Revista Cenarium – Ed. 54 - Dezembro/2024

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2024 – ANO DA ECOANSIEDADE

Crise climática impacta população na Amazônia e no restante do Brasil com a ansiedade ambiental. No país de ansiosos, ‘ansiedade’ foi eleita a palavra do ano

www.revistacenarium.com.br | Dezembro de 2024

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Editorial

O futuro antecipado

“Cuidar da natureza é para hoje. Não é para o futuro. A cultura nos lembra que somos mais frágeis do que o restante da natureza. Não perguntamos a uma onça o que ela vai ser quando crescer. A natureza já está pronta e precisa ser respeitada. Nós humanos sempre achamos que as respostas estão no futuro. A questão é o hoje, o que estamos fazendo agora?”.

A reflexão do escritor indígena e doutor Daniel Munduruku, em reunião do G20-2024, no Rio de Janeiro (RJ), aponta para um dos vieses da ecoansiedade, sensação que tomou o mundo em meio aos efeitos da crise climática global e juntou-se à ansiedade do cotidiano, comprometendo ainda mais a saúde mental da sociedade, principalmente daqueles que estão na linha de frente da defesa dos biomas, como mostra o especial desta edição da REVISTA CENARIUM

Autor de “Vozes Ancestrais” (2016), Daniel Munduruku palestrou no G20, no painel “Cultura, cosmologias e clima: construindo pontes entre cosmovisões para um futuro sustentável”, quando provocou a sociedade sobre a importância de buscarmos nos ancestrais a forma e o respeito ao planeta para que possamos estar menos angustiados com o futuro da vida na Terra. “Chegamos a uma situação limite, enquanto planeta. Chama-nos a urgência de pensar e repensar as raízes dessa crise e caminhos que podem nos conduzir a caminhos melhores”, observa.

A American Psychological Association (APA) descreve a ecoansiedade como “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”. Uma pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) com a Universidade de Oxford e o instituto GeoPoll apontou que 56% das pessoas pensam nos problemas relacionados ao clima pelo menos uma vez por semana. O número aumenta quando nos referimos aos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde a porcentagem sobe para 63%.

Embora seja um neologismo, a ecoansiedade é apontada como agravante para doenças como depressão e síndrome do pânico, enfermidades que demonstram o que o pensador Daniel Munduruku constatava há mais de uma década, quando ponderou que “ao dominar a natureza, o homem ocidental pensa que pode chegar à felicidade”, mas chegou-se à conclusão de que o efeito foi inverso.

Tempos de ecoansiedade

Era da ebulição global, calor extremo, frio congelante, furacões avassaladores, seca histórica na Amazônia, enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul, ar seco espalhando queimadas fora de controle, nuvens de fumaça encobrindo países inteiros. É difícil escapar mental e emocionalmente ileso sob a enxurrada de desastres provocados pelo desequilíbrio climático. Estamos em crise ambiental e em tempos de ecoansiedade.

Descrita como um sentimento de angústia e medo crônico de um cataclismo ambiental, a ecoansiedade – também chamada de ansiedade climática ou ansiedade ambiental – se manifesta com sintomas semelhantes aos da ansiedade generalizada. Esse transtorno está se tornando cada vez mais comum em todo o mundo e, no Brasil, principalmente entre as populações mais vulneráveis, como aquelas que moram em locais de infraestrutura precária e os povos tradicionais, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, que dependem do meio ambiente para sua sobrevivência.

Diante das catástrofes ambientais, muitos de nós sentimos aquele aperto no peito ou uma certa falta de ar. A descrença no futuro das próximas gerações sufoca os pensamentos. É quase impossível não sentir desconforto emocional ao se deparar com notícias sobre desastres, a destruição da natureza e as vidas humanas e animais que se perdem. Mas, se assistir ao noticiário já nos impacta, imagine viver à beira de um rio que seca, vendo os peixes que são seu alimento morrerem sem oxigênio, e a floresta que o abriga ser devorada pelo fogo. Desesperador. É o que trazemos nos relatos e análises da reportagem de capa desta edição.

Na Amazônia, uma das regiões do planeta mais sensíveis aos efeitos da crise climática, as populações que vivem em meio à floresta estão sentindo, à flor da pele, os impactos ambientais, o que tem feito aumentar os atendimentos psicológicos. Nas grandes cidades, o cenário não é muito diferente. Mesmo nas capitais, onde há mais estrutura de suporte, muitas pessoas relatam sintomas de ecoansiedade.

A palavra, que é relativamente nova – mencionada pela primeira vez há cerca de 20 anos –, vem ganhando espaço nos consultórios e já se tornou verbete de dicionário. No Brasil, um país de ansiosos, “ansiedade” foi eleita a palavra do ano, certamente influenciada também pelas preocupações ambientais. 2024, ano de emergência climática e de crise de saúde mental.

�� Relevância editorial

A REVISTA CENARIUM tem grande relevância, com um editorial de alta qualidade, belas fotografias e matérias que dão visibilidade a temáticas e grupos sociais marginalizados. Além disso, oferece diferentes perspectivas e um olhar crítico sobre diversos assuntos.

José Augusto de Sousa

São Francisco do Conde-BA

�� Amazônia completa

A REVISTA CENARIUM é a única fonte que realmente traz a Amazônia de maneira completa e verdadeira. Com reportagens sobre cultura, meio ambiente e os desafios sociais da região, ela se destaca por dar voz às pessoas que vivem e lutam pela Amazônia.

Erasmo Corneles

Manaus – AM

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Parabenizo o belíssimo trabalho desenvolvido pela equipe da REVISTA CENARIUM, que desempenha um papel crucial na conscientização e no incentivo a ações que visam proteger a Amazônia. A revista dá voz às comunidades locais, denuncia problemas estruturais. É uma ponte que conecta a Amazônia ao mundo.

Racing Brito Manaus – AM

Crédito: Acervo Pessoal
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Sumário

Dezembro de 2024 • Ano 05 • N.º 54

Crédito: Divulgação | Fas
Crédito: Bruno Spada | Câmara dos Deputados
Crédito: Ricardo Oliveira Arquivo Cenarium

Nós e o medo do caos ambiental

Crise do meio ambiente afeta a saúde mental das populações, na Amazônia e no Brasil, que sofrem com a ecoansiedade

Valdeniza Vasques e Vinícius Teixeira - Especial para a Cenarium Fabyo Cruz e Ian Vitor Freitas - Da Cenarium

MANAUS (AM) – “Alimentação, transporte, água potável, caça, pesca. Tudo ficou mais difícil na estiagem. O que me deixava mais aflita era ter uma emergência médica. Quando a gente não tem o rio para se locomover, a preocupação é muito grande. Isso deixa a cabeça muito preocupada, mexe muito com a saúde mental”. A fala de Neurilene Cruz, 40 anos, indígena amazonense do povo Kambeba, descreve a realidade de muitos moradores da Amazônia que sentem diretamente os impactos da crise climática e sofrem com a ecoansiedade – o “medo crônico da catástrofe ambiental”. Em um cenário de eventos climáticos extremos, a população lida com sentimentos de angústia diante de um presente difícil e um futuro incerto. No Brasil, que tem a população mais ansiosa do mundo, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), não à toa, “ansiedade” foi escolhida como a palavra do ano em uma pesquisa do

Instituto de Pesquisa Ideia, realizada em parceria com a Cause e a PiniOn.

A definição de ecoansiedade, também chamada de “ansiedade climática” ou “ansiedade ambiental”, como o “medo crônico da catástrofe ambiental”, foi cunhada pela American Psychology Association (APA). Essa condição descreve a sensação de impotência e desesperança frente às mudanças climáticas e pode se manifestar com sintomas de ansiedade generalizada, como irritabilidade, insônia e incapacidade de relaxar. No Brasil de 2024, essa angústia tem razões concretas: seca histórica nos rios amazônicos, enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul, calor extremo e incêndios florestais recordes. Segundo o MapBiomas, entre janeiro e novembro de 2024, os incêndios já haviam consumido 29,7 milhões de hectares da Amazônia, Cerrado e Pantanal, um aumento de 90% em relação ao mesmo período de 2023 e a maior extensão dos últimos seis anos. A

MEIO

O desequilíbrio ambiental tem deixado as pessoas amedrontadas e impactado sua saúde mental. Nas imagens: sol intenso, seca severa, queimadas e fumaça

“Está havendo muitos casos de ansiedade e até mesmo depressão devido a uma série de fatores que estão ocorrendo no mundo. A estiagem é um dos gatilhos. Desde a pandemia, observamos esses casos de ansiedade em crianças, adolescentes e adultos”

Neurilene Cruz, empreendedora de turismo e Agente Indígena de Saúde (AIS), moradora da comunidade Três Unidos, a 62 quilômetros de Manaus (AM).

229 teleatendimentos

Entre agosto e outubro de 2024, o programa Saúde na Floresta, da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), contabilizou 229 teleatendimentos psicológicos a moradores de comunidades em Unidades de Conservação (UCs) do Amazonas. Esse número representa um aumento de 18% em comparação com o ano de 2023.

Neurilene Cruz sente os efeitos da ecoansiedade tanto como agente de saúde indígena quanto como moradora de uma comunidade ribeirinha e empreendedora de turismo

Crédito: Divulgação | Fas

diferença em relação ao ano passado é de 14 milhões de hectares a mais. As queimadas encobriram o céu com nuvens de fumaça tóxica.

A crise ambiental potencializa a ansiedade em um país já muito ansioso, onde 18 milhões de pessoas sofrem com o transtorno, segundo a OMS, em seu último grande mapeamento global sobre saúde mental. Assim, para 22% dos entrevistados pelo Instituto de Pesquisa Ideia, “ansiedade” foi a palavra escolhida para definir o ano de 2024.

Na região amazônica, o aumento dos teleatendimentos psicológicos do programa Saúde na Floresta, da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), é um termômetro de como a crise ambiental tem afetado a saúde mental da população. Entre agosto e outubro de 2024, foram contabilizados 229 teleatendimentos em psicologia para moradores de comunidades em Unidades de Conservação (UCs) do Amazonas, um aumento de 18% em comparação com 2023. De agosto a setembro, 23% dos pacientes relataram os impactos da estiagem severa como queixa principal. De setembro a outubro, esse número subiu para 33%. Os relatos incluem sintomas de ansiedade, depressão, fobia social, conflitos familiares e conjugais, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Tept) e luto.

Neurilene, que mora na comunidade Três Unidos, a 62 quilômetros de Manaus (AM), testemunha os efeitos das alterações climáticas na saúde de sua comunidade. Além de ser empreendedora de turismo, ela atua como Agente Indígena de Saúde (AIS) e observou um aumento no adoecimento mental relacionado à estiagem.

“Está havendo muitos casos de ansiedade e até mesmo depressão devido a uma série de fatores que estão ocorrendo no mundo. A estiagem é um dos gatilhos. Desde a pandemia, observamos esses casos de ansiedade em crianças, adolescentes e adultos. Muitas pessoas estão preocupadas sobre como vão viver, como vão se deslocar e como vão conseguir alimento para suas famílias. Isso afeta profundamente a saúde mental, principalmente das mães”, informou Neurilene, relatando que a possibilidade de ter uma emergência médica, sem ter como se deslocar a um hospital,

a deixava bastante nervosa. "Inquietação, insônia, nervosismo, porque vem no pensamento que a qualquer momento a gente pode ficar doente e não ter como ir para Manaus. Dá essa inquietação, de a gente não conseguir relaxar a mente para dormir, porque a preocupação é ali, a mil".

No Amazonas, a estiagem de 2024 impactou mais de 800 mil pessoas e 200 mil famílias, segundo dados da Defesa Civil do Estado. Isso provocou o isolamento de comunidades e dificultou o acesso à água, alimentos e serviços básicos como saúde e educação. Em comparação, no ano anterior, foram 599 mil pessoas e 150 mil famílias afetadas pela seca.

Com os rios secos, os comunitários enfrentam uma queda na renda financeira e se veem isolados, com dificuldades para conseguir itens básicos de subsistência. O calendário escolar é interrompido, o for-

necimento de energia elétrica oscila, e os lares passam a ter muitas pessoas reunidas por períodos mais longos, favorecendo os conflitos familiares. O calor extremo também leva à redução da prática de atividades físicas, um recurso fundamental para o combate à ansiedade e à depressão.

JOVENS PREOCUPADOS

Entre os jovens brasileiros, o medo do desequilíbrio ambiental é muito presente. De acordo com um estudo publicado na revista científica The Lancet Planetary Health, em 2021, mais de 60% dos jovens entre 16 e 25 anos, no Brasil, se dizem “muito” ou”extremamente preocupados” com as mudanças climáticas. É o caso do ativista climático João Victor da Silva, 15 anos, nativo da Ilha de Caratateua, o “Outeiro”, um dos oito distritos administrativos de Belém (PA). Os efeitos emocionais da crise climática passaram a ser

“É evidente que a preocupação com o impacto das mudanças climáticas afeta diretamente a saúde mental dos pacientes, especialmente no contexto em que a subsistência depende do equilíbrio ambiental”

Cristina Maranghello, psicóloga clínica e responsável pelos teleatendimentos no programa Saúde na Floresta, da FAS.

Ansiedade, palavra do ano no Brasil

“Ansiedade” foi eleita a palavra do ano de 2024 pelos brasileiros, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Ideia em parceria com a Cause e o PiniOn. O termo foi apontado por 22% dos entrevistados, à frente de palavras como “resiliência” (21%), “inteligência artificial” (20%), “incerteza” (20%) e “extremismo” (4%).

O levantamento, em sua nona edição, foi realizado em duas etapas: primeiro, especialistas em comunicação e ciências sociais selecionaram cinco palavras que refletem o cenário de 2024; depois, as palavras foram sub-

metidas a 1.538 brasileiros das cinco regiões do País, que escolheram o termo que melhor representou as dinâmicas e preocupações ao longo do ano. Em 2023, a expressão escolhida foi “mudanças climáticas”.

O Brasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Mais de 18 milhões de brasileiros sofrem com transtornos de ansiedade, correspondendo a cerca de 9,3% da população. O País está à frente de nações como o Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%).

“Eu tenho 15 anos e, enquanto poderia estar estudando ou fazendo outras coisas, estou lidando com essa ansiedade que surge dos problemas climáticos”

João Victor da Silva, 15 anos, ativista climático da Ilha de Caratateua, o ‘Outeiro’, um dos oito distritos administrativos de Belém (PA).

mais evidentes em João Victor durante o período de seca e queimadas em Outeiro.

“No começo, eu nem sabia que isso existia, porque não é algo de que falamos muito. Mas, com o tempo, meus familiares começaram a perceber sinais de ansiedade em mim. Acho que o pico foi durante o período de seca e queimadas na ilha. Muitas vezes, eu estava de madrugada ligando para o Corpo de Bombeiros, tentando ajudar

moradores que relatavam incêndios perto de suas casas”, comentou João Victor.

ATENDIMENTO PSICOLÓGICO

Cristina Maranghello, psicóloga clínica e responsável pelos teleatendimentos no programa de saúde da FAS, vê que a alteração abrupta na rotina afeta a sensação de segurança e aumenta a imprevisibilidade em relação ao futuro.

“A maior diferença percebida nos relatos antes e durante a estiagem está relacionada à intensificação das preocupações e ao aumento da sensação de vulnerabilidade. Antes da estiagem, as queixas costumavam estar mais relacionadas a ‘desafios do cotidiano’”, comentou Rivelino, que contou com a psicoterapia para se fortalecer emocionalmente diante dos desafios da seca.

60%

Mais de 60% dos jovens brasileiros entre 16 e 25 anos afirmam estar “muito” ou “extremamente preocupados” com as mudanças climáticas, de acordo com um estudo publicado na revista científica The Lancet Planetary Health, em 2021.

No Pará, o jovem, de 15 anos, João Vitor já se vê angustiado com a crise ambiental

Crédito: Marx Vasconcelos | Cenarium

Ana Luíza, em Belém, preocupa-se com eventos climáticos extremos e com a demora na tomada de medidas pelo poder público

Catástrofe gaúcha

As chuvas intensas que atingiram o Rio Grande do Sul (RS), entre abril e maio de 2024, também deixaram marcas profundas na saúde mental dos brasileiros. Uma pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) revelou que 42% dos participantes avaliados desenvolveram sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Tept). O Tept é um tipo de transtorno de ansiedade que pode ocorrer após eventos traumáticos, como as enchentes naquele Estado.

Dados preliminares da pesquisa, coordenada pela psiquiatra e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Simone Hauck, revelaram que 53,8% dos entrevistados apresentaram sintomas de Tept moderados a muito graves. A catástrofe ambiental no RS afetou 2,4 milhões de pessoas, resultando em 183 mortes e incontáveis prejuízos materiais, financeiros e emocionais à população.

