato da aposentada Teresinha Maciel dos Santos, 93 anos, expressa a tristeza e a angústia de quem tem a casa alagada sempre que chove em Manaus (AM). No dia 4 de março, a situação se repetiu. A residência onde mora com a irmã, de 70 anos, no Beco Ayrão, bairro Praça 14, na Zona Sul, foi inundada durante a forte chuva na capital.
A aposentada informou à CENARIUM que, em dias de chuva, precisa se virar sozinha para salvar o pouco que resta em casa. “Quem mais sofre nesse pedacinho sou eu. O pessoal joga lixo, joga isso, joga aquilo, e vai empatando [a água de escorrer pelo bueiro] e sou eu sozinha para limpar. Quando a chuva vem, em vez de chorar, canto; em vez de ficar calada, converso, grito, para não me entregar à tristeza”, disse.

Bandeiras de alerta do Inmet para os Estados
Ana Pastana – Da Cenarium
A aposentada Teresinha Maciel dos Santos, de 93 anos
Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium
Crédito:
Descolonizar o conhecimento: reflexões sobre a Educação Indígena
Roger Adan Chambi Mayta
Lembro-me de uma comunidade indígena no município de Huari, no departamento de Oruro, em meu país, Bolívia. Uma fundação filantrópica não entendia os motivos pelos quais o povo não queria que essa fundação construísse uma escola para a própria comunidade. O povo não queria porque dizia o seguinte: “nós sabemos que vocês construíram uma escola na comunidade vizinha, e percebemos que as crianças, depois de sair da escola, não queriam mais falar a própria língua, sentiam vergonha de nossos costumes, e então foram morar nas cidades, e por isso essa comunidade agora ficou vazia”. Então, a escola, a educação, que sempre falamos que é libertadora, pode ser também alienadora, pode apagar a própria cultura de nossos povos, pode fazer-nos esquecer de nossas cosmovisões ancestrais.
O colonialismo espanhol e português nesta região roubou muitos recursos, como mineração, madeira e outros produtos indígenas, disso sabemos muito. Mas o colonialismo, além de extinguir nossos antepassados, também extinguiu nossos centros de ensino, nossas próprias gramáticas indígenas, nossos cientistas, arquitetos, engenheiros e artistas que construíram Tiwanaku, Machu Picchu, Ollantaytambo, Teotihuacan, Yucatán, os grandes sistemas hídricos da Amazônia, o próprio bioma da Amazônia, a medicina que já realizava operações cerebrais, transfusões de sangue, a metalurgia, o trabalho com ouro e prata, a tecnologia que criou o milho e a batata. Tantas realizações que estão registradas nas crônicas, livros de pesquisa e, princi-
palmente, na sabedoria de nossos avós e na sabedoria de nossos povos.
Assim, o colonialismo implementou uma política para tentar anular nossa sabedoria, nossos conhecimentos, para nos tornar apenas um povo explorado, extinto e com uma baixa autoestima. Com a morte de milhares de nossos yatiris (nossos pajés e xamãs) nossa história quase foi extinta. Fomos proibidos de conhecer nossa própria história, por isso, até recentemente, a história de nossos países começava em 12 de outubro de 1492, com a chegada de Cristóvão Colombo, tentando nos fazer esquecer assim a verdadeira história dos aymaras, quéchuas, potiguaras, tukanos, muras, mayas, entre tantos outros povos indígenas que hoje em dia estamos lutando para reconstruir e fortalecer nossa história que tentaram nos proibir.
O escritor indianista Guillermo Carnero dizia: “O povo que não sabe de onde vem historicamente, não sabe para onde vai historicamente”. Daí a importância de conhecer nossa história, daí que nós, como povos indígenas, não só devemos ter consciência de classe, mas o mais importante para nós é ter consciência histórica. Conhecer nosso passado para entender o que foi feito com nossos povos, quais lutas nossos avós lideraram, os motivos dessas lutas e só assim saberemos a responsabilidade que temos quando estamos escrevendo, ou quando estamos na universidade ou no governo. Saberemos que o que temos hoje não é um presente que caiu do céu, é o resultado do suor e do sangue derramado por nossos pais, mães e avós, que lutaram para que tenhamos mais acessos.

Por isso é importante não se perder no caminho. Conheci muitas pessoas indígenas que, sabendo ler, escrever e tendo acesso ao conhecimento acadêmico, tornaram-se mais brancas do que o próprio branco. Muitos colegas na academia ainda acreditam que as respostas estão só na Europa, no Ocidente; desejam oferecer soluções para os problemas indígenas usando conceitos estrangeiros, para assim se sentirem mais “objetivos”, mais perto da academia branca. Muitos recorrem a Karl Marx para entender o sentido de comunidade indígena, quando poderiam conversar diretamente com a própria comunidade, poderiam observar o entorno e assim perceber que não precisamos ir tão longe para encontrar respostas para nossos problemas. Com isso, não estou dizendo que não devemos ler a produção acadêmica e literária europeia e ocidental, não, apenas que devemos não colocar esse conhecimento no centro, apenas usá-lo como mais uma referência entre tantos outros conhecimentos. Sobre isso, Dipesh Chakrabarty disse que devemos provincializar o conhecimento europeu.
Mas o que são nossas cosmovisões ancestrais? Muitos acham que são práticas antigas e que apenas os mais antigos conhecem, mas não é tão simples assim. Para compreender nossas cosmovisões ancestrais não precisamos só procurar nos grandes livros de história e antropologia. Nós, como indígenas, poderíamos começar olhando nosso entorno, observando as práticas das nossas mães, nossos pais, e tomar consciência de como fomos educados, de como nos relacionamos com o ambiente e a natureza. Nossa cosmovisão está presente
Crédito: Arquivo Pessoal
no cotidiano. Só precisamos reconhecê-la e atribuir-lhe o sentido hierárquico que merece.
Por isso, quando minha mãe olha para o céu, observa as nuvens dispersas, ela diz: “amanhã vai chover, recolhe as roupas do varal”. Quando ouve o canto do ch’iwanku, que é um pássaro que canta alto, ela diz que alguém nos vai visitar. Quando eu era criança e subia a montanha com a minha mãe, ela me ensinava que temos que respeitar as montanhas, porque elas são nossas avós: “temos que respeitá-las para que elas nos protejam no caminho, para que não peguemos alguma doença”.
Portanto, temos muitas coisas no cotidiano que nos fazem entender que nossa cosmovisão ancestral é principalmente um modo de nos relacionarmos, um modo de ser e estar com a natureza como ser vivo, com nossa mãe, a Pachamama. Mas o pensamento hegemônico nas universidades, geralmente anti-indígena, nos insinuou que essa forma de se relacionar é coisa de selvagens, de povos atrasados, de qualquer coisa menos ciência. Por isso, quando o indígena entra na academia, muitas vezes, querse modificar quer deixar de ser indígena, quer aprender o outro para se transformar no outro. Eu sei que não há nada de errado em aprender os conhecimentos do
outro, mas primeiro temos que ter as raízes bem firmes para depois florescer até onde desejamos e, assim, usar o conhecimento, independentemente de sua origem, para nossa libertação.
Nas cartas que o escritor indigenista Bonfil Batalla, do México, escreveu para o teórico indianista boliviano Fausto Reinaga, no contexto da criação de uma turma indígena na universidade nos anos 1979, dizia, sem medo, o seguinte:
“Elaboramos um plano de trabalho bastante heterodoxo (eu diria herege) que busca que esse grupo de estudantes recupere e fundamente sua identidade e, ao mesmo tempo, se aproprie criticamente dos conhecimentos que considerem úteis da linguística, da história e da antropologia no estilo ocidental, para que os incorporem à sua própria cultura indígena e os utilizem como instrumentos de sua luta de libertação. Conheço bem os riscos, ou acredito conhecê-los; se falharmos, teremos criado mais uma geração de oportunistas que, disfarçados de índios, buscarão apenas seu próprio benefício e aproveitarão sua própria situação para acentuar a exploração de seu povo. Mas se acertarmos, meu querido don Fausto, se acertarmos”...
É fundamental reconhecer o papel dos povos indígenas na universidade, não ape-
nas para evitar que nos tornemos uma “curiosidade exótica”, mas para transformar a própria instituição a partir da nossa visão e cosmovisão. Temos muito a fazer para fortalecer a ideia de que nossos povos não possuem apenas uma cosmovisão indígena, mas também uma filosofia própria e tecnologias ancestrais. Devemos lembrar, constantemente, que nossos povos desenvolveram ciência ao longo de sua história. Além do colonialismo, que tentou nos fazer sentir vergonha da nossa cultura, seguimos sendo os guardiões de um conhecimento profundo e valioso. Como disse a socióloga Silvia Rivera Cusicanqui: “Nós, os povos indígenas, fomos oprimidos, mas nunca vencidos”. Nossa luta é pela recuperação do que nos pertence: nossa história, nossa identidade e nosso conhecimento.
(*) Advogado Aymara da Bolívia. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Atua como pesquisador e consultor jurídico, abordando questões relacionadas à crítica jurídica, justiça indígena, estados plurinacionais, direito agroambiental, movimentos políticos indígenas e mídia. Faz parte do Coletivo de Estudos Latino-Americanos de Barcelona (Celab).


Pesquisa surgiu a partir da constatação de que, apesar dos avanços na ciência, as mulheres ainda enfrentam desafios
Empreendedoras da ciência
Professoras da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vencem prêmio nacional com pesquisa sobre liderança feminina na inovação tecnológica
Ana Pastana – Da Cenarium
Crédito: Lucas Oliveira | Cenarium
MANAUS (AM) – Visando tornar o sistema mais inclusivo para as mulheres na área da inovação tecnológica, a pesquisa “Desafios da inovação aberta sob a liderança feminina nas instituições públicas de pesquisa e ensino”, elaborada por professoras da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), venceu o 5º Prêmio Conexão Inova, promovido pela Rede Conexão Inovação Pública. O trabalho conquistou o primeiro lugar na categoria “Artigos e Capítulos”, no dia 28 de fevereiro deste ano.
O artigo foi inicialmente publicado no livro “Ciência e Tecnologia: Catalisadores da Inovação 2”, escrito pela docente da Escola Normal Superior (ENS) da UEA, Gladys Corrêa, em parceria com as pesquisadoras Klena Sarges, do Instituto Oswaldo
Cruz (IOC/Fiocruz), e Izabela Gimenes, do Instituto de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz).
À CENARIUM, Gladys explicou que a pesquisa surgiu após um encontro entre as professoras durante uma mesa-redonda sobre empreendedorismo científico em Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs). “A ideia do artigo surgiu após a mesa-redonda sobre empreendedorismo científico em ICTs da qual participamos. Foi a Dra. Klena quem nos convidou para palestrar no evento, na época. Percebemos que houve uma aceitação e um grande interesse de alunas no tema e o quanto ele era pouco explorado na literatura”, disse.
As mulheres, apesar de já terem conquistado espaços importantes, ainda são minoria em áreas como ciência e inovação
Convergência 2025
Apesar de os vencedores terem sido anunciados virtualmente em fevereiro, os prêmios serão entregues nos dias 2, 3 e 4 de junho, durante o Convergência 2025, um dos maiores eventos de inovação no setor público, que acontecerá em Belo Horizonte (MG).
O evento oferecerá palestras com os finalistas, além de 150 atividades ao longo da programação, incluindo oficinas e experiências culturais. Os interessados podem obter mais informações no site oficial: conexaoinovacaopublica.org.
A pesquisa também pode ser acessada virtualmente por meio da Editora Atena, no site: atenaeditora.com.br.

Da
esquerda para a direita, a pesquisadora Klena Sarges, do IOC/Fiocruz, a docente da ENS da UEA, Gladys Corrêa, e a pesquisadora Izabela Gimenes, do INCQS/Fiocruz
Crédito:
Reprodução
“A necessidade dessa pesquisa surgiu da constatação de que, apesar dos avanços na ciência e na inovação tecnológica, as mulheres ainda enfrentam desafios estruturais para ocupar posições de liderança e protagonismo”
Gladys Corrêa, docente da Escola Normal Superior (ENS) da UEA.

tecnológica. Segundo Gladys, as instituições acadêmicas foram moldadas em modelos tradicionais, o que fez com que o empreendedorismo científico permanecesse limitado para as mulheres.
“A necessidade dessa pesquisa surgiu da constatação de que, apesar dos avanços na ciência e na inovação tecnológica, as mulheres ainda enfrentam desafios estruturais para ocupar posições de liderança e protagonismo. Historicamente, as instituições acadêmicas e de pesquisa no Brasil foram moldadas por um modelo tradicional que pouco incentivava a exploração econômica do conhecimento. Com isso, a participação feminina em inovação aberta e empreendedorismo científico permaneceu limitada”, explicou.
Além disso, Gladys reforçou a necessidade de políticas voltadas para as mulheres e de iniciativas que incentivem sua participação no empreendedorismo tecnológico. “A ausência de mulheres nesses espaços não é uma questão de competência, mas sim de acesso, reconhecimento e melhores resultados na aplicação de inovações. E é com muita convicção que sigo fomentando o protagonismo feminino na ciência, para que as próximas gerações de pesquisadoras
e inovadoras possam voar ainda mais alto”, disse.
VOTAÇÃO
O prêmio destaca iniciativas inovadoras nas áreas de gestão pública, políticas públicas, tecnologias disruptivas e cidadania digital, visando reconhecer ações impactantes que contribuem para a modernização da administração pública no País, promovendo mais eficiência e inclusão.
Ao todo, projetos sobre regulação, serviços públicos, comunicações públicas, transformação digital e Inteligência Artificial foram premiados em 20 categorias diferentes.
A votação popular para a escolha dos vencedores foi encerrada no dia 22 de fevereiro, dois dias antes da divulgação do resultado. Com mais de 20 mil votos, o público interagiu por meio de reações nas publicações da conta oficial do Conexão Inovação Pública, no LinkedIn.
O post sobre a pesquisa da docente da UEA, Gladys Corrêa, teve 228 reações, mais de 40 comentários e diversos compartilhamentos. O anúncio dos finalistas da categoria especial “Pessoa Inovadora” foi feito no dia 28 de fevereiro.