Embora os termos ecoansiedade, ansiedade ambiental e ansiedade climática não tenham critérios diagnósticos definidos pelo DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), da Associação Americana de Psiquiatria, a psicóloga enfatiza que muitos sintomas estão relacionados a esse fenômeno.

Maranghello é categórica: “É evidente que a preocupação com o impacto das mudanças climáticas afeta diretamente a saúde mental dos pacientes, especialmente no contexto de cuja subsistência depende diretamente do equilíbrio ambiental. Essas preocupações são vivenciadas no dia a dia, com consequências concretas e imediatas na Amazônia”, afirmou.

Na comunidade Três Unidos, ainda há preconceitos em torno do tema de saúde mental, impedindo as pessoas de procurarem ajuda, de acordo com Neurilene

Cruz. “Como profissional de saúde, a gente reconhece aquela pessoa com ‘olho fundo’, que não dorme direito, preocupada com a alimentação e com as dívidas para pagar. Nem todas têm coragem de falar, mas conseguimos conversar com algumas. Aconselho elas a falarem, porque quanto mais você guarda o sentimento de angústia e tristeza, pior fica nossa mente. Tentamos minimizar a ansiedade dessas pessoas e dar segurança para que conversem, se não isso fica como uma dor profunda dentro de si mesmo”, compartilhou.

Rivelino de Carvalho, 45 anos, morador da comunidade Boa Esperança, no município amazonense de Manicoré, a 350 quilômetros de Manaus, conta com o teleatendimento psicológico do programa da FAS para lidar com os desafios do dia a dia. Para ele, a maior preocupação é a seca ser pior em 2025, o que afetaria o acesso à

alimentação para sua comunidade, que já ficou reduzido a duas embarcações este ano. “É uma preocupação que não é só minha, mas de quase toda a população manicoreense, e principalmente da minha comunidade. Se Deus o livre a seca for maior, os barcos que trazem alimentação para o nosso município podem parar. Foi anunciado que a balsa que traz o diesel para a energia nas comunidades iria parar esse ano, mas, graças a Deus, isso não aconteceu. No entanto, sabemos que uma hora pode acontecer devido às mudanças climáticas”, comentou Rivelino, que contou com a psicoterapia para se fortalecer emocionalmente diante dos desafios da seca.

Para o comunitário, o caminho é cada um fazer o seu papel para preservar a Amazônia, um “trabalho de formiguinha”, mas necessário para combater o avanço da crise climática. No entanto, Rivelino pontua que nada adiantam os esforços comunitários se os grandes responsáveis

Saúde na Floresta

Para as populações de comunidades remotas da Amazônia, que frequentemente precisam se deslocar até centros urbanos em busca de atenção médica, o teleatendimento é uma solução eficiente. O programa Saúde na Floresta, da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), atua em 22 municípios do Amazonas, oferecendo atendimento em especialidades de medicina, enfermagem e psicologia, além de capacitar profissionais de saúde e comunitários da região.

A iniciativa, criada durante a pandemia da Covid-19, faz a diferença em comunidades distantes, incentivando a valorização da saúde mental por meio da oferta de psicoterapia. “Essa abordagem promove qualidade de vida e ensina técnicas para lidar com sintomas como ansiedade e depressão. Conflitos familiares são comuns nessas comunidades, e a psicoterapia, via telessaúde, ajuda a melhorar o convívio familiar e a resolver essas questões conforme as necessidades de cada família”, diz Mickela Souza Costa, gerente do programa da FAS.

“No começo, eu nem sabia que isso existia, porque não falamos muito sobre isso. Mas, com o tempo, meus familiares começaram a perceber sinais de ansiedade em mim. Acho que o pico foi durante a seca e as queimadas na ilha”

João Victor da Silva, 15 anos, ativista climático da Ilha de Caratateua, o ‘Outeiro’, em Belém (PA).

pelo desmatamento e queimadas não são responsabilizados.

“Minha comunidade é muito engajada na preservação e sustentabilidade; fazemos o descarte correto dos resíduos, reaproveitamos as capoeiras para fazer nossas roças. Só que tem os grandes empresários, os fazendeiros. Enquanto a gente usa um hectare e meio, eles desmatam 20 mil, 30 mil hectares. É isso que faz o estrago no nosso meio ambiente. E tem a questão do

800 mil pessoas

A estiagem de 2024 no Amazonas impactou mais de 800 mil pessoas e 200 mil famílias, segundo dados da Defesa Civil do Estado.

lixo: o comunitário faz preservação, mas essas embarcações descartam o lixo todo no rio. O rio é como se fosse um lixeiro para eles; eles usufruem e se beneficiam, mas não têm o menor cuidado”, denunciou.

PESO DA ANSIEDADE CLIMÁTICA

Eventos climáticos distantes também impactaram o jovem paraense João Victor da Silva emocionalmente: “Durante o furacão Milton, na Flórida, montei várias telas na sala de casa para acompanhar as notícias. Era como se eu estivesse vivendo aquilo, mesmo estando tão longe”. Segundo cientistas do World Weather Attribution,

o furacão Milton foi potencializado pelas mudanças climáticas, com aumento de 20% a 30% das chuvas e de 10% na potência dos ventos. O ciclone tropical deixou 16 mortos e US$ 34 bilhões em prejuízos.

Apesar de não ter um diagnóstico formal, João reflete sobre a gravidade do problema. “Eu tenho 15 anos e, enquanto poderia estar estudando ou fazendo outras coisas, estou lidando com essa ansiedade que surge dos problemas climáticos. Isso deveria ser um alerta para a sociedade. Se hoje a ansiedade climática é rara, amanhã pode se tornar muito comum”, disse o jovem. Outra paraense que enfrenta a ansiedade climática é a geógrafa Ana Luiza Araújo, 34 anos, moradora do bairro Terra Firme, periferia de Belém. “Eu passo por essa ansiedade climática porque percebo o meu dia a dia muito vinculado à dificuldade de avanço das políticas públicas na área de saneamento básico aqui em Belém. Quando vejo eventos climáticos extremos, penso em como as periferias vão lidar com isso. As pessoas não estão preparadas. Nossa Defesa Civil não tem autonomia financeira e nem ferramentas para nos orientar em casos de emergência”, descreveu.

Ela também ressalta os desafios cotidianos, como alagamentos que prejudicam o direito de ir e vir. “Moro próximo ao canal da Cipriano Santos. Antes das obras no Tucunduba, o canal enchia e alagava tudo. Isso já me impediu de ir ao trabalho várias vezes. Imagino o impacto disso em crianças, idosos e pessoas que precisam de tratamento médico diário. Isso gera ansiedade, porque os problemas estão aí, mas a gestão pública não acompanha”, afirmou a geógrafa.

Crédito: Divulgação | FAS
Teleatendimento realizado pelo programa Saúde na Floresta, da Fundação
Amazônia Sustentável (FAS)

2024 - ANO DA ECOANSIEDADE

“A

quantidade de peixes diminuiu muito, afetando o mercado. Essa escassez me deixa preocupado com o futuro, porque tiro minha renda daqui. Tenho medo de que a situação piore e eu precise fechar minha peixaria”

Edson da Silva Oliveira, de 40 anos, dono de uma peixaria localizada em um bairro periférico da capital Boa Vista (RR).

Em 2025, Belém sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, onde se reunirão representantes de 198 países para decidir sobre compromissos e investimentos para evitar e mitigar os efeitos da crise climática. A COP30 será realizada no Estado que liderou o número de queimadas no Brasil em 2024: até o dia 14 de dezembro, foram registrados 54.837 focos de calor no Pará, o equivalente a 20,1% dos incêndios registrados em todo o território nacional. Os municípios de São Félix do Xingu e Altamira lideram o ranking de municípios brasileiros com mais focos de incêndio no ano, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Para Ana e João, a ecoansiedade não é apenas uma questão ambiental, mas também de saúde mental. Ana Luiza comenta como a meditação e o budismo ajudam a lidar com o problema. “O budismo fala sobre a impermanência, que o mundo sempre foi caótico. Tento me acalmar pensando nisso, mas é difícil não sentir ansiedade vendo como as políticas públicas não avançam”, desabafou.

João, por sua vez, enfatiza a necessidade de discutir o tema amplamente: “A gente fala tanto sobre mudanças climáticas, mas

ignora o impacto disso na saúde mental, principalmente dos jovens. É algo que precisamos levar a sério”, declarou.

Ana e João concordam que enfrentar a crise climática exige soluções coletivas e estruturais. “Quando falamos de eventos extremos, as comunidades mais pobres, mulheres negras e periféricas sempre são as mais afetadas”, destaca Ana. João completa: “Precisamos de políticas públicas que priorizem as pessoas mais vulneráveis, mas também precisamos educar a sociedade para entender como a crise climática afeta nossa saúde mental. Isso não é só sobre o planeta, é sobre todos nós”, disse.

TRABALHADORES EM ANGÚSTIA

Em Roraima (RR), a preocupação e o sentimento de angústia estão refletidos nos trabalhadores que sentem diretamente as consequências das alterações climáticas. O Estado enfrenta uma estiagem severa, com 11 dos 15 municípios roraimenses em situação de emergência reconhecida pelo governo federal. O Rio Branco, principal rio de Roraima, atingiu a marca de 39 centímetros negativos, o segundo menor índice da história.

Edson da Silva Oliveira, de 40 anos, dono de uma peixaria localizada em um bairro periférico da capital Boa Vista, revela sua angústia pelo futuro. Ele trabalha na área há mais de oito anos e sustenta sua família por meio da venda de peixes. Nos últimos anos, a preocupação e a ansiedade com as consequências climáticas aumentaram.

“Há algum tempo, a gente vem sofrendo com essa seca aqui no Estado de Roraima. A quantidade de peixe diminuiu muito e isso está afetando o mercado. Essa escassez que acontece aqui no Estado me deixa preocupado com o futuro, porque eu tiro minha renda daqui. Sinto medo de a situação continuar piorando e eu ter que fechar minha peixaria. É daqui que eu pago minha luz, água e compro o alimento da minha família; preciso disso para viver”, disse. Quem também se sente afetado pelas mudanças climáticas em Roraima é o coletor de material reciclável Elizeu Veloso dos Santos, que há mais de 10 anos trabalha com essa atividade. Ele faz a limpeza de casas e coleta materiais recicláveis no bairro Cidade Satélite, Zona Oeste de Boa Vista.

“Eu vejo que a sociedade mudou muito com o tempo. Há uns cinco anos, quando eu andava nessas ruas, encontrava pouco lixo, mas agora encontro em abundância. Essas mudanças ambientais estão afetando demais a minha rotina de trabalho. O calor está muito intenso e eu não consigo mais trabalhar em algumas partes do dia. Já passei mal e conheço amigos que também estão sofrendo com isso. Passamos o dia todo na rua e, no outro dia, não conseguimos nem levantar de tanto cansaço”, relata o coletor.

Para Edson, com o passar dos anos, está cada vez mais difícil lidar com os seres humanos, especialmente com aqueles que não respeitam o ecossistema, seja desmatando as florestas ou poluindo os rios com lixo.

“Nós sabemos que não se deve desmatar as florestas, mas o que o ser humano mais faz é desmatar e jogar sujeira nos rios. Não tem como o meio ambiente aguentar e ele vai continuar morrendo devagar. As pessoas jogam lixo nos rios, que vão ficando poluídos, e os peixes vão morrendo e desaparecendo. Isso tudo me causa muita angústia e medo. Me questiono onde vamos parar”, desabafou.

Sentindo a crise climática

A percepção dos brasileiros sobre a crise climática vem crescendo. Pesquisa do Datafolha, encomendada pela Fundação SOS Mata Atlântica e divulgada em dezembro de 2024, mostra que 75% dos brasileiros sentem os impactos das mudanças climáticas no cotidiano. O levantamento indica que as mulheres (63%) e os moradores de capitais (64%) são os mais perceptivos aos impactos da crise climática no Brasil. A pesquisa também revelou que 98% da população acredita que o País sofre consequências pelo desmatamento da Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos do mundo em biodiversidade e fortemente ameaçado, com apenas 24% de sua cobertura florestal original. Assim como a Amazônia, a Mata Atlântica desempenha um papel crucial na regulação do clima e dos recursos hídricos.

22%

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Ideia, em parceria com a Cause e a PiniOn, revelou que 22% dos entrevistados escolheram “ansiedade” como a palavra do ano de 2024 entre os brasileiros. O termo ficou à frente de palavras como “resiliência” (21%), “inteligência artificial” (20%), “incerteza” (20%) e “extremismo” (4%).

Crédito: Ian Vitor Freitas | Cenarium
Edson da Silva Oliveira, dono de uma peixaria em um bairro periférico de Boa Vista, teme que a escassez de peixes causada pela seca se agrave ao longo dos anos e o obrigue a fechar o seu negócio

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Elizeu Veloso, coletor de materiais recicláveis em Boa Vista, relata que já passou mal devido ao calor intenso e não consegue mais trabalhar em determinadas horas do dia

CAMINHOS

A psicóloga Cristina Maranghello afirma que é fundamental que as populações tradicionais da Amazônia tenham acesso ao conhecimento sobre as mudanças climáticas, para poderem lidar com o tema com autonomia e senso crítico.

“Iniciativas para diminuir a pegada ambiental e formas mais sustentáveis de administrar os recursos caseiros são opções que não dão espaço para discursos alarmistas. Ao mesmo tempo, essas iniciativas tornam as populações protagonistas frente às adversidades, com resiliência e autonomia. Não podemos deixar de destacar o grande diferencial que é o atendimento psicológico para essa população. Com esse acompanhamento, os pacientes se tornam mais fortalecidos emocionalmente frente aos problemas em geral”, informou.

A ecoansiedade

Utilizado pela psicóloga e pesquisadora americana Susan Clayton pela primeira vez no início dos anos 2000, o termo ecoansiedade, ou “ansiedade climática”, vem sendo estudado desde 2007. Segundo Clayton, em artigo publicado na Time em 2023, a ecoansiedade não é uma patologia, mas uma resposta emocional complexa aos efeitos da ação humana sobre o meio ambiente. Os sintomas incluem irritabilidade, insônia, incapacidade de relaxar, desconcentração e ataques de pânico – semelhantes aos de um transtorno de ansiedade generalizada.

Além de afetar a saúde mental, a ansiedade climática influencia escolhas sobre o futuro. Em uma pesquisa con-

duzida por Clayton, em 2023, com 1.000 participantes, 70% dos jovens afirmaram que o futuro é assustador. Em entrevista ao podcast The Sound of Ideas, da NPR, a pesquisadora destacou que esses sentimentos impactam decisões importantes, como ter ou não filhos.

Além de buscar psicoterapia, quem sofre com ansiedade climática pode se engajar em ações em prol do meio ambiente para sentir que está fazendo a sua parte no combate às mudanças climáticas. Isso inclui se informar, participar de grupos de ativismo e se envolver em ações ambientais. Construir uma resiliência emocional é essencial para evitar o esgotamento, afirmam especialistas.

Crédito: Ian Vitor
Freitas
| Cenarium

Queimada na Terra

Indígena Urubu Branco, no Mato Grosso

Desequilíbrio no território e no corpo

Populações mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, como indígenas, ribeirinhos, quilombolas e comunidades tradicionais, também são os mais sensíveis à ecoansiedade. Segundo Pedro Tukano, ativista indígena e coordenador do coletivo Miriã Mahsã, de Manaus (AM), as mudanças climáticas alteram profundamente não só os modos de vida dos povos indígenas, mas também a relação com seus territórios ancestrais.

“Para muitos de nós, a relação com o território é algo sagrado. Com o desequilíbrio do corpo e do território, há um desequilíbrio da saúde mental, adoecendo corpo e mente. Conviver com a seca, queimadas, fumaça

e desmatamento traz uma insegurança na vivência territorial”, afirmou Pedro.

Dados presentes no relatório “Amazônia à Beira do Colapso”, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), mostram que 42 Terras Indígenas (TIs) da região vivenciaram um contexto de seca extrema em 2024, o que significa escassez de água, seca absoluta dos rios em diversas regiões, grandes perdas de cultura, pastagens e florestas. Mais de 3 mil domicílios indígenas, 110 escolas e 40 unidades de saúde em TIs da Amazônia brasileira foram atingidos pelos efeitos da seca extrema.

“A vivência nesse contexto e a busca em resolver os problemas criados pela ambição não indígena acabam sobrecarregando a mente de muitos jovens indígenas”

Pedro Tukano, 25 anos, ativista indígena e coordenador do coletivo Miriã Mahsã, de Manaus (AM).

“A vivência nesse contexto e a busca em resolver os problemas criados pela ambição não-indígena acaba sobrecarregando a mente de muitos jovens indígenas. Fora que essa situação faz com que muitas famílias migrem de território, seja para mais dentro da própria região, ou indo para o contexto urbano, o que acaba acarretando outros tipos de desgaste e cansaço mental”, comenta o jovem indígena.

A crise climática se soma a outras ameaças enfrentadas pelos povos indígenas, como invasões, crimes ambientais, empreendimentos predatórios, racismo e falta de acesso a direitos básicos. Esses desafios impactam a saúde mental dos povos originários. Segundo um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os indígenas tiveram a maior taxa de suicídio do País em 2022: 16,58 casos por 100 mil habitantes, comparados a 7,27 da população geral.

Pedro considera importante começar a dialogar sobre a ansiedade climática com as populações indígenas. “Já existe uma discussão sobre saúde mental e o bem-viver dos povos indígenas, onde dialogam sobre diversos fatores, inclusive o suicídio, principalmente com a juventude. É preciso começar a pensar ações para dialogar e amenizar as consequências das mudanças climáticas sobre a saúde mental indígena”, enfatizou.

42 Terras Indígenas (TIs)

O relatório Amazônia à Beira do Colapso, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), aponta que 42 Terras Indígenas vivenciaram uma seca extrema em 2024, resultando em escassez de água, seca total dos rios, e grandes perdas de culturas, pastagens e florestas.

3 mil domicílios indígenas

Mais de 3 mil domicílios indígenas, 110 escolas e 40 unidades de saúde em TIs da Amazônia foram afetados pela seca extrema.

Crédito: Ronaldo Tapirapé Coiab
Crédito:

O agro é fogo

Relatório aponta que aumento das queimadas no Pará é reflexo, em sua maioria, de práticas agropecuárias que utilizam o fogo como ferramenta para expansão de pastagens

Fabyo Cruz - Da Cenarium*

BELÉM (PA) – Dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará em relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 743, indicam um total de 24.554 focos de incêndio neste ano, em contraste com os 9.037 registrados no ano anterior. O aumento é reflexo, em sua maioria, de práticas agropecuárias que utilizam o fogo como ferramenta para expansão de pastagens, segundo o documento.

As queimadas na Amazônia, especialmente no Pará, atingiram níveis preocupantes em 2024. Entre janeiro e outubro deste ano, os municípios de São Félix do Xingu, Novo Progresso, Altamira, Itaituba, Jacareacanga e Ourilândia do Norte registraram um aumento alarmante de 172% nos focos de queimadas em comparação ao mesmo período de 2023.

Queimadas na Amazônia, especialmente no Pará, atingiram níveis preocupantes em 2024

O estudo sugere que a maioria dos incêndios (42%) ocorreu em áreas de desmatamento consolidado, enquanto 35% foram registrados em zonas de desmatamento recente e 23% sobre vegetação nativa.

Infrações

ambientais

O relatório da Semas também apresentou dados sobre a aplicação de autos de infração relacionados à temática ambiental nos anos de 2023 e 2024, conforme solicitado pelo Item IX da Ata da audiência do STF. Confira abaixo:

► Número de autos de infração em 2023: 1.292;

► Número de autos de infração em 2024: 1.398;

► Valores totais de autos de infração em 2023: R$ 520.161.170,08;

► Valores totais de autos de infração em 2024: R$ 1.066.817.462,23.

Com isso, o total acumulado no período analisado foi de 2.690 autos de infração, representando R$ 1.586.978.632,31 em multas aplicadas. Esses números evidenciam um aumento expressivo tanto no volume de penalizações quanto nos valores arrecadados, refletindo a intensificação das ações de fiscalização ambiental na região.

Crédito: Élio Lima | Cenarium
“Os

incêndios

florestais na América

do Norte e do Sul foram as regiões que mais se destacaram nas emissões globais de incêndios em 2024”

Mark Parrington, cientista sênior do serviço de monitoramento da atmosfera do Copernicus.

nativa. Esse padrão reflete um ciclo problemático de desmatamento associado à pecuária e à preparação de terras para atividades agropecuárias.

Esses municípios paraenses, situados na Amazônia Legal, concentram 20% do rebanho bovino do Estado, com mais de 5 milhões de gados, segundo o relatório. A prática do uso de fogo para limpeza de pastagens tem sido identificada como uma das principais causas do aumento das queimadas.

O estudo detalhado sugere que a maioria dos incêndios (42%) ocorreu em áreas de desmatamento consolidado, enquanto 35% foram registrados em zonas de desmatamento recente e 23% sobre vegetação

Além disso, as queimadas em áreas recentemente desmatadas destacam a pressão contínua para a expansão das atividades econômicas, mesmo em áreas protegidas. Segundo o Decreto n.º 2.887/2023, que declarou estado de emergência ambiental em 15 municípios críticos, esforços como as Operações Curupira resultaram em reduções significativas no desmatamento em 2023. Apesar disso, o impacto na incidência de queimadas foi insuficiente para conter o avanço deste ano.

Enquanto as áreas desmatadas diminuíram de forma geral no Pará — uma queda de 28,4% na taxa de desmatamento do

Recorde de emissões de carbono

Os incêndios que assolaram a Amazônia e o Pantanal em 2024 tiveram um custo de carbono significativo. Uma nova análise do observatório europeu Copernicus, divulgada na semana passada, indicou que os episódios de fogo nos dois biomas liberaram juntos mais de 195 milhões de toneladas (megatonelada ou Mt) de dióxido de carbono (CO2) neste ano.

De acordo com o Copernicus, a região do Pantanal registrou atividades de incêndios florestais sem precedentes em 2024. Os dados de emissões de carbono associadas ao fogo no bioma mostram que, entre maio e junho, o Mato Grosso do Sul (que concentra a maior parcela da vegetação pantaneira) emitiu 3,3 MtCO2, o índice mais alto em 22 anos de conjunto de dados de emissões de incêndio e quase três vezes superior ao recorde anterior para esse período, de 2009.

Até 5 de junho, dados de satélite do Inpe detectaram um aumento impressionante de 980% ano a ano no número de detecções de incêndios florestais. A antecipação

do período de incêndios no Pantanal, associada à persistência dos registros de fogo, resultou em outro recorde para o bioma: no geral, as emissões totais estimadas para o Mato Grosso do Sul foram de 18,8 MtCO2.

Os episódios de fogo também foram numerosos na Amazônia, que ainda sofre com os incêndios florestais. Conforme o Copernicus, as emissões totais associadas ao fogo na Amazônia Legal brasileira contabilizaram 176,6 MtCO2 em 2024, a mais alta desde 2010.

Mas o Brasil não está sozinho: em praticamente todo o continente americano, o fogo foi um problema crônico em 2024. O Copernicus destacou que as Américas do Norte e do Sul experimentaram incêndios florestais “particularmente intensos” ao longo do ano. Além do Pantanal e da Amazônia, a temporada do fogo também foi bastante ativa na porção oeste do Canadá e dos Estados Unidos.

No caso canadense, as emissões totais ficaram em pouco mais de 200 MtCO2,

período Prodes 2024 em relação a 2023 —, o número de queimadas subiu consideravelmente. Especialistas apontam que a desaceleração no desmatamento não foi acompanhada por uma fiscalização suficiente para impedir a utilização do fogo em áreas já convertidas para uso agropecuário. O relatório também sugere que atos ilícitos, como queimadas intencionais para grilagem de terras, contribuem para o cenário alarmante. Além disso, causas não intencionais, como equipamentos agrícolas e até mesmo o descarte de cigarros, também foram mencionadas.

DESAFIOS

Apesar das reduções significativas de desmatamento observadas em municípios como São Félix do Xingu (-64%) e Altamira (-52%) no período Prodes 2024, a escalada das queimadas exige respostas mais incisivas. O STF, que acompanha o caso na ADPF 743, busca pressionar por ações mais eficazes que abordem não apenas o desmatamento, mas também as práticas associadas às queimadas ilegais e à expansão agropecuária.

abaixo apenas do recorde de 2023. Mas na Colúmbia Britânica, uma das áreas mais afetadas neste ano, as emissões associadas ao fogo em maio ficaram em 13,5 MtCO2, três vezes acima do índice registrado no mesmo mês em 2023. Já nos EUA, os incêndios causaram destruição na Califórnia e no Oregon, mas não resultaram em um volume de emissões de carbono acima da média das últimas duas décadas.

“Os incêndios florestais na América do Norte e do Sul foram as regiões que mais se destacaram nas emissões globais de incêndios em 2024. A escala de alguns dos incêndios estava em níveis históricos, especialmente na Bolívia, no Pantanal e em partes da Amazônia, e os incêndios florestais canadenses foram novamente extremos, embora não na escala de 2023”, afirmou Mark Parrington, cientista sênior do serviço de monitoramento da atmosfera do Copernicus.

(*) Com informações do ClimaInfo.

Incêndios que assolaram a Amazônia e o Pantanal em 2024 tiveram um custo de carbono significativo

A cidade de Santarém, a 733 quilômetros de distância da capital do Pará, Belém, tem vivido uma grave crise ambiental. Em novembro, o prefeito da cidade, Nélio Aguiar, decretou situação de emergência ambiental no município com validade de 180 dias. Está proibido o uso de fogo para qualquer finalidade, incluindo limpeza e manejo de áreas, em todo território municipal. A cidade chegou a ser considerada o lugar do planeta onde era mais difícil

Emergência em Santarém

respirar, ao ultrapassar a marca dos 500 microgramas por metro cúbico (µg/m³) na concentração de gases e vapores no ar no dia 24 de novembro. Nessa data, pela primeira vez na história, foram registrados 581 IQAR - Índices de Qualidade do Ar, 42,8 vezes acima do indicado como aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 0 a 50 µg/m³.

A prefeitura local também se uniu a lideranças comunitárias, entidades de

classe, associações, sindicatos e classe empresarial do município em um manifesto que vai coletar assinaturas dos cidadãos em geral para pressionar o governo federal a tomar providências urgentes no combate a incêndios florestais e queimadas. As medidas foram tomadas em razão da deterioração da qualidade do ar, agravada pelas queimadas que têm atingido a região e impactado a saúde da população, com aumento de doenças respiratórias.

Crédito: Mayangdi Inzaulgarat | Ibama

Queimadas de grandes proporções nas proximidades da PA-154, em Cachoeira do Arari, no Marajó

Marajó em chamas

Ministério Público do Estado do Pará abriu procedimento para investigar queimadas de grandes proporções que ocorrem no Arquipélago do Marajó

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), por meio do promotor de Justiça de Cachoeira do Arari (PA), Alexandre Rufino de Albuquerque, abriu um procedimento para investigar as queimadas de grandes proporções que ocorrem nas proximidades da rodovia PA-154, no município de Cachoeira do Arari (PA), localizado no Arquipélago do Marajó, distante 196 km de Belém, a capital paraense. A iniciativa busca apurar as origens dos incêndios, identificar os responsáveis e avaliar as medidas tomadas até o momento.

A situação alarmante não se restringe à Cachoeira do Arari, em toda a região

do Marajó, as queimadas têm provocado impactos ambientais e na saúde da população, sobretudo em crianças e idosos. A fumaça resultante dos incêndios está ligada ao aumento de doenças respiratórias e à má qualidade do ar, afetando diretamente a vida dos moradores.

O tema também integra a pauta do Fórum Estadual de Combate ao Uso e Impactos de Agrotóxicos, presidido pelo MPPA, que discute a vulnerabilidade socioambiental no arquipélago.

PANORAMA MARAJOARA

O Observatório do Marajó divulgou um panorama, no qual alguns municí -

pios marajoaras demonstram a falta de políticas e ações de combate, prevenção às queimadas e proteção de comunidades. A organização da sociedade civil trabalha para fortalecer as lideranças de comunidades tradicionais, ribeirinhas e marajoaras, por meio de análise de dados.

Conforme o levantamento, Portel (PA) foi o município paraense mais afetado por queimadas em outubro e novembro de 2024, registrando 797 focos apenas no último mês, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Apesar disso, a cidade não possui uma sede do Corpo de Bombeiros, deixando a população desassistida no enfrentamento

Crédito: Reprodução | MPPA

dos incêndios. Cercada por fumaça, Portel também enfrenta uma crise de saúde pública, com o aumento significativo de problemas respiratórios.

MOBILIZAÇÃO EM BREVES

Em Breves (PA), a sociedade civil se mobilizou, em novembro, contra a intensa fumaça que encobriu o município. No dia 14 daquele mês, moradores organizaram um ato público para cobrar ações concretas das autoridades. Documentos foram protocolados junto à prefeitura e outras instituições, exigindo medidas efetivas para combater os incêndios e garantir o direito básico de respirar.

No Quilombo do Costeiro, em Oeiras do Pará, a população tem enfrentado sozinha os incêndios que devastam a vegetação nativa. Segundo lideranças locais, o município também carece de uma unidade do Corpo de Bombeiros, expondo a ausência de políticas públicas que apoiem as comunidades na mitigação dos impactos das mudanças climáticas.

Segundo o Observatório do Marajó, a falta de comprometimento das gestões

Fogo e fumaça registrados nas proximidades da rodovia PA-154, no município de Cachoeira do Arari

locais para 2025 perpetua a vulnerabilidade das comunidades diante das queimadas. “A população marajoara vivencia, atualmente, os diversos efeitos da crise climática e sofre com a falta de políticas adequadas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas. Atualmente, estamos no verão amazônico, um período que, há muito tempo, já não é mais considerado ‘tranquilo’ pela população do Marajó. As altas temperaturas, o clima seco e o aumento brusco dos focos de incêndio têm causado grande preocupação”.

“Nos últimos anos, especialmente a partir de 2018, houve um aumento significativo no número de queimadas nos municípios marajoaras. Portel, um dos 17 municípios que formam o arquipélago, foi registrado em outubro como o quinto município brasileiro com mais focos de incêndio, segundo dados do Inpe, liderando o ranking estadual. Ainda assim, vivenciamos a falta de compromisso com políticas eficazes de combate às queimadas e de proteção a população”, estaca a entidade.

Falta de políticas efetivas

Uma análise do Observatório do Marajó sobre os planos de governo das 16 prefeituras eleitas no arquipélago em 2024 evidencia a falta de políticas efetivas para prevenir e combater as queimadas no próximo ano. Veja:

► Criação de brigadas comunitárias: apenas 18,75% das gestões preveem;

► Parcerias com o Corpo de Bombeiros: apenas 18,75% preveem;

► Campanhas de conscientização sobre queimadas: 100% não preveem;

► Planos de prevenção: 87,5% das gestões não preveem.

Apenas ações básicas, como a arborização de espaços públicos e a gestão de resíduos sólidos, apresentam maior adesão, com 68,75% e 75% das prefeituras, respectivamente, incluindo essas medidas em seus planos.

57 anos de resistência

MANAUS (AM) – No aniversário de 57 anos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), celebrado no dia 5 de dezembro, a instituição reforçou o papel histórico como defensora dos direitos dos povos indígenas. Criada em 1967, a Funai atravessa uma nova fase sob a liderança de Joenia Wapichana, primeira mulher indígena a presidir o órgão, em um cenário de retomada das políticas indigenistas no Brasil.

Neste ano, a data ganhou relevância pelos avanços no reconhecimento e na proteção de Terras Indígenas (TIs)

no País. Em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oficializou a homologação das terras Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba, e das terras Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, localizadas em Santa Catarina.

“A Funai completa 57 anos e sei que realiza um trabalho muito importante neste País. Vamos continuar homologando as terras indígenas, porque isso é cumprir um dever histórico e, ao mesmo tempo, respeitar a nossa Constituição”, afirmou Lula durante o evento.

Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) avança mais de meio século como defensora dos direitos dos povos originários

Bianca Diniz – Da Cenarium

O presidente também elogiou a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara: “Você é a primeira ministra indígena e será aquela que mais vai homologar terras neste País.”

LIDERANÇA INÉDITA

Nas redes sociais, Joenia Wapichana destacou a importância da regularização fundiária no contexto do 57º aniversário da Funai. Ela também defendeu que se trata de um direito assegurado aos povos indígenas e o Estado tem o dever de promover a efetiva garantia desses direitos.

Agente da Funai em atuação em uma área de floresta
Crédito: Divulgação | Funai

Crise Yanomami

A gestão da Funai, sob a liderança de Joênia Wapichana, enfrentou um dos maiores desafios humanitários do Brasil ao lidar com a crise Yanomami, agravada em 2023. O impacto foi grave no Estado de Roraima, terra natal de Joênia, onde a expansão do garimpo ilegal devastou a maior reserva indígena do País.

A atividade ilegal poluiu rios com mercúrio e gerou uma série de mortes evitáveis, principalmente, entre as crianças. Em 2022, 99 crianças Yanomami, com idades entre 1 e 4 anos, morreram por desnutrição, pneumonia e doenças associadas à precariedade dos serviços de saúde, expondo a gravidade da crise.