Capa do e-book “Ciência e Tecnologia: Catalisadores da Inovação 2”, no qual a pesquisa foi publicada
Crédito: Reprodução | Atena Editora

Decisões judiciais sob suspeita
Quatro magistrados são afastados das funções no AM em menos de um mês
Ana Pastana – Da Redação
MANAUS (AM) – Após o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) ingressar com um recurso contra a decisão do juiz Túlio de Oliveira Dorinho, que concedeu liberdade provisória ao colombiano Juan Carlos Urriola, preso em flagrante com 1,3 tonelada de drogas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acatou o recurso e a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas afastou o magistrado. Esse foi o quarto magistrado afastado no Estado em menos de um mês.
Juan Carlos Urriola foi preso em flagrante durante a “Operação Fronteira Mais Segura”, do Departamento de Repressão
ao Crime Organizado (DRCO), no dia 25 de fevereiro, no município de Santa Isabel do Rio Negro (AM). A droga foi posteriormente apresentada na capital, Manaus (AM).
Na audiência de custódia realizada no Fórum Ministro Henoch Reis, no bairro Adrianópolis, na Zona Centro-Sul de Manaus, o MP-AM havia solicitado a prisão preventiva do homem, com a justificativa de que “a expressiva quantidade de drogas indicava um esquema profissional de tráfico e que a falta de residência fixa no Brasil representava risco de fuga”.
Elci Simões, Túlio Dorinho, Jean Pimentel e Roger Almeida
Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium
O juiz Túlio de Oliveira Dorinho negou o pedido de prisão preventiva do Ministério Público, alegando que o suspeito não possuía antecedentes criminais. Diante da decisão, segundo o MP-AM, o promotor de Justiça Marcelo Augusto Silva de Almeida ingressou com um recurso no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), pedindo a revogação da liberdade provisória e a decretação da prisão preventiva.
À CENARIUM, a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas confirmou o afastamento do magistrado e afirmou que foi instaurado “procedimento para apuração dos fatos, que tramita em segredo de justiça”.
JUÍZES AFASTADOS
Esse é o quarto caso de magistrados afastados de suas funções no Estado do Amazonas em menos de um mês. Os primeiros afastados foram o desembargador Elci Simões, do TJAM, e o juiz lotado na Comarca do município de Presidente Figueiredo (a 129 quilômetros de Manaus), Jean Carlos Pimentel dos Santos, por suspeita de envolvimento em decisões judiciais que resultaram em um prejuízo temporário de R$ 150 milhões à empresa Eletrobras. O valor, pago a um credor nascido em 1985 por títulos de crédito da década de 1970, foi posteriormente devolvido por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A companhia alega ter sido vítima de fraude.
As decisões de afastamento foram assinadas pelo corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell, que também determinou o afastamento cautelar do juiz Roger Luiz Paz de Almeida, da Vara de Execuções de Medidas e Penas Alternativas.
No dia 24 de fevereiro, o CNJ, com o apoio da Polícia Federal (PF), realizou buscas no gabinete do desembargador Elci Simões. O magistrado teve o gabinete “interditado por ordem do CNJ”, de acordo com um comunicado colocado na porta de entrada da sala. Duas fitas de interdição, coladas com fita adesiva, também foram colocadas na entrada.
No caso dos três magistrados afastados por suspeita de decisões judiciais em desfavor da empresa Eletrobras, em nota, o TJAM informou à CENARIUM que “trata-se de uma decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, e o Tribunal de Justiça do Amazonas dará o devido cumprimento, observando todas as determinações estabelecidas”.

O prejuízo temporário para a Eletrobras, causado por decisões judiciais que levaram ao afastamento de três magistrados no Amazonas, chegou ao valor de R$ 150 milhões. O valor foi pago a um credor nascido em 1985 por títulos de crédito da década de 1970 e foi devolvido por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Imagem da porta do gabinete
Crédito: Reprodução Redes sociais

A Câmara tem até 30 de junho deste ano para realizar a revisão, com base no Censo Populacional de 2022
Mais cadeiras no Congresso
Três Estados da Amazônia devem ganhar vagas na Câmara
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – Três Estados da Amazônia Legal devem ganhar até sete deputados federais em suas bancadas na Câmara dos Deputados, com a atualização do número de parlamentares determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2023. A Câmara tem até 30 de junho deste ano para realizar a revisão, com base no Censo Populacional de 2022. Pará, Amazonas e Mato Grosso
estão entre os Estados que devem ampliar a representatividade em Brasília (DF), caso a medida seja efetivada.
No total, são 513 deputados federais distribuídos em bancadas que variam entre o mínimo de oito e o máximo de 70 parlamentares. Segundo a Lei Complementar n.º 78/1993, essa composição deveria ser atualizada antes de cada eleição, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desde 1993, esse ajuste não é realizado.
Os Estados que mais devem ganhar cadeiras são o Pará, que sairia de 17 para 21 deputados, e o Amazonas, que deve passar de oito para dez. Ceará, Goiás, Minas Gerais
e Mato Grosso devem ganhar um assento cada. Santa Catarina deve saltar de 16 para 20 representantes. São Paulo, que possui a maior bancada, deve continuar com 70 parlamentares.
Os Estados que podem perder deputados são: Rio de Janeiro (4), Rio Grande do Sul (2), Piauí (2), Paraíba (2), Bahia (2), Pernambuco (1) e Alagoas (1).
STF
Em decisão unânime, os ministros do STF seguiram o voto do relator Luiz Fux, que propôs que os congressistas aprovem a lei sobre o tema até 30 de junho deste ano, considerando o número máximo de 513 deputados e os dados do Censo de 2022.
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium
Medida impacta composição das
Assembleias
A atualização do número de deputados federais na Câmara dos Deputados deve impactar as composições das Assembleias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, uma vez que a Constituição Federal estabelece relação direta nessa formação.
Segundo a Carta Magna, o número de cadeiras em cada assembleia é calculado pelo triplo da representação do Estado na Câmara e, caso ultrapasse o número de 36 assentos, o número final será a soma dos 36 mais o excedente da subtração entre a bancada na Câmara e o número 12.
Por esses critérios, a Assembleia Legislativa do Amazonas, por exemplo, ampliaria sua composição de 24 para 30 cadeiras. Mato Grosso sairia de 24 para 27 parlamentares e o Pará, de 41 para 45.
O STF atendeu a uma ação apresentada pelo Estado do Pará sobre a falta de revisão das vagas. O Parlamento deve fazer uma redistribuição dos assentos, para que a alteração já entre em vigor a partir de 2027. Caso a Câmara não realize a revisão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é quem deverá tomar a medida, que deverá afetar 14 Estados: sete perdendo vagas e outros sete ganhando assentos.
Projeto de Lei Complementar (PLC) 148, apresentado pelo deputado Pezenti (MDB-SC) no dia 7 de julho de 2023, dispõe sobre essa representação na Câmara, seguindo a decisão do STF, sem alterar as 513 cadeiras. Mas o texto não é consenso na Casa, principalmente entre os representantes dos Estados que podem perder representação.
Segundo a Agência de Notícias da Casa, o presidente Hugo Motta (Republicanos) já sinalizou “a intenção de construir um acordo com o STF para aumentar o número de deputados federais”. A sugestão seria ter mais 14 deputados federais, elevando de 513 para 527 cadeiras.
AUDIÊNCIA PÚBLICA DEBATEU O TEMA
A falta de consenso sobre o assunto será o grande desafio para os parlamentares até junho, segundo apontou o professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Flávio Pansieri, convidado para discutir, em audiência pública, o PLC 148, em agosto de 2024, na Câmara. Segundo ele, não há apoio social para o aumento no número geral de deputados.
“O grande desafio dos debates no Congresso Nacional será o enfrentamento da modificação ou não dos números máximo e mínimo de representantes de cada um dos Estados brasileiros para formação da vontade política na Câmara dos Deputados”, afirmou.
Segundo a assessoria legislativa do deputado Pezenti, por falta de consenso, vários parlamentares ingressaram com requerimento para retirada do PLC 148 da pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde já estava em discussão. Como até o momento nenhuma comissão
O que diz a Legislação
A Lei Complementar n.º 78, de 30 de dezembro de 1993, disciplina a fixação do número de deputados, nos termos do art. 45, § 1º, da Constituição Federal. Sancionada pelo então presidente Itamar Franco, o texto é distribuído em cinco artigos e determina que o número de deputados federais não ultrapasse 513 parlamentares e que seja proporcional à população dos Estados e do DF.
Os dados atualizados do IBGE devem ser fornecidos no ano anterior às eleições. Em seu parágrafo único, a lei diz que, “feitos os cálculos da representação dos Estados e do DF, o Tribunal Superior Eleitoral fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas”.
“Nenhum dos Estados-membros da Federação terá menos de oito deputados federais”, diz o Art. 2º da lei. Na época, ainda havia os territórios, que teriam quatro representantes cada.
O Estado mais populoso da Federação terá representação máxima de 70 deputados.
da Câmara foi instalada, é preciso esperar como ficará o debate.
O deputado Átila Lira (PP-PI) está entre os que defendem o aumento do número de assentos, uma vez que seu Estado, o Piauí, deve perder duas vagas nessa revisão prevista no projeto de Pezenti. Ele sugere ajustes fiscais para não elevar as despesas da Câmara.
“Isso foi discutido com o presidente Hugo Motta: podemos manter a mesma despesa, fazendo ajustes, congelando verbas de gabinete e reagrupando despesas de pessoal”, sugeriu Lira, em reportagem da Agência Câmara.



O ex-presidente
Jair Bolsonaro e os aliados que se tornaram réus
Bolsonaro e sete aliados viram réus
A Primeira Turma do STF aceitou, por unanimidade, denúncia contra Bolsonaro e outros sete por tentativa de golpe de Estado e outros três crimes
Ana Cláudia Leocádio, Marcela Leiros, Ana Pastana e Jadson Lima –Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) E MANAUS (AM) –O ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados tornaram-se réus após a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar, por unanimidade, denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e outros três crimes.
O ministro relator Alexandre de Moraes, durante a sustentação da justificativa do voto para acatar a denúncia feita pela PGR, apresentou imagens para contrapor argu-
mentos de que os ataques aos prédios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2022, teriam acontecido de forma pacífica e sem violência.
“É um absurdo pessoas dizerem que não teve violência, não houve agressão. Ninguém estava passeando […] várias faixas de intervenção federal, nenhuma Bíblia é vista e nenhum batom é visto nesse momento”, consta em um trecho da justificativa do voto de Moraes.
Por sua vez, o ministro Flávio Dino seguiu o voto do relator e tornou-se o segundo integrante da Corte a votar para
Crédito: Composição | Cenarium
tornar réus Bolsonaro e os outros sete. Para Dino, as provas oferecidas foram suficientes para ele acompanhar o voto de Alexandre de Moraes. “Com muita convicção de que há razões técnicas expedidas pelo eminente relator, são suficientes para, neste momento, acompanhá-lo”, disse.
Formando maioria, o ministro Luiz Fux também seguiu o voto do ministro Alexandre de Moraes e aceitou a denúncia da PGR. Com o voto do ministro, Bolsonaro e os sete aliados apontados no processo se tornaram réus por tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Considerando os cinco ministros que compõem a Primeira Turma do STF, o terceiro voto do ministro Fux foi essencial para que a denúncia fosse aceita. A ministra Cármen Lúcia e o ministro presidente da sessão, Cristiano Zanin, votaram em seguida, também aceitando a denúncia da PGR.


Bolsonaro se defendeu das acusações e atacou as urnas eletrônicas
Crédito:
Ricardo Oliveira Cenarium
Os oito denunciados fazem parte do primeiro de cinco núcleos que vão julgar, ao todo, 34 denunciados pela PGR. No primeiro núcleo, denominado “O núcleo crucial”, estão:

ALEXANDRE RAMAGEM
Ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Atual deputado federal pelo Partido Liberal (PL) de São Paulo, Alexandre Ramagem foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro (2019–2022). O político também foi delegado da Polícia Federal (PF) após ingressar na corporação em 2005 e chegou a chefiar a equipe de segurança de Bolsonaro, então candidato do PSL, na campanha eleitoral de 2018.
Em 2020, Ramagem chegou a ser nomeado por Bolsonaro para chefiar a PF, mas teve a nomeação suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes antes da posse. Em 2022, o então diretor da Abin deixou a função para concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados para reforçar a bancada do PL na Casa Legislativa.
‘Núcleo crucial’

JAIR BOLSONARO
Ex-presidente da República
Jair Bolsonaro é um capitão reformado do Exército Brasileiro e político. Ele iniciou a carreira política em 1988, quando disputou uma vaga para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Três anos depois, em 1991, assumiu como deputado federal, cargo que ocupou por sete mandatos consecutivos, até 1° de janeiro de 2019.
Em 2018, Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil com 55,13%, cerca de 57.797.847 votos válidos, após derrotar o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad. No cargo mais alto do Executivo, o mandatário focou em atacar adversários, ignorou orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a pandemia de Covid-19 e atacou as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário. Foi derrotado nas eleições de 2022 pelo candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva (PT).


ANDERSON TORRES
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal
Ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres é delegado da Polícia Federal (PF), formado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub) e especialista em Ciência Policial, Investigação Criminal e Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra (ESG). Torres coordenou a superintendência da PF em Roraima entre 2003 e 2005.
Em 2019, o delegado da PF assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal durante o governo de Ibaneis Rocha (MDB) e deixou o posto em abril de 2021 para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a pedido de Jair Bolsonaro. Ficou no cargo até dezembro de 2022, quando retornou ao governo do DF.
GENERAL AUGUSTO HELENO
Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência
Augusto Heleno é um general da reserva do Exército Brasileiro, assumindo postos de chefia na instituição militar, como o Comando Militar da Amazônia (CMA), entre 2007 e 2009, unidade com sede em Manaus (AM), além de chefiar o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército.
Heleno também foi instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), local onde conheceu Jair Bolsonaro, na década de 1970. Em 2019, a convite do então presidente, o militar assumiu o Comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a quem a Abin está subordinada. Entre 2019 e 2022, ele foi uma das principais vozes no núcleo mais próximo de Bolsonaro.

MAURO CID
Ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência
Mauro César Barbosa Cid é filho de um general do Exército Brasileiro, de mesmo nome, e ingressou na Força Terrestre pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Anos depois, ele atuou como instrutor na Aman e estudou em cursos da carreira militar, como a Escola de Comando e Estado-Maior. Em 2019, ele assumiu o cargo de principal ajudante de ordens de Jair Bolsonaro na Presidência da República, após ser escalado para a função no ano anterior. No cargo, o tenente-coronel se tornou um “faz tudo de Bolsonaro”, acumulando funções como auxílio em transmissões ao vivo, além de registrar os apoiadores do então presidente na saída do Palácio da Alvorada.

PAULO SÉRGIO NOGUEIRA
Ex-ministro da Defesa
Paulo Sérgio Nogueira é um general do Exército Brasileiro, tendo ingressado na carreira militar em março de 1974, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). Em 1994, já oficial, Paulo Sérgio foi subcomandante do 2º Batalhão de Infantaria de Selva, em Belém, e oficial de Estado-Maior da 12ª Região Militar, em Manaus. Como general, ele atuou como Comandante Militar do Norte, unidade militar com sede em Belém (PA), em 2018. Três anos depois, assumiu o Comando do Exército, após o general Fernando Azevedo e Silva pedir demissão em meio à tensão com o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o uso político da Força Armada. Em abril de 2022, ele deixou o cargo para assumir o Ministério da Defesa.

WALTER BRAGA NETTO
Ex-candidato a vice de Bolsonaro
Walter Braga Netto é mais um militar do Exército Brasileiro que integrava o núcleo mais próximo de Jair Bolsonaro. O militar ingressou na instituição em 1974, onde ocupou cargos como chefe do Estado-Maior da 5ª Brigada de Cavalaria Blindada e comandante do Comando Militar do Leste (CML). Durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, foi o coordenador-geral da Assessoria Especial.
Em 2017, foi nomeado pelo então presidente Michel Temer como interventor na segurança pública do Rio de Janeiro, ficando responsável pela coordenação das polícias Militar e Civil, além do Corpo de Bombeiros. Com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, o militar passou a integrar o primeiro escalão do governo federal, como ministro da Casa Civil e, depois, da Defesa. Em 2022, disputou a eleição na chapa de Bolsonaro, que foi derrotada.