Em resposta, o governo federal decretou, no início de 2023, estado de emer-

“A regularização fundiária das terras indígenas é essencial para a vida e a sobrevivência. É um direito assegurado aos povos indígenas e uma obrigação do Estado brasileiro. Hoje comemoramos mais um passo na proteção desses direitos territoriais. Nosso trabalho, no entanto, não termina aqui, seguiremos firmes na promoção da autonomia dos povos indígenas na gestão de seus territórios”, publicou.

De acordo com dados do governo federal e da Funai, atualmente 149 estudos

gência em saúde pública no território, e iniciou investigações para punir os responsáveis pela exploração ilegal da terra. Apesar das ações emergenciais, a situação persistiu, impondo desafios contínuos à Funai e a outros órgãos governamentais no combate ao garimpo ilegal e no fornecimento de assistência às comunidades Yanomami e outras etnias.

Atualmente, a Funai mantém o foco em uma atuação contínua no território. Sob a liderança de Joênia Wapichana, o órgão trabalha para erradicar o garimpo ilegal, melhorar a infraestrutura de saúde e garantir a segurança alimentar. Para isso, o governo alocou um orçamento de R$ 1,2 bilhão para 2024, com o objetivo de fornecer um atendimento de longo prazo à população Yanomami.

de identificação e delimitação estão em andamento, enquanto 39 terras indígenas já foram delimitadas, sendo 12 delas na fase de contraditório administrativo. Além disso, mais de 500 registros de reivindicações territoriais estão em análise.

A retomada desse processo foi acompanhada por ações técnicas da Funai e da Procuradoria Federal Especializada, que atuaram na atualização jurídica dos procedimentos, assegurando a segurança jurídica para as decisões.

Advogada roraimense,

indígena a presidir o órgão indigenista oficial

Crédito: Reprodução Redes Sociais

“Vamos continuar homologando as terras indígenas, porque isso é cumprir um dever histórico e, ao mesmo tempo, respeitar a nossa Constituição”

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República.

Obstáculos

A judicialização dos processos de demarcação de TIs continua sendo um dos maiores obstáculos para a Funai na efetivação dos direitos territoriais dos povos originários no Brasil. Cerca de 101 processos estão paralisados devido a decisões judiciais que dificultam a conclusão das demarcações.

Casos como o da TI Tekohá Guasu Guavira (TITGG), no Paraná, evidenciam como a judicialização pode travar processos essenciais para a segurança territorial indígena. Em 2018, a Funai delimitou a terra, mas a decisão foi anulada dois anos depois. Embora o órgão tenha tentado retomar o processo em 2023, ele continua suspenso devido a ações judiciais iniciadas em 2014. No Amazonas, a Terra Indígena Guanabara (TIG) tem a necessidade de demarcação reconhecida desde 2013, mas o processo permanece parado. Em 28 de novembro de 2024, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou que a Justiça Federal acolheu o pedido do órgão e concedeu liminar para que a Funai retome a demarcação do território, ocupado pela comunidade Kokama, no município de Benjamin Constant (AM), a 1.121 quilômetros de Manaus. De acordo com o MPF, a Funai deverá apresentar, em até 90 dias, um cronograma para concluir as fases do processo, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.

Joenia Wapichana é a primeira

Ameaça aos mangues

BELÉM (PA) – A crescente poluição marinha, impulsionada pelo descarte inadequado de resíduos nas águas costeiras, tem se tornado um dos maiores desafios socioambientais na região amazônica, que abriga a maior faixa contínua de manguezais do planeta. Na cidade de Bragança, no nordeste do Pará, essa problemática é particularmente evidente.

Comumente encontrados na região, resíduos como cordas, redes e outros equipamentos de pesca descartados são materiais que dão nome à chamada “pesca fantasma”. Esses objetos, abandonados no mar por barcos pesqueiros, afetam gravemente a fauna local, atingindo caranguejos nos

Lixo marinho pode afetar manguezais no interior do Pará

Fabyo Cruz – Da Cenarium

manguezais e peixes, além de tartarugas e outros animais nos estuários e no mar.

Em 2024, dez mutirões de limpeza foram realizados pelo projeto Mangues da Amazônia em diferentes municípios do Pará, contando com a participação de 741 voluntários. A iniciativa, promovida pelo Instituto Peabiru e pela Associação Sarambuí, com apoio do Laboratório de Ecologia de Manguezal (Lama), da Universidade Federal do Pará (UFPA), tem como objetivo reduzir o impacto dos resíduos nos ecossistemas costeiros, recolhendo toneladas de lixo que comprometem a saúde ambiental da região.

Além dos detritos deixados pela “pesca fantasma”, uma grande quantidade de

plástico e outros materiais descartados nas cidades são carregados pelos rios até o litoral. As correntes oceânicas também contribuem, trazendo lixo de outras partes do mundo para a costa amazônica. Este cenário coloca em risco a rica biodiversidade da região, exigindo uma resposta rápida e coordenada.

Para o coordenador do projeto Mangues da Amazônia e do Lama, da UFPA, em Bragança, no nordeste paraense, Marcus Fernandes, o engajamento das comunidades costeiras é fundamental para combater esse problema. “Com a sensibilização ambiental, há uma maior percepção pública para a necessidade de mudar atitudes em relação ao lixo, prevenindo riscos à fauna e flora,

Moradores de comunidades costeiras retiram lixo dos rios
Crédito: Divulgação

aos meios de sustento e à saúde das pessoas”, explica Fernandes.

Ainda bem conservada, a costa atlântica do Pará é uma vitrine de soluções que conciliam o uso sustentável da biodiversidade, a geração de renda e a mitigação climática. Neste ano, em seu segundo ciclo de atividades, o projeto expandiu a abrangência para quatro municípios paraenses: Bragança, Tracuateua, Augusto Corrêa e Viseu. “O reconhecimento desse trabalho chega em um momento oportuno para dar visibilidade aos manguezais, normalmente esquecidos nas agendas”, pondera o gestor dos Mangues da Amazônia, John Gomes.

As ações ambientais, sociais e culturais beneficiam direta e indiretamente cerca de 15 mil pessoas na região, com uma estratégia de maior aproximação com a sociedade. “A etapa atual é de validação científica das ações como frentes transformadoras, de modo a consolidar e replicar o modelo de atuação”, afirma Gomes.

“Com a sensibilização ambiental, há uma maior percepção pública para a necessidade de mudar atitudes em relação ao lixo, prevenindo riscos à fauna e flora, aos meios de sustento e à saúde das pessoas”

Marcus Fernandes, coordenador do projeto Mangues da Amazônia e do Lama, da UFPA, em Bragança, no nordeste paraense.

Mobilizações

As iniciativas de conservação, que vão desde a realização de mutirões até campanhas de conscientização, são passos importantes para preservar os manguezais e garantir uma melhor qualidade de vida para as comunidades locais. A luta contra o lixo marinho, contudo, exige esforços contínuos e o envolvimento de todos os setores da sociedade para proteger um dos ecossistemas mais preciosos do planeta. No aspecto ambiental, o trabalho dá continuidade à recuperação de manguezais em áreas degradadas,

totalizando 16 hectares até o momento, com o uso de tecnologias inovadoras. Além do mapeamento participativo dos locais para plantio de mudas, com apoio das comunidades extrativistas, o trabalho monitora o retorno dos caranguejos às áreas já restauradas no passado. Amostras de árvores são coletadas em diferentes áreas de pesquisa dos manguezais para o estudo de variabilidade genética, indicando onde estão as sementes que podem apresentar maior resiliência e sucesso no reflorestamento.

Lixo marinho recolhido na cidade de Bragança, no Pará, pelo Projeto Mangues da Amazônia
Voluntários do projeto retiram resíduos dos manguezais em ação conjunta de limpeza em Bragança

Conhecimento a ser desvendado

Professor da UEA descobre técnica de ensino musical esquecida em Portugal. Método possibilita maior compreensão da condução melódica entre vozes e harmonia

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, capital do País europeu, há 15 anos, o docente da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Mario Marques Trilha Neto, fez uma descoberta pioneira na área de música clássica e que tem ganhado força na atualidade. Entre centenas de documentos históricos, ele encontrou, despretensiosamente, partimentos – materiais didáticos usados por estudantes de música dos séculos XVIII e XIX, que estavam “esquecidos”.

Professor toca piano com um dos partimentos localizados em Portugal
Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium

O partimento é semelhante à partitura tradicionalmente utilizada por músicos para ler e executar composições, mas trata-se de uma parte separada, que possui apenas a linha da mão esquerda. “Se parece a uma parte do baixo contínuo do acompanhamento, mas não é realmente uma parte de acompanhamento”, afirma o pesquisador. Às vezes, contém números indicando intervalos e a condução melódica; em outros casos, não. O material era utilizado por músicos em instrumentos de teclas.

“Só que não é exatamente aquilo. Porque nessa música de orquestra ou de câmara, o que o sujeito tem que fazer é harmonia para acompanhar alguém – seja um cantor, uma orquestra, ou o que for. E ali [no partimento], a ideia é construir uma peça a partir do baixo. É começar a aprender”, destaca, lembrando que o

“Serve

para entender harmonia, para entender o caminho melódico, que é o contraponto, e para puxar pela criatividade também. É uma base para a futura improvisação. É um material muito completo e era completado com outras disciplinas”.

Mario Marques Trilha Neto, professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

material também estimula a criatividade dos alunos, sem engessar o aprendizado como os métodos tradicionais.

“Então serve para entender harmonia, para entender o caminho melódico, que é o contraponto, e para puxar pela criatividade

também. É uma base para a futura improvisação. É um material muito completo e era complementado com outras disciplinas, sobretudo o solfejo, que é cantar e ler [as partituras], mas não no sentido que conhecemos hoje”, acrescentou.

Mario Trilha explica a composição do partimento identificado em Portugal
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium

Apesar de ter sido localizado por Mario Trilha em Portugal, o partimento teve origem na Itália, nos conservatórios de música. A prática ficou esquecida e começou a reaparecer na segunda metade do século XX.

A DESCOBERTA

Com diplomas em Piano pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e em Cravo pelo Conservatoire National de Rueil-Malmaison, na França, Mario Trilha também possui mestrado em Cravo pela Staatliche Hochschule für Musik Karlsruhe, na Alemanha, e o mesmo título em Teoria da Música Antiga pela Schola Cantorum Basiliensis Hochschule für Alte Musik, na Suíça.

Mas foi durante o doutorado em Música na Universidade de Aveiro, em Portugal, em 2011, que a descoberta foi realizada. Com sua experiência em Música Antiga, ele conseguiu identificar o partimento na Biblioteca Nacional de Portugal. O pesquisador explica que o material não possui muitos detalhes, deixando espaço para a interpretação do músico.

“Essa metodologia não tem texto, ou tem muito pouco texto, porque pressupunha que os meninos tinham o professor ao lado. Então, quase não há explicação, ou não há explicação nenhuma”, disse. “Eu comecei a ver o material e a perceber que se tratava de partimento. Só que, como foi uma tradição que se perdeu, estava catalogado na biblioteca como exercícios de contraponto, baixos exercícios de harmonia, baixos soltos... Os bibliotecários catalogavam com as informações que tinham”, assinalou.

Além da Biblioteca Nacional de Portugal, partimentos também foram encontrados pelo docente em Coimbra e Vila Viçosa. Em Coimbra, o material estava, segundo o pesquisador, em uma gaveta na Faculdade de Letras.

NO BRASIL

Também há registros históricos de partimentos no Brasil, mais especificamente após a vinda da Corte Portuguesa para o País, afirma Mario Trilha. O pesquisador conta que D. João VI era “doido por música” e trouxe o compositor português Marcos Portugal, que veio lecionar para Dom Pedro e suas irmãs. Aqui, o músico reconstituiu o partimento, mas o que ficou

registrado foi apenas o método de solfejo (arte de ler e cantar as notas musicais de uma partitura) com acompanhamento. Há registros, ainda, de possíveis produções de partimentos pelo padre carioca José Maurício Nunes Garcia, conforme relatos de um de seus filhos. “O filho faz um relato, e depois vamos encontrando notícias sobre essa metodologia em uso no Brasil até o final do século XIX, já bem avançado. Então isso aconteceu aqui também por essa via, especialmente após a Corte se instalar no Rio de Janeiro”, lembra Mario Trilha.

O QUE MUDA?

Para o pesquisador, o método possibilita maior compreensão do contra-

ponto, que é a condução melódica entre as vozes, e da harmonia, mas são necessários mais estudos e entendimento de como interpretá-lo. Além dos instrumentos de teclas, também é possível adaptá-lo para o violão.

“É uma coisa nova; mesmo para mim, muitas questões ainda estão em aberto, porque é um material muito amplo. Como deixaram poucos exemplos escritos de como seria a realização, sem muitas instruções textuais, mesmo os grandes especialistas divergem sobre o que fazer e como fazer. É bacana porque é um campo novo de ensino musical, e é um material didático muito interessante”, acrescenta.

Congresso

A descoberta levou Mario Trilha ao Symposium: Partimento – Realizing its Potential (Simpósio: Partimento – Alcançando seu Potencial, traduzido para o português), que aconteceu em Viena, na Áustria, de 12 a 15 de novembro deste ano. O evento foi o primeiro grande congresso internacional da área. Na ocasião, o docente do Departamento Musical da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (ESAT/UEA) apresentou a pesquisa intitulada “The Partimento in Portugal in the 18th Century” (O Partimento em Portugal no Século XVIII, na tradução para o português). “É uma área nova que tem muito potencial, porque é um material que te permite compreender muitas coisas”, concluiu.

Imagem do partimento. Mario Trilha também localizou partimentos em três cidades portuguesas: Lisboa, Coimbra e Vila Viçosa
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium

Amazonas Meu Lar: programa leva acesso à moradia e aquece a economia

Omercado da construção civil dá sinais de aquecimento neste segundo semestre, encerrando o ano com a realização exitosa de dois grandes eventos, com foco na geração de negócios no setor, movimentando a economia local, e na ampliação e facilitação do acesso à moradia. Estou me referindo ao 1º Feirão do Amazonas Meu Lar, promovido pelo governo do Estado com a participação de empresas do setor da construção, e à Construnorte 2024, na qual também estivemos presentes como expositores.

Nos dois eventos, apresentamos as oportunidades e benefícios para as famílias inscritas no Amazonas Meu Lar, o maior programa habitacional do Estado. Neste momento, estamos direcionando nossos esforços para uma das linhas de atendimento: o Subsídio Entrada do Meu Lar. Nessa modalidade, o Governo do Amazonas auxilia as famílias no pagamento da entrada do financiamento do imóvel. O subsídio é voltado a quem está realizando a compra por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), na linha Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

A adesão da população ao programa tem sido incrível. O Feirão Amazonas Meu Lar, realizado nos dias 16 e 17 de novembro, recebeu mais de 20 mil pessoas e gerou uma expectativa de vendas que pode chegar a R$ 352 milhões, após a conclusão das análises de todas as 3 mil propostas de compra recebidas. Um sucesso absoluto, resultado da liderança e apoio total do governador Wilson Lima, do engajamento dos órgãos envolvidos na execução do programa e da parceria das construtoras credenciadas.

As construtoras credenciadas no programa apresentaram no feirão 38 empreendimentos imobiliários aptos para a linha de atendimento Entrada do Meu Lar, o que representa mais de 4,4 mil unidades habitacionais. No Centro de Convenções Vasco Vasques, onde foi realizado o evento, as famílias puderam usufruir de toda a estrutura para resolver pendências burocráticas ou obter orientações, contando com órgãos como Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), Associação das Empresas

do Mercado Imobiliário (Ademi), Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-AM), Caixa Econômica Federal e Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Amazonas (Creci).

Na Construnorte, o Amazonas Meu Lar também marcou presença. O evento, que se configura na maior feira de negócios da construção civil da Região Norte, foi retomado este ano, confirmando o momento especial de aquecimento do mercado. Promovida pelo Sinduscon-AM, a Construnorte foi realizada no Studio 5 Centro de Convenções, de 29 de novembro a 1º de dezembro, reunindo 100 estandes de empresas de diferentes portes, como startups, indústrias de materiais de construção, vendas de imóveis, revendas, incorporadoras e as que são especializadas em sistemas industrializados avançados, em tecnologia e inovação.

Com o objetivo de fomentar negócios e fortalecer a cadeia da construção civil, especialmente no Estado, consagrou-se em uma excelente oportunidade de negócios para as empresas da região e uma vitrine importante para o Amazonas Meu Lar, que prevê a construção de 22 mil unidades habitacionais, com geração de 55 mil empregos diretos e indiretos no setor.

Lançado em 2023, o programa do Governo do Amazonas é executado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano (Sedurb), Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE), Superintendência de Habitação do Amazonas (Suhab) e Secretaria das Cidades e Territórios (Sect).

Atua em parceria com o programa federal Minha Casa, Minha Vida e tem como meta atender 24 mil famílias com soluções de moradia e 33 mil com regularização fundiária. O investimento total é estimado em R$ 4,7 bilhões, somando recursos do Estado, do FGTS e do Fundo Arrendamento Residencial (FAR). O programa já alcançou, até o momento, 23.132 famílias. Dessas, 5.827 foram atendidas com soluções de moradia e 17.305 com regularização fundiária. Ao todo, foram feitos 135.021 pagamentos em forma de bolsa moradia transitória, auxílio-aluguel,

bônus moradia, indenizações, auxílio-moradia e subsídios emergenciais.

Na linha de subsídio Entrada do Meu Lar, carro-chefe nessa atual fase, o Governo do Amazonas está destinando R$ 48 milhões, o que corresponde a até 1,6 mil unidades financiadas. Podem fazer uso do benefício famílias com renda de até R$ 8 mil. O valor disponibilizado para a entrada do imóvel varia entre R$ 35 mil, R$ 30 mil e R$ 20 mil, de acordo com a faixa de renda familiar. A ajuda do governo do Estado na composição do valor da entrada é muito importante, porque este tem sido um grande entrave para muitos, pela falta de recursos disponíveis para o seu desembolso.

As famílias que têm interesse, mas ainda não se inscreveram no programa, o processo para pré-cadastro é simples e pode ser feito a qualquer momento, pelo site www.amazonasmeular. am.gov.br ou pelo aplicativo Sasi. Quem está pré-cadastrado e tiver interesse no subsídio, deve atualizar os dados e fazer a opção por essa linha de atendimento. A documentação necessária para a análise de crédito junto às construtoras está disponível no site, na aba “Documentos”.

Os que já passaram por todo o processo, da aprovação de crédito pelas construtoras e da análise social da UGPE e Suhab, podem aproveitar o subsídio e fechar a compra do imóvel. Muitos estão saindo do aluguel para morar em apartamentos com boa localização e estrutura, em geral, em condomínios com piscina, playground, academia.

É gratificante ver sonhos sendo concretizados e, em especial, por envolver o direito à moradia, a segurança na posse do imóvel e a tranquilidade de ter um lar para compartilhar com a família.

(*) Marcellus Campêlo é engenheiro civil, especialista em saneamento básico; exerce, atualmente, o cargo de secretário da Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE).

Crédito: Divulgação

Queda do general: Braga Netto preso pela PF

Ex-ministro do Governo Jair Bolsonaro (PL) e candidato a vice na chapa derrotada em 2022 foi preso sob suspeita de tentar interferir nas investigações sobre a tentativa de golpe de Estado Jadson Lima – Da Cenarium*

MANAUS (AM) – O ex-ministro do Governo Jair Bolsonaro (PL) e candidato a vice na chapa derrotada em 2022, general da reserva Walter Braga Netto, foi preso em uma operação da Polícia Federal (PF), no dia 14 de dezembro, sob suspeita de tentar interferir nas investigações sobre a tentativa de golpe de Estado. A ação policial estava prevista para ocorrer no dia 12, mas o militar estava de férias com a família em Alagoas.

O militar do Exército Brasileiro foi preso quando voltou à residência que mantém em Copacabana, no Rio de Janeiro. As operações da PF costumam ser realizadas

durante a semana, mas podem ser adiadas caso haja necessidade.

A ação policial foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a pedido da PF. A decisão assinada pelo magistrado tem 32 páginas e fala sobre fatos novos que implicam o general Braga Netto e um dos principais assessores dele, o coronel da reserva Flávio Peregrino. O sigilo da ordem judicial foi derrubado após o cumprimento dos mandados contra os alvos.

As suspeitas relacionadas à tentativa de interferir nas investigações vêm sendo acumuladas desde setembro de 2023, quando o

General Braga Netto
Crédito: Paulo Dutra | Cenarium

tenente-coronel Mauro Cid teve homologado seu acordo de colaboração premiada no STF.

O próprio Cid relatou a Alexandre de Moraes, durante depoimento no Supremo, que Braga Netto usou auxiliares para ter acesso a detalhes de seus depoimentos.

A Polícia Federal apreendeu, na sede do Partido Liberal (PL), no início do ano, em mesa usada pelo coronel Peregrino, um documento redigido à mão com pontos que teriam sido abordados pelo tenente-coronel na delação premiada.

De acordo com a PF, também foram cumpridos “dois mandados de busca e apreensão e uma cautelar diversa da prisão contra indivíduos que estariam atrapalhando a livre produção de provas durante a instrução processual penal”. As medidas judiciais teriam como objetivo, segundo a

Braga Netto e Cid. No total, 37 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal, pela suposta tentativa de golpe.

Entre os indiciados, estão suspeitos de articular um plano para matar em 2022 o então presidente eleito, Lula (PT), o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e Moraes. Esse plano teria sido discutido na casa do general da reserva, em Brasília.

“Ainda não tivemos pleno acesso às investigações, o que impossibilita a defesa de fazer qualquer manifestação”, disse o advogado Luis Henrique Prata assim que as revelações da PF vieram à tona. Nos últimos dias, a defesa de Bolsonaro passou a trabalhar com a tese do “golpe do golpe”, segundo a qual militares de alta patente usariam a trama golpista no fim de 2022 para derrubar o então presidente

“Quem iria assumir o governo em dado momento não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo”

Paulo Amador da Cunha Bueno, advogado de Bolsonaro

PF, “evitar a reiteração das ações ilícitas”.

A Polícia Federal ainda faz buscas contra o coronel da reserva Flávio Peregrino, principal auxiliar de Braga Netto desde o Governo Bolsonaro. Ele foi alvo de uma cautelar diversa de prisão.

TRAMA GOLPISTA

Braga Netto fazia parte do círculo mais íntimo de Bolsonaro. Foi ele quem levou o ex-presidente para reunião com o ex-comandante do Exército Villas Boas, no fim de 2022, para buscar conselhos. Segundo a PF, o general atuou em dois núcleos do grupo suspeito da trama golpista.

De acordo com as investigações, ele teria participado do “Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado” e do “Núcleo de Oficiais de Alta Patente com Influência e Apoio a Outros Núcleos”. A lista de indiciados pela PF no caso da trama golpista inclui Bolsonaro e os ex-ministros Augusto Heleno (GSI), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Defesa), além de

e assumir o poder – e não para mantê-lo no cargo.

A estratégia para livrar Bolsonaro do enredo golpista implica os generais da reserva Augusto Heleno e Walter Braga Netto como os principais beneficiados por uma eventual ruptura institucional.

Aliados dos dois militares afirmaram ao jornal Folha de São Paulo, sob reserva, que a divulgação dessa linha de defesa causou quebra de confiança. O movimento é visto como um oportunismo do ex-presidente na tentativa de se livrar das acusações de que conhecia os planos golpistas.

A base para essa tese é um documento elaborado pelo general da reserva Mario Fernandes, um dos principais suspeitos de arquitetar a trama golpista revelada pela PF. Esse texto previa a criação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, comandado por militares, logo após o golpe de Estado.

Bolsonaro liderou a trama golpista no final de 2022, e a ruptura democrática não foi concretizada por “circunstâncias alheias a sua vontade”, disse a PF no relatório final

A Polícia Federal (PF) indiciou 37 pessoas pela suposta tentativa de golpe de Estado. A lista inclui o ex-presidente da República Jair Bolsonaro, ex-ministros, além de outras pessoas ligadas a diferentes núcleos de planejamento, desinformação e apoio logístico às ações golpistas.

da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado.

Declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro teve seu papel detalhado pela PF nas conclusões do inquérito.

Segundo a PF, “os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca” que Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do Estado democrático de Direito”.

As reações de militares sobre a linha de defesa se intensificaram após Paulo Amador da Cunha Bueno, um dos advogados de Bolsonaro, dizer em entrevista à GloboNews que o ex-presidente não se beneficiaria com um eventual golpe.

“Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada após a ação do ‘Plano Punhal Verde e Amarelo’ e, nessa junta, não estava incluído o presidente Bolsonaro”, disse Bueno.

O advogado voltou a dizer que Bolsonaro não tinha conhecimento do plano identificado pela PF que definia estratégias para matar Lula, Alckmin e Moraes.

“Não tem o nome dele [Bolsonaro] lá, ele não seria beneficiado disso. Não é uma elucubração da minha parte. Isso está textualizado ali. Quem iria assumir o governo em dado momento não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo”, reforçou o advogado.

Relação com a Amazônia

Arelação dos ex-ministros, indiciados pela Polícia Federal, com a Amazônia pode ser entendida a partir de diferentes dimensões estratégicas, políticas e econômicas que marcaram suas atuações no Governo Bolsonaro. Os indiciados estão vinculados à Amazônia por meio de políticas públicas e ações que promoveram a exploração econômica desregulada, favorecendo setores como agronegócio, mineração e madeira.

Militarizaram a região sob o pretexto de segurança nacional, mas protegendo interesses privados e flexibilizando a fiscalização ambiental, resultando no aumento de atividades ilegais que beneficiaram grupos alinhados ao governo.

Braga Netto

Como ministro da Defesa, Braga Netto endossou a ampliação do uso das Forças Armadas na Amazônia, por meio de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para combater crimes ambientais. Contudo, essas operações foram frequentemente criticadas por serem ineficazes no combate ao desmatamento e por favorecer interesses econômicos associados à exploração da região.

Crédito: Reprodução | Agência Brasil

Augusto Heleno

Augusto Heleno foi comandante militar da Amazônia entre 2007 e 2009, um dos postos mais estratégicos do Exército Brasileiro. Nesse período, tornou-se uma figura central na defesa de uma política de soberania nacional sobre a região, com discursos fortes contra organizações internacionais e ONGs que atuam na Amazônia.

Durante seu comando, Heleno criticou a demarcação de terras indígenas, argumentando que tais políticas ameaçavam a segurança nacional. Esse discurso ecoou no Governo Bolsonaro, alinhando interesses de exploração econômica da região.

Crédito: Braga Netto
Divulgação

Paulo Sérgio

Paulo Sérgio, ministro da Defesa, durante o Governo Bolsonaro, intensificou o uso das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem na Amazônia, justificadas pelo combate a crimes ambientais. No entanto, essas operações foram acusadas de proteger interesses do agronegócio e da mineração, enquanto ignoravam comunidades indígenas.

Paulo Sérgio alinhou-se ao discurso do governo, que priorizava a exploração econômica da Amazônia em detrimento da preservação ambiental, usando o aparato militar como ferramenta para assegurar essas ações.

Anderson

Torres

A Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça, sob a gestão de Anderson Torres foi duramente criticada pela lentidão em operações de combate a crimes ambientais, como desmatamento e mineração ilegal, que cresceram durante o Governo Bolsonaro.

Mauro Cid

Embora Mauro Cid não tenha uma ligação direta com políticas amazônicas, seu papel operacional como braço direito de Bolsonaro pode ter incluído o gerenciamento de contatos com grupos interessados na exploração da região, alinhando-se a iniciativas do governo.

Cid poderia ter facilitado a comunicação entre o núcleo bolsonarista e interesses locais na Amazônia, incluindo garimpeiros e empresários do setor madeireiro, favorecidos por políticas do governo.

(*) Com informações da Folha de S. Paulo

Crédito: Reprodução
Crédito: Reprodução Agência Brasil

Direitos reconhecidos

Após seis anos de paralisação, o governo federal já homologou 13 Terras Indígenas (TIs)

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) - Foram publicados no Diário Oficial da União (DOU) do dia 5 de dezembro os decretos de homologação das Terras Indígenas (TIs) Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba (PB), e Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, em Santa Catarina (SC). Os documentos foram assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio do Planalto, na véspera dos 57 anos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Segundo a autarquia, com as três demarcações publicadas no DOU, já são 13 Terras Indígenas homologadas pela atual gestão do governo federal desde 2023, entre as 14 enviadas para homologação, após seis anos

de processos paralisados. Também foram delimitadas as Terras Indígenas Krenak de Sete Salões, Sawré Bapin e Kapot Nhinore, e encaminhados 28 processos ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para a assinatura de portaria declaratória de limites territoriais.

No dia 18 de abril deste ano, véspera das celebrações pelo Dia dos Povos Indígenas, Lula assinou os decretos de homologação das TIs Aldeia Velha, na Bahia, e Cacique Fontoura, no Mato Grosso. Desde então, foi criada uma força-tarefa para avançar no processo envolvendo as TIs Potiguara de Monte-Mor, Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, que ficaram de fora daquele decreto, segundo informações da Funai.

A presidente da autarquia, Joenia Wapichana, comemorou os avanços e disse que o trabalho ainda não terminou, pois agora a atuação será para promover a autonomia dos povos indígenas na gestão de seus territórios. “Sabemos como é importante a regularização fundiária das Terras Indígenas, porque dela vem a vida, a sobrevi-

vência. É um direito dos povos indígenas e o dever do Estado brasileiro. Então, hoje é dia de comemorar mais um passo na proteção dos direitos territoriais”, afirmou, após a assinatura dos decretos, ao lado do presidente Lula.

Em 2023, foram homologadas oito Terras Indígenas: Arara do Rio Amônia (AC), Acapuri de Cima (AM), Rio Gregório (AC), Kariri-Xocó (AL), Uneiuxi (AM), Rio dos Índios (RS), Tremembé da Barra do

Já são 13 Terras Indígenas homologadas pela atual gestão do governo federal desde 2023, entre as 14 enviadas para homologação, após seis anos de processos paralisados.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da Funai, Joenia Wapichana, e outros representantes do governo federal em cerimônia de homologação de Terras Indígenas
Crédito: Reprodução | Redes Sociais

Mundaí (CE) e Avá-Canoeiro (GO). Em 2024, foram mais cinco TIs: Aldeia Velha (BA), Cacique Fontoura (MT), Potiguara de Monte-Mor (PB), Morro dos Cavalos (SC) e Toldo Imbu (SC).

Segundo dados divulgados pela Funai, atualmente, há mais de 530 registros de reivindicação fundiária indígena, dos quais 120 envolvem a revisão de limites e pelo menos 60 a constituição de reservas indígenas. Estão em andamento, na autarquia, 149 estudos multidisciplinares de identificação e delimitação, além de 39 Terras

Indígenas delimitadas, das quais 12 em fase de contraditório administrativo. Há, ainda, 101 procedimentos impactados por decisões judiciais, que objetivam a abertura e/ou conclusão dos estudos de identificação e delimitação.

A Funai é o principal órgão governamental responsável pelo processo de demarcação de terras, que compreende as fases de identificação e delimitação, declaração, demarcação física e homologação. Ela atua também em conjunto com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o Ministério

da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Presidência da República no processo demarcatório.

A homologação de uma Terra Indígena é a quarta etapa do processo administrativo de regularização desses territórios, sendo realizada após a demarcação física da área. Após a publicação do decreto de homologação, a Funai procede com o registro da TI na Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e nos cartórios de registros de imóveis, por ser uma terra pública de usufruto exclusivo dos povos indígenas.

Conheça as Terras Indígenas homologadas, segundo a Funai:

TI POTIGUARA DE MONTE-MOR (PB)

Destinada à posse permanente do povo indígena Potiguara, a TI Potiguara de Monte-Mor localiza-se nos municípios de Marção e Rio Tinto, na Paraíba. O território, com cerca de 7,5 mil hectares, abriga mais de 7 mil indígenas em seis aldeias, de acordo com dados do Censo 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A TI Potiguara de Monte-Mor possui rica biodiversidade e está localizada em áreas com relevante interesse ecológico, incluindo manguezais e zonas de proteção ambiental, no bioma Mata Atlântica.

O processo de demarcação da TI Potiguara de Monte-Mor começou em 2001 com a formação de um grupo técnico, seguido pela publicação do relatório em 2004. Em 2007, foi emitida a portaria

declaratória e, em 2009, a Funai fez a demarcação física dos limites.

TI MORRO DOS CAVALOS (SC)

A Terra Indígena Morro dos Cavalos foi declarada pela Portaria n.º 771, de 18 de abril de 2008, e possui, aproximadamente, 1.988 hectares. Localizada no município de Palhoça, em Santa Catarina (SC), o território é habitado por indígenas dos povos Guarani Mbyá e Nhandeva, que possuem uma relação histórica e cultural com a área, além de desempenharem um papel essencial na preservação de remanescentes da Mata Atlântica.

A região é sobreposta ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Essas características fazem do território uma área estratégica tanto para a conservação ambiental quanto para o desenvolvimento

sustentável da Grande Florianópolis. A demarcação física do território foi realizada em 2010.

A Funai e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizaram, no início de dezembro, uma operação conjunta para demolição de edificações inabitadas construídas irregularmente dentro da TI, em cumprimento a decisão judicial.