ALMIR GARNIER SANTOS
Ex-comandante da Marinha
Almir Garnier Santos graduou-se, em 1977, técnico em estruturas navais na Escola Técnica do Arsenal de Marinha e, no ano seguinte, ingressou na Escola Naval, onde se formou em primeiro lugar no Corpo da Armada, em 1981. Em seu currículo, diz ter orgulho “de sua longa relação com a Marinha do Brasil”.
Foi assessor especial militar de quatro ministros da Defesa do governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2014 e 2016. Em janeiro de 2023, ao ser substituído no início do terceiro mandato de Lula (PT) pelo almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen, quebrou o protocolo e faltou à posse do sucessor.
Segundo o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, em sua delação premiada, Garnier seria simpático a um golpe de Estado e teria dito a Bolsonaro “que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente”.
Bolsonaro diz que ‘denúncia é infundada’
Oex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atacou o ministro Alexandre de Moraes, as urnas eletrônicas e classificou como “grave e infundada” a denúncia que foi aceita, por unanimidade, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). As declarações foram feitas em pronunciamento realizado em uma das entradas do Congresso Nacional, minutos depois de se tornar réu junto a mais sete ex-auxiliares de seu governo. O ex-mandatário se negou a responder perguntas dos repórteres.
“A acusação é muito grave, e são infundadas. E não é da boca para fora”, disse Bolsonaro. Para o ex-presidente, o ministro Moraes não é transparente e manobra seus inquéritos. “Ele bota o que ele quer lá, por isso seus inquéritos são secretos ou confidenciais”, acusou.
Bolsonaro também resgatou os questionamentos às eleições de 2014, feitas pelo PSDB, para voltar a atacar a confiabilidade do sistema eleitoral e defender o voto impresso. Ele chegou a destacar a mudança feita no sistema de votação eleitoral da Venezuela, que prevê agora a impressão do voto, uma alteração implantada pelo presidente Nicolás Maduro, segundo ele. “Não sou obrigado a confiar, a acreditar no programador (das urnas). Confio na máquina, não sou obrigado a confiar no programador”, atacou.
O ex-presidente também usou a maior parte de seu pronunciamento para criticar o governo do presidente Lula e dizer que o povo já estaria com saudade da sua gestão. Quando instado por duas vezes a responder especificamente sobre as acusações pelas quais foi denunciado, ele se recusou a responder e, ao final, se retirou do local.
PARÁ: COLAPSO NA EDUCAÇÃO
Denúncias de professores, pais e alunos relatam que a Secretaria de Educação no Pará (Seduc-PA) tem adotado um sistema de ensino que dificulta a aprendizagem em comunidades tradicionais do Estado João Paulo Guimarães – Especial para a Cenarium


BELÉM (PA) - “Reprovei em várias matérias, mas passei de ano. Como vou me sair bem no Enem assim?” O desabafo de uma estudante do Sistema Modular de Ensino (Some), que prefere não se identificar, sintetiza a crise na educação pública do Pará, onde a falta de recursos nas escolas ribeirinhas compromete o aprendizado. Documentos, áudios, vídeos e imagens reunidos por professores, alunos e pais enviados à reportagem da REVISTA CENARIUM expõem um cenário alarmante: manipulação de dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), precariedade estrutural, repressão contra educadores, assédio moral e ingerência na Corregedoria.
A gravidade da situação ganhou destaque com a recente ocupação indígena na sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc-PA), evidenciando a fragilidade do ensino em comunidades tradicionais e originárias. A aluna segue desabafando: “O interior não tem a mesma estrutura das capitais. Quem estuda em colégio particular está anos à frente”, disse a estudante, reconhecendo a motivação financeira por trás da frequência escolar. “Muitos voltaram a estudar só pelo ‘Pé de Meia’, não para se formar. Se quisessem nos formar bem, não nos deixariam passar sem aprender”, disse.
Filha de pais que não completaram o ensino fundamental, ela enxerga a educação como uma escapatória frágil: “Meus pais vivem da roça, e eu não quero isso, mas o ensino aqui não me prepara. O ciclo (que aprova os alunos direto) é um prejuízo total. Estamos sendo privados do conhecimento que deveríamos ter”, acrescentou.
A menina revela os planos sem esquecer das dificuldades. “Quero ser profissional, mas sei que vai ser árduo. Não tive professores de todas as disciplinas. Isso já reflete nas minhas notas”, completou.


Crédito: João Paulo Guimarães Cenarium

“Chamaram a gente para assinar um documento concordando em aprovar os alunos que não tiveram essas disciplinas, sem nada, sem prova, sem nada”
Professor da rede pública.
APROVAÇÃO COMPULSÓRIA
A política de aprovações compulsórias nas escolas públicas do Pará escancara o descaso do Estado com a educação. A professora do município de Monte Alegre, a 900 km da capital Belém, relata o que é ser professora no Estado do Pará. “Estamos fingindo que ensinamos, os alunos fingindo que aprendem e o governo feliz com o resultado da superescalada do Ideb, sem se importar com a qualidade do ensino. Não se pode reprovar ou dar falta”, diz ela, que também prefere não revelar o nome por medo de represálias.
A mãe de alunos da rede pública de ensino do Estado, uma doméstica de 34 anos, pediu anonimato e contou que os filhos não sabem ler e escrever direito. “No tempo em que ela passou para o quinto ano, ela não sabia ler, e, quando passou para o sexto, também não sabia. Aí passaram ela direto. O menino também foi reprovado duas vezes, mas estranhamos a aprovação, porque ele também não sabia ler, não sabia escrever”, relata.
Outra estudante de uma escola ribeirinha no Pará expõe preocupações com o sistema de ciclos no Ensino Médio, que aprova alunos independentemente do desempenho. “Mesmo faltando um ano inteiro, eu passei. Não acho isso correto”,

Crédito: Arquivo Pessoal
A fragilidade da educação paraense foi escancarada para o Brasil após indígenas ocuparem a sede da Seduc, exigindo melhorias no ensino e a valorização dos direitos dos povos originários

Conflitos na educação

Um professor que atua na região de Paragominas, a 309 km de Belém, relata como a falta de aulas se tornou um problema estrutural. O servidor da educação ribeirinha forneceu um documento à reportagem, mostrando o prejuízo dos alunos do município no Diretório Regional de Mãe do Rio. “O tanto de alunos que não tiveram essas disciplinas durante o ano todo”, contou o profissional, referindo-se aos estudantes que foram aprovados sem cursar algumas matérias.
Segundo ele, a solução da Seduc para mascarar essa falha tem sido a imposição de provas online e a pressão sobre
os professores para aprovar alunos sem qualquer critério pedagógico. “Eles passam compulsoriamente, e como isso está sendo denunciado, agora inventaram essa prova online para legitimar a farsa”, denunciou o professor.
Essa política de aprovações forçadas tem gerado revolta entre os docentes, que são chamados para reuniões de conselho de classe somente para ratificar decisões já tomadas. “Chamaram a gente para assinar um documento concordando em aprovar os alunos que não tiveram essas disciplinas, sem nada, sem prova, sem nada”, revelou o educador.
Diante da imposição, os professores aceitaram aprovar apenas os alunos do terceiro ano, para que pudessem ingressar no mercado de trabalho ou em faculdades particulares. “Foi muito a contragosto, mas no primeiro e no segundo ano a gente disse que não, eles vão ter que ter essas disciplinas”, destacou.
A recomendação do professor é que os colegas busquem documentos oficiais para expor a real situação da rede pública. “É uma evidência de que o Estado é omisso, prevaricador e negligente com os alunos”, concluiu.
Crédito: João Paulo Guimarães Cenarium
EDUCAÇÃO

Seduc adota modelo de progressão continuada, em que os alunos são aprovados automaticamente em determinados anos


“Meus
pais vivem da roça, e eu não quero isso, mas o ensino aqui não me prepara. O ciclo é um prejuízo total. Estamos sendo privados do conhecimento que deveríamos ter”
Aluna da rede pública de ensino.
A escola tem estrutura precária; alunos estudam em salas de aula com paredes de madeira sem vedação
Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium

Realidade paralela

Símbolo de resistência na educação paraense, a Escola Municipal Bom Jesus I, localizada na Boca do Rio Caji, no município de Igarapé-Miri, a 232 km de Belém, vive uma realidade diferente, graças ao Sistema de Organização Modular de Ensino (Some), modalidade que garante o ensino médio em localidades distantes das sedes municipais.
O impacto do Some na comunidade é profundo e pode ser observado na trajetória de ex-alunos, muitos dos quais hoje atuam na própria rede municipal de ensino. Mesmo após 37 anos, o sistema continua sendo essencial para a educação em Igarapé-Miri.
“Temos professores hoje, na escola municipal, que foram alunos do Some, assim como a coordenadora pedagógica e até o diretor da escola. Isso mostra o impacto que o sistema tem na formação profissional da região”, destaca um professor que prefere não se identificar.
Ex-alunos do sistema também ocupam cargos relevantes na cidade, como o ex-secretário de Saúde, que seguiu carreira na enfermagem. “O Some não é apenas um modelo de ensino, mas uma referência para toda a população. Muitos que passaram por aqui hoje ajudam a transformar a realidade educacional do município”, ressalta o professor.
A Escola Bom Jesus atende três turmas do ensino médio, com 38 alunos no primeiro ano, 44 no segundo e 38 no terceiro. Em um trabalho escolar que retrata os sonhos e
projetos de vida dos estudantes, é possível perceber a diversidade de aspirações. Para alguns, um simples curso de informática pode ser a chave para conquistar um emprego e garantir segurança financeira.
Uma estudante demonstra o desejo de se tornar advogada, não apenas para garantir seus direitos, mas para ajudar outras pessoas em dificuldade. Em seu depoimento, ela escreve: “Quero me tornar uma boa advogada para ajudar minha família”.
Outro aluno expressa seu sonho de viajar para os Estados Unidos, conhecer lugares turísticos, parques, museus e experimentar a gastronomia local. “Minha vontade é conhecer cada um desses lugares”, revela.
A educação superior surge como um caminho para mudanças. Uma aluna fala sobre sua admiração por uma faculdade de tecnologia localizada no município de Abaetetuba, a apenas 43,8 km de Igarapé-Miri. “Sempre tive vontade de estudar nessa faculdade. Quero estudar muito para conseguir uma bolsa de estudos”.
ENTRAVES
A realidade social do município é um dos entraves para que sonhos como esses sejam realizados. Histórias de violência em comunidades vizinhas — como decapitações por disputas entre facções criminosas — fazem com que os professores sintam medo, mas mesmo assim não abandonem
seus postos em escolas como a Bom Jesus I, que conta com estrutura sucateada.
Um professor conta que lecionou em janeiro de 2023, na vila Menino Deus, no Rio Anapu, quando um jovem de uma facção local foi assassinado após uma briga em uma festa no Baixo Anapu, a 692 km da capital. Duas semanas depois, seus algozes invadiram a casa do autor do crime, queimaram o corpo e, em um ritual de vingança, decapitaram o cadáver diante da comunidade aterrorizada. “A bem da verdade, só comentamos sobre isso fora de lá. Embora já tenha dois anos do ocorrido, quase ninguém quer falar sobre o assunto”, diz ele.
O prédio onde as aulas são ministradas parece abandonado. Alunos transitam entre tábuas podres, fiações elétricas expostas e telhados antigos e sujos, cujas telhas parecem ser as originais de 1998.
Os estudantes assistem às aulas em salas com paredes de madeira sem vedação. Enquanto as turmas de alunos mais velhos fazem um simulado durante a chuva, com goteiras, salas escuras e calor intenso, crianças entre 5 e 10 anos cantam na sala vizinha. Ainda há o barulho dos barcos, rabetas e porcos que passeiam pelo lamaçal abaixo da escola de palafitas. Nos três dias em que acompanhamos a rotina de alunos e professores do Some em Igarapé-Miri, a merenda escolar foi a mesma: uma caneca de mingau quente de arroz com açaí, que podia ser repetida para saciar a fome.
Crédito:
João Paulo Guimarães | Cenarium
EDUCAÇÃO EM CRISE
ECONOMIA & SOCIEDADE
criticou, destacando que a falta de exigência desmotiva o estudo e prejudica a preparação para o futuro.
“Na universidade, vão exigir conhecimento que eu não tive na base”. A jovem também aponta a carência de infraestrutura: “Não temos laboratório de informática, biblioteca ou professores suficientes”. Para ela, o governo prioriza incentivos financeiros, como o Pé de Meia, em vez de investir em educação. “Deveriam usar esse dinheiro em livros e tecnologia, não só pagar os alunos para vir”, disse.
Questionada sobre suas perspectivas, ela identifica e tem consciência dos seus obs-
táculos. “Vim de uma realidade diferente de quem estuda em escola particular. Vai ser difícil competir”, admite.
Ela relata que, em sua turma de 45 alunos, somente três foram aprovados no Enem em 2023. “Isso precisa mudar”, defende. Filha de pequenos agricultores, ela planeja ingressar em uma universidade pública, mas, segundo ela, o Estado prefere “aprovar em vez de educar”.
SISTEMA DE CICLOS
Um documento extraído do site da Secretaria de Estado de Educação (Seduc-PA) mostra que é adotado um modelo
de progressão continuada, em que os alunos são aprovados automaticamente em determinados anos, independentemente do desempenho acadêmico. Isso significa que a reprovação ocorre somente em anos específicos, enquanto nos demais há progressão automática.
Nesse modelo, os ensinos fundamental e médio são divididos em ciclos de aprendizagem, em vez de séries tradicionais. Dentro de cada ciclo, os alunos são avaliados de forma contínua. A reprovação só acontece no último ano do ciclo. Nos anos intermediários, a aprovação é automática, detalha o documento.


Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium



“É uma evidência de que o Estado é omisso, prevaricador e negligente com os alunos”
Professor da rede pública de ensino
Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium
Crédito: João Paulo Guimarães Cenarium
ECONOMIA & SOCIEDADE
A manipulação dos números se dá através da aprovação compulsória de alunos, tirando dos professores a autonomia na sala de aula
Manipulação no Ideb
Fontes ligadas à Secretaria de Educação no Pará revelaram que a equipe de Rossieli Soares, secretário da pasta, atua obsessivamente para alterar os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica
João Paulo Guimarães – Especial para a Cenarium
BELÉM (PA) - Professores, alunos e pais que conversaram sobre o sistema de ensino nas escolas públicas do Pará, com a reportagem da REVISTA CENARIUM, todos sob anonimato, relataram episódios de assédio moral e afirmaram que o clima é de medo dentro e fora da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc-PA). Um dos profissionais da educação revelou que os professores são constantemente ameaçados com Processos Administrativos (PADs) arbitrários.
Uma fonte dentro da Secretaria afirmou que a equipe de Rossieli Soares, secretário
de Educação do Estado do Pará, trabalha “obsessivamente” para elevar os números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). “A meta é aumentar o Ideb a qualquer custo, de qualquer maneira, e qualquer obstáculo que possa impedir essa meta é atropelado. Ideias que contribuam para esse objetivo, eles se apropriam. É um trabalho de manipulação de dados para inflar o Ideb”, revelou o servidor que não permitiu ser identificado.
O atual secretário de Educação do Estado do Pará, Rossieli Soares, foi ministro da Educação de Michel Temer, secre-
tário de Educação de São Paulo na gestão Dória e também teve passagem pela educação no Amazonas, onde foi processado por improbidade administrativa em ação movida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) por omissão em fornecer documentos necessários a processo investigatório do Ministério Público. Foi condenado a pagar multa correspondente a dez vezes o valor da remuneração.
Rossieli também é acusado de manipular os números do Ideb que fizeram o Pará avançar do vigésimo sexto lugar para a sexta colocação. Conforme as denúncias, a manipulação dos números se dá através da aprovação compulsória de alunos do Estado, tirando dos professores a autonomia na sala de aula para as decisões pedagógicas. “Rossieli Soares é uma espécie de ditador. A forma como o secretário se expressa é como se apenas ele soubesse


Crédito: Reprodução | Agência Pará
como são as coisas. Tudo está sendo feito na marra, como se fosse uma ditadura”, explica outra fonte anônima da Seduc-PA.
Membro do Sindicato dos Professores e doutor em Educação, o professor Abel Ribeiro indaga como o Pará conseguiu ascender a tantas posições no Ideb em apenas um ano. “Como é que tu sai de 26º lugar, lá no penúltimo lugar, e passa para 6º lugar, de um ano para outro?”
Abel explica que o Pará, historicamente, apresentava baixos índices educacionais, figurando entre os últimos colocados no País. Com essa justificativa, o secretário Rossieli Soares promoveu uma série de mudanças, criando uma equipe de gestores bonificados para pressionar os professores a seguir as diretrizes da Seduc. “Eles passaram o ano de 2023 inteiro preparando para melhorar o Ideb”, afirmou o professor Abel.