TI TOLDO IMBU (SC)

Localizada no município de Abelardo Luz, em Santa Catarina (SC), a TI Toldo Imbu possui uma área superior a 1,9 mil hectares, no bioma Mata Atlântica. O território, do povo Kaingang, foi declarado pela Portaria n.º 793, de 19 de abril de 2007, e a demarcação física foi realizada em 2010.

Vista aérea de território indígena na Amazônia
Crédito: Reprodução CIR

Instituições transparentes

Órgãos Públicos do Amazonas recebem selos que avaliam o nível de transparência de informações dos órgãos

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Sete instituições públicas do Amazonas foram premiadas com selos Diamante e Ouro do Programa Nacional de Transparência Pública (PNTP), que classificam o nível de transparência de informações dos órgãos. A cerimônia aconteceu na sede do Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM), na Zona Centro-Sul de Manaus.

O PNTP é promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas

(Atricon), Tribunal de Contas da União (TCU) e Tribunal do Estado de Mato Grosso (TCE-MT), e teve adesão do TCE-AM para avaliar os órgãos públicos do Estado.

A premiação foi comemorada pela presidente do Tribunal de Contas, Yara Amazônia Lins. Ela destacou que o prêmio, além de ser um reconhecimento, deve ser um incentivo aos gestores para aprimorar os trabalhos de transparência de seus órgãos.

Cerimônia foi realizada na sede do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium

“Isso faz com que nós verifiquemos a transparência dos gestores públicos e o reconhecimento do trabalho público que estão efetuando no nosso Estado do Amazonas, e dizer que esse incentivo é para cada gestor, para cada vez mais se aprimorar nos trabalhos, com transparência e muita responsabilidade, e fazer a coisa certa”, declarou.

Segundo o TCE-AM, os órgãos são classificados conforme o nível de transparência: Diamante (entre 95% e 100% dos critérios atendidos); Ouro (85% a 94%); Prata (75% a 84%); Intermediário (50% e 74%); Básico (30% e 50%); Inicial (abaixo de 30%); e Inexistente (0%).

No Amazonas, o TCE-AM, Governo do Amazonas, Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), Ministério Público do Amazonas (MP-AM), Defensoria Pública do

Amazonas (DPE-AM) e Câmara Municipal de Parintins foram premiados com o Selo Diamante. A Prefeitura de Manaus foi premiada com o Selo Ouro.

O conselheiro Júlio Pinheiro defendeu que buscar a transparência é aprimorar a eficiência dos trabalhos realizados no órgão. “Buscamos não só a transparência, como a eficiência dos nossos trabalhos, dos serviços do tribunal, na contraprojeção aos nossos direcionados. E isso, para nós, é representativo, e para as instituições e as outras que também receberão esse selo”, disse.

A premiação avaliou critérios como o acesso público a informações, a clareza de dados financeiros e o controle de informações sigilosas, destacando o compromisso das instituições com uma gestão eficiente e transparente.

“Dizer que esse incentivo é para cada gestor, para cada vez mais se aprimorar nos trabalhos, com transparência e muita responsabilidade, e fazer a coisa certa”
Yara

Amazônia Lins, presidente do TCE-AM

Presidente do TCE-AM, Yara Amazônia Lins, e conselheiro Júlio Pinheiro Crédito:

Concurso da CMM: um caso de racismo institucional e pacto da branquitude

Aopção da Câmara Municipal de Manaus (CMM) de não incluir uma reserva de vagas para pessoas negras, quilombolas e indígenas no edital do concurso público que está realizando para preenchimento de cargos da instituição merece uma análise não só do ponto de vista jurídico, mas também socio-histórico e ético.

Quando a instituição alega que não existe no município de Manaus uma lei que obrigue a reserva de vagas em concursos públicos para esses grupos historicamente marginalizados, ela assume publicamente que os vereadores de nossa capital, assim como o Executivo municipal, nunca se preocuparam com essa pauta legítima, já abraçada pelo governo federal e por diversas unidades da federação.

O Brasil, como sustentado pelo Ministério Público do Amazonas na ação movida contra o edital da CMM, ratificou, em janeiro de 2022, sua adesão ao texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Como previsto em nossa Constituição Federal, no art. 5º, § 3º, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. E esse é o caso da Convenção Interamericana contra o Racismo. Sendo assim, os artigos relacionados às ações afirmativas presentes na carta aprovada durante a sessão da Organização dos Estados Americanos, realizada na Guatemala em 2013, possuem status constitucional no Brasil.

Dentre eles está o art. 5º: “Os Estados Partes comprometem-se a adotar as políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar o gozo ou exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e formas correlatas de intolerância, com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de oportunidades, inclusão e progresso para essas pessoas

ou grupos (grifo nosso). Tais medidas ou políticas não serão consideradas discriminatórias ou incompatíveis com o propósito ou objeto desta Convenção, não resultarão na manutenção de direitos separados para grupos distintos (grifo nosso) e não se estenderão além de um período razoável ou após terem alcançado seu objetivo”.

É curioso como ações afirmativas para grupos em vulnerabilidade social são constantemente alvo de polêmicas. Vale lembrar o caso das cotas de acesso ao Ensino Superior, que chegaram a ser debatidas no Supremo Tribunal Federal, sendo entendidas como constitucionais pela Corte.

O que pouca gente fala, e que estrategicamente não é ensinado nas aulas de história (apesar da Lei Federal 10.639/2003), é que “cotas” já existiram para beneficiar pessoas brancas e proprietários de terra neste País. Cito duas: a Lei do Boi (Lei Federal 5.465/68), que garantia vagas em escolas agrícolas e cursos de Agronomia e Medicina Veterinária para filhos de fazendeiros (o direito à terra é até hoje objeto de luta de negros, quilombolas e indígenas); e a própria lei de incentivo à migração europeia no fim do século 19, quando essas pessoas recebiam terras, dinheiro e outros benefícios para migrarem para o Brasil, contribuindo com uma política de branqueamento do Estado brasileiro (as teorias “científicas” da época diziam que o País era atrasado por conta da miscigenação com negros e indígenas).

Então, quem foi mais beneficiado historicamente com cotas? E, focando no serviço público, as pesquisas demonstram o quanto é inferior o número de servidores negros, indígenas e quilombolas. Essa disparidade, assim como no caso do acesso ao Ensino Superior, é fruto dessa desigualdade social (é só olhar os dados do IBGE, que são oficiais), que tem como base o racismo, que é, sim, estrutural e tem como dois de seus elementos o Direito e a Política. Se pararmos para estudar ambos, vamos entender como sempre foram utilizados pela elite para manutenção de poder e privilégios.

E racismo é manutenção de poder. Logicamente, não é de interesse da elite política e econômica deste País que os grupos tidos por eles como subalternos passem a ocupar lugares de poder ou a ascender socialmente. No livro ”O Pacto da Branquitude”, a professora Cida Bento demonstra como essa elite se articula de forma a manter os benefícios que consideram inerentes ao seu grupo racial e social, formando um “pacto narcísico”. Esse pacto estará presente nas instituições públicas e privadas, com regras que não são expressas formalmente (obviamente, pois racismo é crime), mas que dificultam ou impedem os direitos dos grupos subalternizados. O jurista Adilson Moreira, em Tratado de Direito Antidiscriminatório, também ensina que normas jurídicas, políticas públicas ou decisões institucionais podem não trazer nenhuma regra especificamente prejudicial a um determinado grupo e, mesmo assim, conter teor discriminatório.

A própria Convenção Interamericana contra o Racismo classifica a discriminação racial indireta: “é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico”. O racismo no Brasil é velado e está nas entrelinhas.

Os argumentos defendidos pela Procuradoria da CMM podem arrotar neutralidade, mas também deixam no ar a podridão da exclusão e do discurso vil da meritocracia.

(*) Luciana Santos é jornalista e advogada, mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público, Direitos Humanos e Processo Civil, Africanidades e Cultura Afro-brasileira e possui MBA em Marketing e MBA em Gestão empresarial.

Crédito: Acervo Pessoal

Abandono e luta silenciosa dos indígenas do AM: realidade de exclusão e violação de direitos

Ka tücüna naina. Frase escrita na gramática Kanamari e traduzida para o português significa: Olá, leitor(a).

Os municípios do interior do Amazonas são exemplos claros do abandono do Estado, do descumprimento das leis e da violação dos direitos fundamentais dos povos indígenas. A maioria desses municípios está distante da capital Manaus e reflete uma realidade de desigualdade extrema, onde as comunidades indígenas vivem à mercê de uma oligarquia local composta por “coronéis de barranco”, que mantêm o controle sobre as populações e impedem o avanço da justiça social. A educação, direito garantido pela Constituição, ainda é um privilégio para poucos, e para os povos indígenas, essa situação se torna ainda mais alarmante, especialmente nas aldeias mais isoladas. Em municípios como Itamarati, Carauari, Juruá e Eirunepé, localizados às margens do nosso querido Rio Juruá, a falta de ação estatal e a ineficiência do sistema de justiça local contribuem para a perpetuação dessa realidade de descaso e desproteção.

Embora a Constituição e outras legislações garantam aos povos indígenas o direito à educação, a realidade nos municípios do interior do Amazonas é bem diferente. A maioria das escolas nas áreas indígenas encontra-se em péssimas condições estruturais, muitas vezes em estado de ruína. A situação é bem complicada, há uma ausência de quase tudo, pois quando as prefeituras enviam professores para as aldeias, eles frequentemente não têm as qualificações mínimas exigidas pela legislação, e a falta de materiais escolares e de infraestrutura básica nas escolas improvisadas agrava ainda mais a situação. Em muitos casos, os educadores sequer concluíram o Ensino Médio de forma regular, sendo analfabetos funcionais, o que compromete gravemente a qualidade do ensino oferecido às crianças e jovens indígenas.

Este quadro de exclusão educacional é apenas uma das várias manifestações da ausência do Estado e da violação dos direitos dos povos originários. O acesso à educação de qualidade é um desafio constante para os indígenas, sendo quase impossível superar as barreiras sociais, linguísticas, culturais e geográficas. A realidade de muitas aldeias é a de um abandono completo, onde as políticas públicas não chegam, deixando essas populações à margem da sociedade e sem acesso aos direitos mais básicos. Para acessar serviços públicos ou buscar auxílio, muitos indígenas precisam viajar por dias até a comarca mais próxima, onde enfrentam racismo, preconceito e xenofobia de uma sociedade que os marginaliza.

Além disso, os povos indígenas enfrentam sérias violações de seus direitos econômicos e sociais. Situações narradas pelos indígenas de que empresários locais retêm, ilegalmente, os cartões de benefícios, como o Bolsa Família, são frequentes, e o resultado dessas ações acaba por privar as comunidades indígenas dos recursos que lhes são devidos. Não há fiscalização efetiva para coibir essas práticas, e os responsáveis por essas ilegalidades permanecem impunes. As denúncias, em grande parte, vêm de organizações da sociedade civil, já que a maioria das vítimas, por questões linguísticas e culturais, não consegue se comunicar em português e, portanto, são mais vulneráveis à exploração e à violação de seus direitos.

Os gestores municipais, que perpetuam suas ações semelhantes às dos “coronéis de barranco”, desempenham um papel central nesse processo de invisibilidade e exclusão. Esses gestores só lembram das comunidades indígenas durante os períodos eleitorais,

utilizando as prefeituras como cabides de emprego para amigos e familiares, cujas ações insensíveis e incompetentes perpetuam a marginalização da população indígena. O genocídio cultural e social dos povos indígenas no Amazonas ocorre de forma silenciosa, mas é igualmente eficaz. As políticas públicas destinadas a essas populações são inexistentes ou ineficazes, e é claro que a intenção dos governantes locais é mantê-los afastados de seus direitos fundamentais.

Como advogada atuante na defesa dos direitos humanos dos povos originários, é impossível ignorar a gravidade dessa situação. O abandono institucional por parte do Estado e a negligência do sistema de justiça representam uma afronta aos direitos humanos dos povos indígenas no interior do Amazonas. As falhas nas políticas públicas são evidentes, e a luta por justiça, igualdade e respeito aos povos originários deve ser uma prioridade urgente. Não podemos permitir que o Estado continue a perpetuar esse ciclo de exclusão e invisibilidade, que não apenas enfraquece as comunidades, mas também apaga sua história e cultura, relegando-os ao esquecimento e à marginalização.

Bapo ikoni. Até a próxima pauta.

(*) Inory Kanamari é articulista da Cenarium e a primeira advogada indígena do povo Kanamari. Está como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM, vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu no Conselho Nacional de Justiça, ativista, poetisa, membra na Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia (Alcama).

Crédito: Acervo Pessoal

O Vale do Purus é formado por 13 municípios do Amazonas

Vale da miséria

Região do Vale do Rio Purus, no Amazonas, tem 66,6% da população vivendo abaixo da linha de pobreza, segundo o IBGE

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O “Vale do Rio Purus”, no Amazonas, formado por 13 cidades, era a região do país com a maior proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza em 2023, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A localidade, com 66,6% da população nessa situação, é seguida pelo litoral e baixada maranhense (63,8%) e pelo entorno da Região Metropolitana de Manaus, também no Amazonas (62,3%).

Segundo o IBGE, o Vale do Rio Purus é composto pelos municípios: Anamã, Anori, Beruri, Boca do Acre, Caapiranga, Canutama, Careiro, Coari, Codajás, Lábrea, Manaquiri, Pauini e Tapauá. Já o entorno de Manaus inclui as cidades de Careiro da Várzea, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru,

Novo Airão, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva.

O valor definido pelo Banco Mundial para a linha de pobreza de países com renda média alta, como o Brasil, é de rendimento domiciliar per capita abaixo de US$ 6,85 por dia em paridade de poder de compra. Isso significa dizer que, nessas localidades, a divisão do total dos rendimentos em uma residência pelo número de moradores resulta em menos de R$ 41,50, considerando a cotação do dólar em dezembro.

Segundo o IBGE, nas demais regiões do País, destacaram-se os entornos de Cuiabá (MT), Brasília (DF) e Rio de Janeiro (RJ), com proporções de pobres na terceira faixa, de um total de quatro, variando entre 27,4% e 48,8%. Nos seguintes locais, os percentuais foram: Entorno Metropolitano

de Cuiabá (MT), 29,9%; Região Integrada de Brasília, em Goiás, 27,6%; e Arco Metropolitano de Nova Iguaçu (RJ), 33,9%.

O gerente da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), Leonardo Athias, ressaltou a desigualdade entre os estados com as maiores e menores proporções de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza: “O detalhamento por estratos permite ver a desigualdade regional, uma vez que os dados por Unidades da Federação colocaram todas as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste entre os menores valores encontrados”, observou Leonardo Athias. Os estratos geográficos são agrupamentos de áreas municipais dentro de um mesmo Estado, reunidos visando construir dados estatísticos para uma área menor.

Crédito: Weslley Santos | Cenarium

Consultor de Políticas Públicas e Sustentabilidade e ex-deputado federal, Luiz Castro

Nessas localidades, a divisão do total dos rendimentos em uma residência pelo número de moradores resulta em menos de R$ 41,50 por dia.

Contraponto: crescimento do PIB

A posição de duas localidades do Amazonas entre as mais pobres do País contrapõe dados recentes do Produto Interno Bruto (PIB) no Estado, que registrou crescimento de 3,27%, segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti). O balanço é referente ao ano de 2022.

O PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos em uma determinada região e possibilita medir a evolução da economia. Os dados por município são divulgados sempre com dois anos de defasagem.

Em relação a Manaus, a capital alcançou a quinta posição entre os municípios com o maior PIB em 2021, segundo a Sedecti. A cidade ocupava a sexta colocação em 2019, subiu para a quinta em 2020 e manteve essa posição em 2021, com um PIB de R$ 103,281 bilhões, sendo o maior PIB das regiões Norte, Nordeste e Sul.

Apesar da liderança do Amazonas nos dados divulgados pelo IBGE, o instituto apontou que o Estado teve uma “expressiva” redução na proporção de pessoas vivendo na extrema pobreza (com menos de US$ 2,15 por dia) entre 2021 e 2023, passando de 16,2% para 6,6%.

Mesmo com o crescimento da população total de 4,103 milhões para 4,221 milhões, o número absoluto de pessoas nessa condição caiu de cerca de 665 mil em 2021 para, aproximadamente, 279 mil em 2023, uma redução de 386 mil pessoas.

Em Manaus, a análise da série histórica no mesmo período também demonstrou uma redução de pessoas vivendo em extrema pobreza, passando de 9,7% em 2021 para 3,9% em 2023, mesmo com o aumento do valor da linha mensal de extrema pobreza de R$ 181 para R$ 205.

Má distribuição de renda

O consultor de Políticas Públicas e Sustentabilidade, Luiz Castro, aponta, à CENARIUM, a desigualdade como resultado da má distribuição de renda, fruto de um modelo de desenvolvimento econômico excludente. Castro considera que esse modelo, assim como a gestão pública do Amazonas, é “totalmente equivocado” por concentrar riqueza e oportunidades nas mãos de poucos.