“O Ideb, hoje, representa uma grande farsa no que tange ao processo de avaliação da educação básica no Brasil”
Raimundo Sérgio de Farias Júnior, pós-doutor em Educação.

‘Grande farsa’
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pós-doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), o professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa) Raimundo Sérgio de Farias Júnior explica que o Ideb representa “uma grande farsa no que tange ao processo de avaliação da educação básica no Brasil”. Para ele, o processo é simples, mas ajuda a maquiar os dados. “O aluno é aprovado sem aprender. Então, isso é uma política e também uma cultura que vem sendo introduzida no contexto escolar brasileiro e também paraense”.
Raimundo destaca que uma das principais metas do Ideb consiste no Brasil como signatário de um acordo internacional chamado Educação para Todos, cuja primeira conferência ocorreu em 1990, em Jomtien, na Tailândia. A partir desse acordo, estabeleceu-se que a meta para a educação seria a mesma apresentada pelos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que agrega parte dos países mais ricos do mundo, mas que também têm tradição em desvalorização da educação e dos professores.
“Então, havia uma pretensão de que o Brasil alcançaria, em 2022, a média seis. Nós não alcançamos, mas tudo isso se confronta com uma quantidade gigantesca de escolas sucateadas, salas lotadas, professores mal valorizados, remunerados e cada vez mais adoecidos também”.

O professor é taxativo ao afirmar que a propaganda do governo é “enganosa, é falaciosa, é mentirosa”. Ele lembra que, em muitos casos, falta até mesmo a merenda escolar, fator importante para garantir a permanência do aluno na escola.
“O Ideb precisa melhorar o fluxo escolar. E, para isso, é necessário extinguir a possibilidade de reprovação. Já as avaliações padronizadas levam em conta apenas a proficiência em leitura, interpretação de texto e resolução de problemas matemáticos. Outras matérias não são avaliadas, como História e Geografia, por exemplo. Isso já aponta muitas limitações no sistema de avaliação padronizado em larga escala. Assim, os alunos são treinados para a prova. Eu pergunto: isso é aprendizagem? Ou dá para medir a qualidade da educação a partir da forma, do cálculo do Ideb? Eu certamente acredito que não. Então, não podemos esquecer também das desigualdades sociais e regionais no nosso País. Ignorar esse fator é apequenar qualquer análise”.
O Ideb passou a influenciar o repasse de recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), vinculando o desempenho educacional ao aumento de verbas para o Estado e municípios. O governo, em resposta, anunciou bonificações para os professores que contribuíram para a melhora no índice, o que, segundo críticos, transforma a educação em um jogo de números que não beneficia quem mais precisa: os estudantes.
Doutor em Educação pela UFPA, pós-doutor em Educação pela PUC-SP e professor da Uepa, Raimundo Sérgio de Farias Júnior
Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium
Crédito: João Paulo Guimarães Cenarium
EDUCAÇÃO EM CRISE
ECONOMIA & SOCIEDADE
ACondicionalidade alarmante
professora Vanessa Gamboa, que leciona na região ribeirinha de Abaetetuba, no Baixo Tapajós, descreve um cenário de precariedade extrema nas escolas do campo. “O projeto do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep) investiu centenas de milhões de reais em televisores, monitores e computadores, mas aqui nós nem temos energia”, criticou.
Segundo a educadora, a realidade dos estudantes ribeirinhos, quilombolas e do campo contrasta com os números divulgados pelo governo estadual, que apontam um avanço expressivo no Ideb. “Esses dados são manipulados. Quando você concretamente vai até os locais, percebe que é impossível haver esse avanço de vigésimo sexto para sexto lugar nessas condições”.
Vanessa relata que, em muitas comunidades, a ausência de infraestrutura básica inviabiliza qualquer proposta de ensino mediada por tecnologia.
“Ainda que tivéssemos energia, não seria possível trabalhar com uma televisão aqui, com a escola caindo sobre nossas cabeças e alunos assistindo aula nos corredores”.
Para ela, o governo deveria investir diretamente nas condições reais de ensino em vez de impor um modelo único que ignore as particularidades das escolas do interior. “Seria muito mais interessante se esse dinheiro fosse para os projetos que a gente desenvolve, muitas vezes saindo do nosso próprio bolso”.
Outra questão levantada durante a apuração foi a falta de livros e logística para a entrega das edições disponíveis. Nas escolas atendidas pelo Sistema Modular de Ensino (Some) e pelo Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), a chegada de livros didáticos não é garantida.
O professor indígena Patrick Lobato Arapium, que dá aula no Baixo Tapajós, explica que os materiais não chegam conforme a quantidade de alunos matriculados. “Se a gente quiser, tem que ir atrás. Não tem uma logística para que os livros cheguem até a escola”, diz ele, ressaltando que a distribuição ignora as dificuldades de acesso das comunidades rurais e obriga os próprios professores a assumirem essa tarefa. “O professor do Some tem que levar os livros por conta própria, colocar no seu transporte e levar até a escola rural”.

Parte dessa estratégia incluía a implementação de escolas de tempo integral, que, segundo ele, “não têm nada de tempo integral”. Nos bastidores, a pressão sobre os docentes aumentou para garantir a aprovação dos alunos e inflar os números do Ideb.
Segundo o professor, essa ordem incluía não apenas manipular as notas, mas também registrar a presença de alunos que sequer apareciam na escola. “Os professores, com medo, de nariz tapado, faziam. Questionavam, mas faziam”, relatou, destacando o clima de intimidação imposto pela Secretaria.
Professor de Matemática e Física do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) também acusa o Estado de manipular os números do Ideb. Segundo ele, o aluno só poderia ficar reprovado em até três disciplinas. A partir da reprovação na quarta disciplina, ele ficaria na condição de retido e não haveria progressão. “Todos eles foram aprovados em massa, através de alterações de notas feitas pela própria Seduc”, disse.
Ele diz que os resultados das notas de cada aluno vão para o Diário de Classe, em formato digital ou físico, que é chamado de Mapa de Avaliação de Rendimento Final. Após a entrega do diário, o professor não tem mais controle sobre os valores. “O que a Secretaria de Educação fez no ano passado? Pegou as notas ou essas avaliações dos alunos e alterou, saindo da condição de reprovado, aqueles que ficaram reprovados, para a condição de aprovados”, detalha.
“No final do ano passado, vivenciamos uma das fases mais difíceis da educação no nosso Estado. Talvez seja, se não o pior, um dos piores momentos da Educação, porque a gente perdeu, de fato, a autonomia dentro das nossas escolas, infelizmente”, afirmou outro professor de Abaetetuba, distante 219 km de Belém, que pediu anonimato. Para o docente, a imposição do chamado “aprovaço” tornou inútil qualquer tentativa de reprovação ou recuperação. “Muitos professores nem fizeram recuperação, porque já sabiam que não ia ter sentido. No dia em que íamos fazer o conselho de classe para avaliar os alunos com mais dificuldade, o resultado já estava no site da Seduc”, relatou, destacando a subtração do papel dos educadores no processo de ensino.

Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium

Presidente do Conselho do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), a doutora em Psicologia da Educação e pedagoga Anna Helena Altenfelder destaca a importância de discutir a questão da desigualdade educacional, especialmente em Estados como o Pará.
A especialista explica que, ao analisarmos os resultados educacionais, como a média do Ideb, é crucial lembrar que essa nota representa uma média, o que significa que há alunos acima e abaixo desse indicador. “Historicamente, sabemos que os alunos que ficam para trás são os mais pobres, ribeirinhos, negros, indígenas e com deficiência. Esses estudantes não podem ser esquecidos, pois são os que mais precisam de atenção”, afirmou Altenfelder.
Outro ponto levantado por Altenfelder é a exclusão de determinadas escolas do cálculo do Ideb, particularmente as instituições em áreas rurais, multisseriadas e indígenas. “Essas escolas, presentes em grande parte da realidade do Pará, não participam do Ideb por uma determinação do governo federal. Quando celebramos os resultados, estamos excluindo os alunos que estudam nessas escolas, que, em geral, enfrentam condições bastante complicadas”, destacou.
Disparidade educacional
Para a doutora, o debate em torno do Ideb deveria incluir esses estudantes e instituições vulneráveis, que, muitas vezes, ficam à margem das políticas educacionais. Altenfelder questiona: “Estamos comemorando os resultados, mas o que vamos fazer com aqueles que mais precisam? Qual é o projeto para esses alunos?”
A resposta para a pergunta da especialista está na insistência do governo do Estado em implantar nas regiões, territórios e terras indígenas o ensino à distância de forma forçada e sem a consulta prévia estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT 169).
INVESTIMENTO EM TECNOLOGIA
Um ofício da Seduc-PA, assinado pelo secretário Rossieli Soares, confirma a decisão de implantação do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep) em comunidades indígenas, com foco na aldeia Itapeyga, na Terra Indígena Parakanã, já para o ano letivo de 2025. O documento explicita que a decisão foi baseada em pareceres técnicos internos e que a solicitação foi analisada dentro dos trâmites administrativos da Secretaria.
O MPF, que se apoia em marcos legais e princípios de autodetermina-
“Historicamente, sabemos que os alunos que ficam para trás são os mais pobres, ribeirinhos, negros, indígenas e com deficiência. Esses estudantes não podem ser esquecidos, pois são os que mais precisam de atenção”
Anna
Helena Altenfelder, doutora em Psicologia da Educação.

ção dos povos indígenas, por meio da Recomendação n.º 11/2024, questiona a legalidade dessa implementação sem consulta prévia às comunidades indígenas, destacando que o modelo de ensino mediado por tecnologia pode violar direitos garantidos pela Convenção 169 da OIT e outras normativas nacionais sobre educação indígena.
O documento enfatiza que a educação escolar indígena deve respeitar a diversidade cultural e linguística dessas comunidades, e solicita a suspensão imediata do Cemep até que haja uma consulta prévia e um modelo pedagógico adequado seja construído de forma participativa.
SEM RESPOSTA
A REVISTA CENARIUM questionou o Governo do Pará, a Secretaria de Estado de Educação, o gabinete da Corregedoria, e a Secretaria de Comunicação, via assessoria de imprensa, sobre as acusações expostas na reportagem, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.
O Ministério da Educação respondeu que não é da alçada do MEC se envolver em denúncias de gestões do Estado, já que cada secretaria e gestão estadual têm sua autonomia.
Rossieli Soares é acusado de manipular os números do Ideb que fizeram o Pará avançar do vigésimo sexto lugar para a sexta colocação
Crédito: Reprodução | Agência Pará
Ancestralidade contra o desmonte educacional
Indígenas de várias etnias assumiram o protagonismo da batalha pelos direitos dos professores em uma ocupação que durou mais de 30 dias na sede da Seduc-PA
João Paulo Guimarães – Especial para a Cenarium
Ocupação indígena recebeu apoio de várias partes do Estado do Pará por meio da chegada de caravanas articuladas pelas comunidades


Crédito: João Paulo Guimarães Cenarium
BELÉM (PA) - A vitória histórica da comunidade indígena, povos tradicionais, professores, jornalistas independentes e da sociedade paraense, que em uma mobilização inédita ocuparam a Secretaria de Educação do Pará (Seduc-PA) por mais de 30 dias, resultou na revogação da Lei n.º 10.820/24 — que retirava direitos do Estatuto do Magistério e desmontava o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei). Essa história é apenas parte da narrativa sobre o desmonte que a educação paraense vem sofrendo sob a gestão do governador
Em suas redes sociais, Sônia Guajajara publicou um vídeo com informações contrárias ao que havia sido discutido com o movimento, adotando a proposta do governo do Estado mesmo após ter sido informada, em reunião com lideranças indígenas, de que as pautas centrais da ocupação eram a revogação da Lei n.º 10.820 e a exoneração do secretário de Educação. A ministra foi desmentida em sua postagem pelas principais lideranças indígenas e por apoiadores do movimento.
Ao chegar à ocupação, Guajajara limitou-se a rebater críticas nas redes sociais. Ela culpou o jornalismo independente por promover desinformação e por “expor” os indígenas acampados.
Acompanhada da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), a ministra intermediou uma reunião com o governador Helder Barbalho. Os indígenas foram recebidos sob forte aparato policial — mais de 2 mil agentes de segurança — e impedidos de usar celulares ou registrar a reunião, que terminou sem acordo.
Apesar da falta de apoio do governo federal e dos ataques promovidos por Helder Barbalho — que diariamente publicava em suas redes sociais fake news e entrevistas com informações falsas sobre a ocupação —, a opinião pública compreendeu os reais motivos que levaram professores indígenas e não indígenas a ocupar a Secretaria de Educação. A mobilização ganhou apoio nas redes sociais, com doações e manifestações de solidariedade de todo o País.
Helder Barbalho (MDB) e do secretário de Educação Rossieli Soares.
A lei, aprovada na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), foi revogada. Porém, o Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep) — que substitui professores por computadores, estúdios de gravação e antenas Starlink no interior — continua avançando.
Na votação da Alepa, professores que protestavam foram recebidos com socos, pontapés, tiros, bombas e detenções arbitrárias. Um docente do Some, que preferiu não se identificar, relatou ter fugido de policiais militares que desciam de uma viatura ainda
Luta contra desinformação
A Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com uma Ação Civil Pública contra o Estado do Pará, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a empresa Meta, responsável pelo Facebook e Instagram, exigindo a remoção de publicações feitas pelo governador Helder Barbalho que disseminavam desinformação sobre a mobilização indígena. Segundo a DPU, as postagens alegavam falsamente que a ocupação indígena havia sido motivada por fake news sobre o fim da educação presencial nas aldeias, quando, na realidade, havia documentos oficiais que indicavam a implementação do ensino mediado por tecnologia.
“O movimento começou a partir de uma desinformação, de que estaríamos acabando com o sistema de educação presencial nas aldeias indígenas, que mudaria para um sistema de educação a distância. Algo que jamais existiu e jamais existirá. Fake News”, afirmou o governador em um vídeo que a DPU pediu que fosse removido.
A Defensoria argumentou que as postagens do governador distorciam a realidade e desqualificavam a luta indígena contra a revogação do Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), o que poderia gerar preconceito e hostilidade contra os manifestantes. A petição ressaltava que os indígenas tinham “o justo receio” de que a extinção da legislação que regulava o Somei fosse um passo para a introdução da educação a distância, especialmente após a Secretaria de

Educação confirmar, em documento oficial ao Ministério Público Federal (MPF), que o ensino mediado por tecnologia seria implementado na Terra Indígena Parakanã em 2025. “O discurso do Exmo. Governador é mentiroso e busca criar uma narrativa na qual os indígenas foram enganados para estar lutando por interesses outros”, afirmava a ação.
Além da remoção das publicações, a DPU solicitou que o Estado do Pará e a Meta permitissem que os indígenas publicassem um direito de resposta nas mesmas plataformas, garantindo a correção da narrativa oficial. Também pediu que a Funai adotasse medidas para proteger a honra e a integridade das comunidades indígenas, combatendo a disseminação de informações falsas.
A ação ainda requereu indenização de R$ 10 milhões por dano moral coletivo, a ser revertida para as comunidades indígenas impactadas. A DPU sustentou que a fala do governador não apenas desinformava, mas também deslegitimava uma mobilização legítima, violando direitos fundamentais. “A declaração tentava mostrar que as comunidades indígenas não tinham capacidade de entender as consequências que uma legislação aprovada à ‘toque de caixa’ poderia ocasionar”, afirmou a petição, destacando que o governo tentava manipular a opinião pública contra os manifestantes. A ação foi julgada na Justiça Federal, que analisou o pedido de liminar para a retirada imediata das postagens e a retratação do governo estadual.

Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium
ECONOMIA & SOCIEDADE



em movimento, empunhando escopetas carregadas com balas de borracha.
Na correria, ele não percebeu o buraco na camisa, causado por um disparo. Levou um tiro de escopeta nas costas e outro de raspão no braço. “Eles iam passar com o carro em cima da gente, e derrubamos um contêiner de lixo. Eles foram obrigados a parar, mas já desceram atirando pelas costas”, contou.
Policiais militares corriam entre os manifestantes com pistolas em punho e balas de verdade, empurrando professores ao chão e arrastando-os para dentro da Assembleia. O historiador e professor Allan Silva também foi agredido, atingido por uma cadeira lançada por um PM. “O policial veio para cima da gente. Eu disse: ‘Calma, policial, espere’. Nesse momento, outro policial jogou a cadeira no meu rosto. Comecei a sangrar”.
Do outro lado da praça de guerra, a professora Jaqueline Cristine Sosi, 46, técnica em gestão cultural, viu uma granada ser lançada em sua direção. “Na hora, a gente
ficou atordoado quando a bomba explodiu. Dá uma sensação de congelamento do tempo” Ela guardou parte do fragmento do artefato.
Em resposta aos acontecimentos, indígenas de várias etnias vindos de todas as partes do Estado assumiram o protagonismo da batalha, ocupando a Seduc-PA a partir de 14 de janeiro, enfrentando Polícia Militar, Força Tática, cavalaria, assédio e ataques noturnos de homens não identificados.
Os policiais que fiscalizavam a ocupação foram acusados de praticar assédio sexual e terror psicológico durante a noite, espirrando spray de pimenta nos banheiros e proibindo o acesso da imprensa e da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.
A ocupação recebeu apoio de várias regiões do Pará, com caravanas articuladas pelas comunidades. A cacica Miriam Tembé, 41, veio da Aldeia I’ixing de Tomé-Açu, junto aos quilombolas da Associação Amarqualta, para apoiar o movimento até a revogação da Lei n.º 10.820. “Essa lei feria o direito
Policiais foram acusados de promover assédios de cunho sexual e terror psicológico durante a noite, proibindo o acesso da imprensa e da Comissão de Direitos Humanos da


Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA)
Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium
Crédito: João Paulo Guimarães Cenarium
EDUCAÇÃO EM CRISE
ECONOMIA & SOCIEDADE

de todos os parentes da região, porque trata da educação escolar indígena. Se fere o direito de um, fere de todos”, declarou. Lideranças indígenas acusaram a Secretaria dos Povos Indígenas do governo estadual de omissão e abandono. A secretária Jacqueline Alves dos Santos, conhecida como Puyr Tembé, que deveria ser a ponte entre o movimento e o governador Helder Barbalho, não cumpriu esse papel. Nos primeiros dez dias da ocupação, o Ministério dos Povos Indígenas, em reunião com a ministra Sônia Guajajara, alinhou-se ao Governo do Pará ao sugerir a criação de uma nova lei para a educação indígena, abandonando a pauta da revogação da Lei n.º 10.820/24.

Retaliações e assédios
Um grupo de 14 professores vindos de Conceição do Araguaia, distante 933 km de Belém, para apoiar a ocupação foi removido de suas escolas depois da promessa do procurador do Estado, Ricardo Sefer, de que nada seria feito contra os professores que protestavam no local. Dias depois da reunião com Rossieli Soares, o grupo recebeu e-mails comunicando as remoções de suas escolas e do Some.
A professora Irisleide dos Santos Sirqueira estava na ocupação da Seduc Pará e permaneceu durante os quase 40 dias. Em uma das poucas reuniões em que Rossieli Soares participou com indígenas
e professores, a servidora explicou para o secretário que toda aquela articulação da ocupação havia partido de Conceição do Araguaia. Irisleide relata que já esperava a retaliação. “A nossa remoção foi cinco dias após a minha fala na reunião com o Rossieli”, disse.
O Governo do Pará recuou e revogou a remoção dos 14 professores após forte pressão da categoria e denúncias das remoções como retaliação nas redes sociais. O movimento pela educação no Pará continua e tem obtido grande aprovação e adesão nas redes sociais e por profissionais da educação no resto do País.
Crédito: João Paulo Guimarães | Cenarium
A crônica do abandono: como o governo de Helder Barbalho está piorando a imagem do Pará na
COP30 e perpetuando a ignorância social
Inory Kanamari
Ka tücüna naina. Frase escrita na gramática kanamari e traduzida para o português significa: Olá, leitor(a).
Nos últimos meses, o Estado do Pará tem atraído atenção, mas não pelos motivos que se esperaria de uma gestão eficaz. Não é a COP30, nem grandes projetos que destacam o governo de Helder Barbalho, mas escândalos que revelam a verdadeira face de um poder mais preocupado em manter a população ignorante e submissa do que em promover o bem-estar social. A realidade no Pará, infelizmente, reflete de forma alarmante o que também acontece no Amazonas, onde governantes perpetuam um ciclo de negligência e exclusão que impacta diretamente as futuras gerações.
Um dos eventos mais emblemáticos dessa realidade foi a grande ocupação indígena na Secretaria de Educação do Pará, que durou 30 dias e teve ampla repercussão na mídia nacional. O movimento indígena mostrou ao mundo sua força e resistência, obrigando o governo a revogar, contra sua vontade, a Lei Estadual 10.820/2024 – uma medida que ameaçava o ensino presencial em comunidades indígenas. Essa foi uma vitória importante, mas que ilustra a constante luta de um povo sistematicamente desconsiderado. No entanto, enquanto as vitórias indígenas ganham espaço, as condições de ensino em escolas públicas no Estado continuam a refletir um cenário de decadência e abandono.
Recentemente, uma notícia alarmante sobre “alunos disputando mesas e cadeiras para assistir às aulas em ilha do Pará” cau-
sou repercussão negativa, e o que parecia ser um fato isolado é, na verdade, uma realidade que se arrasta há décadas. A educação pública nunca foi, de fato, prioridade para os governantes, pois seus filhos estudam em escolas privadas e não se veem obrigados a enfrentar a realidade das escolas públicas, onde a falta de infraestrutura é apenas a ponta do iceberg. O verdadeiro objetivo dos governantes parece ser manter a população sem conhecimento, acorrentada ao medo e à ignorância, uma estratégia que facilita o controle e a subordinação social.
A falta de mesas e cadeiras é somente um reflexo superficial de um problema muito maior. Em muitas regiões do Pará, especialmente em municípios mais afastados, a educação pública é um luxo inalcançável. As prefeituras, muitas vezes os únicos empregadores locais, mantêm a população em silêncio, acuada, com medo de represálias dos chamados “coronéis de barranco”. A escassez de recursos é tamanha que as escolas fazem rifas, pedem doações para comerciantes locais e até organizam festas juninas apenas para garantir que os alunos tenham o mínimo necessário para continuar seus estudos. Uma verdadeira distopia educacional que se repete geração após geração.
Eu, como ex-estudante de escola pública, recordo-me da merenda estragada (com data de validade vencida), da falta de professores, do giz, da lousa e do material escolar. A “educação” pública que recebi foi, na prática, uma utopia. E, tristemente, 30 anos depois, a realidade para as crian-

ças que dependem da rede pública de ensino no Pará e no Amazonas continua a mesma. Esse é o Brasil que ainda estamos vivendo – um país onde a elite política se distancia da população e onde, em nome do poder, a ignorância se torna uma ferramenta de controle. O que estamos perdendo, enquanto sociedade, com essa negligência sistemática? O que os governantes realmente ganham ao manterem nossa população na escuridão, sem acesso à educação de qualidade, enquanto os filhos deles estudam nas escolas privadas (e depois nas universidades públicas)?
Essa é a triste realidade que devemos enfrentar e combater. Uma realidade que não se limita ao Pará, mas que reflete diretamente a política excludente e opressora que também permeia o Amazonas.
Bapo ikoni. Até a próxima pauta.
(*) Inory Kanamari, primeira advogada indígena do povo Kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024. Também atuou como consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. É articulista da REVISTA CENARIUM, ativista, poetisa e membra da Academia de Letras, Ciências e Cultura da Amazônia (Alcama). Escreve como colaboradora toda terça-feira para o Portal Info.Revolução.
Crédito: Arquivo Pessoal

Infraestrutura precária
Pará e Amazonas ocupam últimos lugares em índice nacional no Ranking de Competitividade dos Estados 2024
Jadson Lima – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Os Estados do Pará e Amazonas ocupam, respectivamente, a 26ª e 27ª colocação no índice que calcula a qualidade da infraestrutura dos entes da Federação. O Ranking de Competitividade dos Estados 2024 foi divulgado, no dia 21 de janeiro, pelo Centro de Liderança Pública (CLP). A metodologia do ranking foi elaborada a partir de amplo estudo de benchmark internacional e de literatura acadêmica especializada sobre o assunto.
O estudo, que chega à sua 13ª edição, é uma ferramenta de avaliação da gestão pública do Brasil. São avaliados 99 indicadores comuns aos Estados, divididos em 10 áreas-chave: sustentabilidade ambiental,
capital humano, educação, eficiência da máquina pública, infraestrutura, inovação, potencial de mercado, solidez fiscal, segurança pública e sustentabilidade social.
O ranking revela que o Pará ocupa a pior posição no índice de infraestrutura, que avalia a qualidade da energia elétrica e o custo do saneamento básico. O estudo, publicado no início deste ano, também aponta que o Amazonas é a segunda pior Unidade da Federação nesse quesito, após avançar uma colocação em relação ao ano anterior, quando figurava na última posição.
Segundo o levantamento, o Pará, que vai receber a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em novembro deste ano, caiu duas colocações em relação ao estudo anterior, conforme os dados disponibilizados de 2024. No índice geral, que considera diversos critérios, o Pará ocupa a 21ª posição entre as Unidades da Federação mais bem colocadas e o 4º lugar da Região Norte.
O levantamento foi realizado a partir de um estudo internacional e de literatura acadêmica especializada. A construção do
ranking contou com duas etapas: o tratamento dos dados coletados, possibilitando a agregação de indicadores; e a ponderação desses indicadores, com a adoção de critérios como penalização de redundância, penalização de indicadores com grande dispersão, bonificação de indicadores com maior carência, além de avaliação de especialistas.
A posição do Pará no estudo contrasta com as obras de infraestrutura anunciadas para ficarem prontas até a COP30, prevista para ocorrer na capital, Belém. São cerca de 30 intervenções em andamento na cidade, abrangendo mobilidade urbana, saneamento, desenvolvimento urbano, turismo e conectividade. Entre elas, estão a revitalização das bacias do Tucunduba, Una e Tamandaré, além das reformas das avenidas Visconde de Souza Franco e Almirante Tamandaré.
O levantamento também aponta, como principais desafios do Estado, a educação (24º), eficiência da máquina pública (24º), sustentabilidade social (24º) e inovação (20º). Na colocação geral, o Estado ocupa a
Pará e Amazonas apresentam baixas colocações quando se trata de infraestrutura
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium
sexta pior posição entre todas as Unidades da Federação.
AMAZONAS
Além de ser um dos Estados que enfrenta desafios na infraestrutura, os índices também indicam que o Amazonas ocupa a quinta pior colocação em educação, considerando tanto a avaliação educacional quanto a taxa de frequência líquida de estudantes no Ensino Fundamental. Na pesquisa anterior, o Estado estava na quarta pior posição nesse quesito.
Em sustentabilidade social, que abrange questões como trabalho infantil e escravo, o Estado ocupa a sexta pior colocação. Já no quesito capital humano, que avalia o custo da mão de obra e a subocupação devido à insuficiência de horas trabalhadas, o Amazonas sofreu uma queda de três posições, passando a ocupar a nona pior colocação
no levantamento. O estudo classifica esses eixos como desafios a serem superados.
O levantamento também apontou, por outro lado, que os potenciais do Amazonas são a inovação (bolsas de mestrado e empresas de alto crescimento) e a solidez fiscal (sucesso de planejamento orçamentário e índice de liquidez), áreas em que o Estado ocupa a 3ª e a 4ª posição, respectivamente. O ranking também mostra que o Estado está bem colocado nas áreas de segurança pública (7º), eficiência da máquina pública (8º) e sustentabilidade ambiental (8º).
A CENARIUM pediu esclarecimentos ao Governo do Pará sobre quais ações vêm sendo realizadas para garantir a melhoria da infraestrutura no Estado. O Governo do Amazonas também foi procurado para informar quais ações estão sendo planejadas ou em andamento relacionadas a
DESAFIOS DO ESTADO
melhorias na infraestrutura e na educação, bem como no quesito de sustentabilidade social. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.
No Ranking de Competitividade dos Estados são avaliados 99 indicadores comuns aos Estados, divididos em 10 áreas-chave: sustentabilidade ambiental, capital humano, educação, eficiência da máquina pública, infraestrutura, inovação, potencial de mercado, solidez fiscal, segurança pública e sustentabilidade social.
Qualidade da Energia Elétric; Custo de Saneamento Báscio;
Obra em andamento em Belém, cidade-sede da COP30
24º 1
EDUCAÇÃO
27º 24º INFRAESTRUTURA 2
Avaliação da Educação; Taxa de Frequência Líquida do Ensino Fundamental;
EFICIÊNCIA DA MÁQUINA PÚBLICA 1
Custo de Executivo/PIB; Custo do Judiciário/PIB;
A construção do ranking contou com duas etapas, como o tratamento dos dados coletados e a ponderação desses indicadores

Crédito: Reprodução
Crédito: Marcelo Lelis | Agencia Pará



Cúpula da COP30 antecipada
Antecipação tem o objetivo de reduzir ‘pressão hoteleira’ em Belém (PA)
Fabyo Cruz* - Da Cenarium
BELÉM (PA) – A menos de oito meses para a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), agendada para ocorrer entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém (PA), a organização do evento já promove mudanças na programação. A cúpula de chefes de Estado, que tradicionalmente acontece após a abertura oficial, foi antecipada para os dias 6 e 7 de novembro, segundo anunciou o secretário extraordinário para a COP30, Valter Correia, no dia 13 de março. A alteração pretende facilitar a logística e reduzir a pressão sobre Belém durante a conferência.
De acordo com Correia, a decisão partiu do governo brasileiro e busca garantir um
ambiente mais estruturado para os debates. “Nós estamos tornando oficial isso, é uma decisão do Brasil. Fazer antes dá tempo de a gente fazer uma reflexão com um pouco mais de tranquilidade, sem pressão da rede hoteleira, sem a pressão da cidade, e isso ajuda também a gente a organizar melhor a abertura da COP sem grandes problemas”, explicou o secretário.
A mudança representa uma novidade na história das conferências climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU). Até então, o segmento de alto nível, que reúne os líderes dos países-membros, ocorria logo após a abertura oficial da COP. Na ocasião, os chefes de Estado apresentam suas diretrizes e compromissos climáticos, orientando as negociações subsequentes.
Durante a conferência, o governo brasileiro espera receber em Belém mais de 60 mil pessoas, incluindo chefes de Estado, diplomatas, empresários, investidores, ativistas e delegações dos 193 países-membros da ONU. Diante dessa alta demanda, o
setor hoteleiro enfrenta grandes desafios, especialmente pela insuficiência de leitos para acomodar os visitantes.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (Abih-PA), a rede hoteleira da capital está em pleno processo de adaptação, com todos os hotéis passando por reformas para atender às exigências da COP30. Entretanto, o maior obstáculo continua sendo o aumento da capacidade de hospedagem.
Atualmente, Belém dispõe de 18 mil leitos em hotéis, mas a previsão é que esse número chegue a 26 mil até a conferência, impulsionado pela abertura de novas unidades e expansões das existentes. Quando as camas de casal forem contabilizadas como dois leitos, a expectativa é que o total chegue a uma faixa entre 45 mil e 50 mil. Três hotéis de luxo, destinados aos públicos A e B, estão em fase de construção com financiamento de grupos internacionais. Um deles será erguido na região do Porto Futuro II, outro ocupará um antigo edifí-
Belém do Pará, sede da COP30
Crédito: Bruno Cecim Agência Pará

60 mil
O governo brasileiro espera receber em Belém mais de 60 mil pessoas durante a COP30. Atualmente, Belém dispõe de 18 mil leitos em hotéis, mas a previsão é que esse número chegue a 26 mil até a conferência.
cio da Receita Federal e o terceiro estará situado em Castanhal, cidade que fica a 75 quilômetros de Belém.
ESTRATÉGIAS
Adicionalmente, os governos federal e do Pará estão implementando uma estratégia para aumentar a oferta de leitos durante a COP30, que inclui a utilização de navios transatlânticos, que serão ancorados no Porto de Outeiro, localizado a aproximadamente 35 quilômetros do centro de Belém. O Porto de Outeiro, considerado
um local “estratégico” para a atracagem das embarcações, deverá proporcionar cerca de 4.500 quartos temporários à capacidade de hospedagem.
Além disso, mais de 30 obras estão em andamento na capital paraense, voltadas para melhorias na mobilidade urbana, saneamento e outras adaptações necessárias para o evento. A expectativa é que os investimentos deixem um legado estrutural para a cidade, beneficiando a população local além do período da conferência.
(*) Com informações da Agência Brasil.

Custo de vida pode disparar
BELÉM (PA) – A realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém, em novembro deste ano, promete trazer impactos significativos para a economia da cidade, especialmente no custo de vida da população. Com o aumento da demanda por serviços, moradia e alimentação, especialistas alertam que os preços devem subir já nos meses que antecedem o evento e que alguns valores podem não retornar aos patamares anteriores.
Para o economista e consultor de empresas Valfredo de Farias, a tendência de alta nos preços durante eventos de grande porte já é observada em outras cidades turísticas do Brasil, como o Rio de Janeiro em períodos de alta tempo-
rada. “Quando há uma grande demanda, os preços aumentam. Isso ocorre no comércio, no setor de vestuário, alimentação, feiras livres, restaurantes e lazer. Tudo deve ficar mais caro em Belém”, explica.
O mercado imobiliário já sente os efeitos dessa expectativa. De acordo com Farias, aluguéis estão sendo reajustados com antecedência, com muitos proprietários elevando os valores na esperança de lucrar mais próximo ao evento.
Além da alta de preços durante o evento, há preocupação com os reflexos econômicos no período posterior. “Depois da COP, a economia deve demorar pelo menos de três a seis meses para se estabilizar, mas alguns preços dificilmente voltarão ao que eram antes. Quem conseguiu
alugar por um preço alto pode não querer reduzir depois”, avalia o economista. Outro ponto de atenção é o destino dos trabalhadores temporários que chegaram à cidade para atuar nas obras de infraestrutura ligadas ao evento. Farias alerta que, sem planejamento do poder público, há risco de aumento da informalidade e da ocupação irregular de terrenos.
O papel de órgãos como Procon e Ministério Público será crucial para evitar abusos nos preços. No entanto, Farias pondera que a lógica de mercado ainda predomina. “Se houver gente disposta a pagar aluguéis exorbitantes, o mercado continuará subindo. O controle sobre isso é difícil”, observa.
Valter Correia, secretário extraordinário para a COP30
Belém dispõe de 18 mil leitos em hotéis
Crédito: Valter Campanato | Agência Brasil
Crédito: Fernando Frazão | Agência Brasil

Elas são ‘chefes de família’
Na Região Norte, 35,7% das mulheres são as únicas provedoras do lar
Letícia Misna – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Na Região Norte, área que abrange sete Estados, 35,7% das mulheres são as únicas provedoras do lar, segundo pesquisa realizada pela Serasa, em parceria com a Opinion Box. A porcentagem é maior que a média brasileira, onde 33% dos lares brasileiros são sustentados financeira e unicamente por mulheres.
A manicure Cristina Santos, 29 anos, faz parte dessa estimativa. Moradora da Zona Leste de Manaus, ela e a mãe são as principais provedoras do lar, onde moram, ainda, o filho de Cristina e um irmão dela. Além da responsabilidade financeira, a sobrecarga dos afazeres domésticos também recai sobre a manicure. “Às vezes, me sinto sobrecarregada”, disse.

A porcentagem é maior que a média brasileira, onde 33% dos lares são sustentados financeira e unicamente por mulheres
À CENARIUM , Cristina contou que gosta de sua profissão, na qual se imagina atuando por mais tempo, mas gostaria que a remuneração fosse maior. Segundo ela, mesmo com auxílios governamentais, não é o suficiente para “ter uma vida confortável” e “ter acessos frequentes a serviços e lazer”. Questionada sobre qual valor seria o ideal, ela respondeu: “Algo acima de R$ 2 mil”.
VIDAS PARALELAS
Em outra via, a assistente fiscal Larissa Cavalcante, 31 anos, estima que R$ 9 mil por mês seria o suficiente para viver confortavelmente. Também residente da Zona Leste da capital amazonense, ela mora sozinha e não vê problema em ser a principal provedora de seu lar. “Tenho minha independência financeira”, destacou.
Apesar disso, o cargo que ela exerce atualmente ainda não é o almejado. “Mas já é um grande passo para onde quero chegar, que, no caso, seria analista fiscal ou contábil”, compartilhou.
BRASILEIRAS
Segundo o estudo, quanto menor a renda familiar, mais a mulher assume sozinha a responsabilidade pelas finanças do lar. No Brasil, entre as classes D e E, esse número é de 43%, enquanto, entre as classes mais altas, A e B, a taxa cai para 18%. Além disso, o endividamento (31%) e a dificuldade para obter crédito (47%) são os principais desafios enfrentados por elas. Outro destaque é que as entrevistadas na pesquisa revelaram que as redes sociais são sua maior fonte de aprendizado (33%) sobre finanças, seguidas por informações em sites e aplicativos de banco (28%) e buscadores na internet (26%). Três em cada quatro mulheres se sentem representadas e mais confiantes quando escutam outras mulheres falando sobre economia.
DEMAIS DADOS
Ainda conforme a pesquisa do Serasa, no Norte, 87% das mulheres precisam equilibrar a vida profissional com os cuidados domésticos; 36% delas priorizam as dívidas no momento de organizar o orçamento familiar. Adquirir um imóvel e quitar as dívidas são os principais objetivos financeiros delas.

“Às vezes, me sinto sobrecarregada”
Cristina Santos, 29 anos, manicure.

“Tenho minha independência financeira”
Larissa Cavalcante, 31 anos, assistente fiscal.
Cristina Santos, de 29 anos, é manicure e mãe solo
Larissa Cavalcante, de 31 anos, é assistente fiscal
Crédito: Lucas Oliveira | Cenarium

Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a taxa média anual do País caiu de 7,8% para 6,6%
Mais gente trabalhando
Estados da Amazônia marcam menor taxa de desocupação da história
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Seis dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal tiveram, em 2024, a menor taxa de desocupação da média histórica anual, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao quarto trimestre de 2024. Mato Grosso, Tocantins e Acre lideram a lista.
Conforme os dados da Pnad, a taxa média anual do País caiu de 7,8%, em 2023, para 6,6%, em 2024. Segundo o IBGE, essa é a menor média anual da série histórica desde 2012, quando foi iniciado o levantamento.
A pesquisa aponta que, em 14 unidades da Federação, a taxa de desocupação média anual de 2024 foi a menor da série histórica. Do total, seis são Estados localizados
Crédito: Composição de Paulo Dutra | Cenarium
na região da Amazônia Legal, sendo eles: Mato Grosso (2,6%), Tocantins (5,5%), Acre (6,4%), Maranhão (7,1%), Amapá (8,3%) e Amazonas (8,4%).
Ainda segundo a pesquisa, as menores taxas médias anuais de desocupação foram registradas nos Estados do Mato Grosso, com 2,6%, e Rondônia, com 3,3%. Em seguida, aparecem Tocantins, com 5,5%; Acre, com 6,4%; Maranhão, com 7,1%; Pará, com 7,2%; Roraima, com 7,5%; Amapá, com 8,3%; e o Amazonas, com 8,4%.
INFORMALIDADE
A taxa média anual de informalidade nacional foi de 39,0% da população ocupada. Ao todo, as maiores médias anuais registradas nos Estados da Amazônia Legal foram no Pará, que aparece com 58,1%, e
no Maranhão, com 55,3%. O Amazonas aparece em terceiro, com 53,8%, seguido do Amapá, com 47,9%; Roraima, com 47,8%; Alagoas, com 46,9%; Acre, com 46,1%; Rondônia, com 45,9%; Tocantins, com 44,1%; e o Mato Grosso, com 32,9%.
O nível de ocupação médio anual nacional chegou a 58,6%, em 2024. Os maiores percentuais para este indicador foram apresentados por Mato Grosso, com 68,4%; Tocantins, com 60,4%; e Roraima, com 58,7%. Abaixo da média nacional ficaram Rondônia, com 57,6%; Pará, com 56,5%; Amapá, com 56,1%; Amazonas, com 55,9%; Acre, com 48,7%; e Maranhão, com 47,3%. O nível de ocupação é a proporção de pessoas ocupadas dentro da população com 14 anos ou mais de idade.
A média anual do rendimento real habitual – que é o valor médio do rendimento
bruto real que as pessoas recebem de todos os trabalhos – chegou a R$ 3.255. O Maranhão foi o Estado que registrou o menor rendimento, com R$ 2.049. O Pará aparece logo em seguida, com R$ 2.268; o Amazonas, com R$ 2.293; Acre, com R$ 2.563; Tocantins, com R$ 2.786; Roraima, com R$ 2.823; Amapá, com R$ 2.851; Rondônia, com R$ 3.011; e Mato Grosso, com a maior média, com R$ 3.510.
A maior média anual de informalidade registrada entre os Estados da Amazônia Legal foi no Pará, que aparece com 58,1%.

Menor taxa de desocupação média anual de 2024 da série histórica
Estados da Amazônia Legal Mato Grosso 2,6%
Estados da Amazônia Legal que registraram menor taxa de desocupação da série histórica

Quando a mineração envenena
BELÉM (PA) – A contaminação da população indígena Xikrin do Cateté por metais pesados pode estar diretamente ligada às operações da mineradora Vale, apontam estudos técnicos da Universidade Federal do Pará (UFPA). Com base nessas evidências, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação na Justiça para exigir atendimento médico imediato aos afetados e responsabilizar a empresa, a União e o Estado do Pará pelos danos ambientais e à saúde dos indígenas.
A ação, protocolada na Justiça Federal no dia 21 de fevereiro deste ano, pede que a Vale arque integralmente com os custos de consultas, exames e medicamentos necessários para a descontaminação dos indígenas. Além disso, o MPF cobra a implementação de um programa de monitoramento contínuo da saúde da comunidade, com apresentação de relatórios semestrais sobre a situação.
O procurador da República Rafael Martins da Silva destacou a gravidade da situação e comparou o caso ao dos Yanomami, que levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a determinar medidas urgentes em 2023 para conter a contaminação por mercúrio em terras indígenas. Segundo ele, a Vale tem responsabilidade objetiva sobre os danos causados, conforme a legislação ambiental brasileira.
CONTAMINAÇÃO
A Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté, onde vivem cerca de 1,7 mil indígenas, está localizada no sudeste do Pará e é atravessada pelos rios Cateté e Itacaiúnas. A região é cercada por empreendimentos da Vale, sendo Onça-Puma um dos mais significativos.
elevados de substâncias tóxicas. Desses, 98,5% foram diagnosticados com contaminação por metais perigosos, como chumbo, mercúrio, bário, lítio e manganês.
O estudo, realizado em maio de 2024, apontou casos alarmantes, como o de uma jovem de 19 anos com níveis de níquel 2.326% acima do limite seguro, e o de uma criança de um ano com altas concentrações de alumínio, bário e chumbo no organismo.
“A contaminação humana por excesso de metais pesados é calamitosa e praticamente exibida em 99% dos indivíduos da reserva. É necessário atendimento médico especializado e imediato para desintoxicação”, alerta o professor Reginaldo Saboia.
A União e o Estado do Pará também são alvos do processo, sendo cobrados a oferecer suporte técnico e administrativo, e a fiscalizar as obrigações ambientais estabelecidas no licenciamento da mina de níquel Onça-Puma, operada pela Vale.
Segundo o MPF, a contaminação dos indígenas por metais pesados já foi amplamente comprovada por estudos técnicos. O “Relatório da campanha de averiguação de metais pesados em excesso nos organismos dos indígenas Xikrin do Cateté”, coordenado pelo professor Reginaldo Saboia de Paiva, da UFPA, revelou que 99,7% dos 720 indígenas analisados apresentavam níveis
Além dos impactos diretos na saúde, o procurador Rafael Martins da Silva destaca que a poluição compromete fontes tradicionais de subsistência dos Xikrin, como a pesca e o uso da água para consumo e atividades diárias, ampliando o ciclo de doenças e a degradação socioambiental.
POSICIONAMENTOS
Em resposta à reportagem, a Vale afirmou, por meio de nota, que “laudos judiMPF processa Vale, União e Pará por contaminação de indígenas Xikrin do Cateté Fabyo Cruz – Da Cenarium*
Território da população indígena Xikrin do Cateté, no Estado do Pará
Crédito: Reprodução | Redes Sociais
1,7 mil
A Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté, onde vivem cerca de 1,7 mil indígenas, está localizada no sudeste do Pará e é atravessada pelos rios Cateté e Itacaiúnas.
ciais elaborados por peritos nomeados pela Vara Federal de Redenção (PA) concluíram que as operações da companhia não são fonte de contaminação do Rio Cateté, não tendo relação com a situação alegada pelo MPF. A empresa segue realizando monitoramento da qualidade da água em torno dos seus empreendimentos e os reporta anualmente para os órgãos ambientais”.
A Vale informou ainda que, “em razão de acordo celebrado judicialmente com a Comunidade Indígena Xikrin, aprovado pelo MPF e homologado pelo Poder Judiciário, repassa recursos para aplicação em ações de saúde, bem como fornece à Comunidade Indígena Xikrin do Cateté serviços complementares de saúde ao que já é prestado pelo Poder Público”.
A empresa reforçou que “mantém diálogo constante com Povos Indígenas e que atua alinhada às principais referências internacionais relacionadas ao tema, como a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A Vale informa que não foi intimada oficialmente da referida ação e que analisará o processo assim que tiver acesso”.
A reportagem também solicitou posicionamentos do Governo do Pará e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), mas ainda não obteve resposta.
ACESSE
AQUI A PETIÇÃO DO MPF:

(*) Com informações do MPF.