“As políticas públicas no Amazonas nunca foram focadas na diminuição da desigualdade. Elas apenas reproduzem a desigualdade, quando não a agravam. Por exemplo: os investimentos quase sempre começam em Manaus, mas não são direcionados para reduzir a desigualdade em áreas como a saúde, fortalecendo a atenção básica e a média complexidade nas cidades do interior”, elenca Castro.

Castro também cita a falta de políticas públicas de desenvolvimento sustentável no interior, o que faz com que a população se dirija à capital Manaus em busca de melhores oportunidades.

“Esse processo de atrair muita mão de obra para Manaus e seu entorno, sem oferecer empregabilidade, é trágico. Falta uma política pública de desenvolvimento sustentável da produção no interior, da nossa bioeconomia e do nosso potencial. Pouco foi feito para mudar a situação dos municípios do interior, que poderiam aproveitar melhor seus recursos econômicos”, acrescenta Castro.

Na cidade, por outro lado, falta empregabilidade para tantas pessoas, que, em muitos casos, não alcançam as exigências do mercado.

“Em Manaus, a cidade atraiu muita gente, mas não tem suporte econômico para tantas pessoas. E muitos vieram sem escolaridade, não conseguem se empregar no Polo Industrial porque, às vezes, não têm nem o ensino fundamental completo. Existe um descompasso entre educação e mercado econômico”, conclui Castro.

Crédito: Divulgação

Deputados federais durante votação das propostas que regulamentam a Reforma Tributária

ZFM: benefícios mantidos

Com a aprovação da Reforma Tributária pelo Congresso, ficam mantidos incentivos à Zona Franca de Manaus (ZFM) e o refino de petróleo com isenções fiscais do modelo econômico

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 17 de dezembro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 68/2024, que regulamenta a Reforma Tributária sobre o consumo, por 324 votos favoráveis e 123 contrários, com a retirada das bebidas açucaradas da taxação do Imposto Seletivo (IS), conhecido como “imposto do pecado”. A emenda foi aprovada no Senado, com o apoio dos senadores do Amazonas Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB), que foi o relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Todos os oito parlamentares da bancada do Amazonas votaram a favor do

projeto, inclusive Capitão Alberto Neto, contrariando a orientação de seu partido, o PL, que orientou contra a aprovação da matéria. No total, houve três abstenções.

Os deputados tiveram que decidir se acatavam o relatório do Grupo de Trabalho (GT), cujo relator era o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que analisou o substitutivo aprovado no Senado e retirou algumas mudanças feitas pelos senadores. Caso fosse rejeitado, valeria a versão do Senado. Com a ampla votação favorável, a versão do parecer de Lopes irá à sanção presidencial.

O PLP n.º 68/2024 vai substituir cinco tributos por três: o Imposto Sobre Circula-

ção de Serviços (ICMS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – de nível estadual; o PIS, Cofins e IPI dará lugar à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – da esfera federal; e o ISS, hoje da alçada municipal, se tornará o Imposto Seletivo (IS), criado para tributar bens que ofereçam danos à saúde e ao meio ambiente. O IBS e o CBS vão compor o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que deve ser implantado gradualmente, no período de 2027 a 2032.

O relatório de Lopes foi lido no dia 16 de dezembro, mas a votação do mérito foi realizada somente no dia seguinte. Todos os destaques de emenda foram retirados e os parlamentares votaram apenas pela aprovação ou rejeição do relatório de Lopes. Com isso, fica mantido o refino de petróleo com isenções fiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM) no texto, medida que estava ameaçada de ser retirada, caso fosse apresentado um destaque pela sua exclusão.

Segundo Lopes, a questão do refino na área de abrangência da ZFM é fruto de um acordo feito antes da votação do item no Senado, e caso o Palácio do Planalto não concorde, o presidente Luiz Inácio Lula da

“Sempre tentamos e nunca se consolidou e agora, finalmente, conseguimos aprovar uma reforma, que pode não ser a ideal, mas foi a reforma possível" Átila Lins, deputado federal pelo Amazonas (PSD).
Crédito: Reprodução
Polo Industrial de Manaus
Crédito: Bruno Spada | Câmara dos Deputados

Plenário do Senado, durante votação. Senadores também aprovaram a regulamentação da Reforma Tributária

“Todas as mudanças que não acatamos caminham no sentido de manter a alíquota geral de referência em 26,5%”

Reginaldo Lopes, deputado federal

Açucaradas

no “imposto do pecado”

Em relação às bebidas açucaradas, Reginaldo Lopes optou por retomar o texto original aprovado pela Câmara, em agosto, com a tributação desses produtos pelo Imposto Seletivo.

No Senado, um destaque de emenda, apoiado pelo senador Omar Aziz, propôs a retirada desses produtos da lista dos que serão taxados pelo IS, imposto criado nessa reforma tributária para incidir sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. O destaque foi aprovado, inclusive com o apoio de Braga que, em seu relatório, havia mantido a redação aprovada pela Câmara com a tributação.

Sobre o destaque para tirar a taxação das bebidas açucaradas pelo Imposto

Seletivo, o deputado federal Saullo Vianna (União Brasil-AM) ressaltou que há diferenças entre bebida açucarada e concentrado, fabricado na ZFM, que está preservado com a manutenção dos incentivos fiscais do modelo.

“O que é importante para o Amazonas é a questão do concentrado, que permanece da forma que está, ou seja, não tem perda. E no caso das bebidas açucaradas, no caso o refrigerante, ele vai para o IS, é um imposto maior do que a alíquota padrão e isso é uma questão que se enquadra no que é o conceito do IS, que são produtos, por exemplo, que fazem mal à saúde”, ressaltou.

Crédito: Pedro França Agência Senado

Silva (PT) tem o poder de veto no momento da sanção da lei. Na CCJ, a mudança foi fruto de uma emenda do senador Omar Aziz (PSD-AM), que foi acatada pelo relator Eduardo Braga (MDB-AM), num voto complementar ao relatório, que também acatou outras mudanças.

Em artigo publicado no portal UOL, a colunista Raquel Landim divulgou um cálculo feito por fontes ligadas ao setor de combustíveis, que estima em R$ 3,5 bilhões anuais o impacto ao Tesouro Nacional das isenções de CBS e IBS, que devem beneficiar a Refinaria da Amazônia (Ream), pertencente ao Grupo Atem, em Manaus.

INCENTIVOS À ZFM

Sobre os pontos que mantêm a competitividade do modelo Zona Franca de Manaus, inseridas pelo relator Eduardo Braga, no Senado, Lopes disse que cumpriu um acordo feito entre a Câmara e os senadores, como estratégia para aprovar a Reforma Tributária, que vai transformar o sistema do País.

Do substitutivo aprovado no Senado, foram mantidas: a isenção de PIS/Cofins (futuro CBS) para o comércio varejista de Manaus, medida que vale também para as Áreas de Livre Comércio (ALCs); a exclu-

são do redutor de dois terços do cálculo do crédito estímulo, aplicável às vendas de indústrias incentivadas para o território nacional; a extensão do percentual de 100% para o cálculo do crédito presumido para todos os produtos que possuíam esse percentual na legislação do ICMS (futuro IBS) do Amazonas.

Lopes também manteve a ampliação do prazo para utilização dos créditos presumidos de seis meses para cinco anos; o aumento do rol de produtos cujo crédito da CBS é ampliado de 2% para 6%, incluindo aqueles que tenham sido industrializados na ZFM em 2024, os que tenham projeto técnico aprovado pela Suframa até a data de publicação da Lei Complementar e os que estiveram sujeitos à alíquota zero de IPI em 31 de dezembro de 2023.

Permaneceram no texto da Câmara, ainda, a definição de alíquota mínima de 6,5% de IPI para produtos sem similar nacional produzidos na ZFM; e, por último, a previsão de alíquota zero de CBS bem material nacional ou serviço prestado fisicamente quando destinados à pessoa física ou jurídica localizada na ZFM – regra também aplicada às Áreas de Livre Comércio.

Novas alternativas

MUDANÇAS DO RELATOR

O projeto aprovado pelos deputados manteve a maioria das mudanças aprovadas no Senado, mas retirou a redução de 60% de IBS e CBS dada ao saneamento básico que, segundo Lopes, aumentaria a alíquota padrão em 0.38 ponto percentual, e excluiu a redução de alíquota para água mineral e bolachas, que significariam 0.13 ponto percentual a mais. Lopes manteve o “cashback”, sistema que permite a devolução parcial do pagamento do serviço às famílias de baixa renda.

Em relação aos medicamentos foi aprovado o retorno da lista aprovada pela Câmara, em agosto, com isenção do IBS e da CBS. O Senado havia aprovado a necessidade do Poder Executivo enviar uma lei específica ao Congresso com a lista. No texto atual, o relator estabeleceu um prazo de 120 dias para a lista ser atualizada.

“Todas as mudanças que não acatamos caminham no sentido de manter a alíquota geral de referência em 26,5%. Optamos, por exemplo, por restabelecer a incidência do Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas, que tem um impacto de 0,07% na alíquota geral”, sustentou.

O presidente-executivo do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), Lúcio Flávio Moraes de Oliveira, que desde a votação no Senado tem acompanhado toda a tramitação da matéria, comemorou que as mudanças que mantêm as vantagens comparativas das indústrias da Zona Franca de Manaus foram mantidas pela Câmara.

Para o dirigente, a união das bancadas do Amazonas nas duas Casas Legislativas colaborou para a vitória do modelo incentivado. “A união de todos, e também das entidades empresariais, tornou isso possível, só tenho que parabenizar e agradecer a todos pelo trabalho que foi feito”, avaliou.

O decano da bancada do Amazonas, deputado Átila Lins (PSD), que está no novo mandato na Câmara dos Deputados, com experiência de 35 anos no Congresso Nacional, considerou a aprovação da Reforma Tributária um dia histórico para o País, porque faz muitos anos que

se tenta aprovar essa matéria e nunca se conseguiu.

“Sempre tentamos e nunca se consolidou e, agora, finalmente, conseguimos aprovar uma reforma, que pode não ser a ideal, mas foi a reforma possível, onde tivemos a maioria esmagadora de todos os parlamentares que também sonham com a possibilidade de dar ao Brasil uma reforma tributária que possa mudar um pouco, com a diminuição dos impostos, e permitir que o Brasil se desenvolva”, afirmou.

Para Lins, mais importante foi ser uma reforma que conseguiu consolidar o modelo ZFM, que “é um instrumento de desenvolvimento que o Amazonas tem já há alguns anos”, responsável pela preservação das florestas do Estado.

Criada em 1967, a vigência dos incentivos fiscais às mais de 500 indústrias instaladas no Polo Industrial de Manaus (PIM) chegará ao fim em 2073, restando,

portanto, 48 anos para o Estado pensar e implementar novos modelos econômicos para substituir o modelo incentivado.

“É preciso que o Amazonas procure novas alternativas para sua economia e para seu desenvolvimento, nós podemos adotar vários outros planos, por exemplo, a questão mineral, a questão energética, a questão turística, o turismo sustentável, o turismo ecológico. Buscarmos outras alternativas econômicas, para não ficarmos dependendo só dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus”, ressaltou Lins.

A Emenda n.º 132/2023, que instituiu a Reforma Tributária, cujo texto aprovado pela Câmara regulamenta os impostos para o consumo, também prevê a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FDNR), para os Estados que serão afetados pela queda de receita. O FNDR substituirá a atual política de concessão de benefícios fiscais, considerada disfuncional pelo Ministério da Fazenda

Entre os anos de 2003 e 2023, os índices diminuíram de 21% para 13,9% da vegetação urbana, em Boa Vista

Devastação em área urbana

Boa Vista é 3ª capital que mais perdeu vegetação urbana em duas décadas

Ian Vitor Freitas - Da Cenarium

Vegetação interurbana

A vegetação interurbana desempenha uma série de papéis importantes, como a qualidade do ar na cidade por meio do processo de fotossíntese. O procedimento absorve carbono e libera oxigênio. Especialistas do MapBiomas alertam que a implementação de mais áreas verdes é a melhor tecnologia que existe atualmente para se adaptar nas cidades.

O mapeamento ainda constatou que as áreas de vegetação urbana têm aumentado em média 4,8% ao ano entre 1985 e 2023, ritmo maior que os 2,1% ao ano da expansão das áreas não vegetadas nesse período.

BOA VISTA (RR) – Um levantamento realizado pelo MapBiomas mostrou que Boa Vista (RR) é a terceira capital do País que mais reduziu áreas de vegetação urbana nas últimas duas décadas. Entre os anos de 2003 e 2023, os índices diminuíram de 21% para 13,9% da vegetação urbana. Os dados foram divulgados em novembro.

No mesmo período, Rio Branco liderou o ranking das capitais que mais perderam vegetação urbana. A cobertura vegetal na zona urbana da cidade caiu de 43,3% para 32,8%; seguida por São Luís, que teve queda de 30,8% para 23%. A coleta

bana, que inclui parques, praças e áreas mais arborizadas. Em 2003, a área coberta por esse tipo de vegetação na cidade tinha 2.503 hectares. Vinte anos depois, a capital registra cerca 1.652 hectares de área de vegetação urbana. A perda no período foi de 851 hectares.

Para o ambientalista Silvio Teixeira, a redução da vegetação urbana na cidade causa preocupação para os especialistas nas áreas. Ele destacou que as consequências dessas mudanças já são perceptíveis em Boa Vista, com a ausência de pássaros e o aumento da temperatura na região.

“O Brasil vem sofrendo grandes mudanças ambientais, as cidades fazem parte desse processo, não são as maiores causadoras das mudanças ambientais, mas elas são, sem dúvida, as que vão receber diretamente o maior impacto”.

Julio Pedrassoli, coordenador da equipe

urbana do MapBiomas.

das informações contou com o apoio de técnicos do MapBiomas, que trabalham com os temas chamados de transversais, apresentando definições, conceitos e revisão dos códigos da pesquisa.

De acordo com o coordenador da equipe urbana do MapBiomas, Julio Pedrassoli, o País sofre as consequências de “grandes mudanças ambientais” e os impactos são sentidos em cidades que “não são as causadoras dessas mudanças”. Para ele, também há problemas de habitação e de infraestrutura ainda não solucionados.

“O Brasil vem sofrendo grandes mudanças ambientais, as cidades fazem parte desse processo, não são as maiores causadoras das mudanças ambientais, mas elas são, sem dúvida, as que vão receber diretamente o maior impacto. Especialmente porque mais de 85% da população brasileira vive nas cidades e, além disso, a distribuição dessa população em termos de infraestrutura urbana é muito desigual, como as grandes proporções de favelas”, disse.

Boa Vista, de acordo com a pesquisa, está dentro do grupo de vegetação intraur-

“Já é possível perceber na cidade que, até mesmo no amanhecer ou no entardecer, não se vê mais aquele bando de aves voando, procurando as árvores onde estão com frutos, estão floridas, para que elas possam se alimentar e se abrigar. A gente já percebe um clima bem mais forte do que antes, muito mais quente por conta da retirada das árvores”, afirmou.

Outro causador da redução de vegetação em Boa Vista é a grande quantidade de loteamentos na região, no qual as empresas utilizam máquinas para instalação de esgoto, água, energia e pavimentação. Em meio a esse processo, realizam a raspagem ou limpeza do terreno. Para Silvio, uma das alternativas é apresentar projetos com um sistema de vegetação.

“Já deveria ter no projeto apresentado à prefeitura e ao Estado uma orientação para as pessoas que vão comprar o lote, de construir suas residências com árvores, para que possam futuramente melhorar até mesmo a climatização do ambiente”, ressaltou.

Mais 7 mil empregos

Polo Industrial de Manaus encerra o ano com 7,2 mil postos de trabalho gerados

Marcela Leiros – Da Cenarium

OPolo Industrial de Manaus (PIM) vai encerrar 2024 com mais de 7 mil novos postos de trabalho, segundo o Governo do Estado do Amazonas. O Conselho de Desenvolvimento do Amazonas (Codam), em sua 311ª reunião, avaliou 51 projetos industriais, que devem abrir 3,7 mil novas vagas e totalizam mais de R$ 1 bilhão em investimentos.

O encontro ocorreu na sede do governo do Estado, na Zona Oeste da capital ama-

Linha de produção do Polo Industrial de Manaus
Crédito: Reprodução | Abraciclo

zonense. Com a aprovação pelo Codam, o ano totaliza 263 novos projetos industriais, o maior número dos últimos dez anos. No total, foram gerados 7,2 mil postos de trabalho, com investimentos chegando a R$ 6,9 bilhões.

O resultado foi comemorado pelo secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado (Sedecti), Serafim Corrêa, que destacou o setor com um dos maiores crescimentos.