Mineradora e indígenas chegam a acordo
Indígenas da etnia Gavião celebraram com cantos e danças tradicionais o acordo firmado com a mineradora Vale S.A., mediado pelo Ministério Público Federal (MPF), que resultou na liberação da Ferrovia Carajás, no sudeste do Pará. O acerto ocorreu no dia 14 de março.
O grupo havia bloqueado a via desde o dia 9 de março em protesto contra a ocupação irregular de parte da Terra Indígena (TI) Mãe Maria e conseguiu garantir a revisão do termo de compromisso já firmado com a empresa. Segundo a Vale, que opera a via, a circulação foi retomada no dia 17 de março.
Os indígenas alegam que a Vale ultrapassou os limites de atuação na região, ocupando aproximadamente 500 metros dentro da TI Mãe Maria, localizada entre os municípios de Bom Jesus do Tocantins (PA) e Marabá (PA). O território, homologado em 1986, abriga quatro povos indígenas e conta com 32 aldeias, que dependem da área afetada para sua subsistência.
As lideranças cobram há mais de um ano um posicionamento da mineradora sobre a ocupação da área. Entre as reivindicações, estão a alteração do trajeto da ferrovia ou a compensação territorial
com a aquisição de terras equivalentes nos arredores. “Eles cumpriram o acordo conosco, por isso a ferrovia foi liberada”, afirmou o cacique Zeca Gavião à CENARIUM.
POSICIONAMENTO DA VALE
Em comunicado à imprensa, a Vale declarou que “está aberta ao diálogo com a comunidade e o Poder Público” e que tem cumprido integralmente as obrigações previstas em acordo aprovado pelas associações indígenas e homologado pelo Poder Judiciário.
A mineradora também afirmou que “respeita o legítimo direito à manifestação”, mas que as interdições não devem impedir o direito de ir e vir da população, nem comprometer a segurança das pessoas e das operações ferroviárias.
IMPACTO DA PARALISAÇÃO
A Ferrovia Carajás, uma das principais rotas de escoamento de minério de ferro do País, tem 892 quilômetros de extensão e um fluxo intenso de trens. Além do trem de passageiros, que transporta cerca de 1.300 pessoas por dia entre 27 cidades, outros 60 trens circulam diariamente pela via, transportando minério e combustível.
Indígenas da etnia Gavião liberam Ferrovia Carajás, no Pará

Derrubada autorizada?
Quase 30% dos municípios autorizam corte de vegetação sem delegação de Estados
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – Dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicam que quase 30% de 20,7 mil municípios estão emitindo Autorizações de Supressão Vegetal (ASV) sem ter delegação formal concedida por seus respectivos Estados.
As informações compreendem o período de 2018 a 2023 e constam nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF 743), que tramita no
Supremo Tribunal Federal (STF), e está em fase de execução do acórdão.
A ADPF 743 foi proposta pela Rede Sustentabilidade contra a União e os Estados, que compõem a Amazônia e o Pantanal, em 2020, durante a gestão do governo de Jair Bolsonaro (PL), visando à adoção de medidas de combate a incêndios florestais e desmatamento. O relator da matéria foi o ministro André Mendonça, cuja decisão transitou em julgado, em junho do ano passado, e tem como ministro redator do acórdão, o ministro Flávio Dino.
Na última reunião convocada por Dino, no dia 3 de dezembro de 2024, na sede do STF em Brasília, os representantes dos órgãos federais, dos Estados e municípios da Amazônia Legal e Pantanal discutiram a situação das emissões indevidas de Auto-
rizações de Supressão Vegetal (ASV) pelos municípios.
A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou ao ministro as informações técnicas prestadas pelo Ibama sobre o tema. Os dados indicam que das 20,7 mil ASVs emitidas na esfera municipal, entre 2018 e 2023, 14,6 mil, que correspondem a 71% do total, foram realizadas por municípios com delegação formal do respectivo Estado. Por outro lado, pouco mais de 6 mil (29%) ou não tinham essa prerrogativa ou foram emitidas por municípios de Estados nos quais o órgão ambiental local não informou a relação daqueles habilitados.
“Conforme exposto em audiência, o irregular uso do Sinaflor (Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais) pelos entes municipais, sem
Representação de área degradada na floresta amazônica
Crédito: Ibama | Ministério do Meio Ambiente
delegação expressa, fragiliza a proteção ambiental, ao permitir a emissão de ASV inadequadamente”, afirma a AGU em documento anexado ao STF.
Outro dado levado pelo Ibama mostra que o ápice de emissões de ASVs no Sinaflor pelos municípios ocorreu em 2023, com 5.729 autorizações (média de 15,6 emitidas por dia). Em 2022, foram 5.347, ante 66 em 2018.
Ainda segundo as informações do órgão ambiental federal, o Rio Grande do Sul lidera o número de autorizações, com 59%, seguido de Santa Catarina (24%), São Paulo (5,8%), Goiás (4,3%) e Minas Gerais (2,9%). Os cinco Estados respondem por 96% do total de autorizações municipais emitidas.
O maior volume de autorizações foi para Corte de Árvore Isolada (46,6%), depois para o Uso Alternativo do Solo (29,45%), Autorização de Supressão de Vegetação (15,14%), Exploração de Floresta Plantada (5%) e Autorização de Uso de Matéria-Prima Florestal (3,3%).
METADE DOS MUNICÍPIOS SEM DELEGAÇÃO
O Ibama também informou ao STF que, considerando a quantidade de autorizações, área e volume realizados pelos municípios, havia 539 deles com emissões pelo Sinaflor,
As propostas levadas ao STF
O STF publicou as decisões da ADPF 743, movida pela Rede Sustentabilidade, no dia 20 de março de 2024. A ação transitou em julgado em junho. Responsável pela redação e consequente cumprimento das decisões, o ministro Flávio Dino já emitiu várias determinações no âmbito do processo.
Com o aumento das queimadas nos biomas Pantanal e Amazônia, além de ordenar aos governos para que tomassem providências urgentes para conter os incêndios, Dino também chamou todos os entes federados ao STF para apresentarem um plano detalhado para cumprir
6 mil
Aproximadamente 6 mil
Autorizações de Supressão Vegetal (ASV) - 29% - foram emitidas sem possuírem delegação formal concedida por seus respectivos Estados, segundo informações do Ibama prestadas à Advocacia-Geral da União (AGU).

Autorizações no período de 2018 a 2023
as determinações do Supremo, para prevenir o problema do desmatamento e queimadas.
A AGU apresentou o Plano de Integração e Aprimoramento dos Sistemas de Gestão Territorial, que deverá ser desenvolvido “em esforço conjunto do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) mediante ações de curto, médio e longo prazos, estipulando-se de 3 a 36 meses para sua implementação gradual”.

Crédito: Reprodução
Crédito: Pexels

até 18 de novembro de 2024. Destes, 271 possuíam delegação estadual e 268 não possuíam essa permissão formal, o que corresponde a quase 50% do total.
Das 268 autorizações sem delegação formal, 151 foram emitidas por municípios do Rio Grande do Sul, 32 por prefeituras de Minas Gerais e 28 do Ceará. Dos Estados que formam a Amazônia Legal, apenas Amazonas (1), Amapá (1) e Pará (2) tiveram municípios emitindo autorizações sem delegação do Estado. O documento do Ibama não informa os nomes das cidades.
Segundo informações da Advocacia-Geral da União, com base em dados do Ibama, há “mais de 50 mil hectares desmatados com autorização municipal sem a delegação formal do Estado, ou sem a informação se houve esta delegação”.
“Importante destacar que, ainda que alarmantes, estes números se relacionam apenas aos municípios que utilizam o Sinaflor em seus processos autorizativos. Não é possível relacionar os municípios que emitem autorizações apartadas de sistemas de controle, que garantam publicidade das informações de desmatamento, denotando
a necessidade de avanço do poder público no controle destas áreas”, sugere o Ibama.
A AGU reforçou a necessidade dos municípios com a gestão ambiental brasileira. “Embora seja a União que forneça a plataforma para emissão das ASV, é necessário que os demais entes federativos exerçam, concomitantemente e de modo efetivo, o dever constitucional de proteção ao meio ambiente. Isso inclui, com efeito, impedir a irregular emissão de autorizações de supressão de vegetação”, ressaltou.
O QUE É SUPRESSÃO VEGETAL
A supressão vegetal é o ato de retirar uma porção de vegetação de um determinado espaço urbano ou rural, com o intuito de usar a área anteriormente ocupada pela vegetação para a implantação de atividades como plantio, construção de empreendimento, pecuária e outros usos alternativos do solo.
É um instrumento legal, que disciplina os procedimentos de supressão de vegetação nativa em empreendimentos de interesse público ou social submetidos ao licenciamento ambiental pela Diretoria de Licenciamento Ambiental Federal (Dilic) do Ibama.
Ibama aprimora ferramenta de controle
O Ibama também apresentou uma proposta de reformulação da API (Interface de Programação de Aplicações), que será uma ferramenta que vai reunir todas as melhorias no controle dos produtos da floresta, desde a criação do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), implantado em maio de 2018.
Segundo o órgão ambiental, a nova API “deixará de conectar os Estados integrados ao antigo sistema Sinaflor 1, em funcionamento desde 2018, e passará a conectar as ferramentas estaduais ao novo sistema Sinaflor+, com os evidentes ganhos de transparência, gestão e controle da cadeia produtiva florestal em nível nacional e internacional”.
O cronograma prevê a conclusão da implantação até julho de 2025, período em que o Ibama irá integrar os Estados que possuem sistemas próprios de registros ao Sinaflor. Mato Grosso, Pará, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo deverão se integrar.
Gráfico mostra Estados que mais emitiram autorizações
Crédito: Reprodução
O recado de ‘Ainda estou aqui’

Oscar para filme brasileiro é ‘tapa na cara’ da extrema-direita, dizem críticos
Letícia Misna – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A noite do dia 2 de março de 2025 marcou um momento histórico para o Brasil: o País conquistou a primeira estatueta no Oscar, a maior premiação de cinema do mundo, com o filme “Ainda Estou Aqui”. Para críticos de cinema e profissionais do audiovisual consultados pela CENARIUM, a conquista de “Melhor Filme Internacional” é avaliada como uma resposta à extrema-direita e sua tentativa de minimizar ou negar os abusos cometidos na Ditadura Militar do Brasil.
O longa, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, conta a história da família Paiva, afetada diretamente pela Ditadura Militar que comandou o Brasil por 21 anos.
A vitória no Oscar chega em um momento em que o País debate sobre a necessidade de defender a democracia e os direitos humanos, especialmente em tempos de ascensão de ideologias extremistas.
A amazonense Camila Henriques é afiliada à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), além de votante do Globo de Ouro, e, para ela, a resposta é clara. “Se é um ‘tapa na cara’ da extrema-direita? Com certeza. Eles não devem ter gostado nada. Principalmente por ser um filme sobre Eunice Paiva, Rubens Paiva, todo esse histórico que a gente conhece. Nos Estados Unidos ele teve essa recepção tão positiva porque ele conversa. Apesar de ser uma história sobre o Brasil, ele tem uma narrativa muito universal, é algo que é muito identificável em outros países”, disse.
Alberto Silva Neto é ator, diretor e professor de Teatro e Cinema na Universidade Federal do Pará (UFPA). Para ele, “Ainda Estou Aqui” se destaca por ser um “filme político sem ser panfletário”.
“O filme mostra a Ditadura por um aspecto que eu acho indestrutível: o modo como um sistema opressor, um regime totalitário, destrói vidas, famílias, humanidades. Sob esse aspecto, ‘Ainda Estou Aqui’ se coloca fora da curva, ainda que absolutamente integrado ao momento político do País onde ele foi produzido”, explicou Alberto Silva, acrescentando que é preciso lembrar para não se repetir.
“Acho que nós precisamos falar cada vez mais sobre os horrores da Ditadura, que provocaram consequências não só políticas, mas econômicas. Nós não podemos esquecer as violências, a devastação da dignidade humana. Direitos humanos jogados no chão e pisados por patas de cavalos das polícias militares. Isso não pode ser esquecido”, pontuou.
PENSAMENTO CRÍTICO
A amazonense Rebeca Almeida é jornalista e crítica de cinema. Para ela, a vitória do filme é “extraordinária porque é a razão
Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium
Fernanda Torres e Walter Salles

da arte em sua essência: refletir a realidade e gerar pensamento crítico”.

“O filme mostra a Ditadura por um aspecto que eu acho indestrutível: o modo como um sistema opressor, um regime totalitário, destrói vidas, famílias, humanidades. Sob esse aspecto, ‘Ainda Estou Aqui’ se coloca fora da curva”
Alberto Silva Neto, ator, diretor e professor de Teatro e Cinema.
“Politicamente, o filme tem três razões para existir: sendo a primeira contar a vida de Eunice e Rubens Paiva, retratando como eles sofreram com a Ditadura Militar mesmo após o período ter passado, representando tantas pessoas mortas, torturadas e, até hoje, desaparecidas. O segundo ponto é que apenas em 2011, com a Comissão da Verdade, criada pela presidente na época, Dilma Rousseff, foram acessados documentos mais detalhados sobre a Ditadura, que motivaram a escrita do livro que hoje temos adaptado”, explicou Rebeca, referindo-se à obra literária “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, publicada em 2015, na qual o longa-metragem foi baseado.
BRASIL SE AUTORREFERENCIANDO
Rebeca lembrou, ainda, que o próprio diretor do filme, Walter Salles, chegou a
Cena do filme ‘Ainda Estou Aqui’
Crédito: Composição Lucas Oliveira | Cenarium
Crédito: Acervo Pessoal

“Se é um ‘tapa
na cara’ da extrema-direita? Com certeza. Eles não devem ter gostado nada. Principalmente por ser um filme sobre Eunice Paiva, Rubens Paiva, todo esse histórico que a gente conhece.
Camila Henriques, afiliada à Abraccine e votante do Globo de Ouro.

Bolsonaro, enquanto deputado, posa para foto com faixa em defesa do golpe militar de 1964
Na 97ª edição do Oscar, realizada no dia 2 de março, em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos, o filme brasileiro “Ainda Estou Aqui” venceu o prêmio de “Melhor Filme Internacional”, sendo a primeira estatueta da premiação concedida ao País.
Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, o longa também foi indicado nas categorias de “Melhor Atriz” e “Melhor Filme”. Baseado em uma obra homônima de Marcelo Rubens Paiva, o filme acompanha Eunice Paiva (Fernanda Torres), que enfrenta a incerteza e a dor de não saber o paradeiro de seu marido, Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado cassado após o
comentar que a obra não poderia ter sido produzida no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), devido ao posicionamento do ex-mandatário. Para ela, a obra ganhou mais visibilidade por ter sido lançada em um contexto em que o Brasil acaba de passar por uma tentativa de golpe de Estado.
“E o filme que fala sobre um golpe de Estado ganhou visibilidade nesse início de ano justamente quando foram revelados planos de golpe estatal após as eleições pre-
A arte existe e resiste
golpe de 1964 e sequestrado pelo governo durante o regime militar.
Walter Salles dedicou o prêmio à advogada Eunice Paiva, interpretada pela atriz Fernanda Torres. Salles ressaltou a importância de Eunice Paiva na luta contra a Ditadura Militar e pela preservação da memória. “Dedico este prêmio a Eunice Paiva, cujos anos de luta pela justiça e pela memória nos ensinaram o verdadeiro significado de resistência”, disse.
Para a atriz paraense Giscele Damasceno, o filme conta uma história de força, de resistência, e nada está ali em vão. “O que é mais bonito de tudo isso é que ninguém da equipe tem uma postura rea-
sidenciais de 2022, então temos a história do Brasil se autorreferenciando”, lembrou. Segundo Rebeca, esse acumulado de fatos políticos levou o eixo de direita a pensar essa vitória como um ultraje. “Mas a realidade é que ‘Ainda Estou Aqui’ ganhar o Oscar falando sobre a Ditadura significa que essa é uma história que deve ser contada, e enfatiza a necessidade de o povo brasileiro pensar criticamente, reconhecer seu passado para que nunca se repita no futuro”, concluiu.
cionária. Eles focam exatamente no que precisa de foco, que é a história daquela família, do horror que eles passaram. De uma forma muito poética isso é passado pra gente, de uma forma que a gente consegue sentir a angústia junto com a família, dessa perda tão dolorosa, mas que a mãe, ali pelos filhos, resistiu”, acrescentou.
Ela destaca, ainda, que a força do longa reverbera dentro e fora da tela. “É historicamente comprovado o horror que muitas pessoas viveram [durante a Ditadura Militar], não existe apelação nenhuma, as coisas são como são, e isto é contado por um caminho riquíssimo. A arte existe e resiste e continuará seguindo seu fluxo”, concluiu.
Crédito: Acervo Pessoal
Crédito: Reprodução
Artivismo
Indígena do Pará é destaque em mural de São Paulo
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – Um mural com 1.581,60 m² em São Paulo (SP) denuncia a destruição ambiental e cobrando ações concretas contra o desmatamento. A obra retrata Alessandra Korap, uma das principais lideranças do povo Munduruku do Médio Tapajós, no Pará. Alessandra é conhecida pela atuação na defesa do meio ambiente e na luta pelos direitos indígenas, destacando-se pelas denúncias contra grandes corporações que contribuem para a destruição da Amazônia.
Localizado em um prédio com vista para a Avenida Brigadeiro Luís Antônio, a duas quadras da Avenida Paulista, o mural chama atenção. A imagem foi pintada utilizando cinzas de biomas brasileiros em perigo, como a Floresta Amazônica, o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal,
“Essa pintura é um pedido de basta à destruição ambiental que está ameaçando não apenas nossas florestas, mas também as futuras gerações”
Alessandra Korap, ativista indígena.
que estão sendo devastados para expansão agrícola. Além das cinzas, foram utilizados outros materiais orgânicos, como lama da enchente do Rio Grande do Sul e outros, simbolizando os impactos das mudanças climáticas e da destruição ambiental.
A obra é um símbolo do artivismo, unindo arte e ativismo para alertar sobre a emergência climática global. “O artivismo é uma maneira de alertar sobre a emergência climática, o maior desafio da humanidade”, afirmou Mundano, um dos artistas envolvidos na criação do mural. Ele destacou que o desequilíbrio ambiental causado pela expansão do agronegócio tem levado a ondas de calor, secas severas e enchentes em várias partes do mundo.
Alessandra Korap, retratada na obra, vê o mural como um clamor pela preservação do meio ambiente. “Essa pintura é um pedido de basta à destruição ambiental que está ameaçando não apenas nossas florestas, mas também as futuras gerações”, declarou a líder indígena. Ela espera que a imagem desperte nas pessoas a consciência de que são parte da natureza e que devem lutar contra a destruição.
O mural foi realizado em parceria com a Campanha Burning Legacy da Stand. earth, e a inauguração coincidiu com o início da desaceleração da pior temporada de queimadas no Brasil em 14 anos. A obra busca não só chamar a atenção para a crise ambiental no País, mas também enviar uma mensagem internacional de responsabilidade e ação climática.
“O artivismo é uma maneira de alertar sobre a emergência climática, o maior desafio da humanidade”
Mundano, um dos artistas envolvidos na criação do mural.
Com mais de 30 metros de altura e 48 metros de largura, a pintura é uma das maiores da cidade de São Paulo e de toda a América do Sul. A criação envolveu seis artistas que, utilizando balanços elétricos, trabalharam na lateral de um dos prédios mais largos da capital paulista. As tintas foram feitas com materiais recolhidos de regiões afetadas por desastres ambientais, refletindo a conexão direta entre arte e a realidade destrutiva que o mural denuncia.
Mundano se inspirou em suas experiências em áreas afetadas pela seca e pelas queimadas, além de sua convivência com líderes indígenas em regiões de conflito ambiental. Ele relembra sua participação em uma expedição com Alessandra Korap e outros 50 indígenas na autodemarcação da terra indígena Sawré Muybu, no Tapajós. Foi nesse contexto que ele decidiu retratar Alessandra como uma gigante no mural, simbolizando sua luta e resistência pela preservação da Amazônia.

Artistas retratam Alessandra Korap em mural de São Paulo
Resistência antirracista

No Pará, Mãe Ju transforma fé em força contra o racismo
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – À frente do Terreiro de Umbanda Casa Mãe Mariana, no bairro Canudos, em Belém, Jussilene Natividade Maia, a Mãe Ju, tornou-se símbolo da luta antirracista no Pará, transformando sua história de resistência em inspiração para outras pessoas que enfrentam o racismo e a intolerância religiosa. No final de novembro de 2024, ela foi homenageada com o Troféu Itã – De Acotirene a Zumbi, que reconhece personalidades que se destacam na defesa da igualdade racial e da justiça social.
O Troféu Itã foi o ponto alto de um mês de atividades promovidas pela Associação dos Filhos e Amigos do Ilê Iyá Omi Asé Ofá
Kare (Afaia) em celebração ao Novembro Negro Jacó Tirene Azumbi. Ao longo do mês, rodas de conversa, shows e debates destacaram a resistência negra e estratégias para combater o racismo religioso.
O presidente da Afaia e babalorixá das Águas do Ketu, Edson Catendê, enfatizou a importância do momento: “Nesse troféu, homenageamos o terreiro Dois Irmãos e, claro, a Mãe Ju. Ela é uma mulher preta, quilombola, que vem enfrentando múltiplas violações de direitos enquanto zela por mais de 40 filhos espirituais. A luta dela simboliza a luta coletiva dos povos de terreiro contra o racismo religioso”, declarou Catendê à CENARIUM
Mãe Ju é símbolo da luta antirracista no Pará
Crédito: Reprodução | Arquivo pessoal

“Faço
um apelo à sociedade que perpetua o racismo para que encontre amor em seus corações e paz de espírito. Todos somos iguais. [...] Espero que essas pessoas entendam que o preconceito é, na verdade, uma fonte de sofrimento para elas mesmas”.
Jussilene Natividade Maia, a Mãe Ju, líder do Terreiro de Umbanda Casa Mãe Mariana, no bairro Canudos, em Belém.
HISTÓRIA DE LUTA
Natural de Castanhal, cidade localizada a 65 quilômetros de Belém, Mãe Ju carrega em sua ancestralidade a força de seus antepassados quilombolas. Apesar de inicialmente relutar em abraçar a missão espiritual, ela foi chamada pelos ancestrais para zelar pela espiritualidade das pessoas. “Tudo começou com um copo d’água e um maracá. Aos poucos, Mariana, minha entidade, trouxe para minha vida uma força que mudou tudo. O terreiro cresceu, mas também trouxe desafios”, comentou.
“Passei por muita coisa sendo quilombola e exercendo minha religião”, disse Mãe Ju, ao relembrar os desafios enfrentados. Ela compartilhou episódios marcantes da trajetória, como as restrições impostas para praticar sua fé e um processo judicial que a impediu de realizar rituais por meses. Dentre os desafios, Mãe Ju também lidou com situações de intolerância religiosa que ameaçaram tanto seu espaço quanto suas crenças. “Fui acusada injustamente, impedida de bater tambor. Por um tempo, acreditei que eu estava errada, mas amigos e advogados me ajudaram a entender que eu era a vítima. Essa luta uniu muita gente, e percebi que a união é a nossa maior força”, afirmou.
RECONHECIMENTO
A homenagem na cerimônia do Troféu Itã foi um marco na trajetória de Mãe Ju. Ao ser a primeira premiada da noite, ela sentiu a força do reconhecimento. “Estava muito nervosa, mas me senti acolhida, como se estivesse em casa. Ver minha família e minha comunidade espiritual ali foi emocionante. Essa premiação é importante não só para mim, mas para todos que lutam ao meu lado”, disse.
Após ter a trajetória amplamente reconhecida, Mãe Ju deseja que sua história atue como um lembrete de que a luta contra o racismo é coletiva e incessante. Ela almeja que o relato ressoe como um chamado à justiça e à igualdade, motivando outras pessoas a continuarem resistindo.
Com 43 anos, Mãe Ju acredita que o combate ao racismo e à intolerância deve se basear no amor e na paz. “Faço um apelo à sociedade que perpetua o racismo para que encontre amor em seus corações e paz de espírito. Todos somos iguais. Não estamos aqui para causar mal a ninguém, mas sim para ajudar. Espero que essas pessoas entendam que o preconceito é, na verdade, uma fonte de sofrimento para elas mesmas”, afirmou.

Mãe Ju foi homenageada com o Troféu Itã
– De Acotirene a Zumbi
Família e comunidade espiritual de Mãe Ju durante a premiação

Vulnerabilidade
Crise climática aumenta os desafios da população
LGBTQIAPN+ em Belém
Raisa de Araújo – Da Cenarium
BELÉM (PA) – A crise climática e as catástrofes recentes no Sul do Brasil revelam um cenário caótico para muitas comunidades, que estão sendo forçadas ao deslocamento, especialmente mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, que ficam ainda mais vulneráveis à violência de gênero ou sexual. Para entender esse novo
cenário, que é influenciado pelas mudanças climáticas, a Red Dot Foundation – Safecity, em parceria com a Fábrica dos Sonhos e a Organização Não Governamental (ONG) Olivia lançaram, em 2024, uma pesquisa para entender o impacto dessas mudanças e a insegurança em áreas urbanas, incluindo a perspectiva LGBTQIAPN+.
A gestora da Red Dot Foundation, Camila Gomide, explica que a violência facilitada pelo clima é um tipo ou uma nova categoria de violência de gênero que está relacionada em como o clima afeta pessoas de maneiras diferentes. “Então, quando a gente fala sobre minorias de gênero, como
mulheres, pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, com relação ao clima, a gente quer dizer que as pessoas são afetadas por mudanças climáticas, por crises climáticas de uma maneira mais específica. A maioria dessas vítimas acaba sendo de meninas, mulheres e, como eu disse, pessoas da comunidade LGBT”, afirmou.
Se reerguer depois de uma enchente, por exemplo, não é tarefa fácil para ninguém, mas para pessoas LGBTQIAPN+ esse pode ser um problema ainda pior. Marcos Melo, integrante da ONG Olivia, ressalta que, numa situação como essa, fica mais evidente como as políticas públicas
Pessoas em ação social em Belém, no Pará
Crédito: Edielson Shinohera | Agência Belém

“Sabemos que numa catástrofe todo mundo sofre as consequências, mas é claro que será muito mais difícil para quem já está numa situação de vulnerabilidade em vários aspectos”
Marcos Melo, integrante da ONG Olivia.
Nnão chegam da mesma forma para todo mundo. “Sabemos que numa catástrofe todo mundo sofre as consequências, mas é claro que será muito mais difícil para quem já está numa situação de vulnerabilidade em vários aspectos. Se você já vive sempre no limite de tudo, de dinheiro, de alimentação, de saúde mental, como você conseguirá ter forças para se reconstruir?”, questiona.
A complexidade desse tema envolve muitos fatores, que vão desde a falta de saneamento básico até o desemprego e, para Marcos, essa pesquisa é importante para que a atenção não só da sociedade, mas principalmente das autoridades, se volte para uma problemática que não é do futuro, é do agora.
“Então, se você não consegue concluir o ensino médio para ter um bom emprego e ter uma moradia digna, você vai parar numa invasão, sem a mínima condição de ser habitada, com inúmeros riscos para a sua saúde. São questões que se ligam uma à outra, tornando o problema muito maior. E essa é uma realidade presente na vida de muitas pessoas LGBTQIAPN+”, destaca Marcos.
Pesquisa de segurança pública para o G20
o formulário, são feitos questionamentos relacionados ao cotidiano dos participantes, como idade, gênero, local de residência, tipos de transporte e modo de deslocamento, motivos de insegurança em cenários normais ou em temporadas de climas extremos, além de outras perguntas. A expectativa é recolher em torno de 1.500 a 2.000 respostas de participantes de Belém, Belo Horizonte, Manaus, Recife e sul de Minas.
Após todo o processo de apuração, os coletivos pretendem debater o tema em um fórum, com a participação dos personagens que participaram do questionário, para que juntos eles possam propor intervenções e alternativas sociopolíticas, visando apresentar essas propostas em eventos globais, como o G20 e a COP30.
A gestora da Red Dot Foundation, Camila Gomide, revelou que os dados coletados, até o momento, já comprovam que o clima afeta pessoas e gru-
pos da sociedade de maneira diferentes, influenciando a locomoção e o senso de segurança. Um dado importante é que o nível de insegurança não aumenta em condições climáticas extremas, pois mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ já se sentem inseguras diariamente, o que não significa que a vulnerabilidade aumentará em caso de evento climático extremo.
“Descobrimos que as regiões mais afetadas pelo clima, como áreas propensas a deslizamentos e alagamentos, são onde há o maior fluxo de pessoas, que se deslocam para trabalho ou estudo. Essas regiões têm fluxo alto de pessoas vulneráveis. Notamos também que o senso de segurança na cidade é baixo, com muitas pessoas sentindo-se inseguras no transporte público lotado, temendo toques indesejados, perseguições ou assaltos”, explica a gestora.
Para entender esses dados e a relação deles com as mudanças climáticas, é preciso compreender que as pessoas LGBT-
QIAPN+ são uma população muito diversa, com diferentes orientações sexuais. Para Marcos Melo, essa diversidade faz com que diferentes preconceitos os atravessem, indo muito além da LGBTfobia, incluindo também o machismo e o racismo. Ele explica, ainda, que por diversos fatores, dentro do contexto do grupo, a população de pessoas trans e travestis tende a ser a mais vulnerável à violência, principalmente mulheres trans e travestis.
“Essas pessoas são expulsas de casa desde os 15 anos, têm uma expectativa de vida de cerca de 35 anos, não conseguem estudar, pois sofrem preconceito nos espaços de educação, não são aceitas no mercado de trabalho e boa parte acaba trabalhando como profissional do sexo. Essa ausência de oportunidades leva qualquer pessoa à exaustão. E daí você imagina de que forma essa pessoa vai ter uma vida de qualidade sem um lar, sem a certeza de que vai ter um prato de comida, sem beber água”, conclui o ativista.
Um casal homoafetivo dá as mãos com a bandeira LGBTQIAPN+ ao fundo
Crédito: Reprodução | Getty Images