“Isso é algo muito positivo. Os setores são os mais diversos, mas eu destaco o setor de ar-condicionado. Manaus é o segundo polo fabricante de ar-condicionado, só perdemos para a China. Então é muito bom que isso esteja sendo destacado neste momento, porque essa é uma marca histórica para nós”, ressaltou.

Quanto ao faturamento, entre abril e outubro, foram registrados US$ 32 bilhões. O Polo de Duas Rodas, que inclui motocicletas e bicicletas, liderou os números, conforme destacou o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), Marcos Antônio Bento.

“Como vimos pelos números, foi um ano muito importante para o Polo de Duas Rodas também. Não só pela consolidação

dos investimentos e pela atração de novas empresas, isso demonstra a pujança do Polo de Duas Rodas e a importância de estarmos aqui na Zona Franca de Manaus”, afirmou.

PANORAMA DO PIM

Na 311ª reunião do Codam, dos 51 projetos industriais aprovados, 16 são voltados para implantação e 35 para diversificação.

Entre os destaques, está a Climazon Industrial, que investirá R$ 286,7 milhões na produção de unidades condensadoras e evaporadoras para condicionadores de ar split system, criando 105 empregos.

A Data Electronics Brazil, por sua vez, destinará R$ 188,9 milhões à fabricação de unidades de armazenamento SSD, circuitos integrados de memória e módulos de memória RAM, gerando 175 postos de trabalho.

A Karina Plásticos da Amazônia investirá R$ 151,1 milhões na produção de compostos de resina para rotomoldagem, compostos termoplásticos e masterbatch de polietileno ou polipropileno, também criando 175 vagas de emprego.

Por fim, a Livoltek investirá R$ 50,9 milhões na fabricação de medidores de energia elétrica, coletores e concentradores de dados, prevendo a geração de 255 empregos.

Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium

“É muito bom que isso esteja sendo destacado neste momento, porque essa é uma marca histórica para nós”

Serafim Corrêa, secretário da Sedecti.

1 BILHÃO

O Conselho de Desenvolvimento do Amazonas (Codam), em sua 311ª reunião, avaliou 51 projetos industriais, que devem abrir 3,7 mil novas vagas e totalizam mais de R$ 1 bilhão em investimentos.

Secretário da Sedecti, Serafim Corrêa

Agressão contra indígenas

As agressões ocorreram após os meninos pegarem alimentos na casa do suspeito

Ana Pastana – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Quatro crianças indígenas da etnia Xavante foram agredidas com cordas por um homem apontado como proprietário de uma oficina de lanternagem e pintura, no município de Pontal do Araguaia (MT), a 405 quilômetros de Cuiabá. Segundo o Boletim de Ocorrência (BO), as agressões ocorreram após os meninos pegarem alimentos na casa do suspeito, que não teve o nome citado no documento. O caso aconteceu no dia 6 de dezembro.

Crianças indígenas da etnia Xavante foram agredidos em MT
Crédito: Paulo Dutra | Cenarium

Boletim de Ocorrência com relato da mãe das crianças agredidas

Ainda conforme o BO, o caso foi registrado pela mãe das crianças, Maria Auxiliadora Wautomoda Wari Ubdi, no dia 7, na Delegacia Especializada de Roubos e Furtos, do município de Barra do Garças (MT), e denunciado à imprensa pela liderança indígena Xavante Mara Barreto Sinhowawe Xavante.

A CENARIUM teve acesso a vídeos, nos quais mostram as vítimas sentadas em uma calçada, sem camisa e com hematomas pelo corpo. Nas imagens, um homem, que não teve o nome divulgado, mostra as quatro crianças feridas na região da costela, dos braços e até no rosto.

“Oh, bateu de chicote, bateu também no meu caçulinha, quase furou a costela dele. Da irmã também, olha o rosto dela”, disse o homem no momento em que grava o vídeo.

Em outro vídeo, uma mulher filma a fachada da oficina de lanternagem e pintura, onde as crianças apontam que ocorreu a agressão. “Gente, foi bem aqui, os meninos disseram que eles apanharam bem aqui. Os meninos disseram, o Jhon Markley, Mara, Márcio e o Marcu, eles disseram que foi bem aqui. E eles estão bem machucados”, relata a mulher no vídeo.

FALTA DE SUPORTE

Segundo a liderança indígena Mara Barreto Sinhowawe Xavante, os indígenas da região estão desassistidos pelo governo do Estado. “A minha revolta é de não ter assistência e políticas públicas. Não tem nada para nós, incentivos, nada. Nós não temos saneamento básico, não temos nada”, disse em áudio obtido pela reportagem.

A líder Xavante afirmou, ainda, que a violência sofrida pelas crianças indígenas

é reflexo da ausência de políticas públicas voltadas para os povos originários da região. “Nós sofremos tanta injustiça aqui e as consequências estão aí, como eu já sabia, que a miséria é se multiplicar dentro dos territórios e a consequência está aí. Isso aí é um problema social. Isso aí é uma violência social. É falta de, como eu falei, de ações públicas, é falta de um trabalho também de conscientização, porque não tem, a gente passa muito preconceito”, declarou.

Violência recorrente

A Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) repudiou as agressões físicas sofridas pelas crianças indígenas e manifestou “completa indignação pela grave violência sofrida”. A entidade ressaltou, ainda, que o caso “não possui nenhuma justificativa para os atos de agressão registrados”.

“O racismo e as violências praticadas contra os povos indígenas de Mato Grosso vem acontecendo de forma recorrente aqui no Estado, ameaçando diretamente os direitos constitucionais de diversas etnias, esse cenário exige uma atenção

especial das autoridades para que os direitos garantidos pelo Estado Brasileiro no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sejam cumpridos”, diz trecho da nota.

A Fepoimt disse que solicita que os órgãos de segurança e justiça atuem com urgência para que o caso “seja investigado e a lei seja aplicada devidamente sobre o agressor”. “Solicitamos especificamente que a polícia local e o ministério público se manifestem em relação a este caso como uma resposta necessária para os povos indígenas de Mato Grosso”, ressalta a organização.

Crédito: Imagem cedida por Maria Xavante

POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

Marcados pela exploração

Pará tem 37 nomes na ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – Na mais recente atualização do cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão, conhecida como “lista suja”, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em outubro, o Pará se destaca com 37 nomes de pessoas físicas e jurídicas mencionados. A lista inclui fazendas, garimpos, estabelecimentos comerciais e industriais em vários municípios paraenses.

Entre os locais com o maior número de ocorrências, Cumaru do Norte lidera

com cinco empregadores incluídos na lista. Jacareacanga, São Félix do Xingu e Uruará também se destacam, com três, duas e duas ocorrências, respectivamente. Os dados evidenciam um cenário preocupante nas áreas rurais do Estado, onde a fiscalização ainda enfrenta obstáculos significativos. De acordo com dados do MTE, o ano de 2023 registrou 3.190 trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão no Brasil, o maior número dos últimos 14 anos. No Pará, especificamente, 74 pessoas foram libertas dessas condições.

À CENARIUM, o assistente social Francisco Lima, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), refletiu sobre seus 14 anos de atuação na luta contra o trabalho análogo à escravidão e ao tráfico de pessoas. Ele destacou que, desde sua fundação, a CPT sempre pautou a defesa dos direitos humanos, incluindo o combate à escravidão de homens, mulheres e jovens. Uma das iniciativas da CPT é a campanha “De olho aberto para não virar escravo”, que visa tirar a invisibilidade do trabalho escravizado, denunciar o sistema que perpetua essa

Pés de homem submetido a condições análogas à escravidão
Crédito: Ricardo Oliveira | Arquivo Cenarium

► Adriano Salomão Costa de Carvalho Garimpo do Salomão, Cumaru do Norte/PA

► Afonso Batista Cavalcante

Lista Suja no Pará

Lista completa de empregadores do Pará incluídos na mais recente atualização da “Lista Suja” do trabalho análogo à escravidão:

Veja lista completa do País:

Fazenda Primavera e Fazenda Pedra Branca, Nova Ipixuna/PA

► Agropecuária Rio Aratau Ltda. Fazenda Arataú, Novo Repartimento/PA

► AL e C Instalações e Manutenções Ltda. Avenida Conselheiro Furtado, 76, Belém/PA

► Antônio Silvério dos Reis

Fazenda Carga Pesada, São Félix do Xingu/PA

► Carlos Duarte Soares Fazenda VIP, Uruará/PA

► Célio dos Reis Campos de Amaral Fazenda Delta do Triunfo, São Félix do Xingu/PA

► Cleusa Marcelino Teodoro Pereira Garimpo da Cleusa, Cumaru do Norte/PA

► Dirceu da Luz

Sítio Castanhal, Medicilândia/PA

► Edeuvaldo Gomes dos Santos Fazenda Novo Progresso, Senador José Porfírio/PA

► Edival da Luz

Estabelecimento Rural, Medicilândia/PA

► Edivan Alves de Souza Marcenaria do Edivan, Redenção/PA

► Edson Barbosa da Mata Fazenda Mutun-Acá, Novo Progresso/PA

► Elismar Ribeiro de Castro

Fazenda Alto Paraíso, Uruará/PA

► Eloina Rodrigues de Cerqueira Oliveira Fazenda Céu Azul, São Geraldo do Araguaia/PA

► Elton Mendanha da Costa Garimpo de Extração de Ouro, Rio Maria/PA

► Emylio Sá de Mendonça Garimpo do Pau-Rosa, Jacareacanga/PA

► Ernesto Hiroshi Harayashiki Fazenda Harayashiki, Tomé-Açu/PA

► Espólio de Durvalina Rodrigues da Costa Bairro da Campina, Belém/PA

► Getulio Viana Miranda Junior Fazenda Serra Rica, Cumaru do Norte/PA

► Guama Comércio de Compensados e Representações Eireli

Fazenda Moreira, Rondon do Pará/PA

► Heiras Cultivo de Eucalipto Eireli Loteamento Pequizeiro, Couto Magalhães/TO

► João Victor de Sousa Ramos

V Ramos Engenharia e Construção Eireli, Benevides/PA

► José Paulo Lima Costa Fazenda Montes Altos, Pacajá/PA

► Lenir Maria Pimenta Fazenda Serra Rica, Cumaru do Norte/PA

► Luciano Juliano Rosa Borges

► Marcos Borges de Araújo

Fazenda Vale da Paz, Cumaru do Norte/PA

Fazendas Pedra Preta e Futura, São Félix do Xingu/PA

► Mateus Cantanhede Camargo Garimpo, Rio Maria/PA

► Michio Sato

Fazenda Tauarizinho, Peixe-Boi/PA

► Neirivania da Silva Tedesco Fazenda Santa Paula, Magalhães Barata/PA

► Raifran Oliveira Nunes Garimpo do Pau-Rosa, Jacareacanga/PA

► Raimunda Oliveira Nunes Garimpo do Pau-Rosa, Jacareacanga/PA

► Roberta dos Santos Silva & Cia Ltda. Rodovia BR230, KM 141, Anapú/PA

► Rogério Almeida da Cunha

► Rogério Pirschner

► Valdemir Alves dos Santos

► Vanúbia Silva Rodrigues

Rua Magalhães Barata, 21, Tucuruí/PA

Fazenda 3 Irmãos, Tucuruí/PA

Fazenda Mata Verde, São Félix do Xingu/PA

Fazenda Bela Vista Presente de Deus, Ourilândia do Norte/PA

ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

Trabalhadores em condições análogas à escravidão no Pará

prática e pressionar o Estado para romper esse ciclo perverso.

“O trabalho da CPT, nesses quase 50 anos, no combate ao trabalho escravo é muito focado na prevenção junto às comunidades vulneráveis ou em regiões onde há um número elevado de trabalhadores encontrados em situação de trabalho escravo. Essa prevenção acontece em comunidades, territórios, escolas, municípios vulneráveis e em diversos espaços como sindicatos de trabalhadores rurais e conselhos locais. Também promovemos eventos anuais, como o 28 de janeiro,

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, realizando palestras, oficinas e treinamentos com profissionais da rede de assistência social. Utilizamos a mídia e meios de comunicação locais, como rádios comunitárias, para alcançar comunidades sem acesso à internet, levando informações e orientando os trabalhadores sobre como denunciar situações de exploração”, explicou Francisco.

Ele relatou que, ao longo de seus 14 anos de atuação específica na campanha contra o trabalho escravizado, vivenciou casos impactantes, como o de um grupo de

trabalhadores resgatados de uma fazenda no sudeste do Pará, que havia sido aliciado em Monsenhor Gil, no Piauí. Esse grupo se organizou com apoio da CPT, resultando na formação do assentamento Nova Conquista, um exemplo de resistência e organização contra a escravidão. A partir desse processo, os trabalhadores obtiveram acesso à Reforma Agrária e hoje vivem de sua produção, sem precisar migrar em busca de trabalho.

Francisco também destacou os desafios enfrentados pelos trabalhadores que escapam dessas situações. “Muitos traba-

Crédito: Alex Ribeiro | Ag.Pará

lhadores carregam marcas profundas de exploração física e psicológica. Recentemente, acompanhei dois trabalhadores que conseguiram fugir de uma fazenda, e suas histórias revelam não apenas violações de direitos, mas também sofrimento psicológico severo. Eles enfrentam assédio moral e violência física, adoecendo nesse ambiente de trabalho”, relatou.

Ele enfatizou a necessidade de fortalecer a rede de apoio aos trabalhadores resgatados. “O Estado precisa criar mais mecanismos para atender à demanda do pós-resgate, que exige muita ação e apoio contínuo. A ampliação de políticas públicas é essencial para evitar que essas pessoas retornem ao ciclo de exploração e aliciamento, caindo novamente na rede do trabalho escravo”, concluiu Francisco.

“Muitos

trabalhadores carregam marcas profundas de exploração física e psicológica. Recentemente, acompanhei dois trabalhadores e suas histórias revelam não apenas violações de direitos, mas também sofrimento psicológico severo”

Francisco Lima, assistente social da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Caminhada do ‘Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo’, em Itupiranga, no Pará

POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

Resgate da dignidade

Brasil resgatou mais de 3 mil trabalhadores de condições análogas à escravidão em 2023 Da Cenarium*

MANAUS (AM) – O Brasil resgatou, em 2023, 3.190 trabalhadores em condições análogas à escravidão. O número é o maior desde 2009, quando 3.765 pessoas foram resgatadas. Apesar dessa alta, o dado mostra como o País regrediu no período recente, porque o número de auditores fiscais do trabalho está no menor nível em 30 anos.

Com esses dados, subiu para 63,4 mil o número de trabalhadores flagrados em situação análoga à escravidão desde que foram criados os grupos de fiscalização móvel, em 1995.

O trabalho no campo ainda lidera o número de resgates. A atividade com maior número de trabalhadores libertados foi o cultivo de café (300 pessoas), seguido pelo plantio de cana-de-açúcar (258 pessoas). Entre os Estados, Goiás teve o maior número de resgatados (735), seguido por Minas Gerais (643), São Paulo (387) e Rio Grande do Sul (333).

Crédito: Ricardo Oliveira | Arquivo Cenarium

Por trás das estatísticas, restam histórias de abuso nos campos e nas cidades que mostram como o trabalho análogo à escravidão ainda é recorrente no Brasil. Em fábricas improvisadas, em casas de alto padrão, nas plantações, crimes continuam a ser cometidos.

“Foram 30 anos sem ganhar salário. Até chegou um ponto de ela não querer deixar mais que eu comesse, que eu tomasse café. Eu só podia ir para meu quarto tarde da noite, não podia conversar com mais ninguém”, contou uma trabalhadora idosa resgatada, entrevistada pela TV Brasil em março do ano passado. A vítima acabou morrendo de uma parada cardiorrespiratória antes de receber qualquer indenização da Justiça.

“Acordava de manhã e só ia dormir quase meia-noite. Sem contar que eles me xingavam muito, ficavam falando palavrão. Ficavam xingando minha raça, me chamando de negra e aquelas coisas todas. Quando foi um belo dia, apareceu a Polícia Federal e aí ocorreu tudo”, conta outra trabalhadora entrevistada pela TV Brasil, que ainda aguarda indenização.

Essas duas mulheres foram resgatadas do trabalho doméstico.

PROBLEMAS

Um dos desafios para que o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão continue crescendo é a falta de auditores fiscais.

“Era esperado até [esse problema] porque, nos últimos quatro ou cinco anos, não tivemos ações diretas de combate ao trabalho escravo. Então, foram represando muitos pedidos de ajuda por parte de trabalhadores que estavam em situação análoga à de trabalho escravo. Por isso, a gente não vê como surpresa, mas sim, vê ainda como uma carência. Porque temos poucos auditores do Ministério do Trabalho fazendo as fiscalizações”, diz Roque Renato Pattussi, coordenador de projetos no Centro de Apoio Pastoral do Migrante.

O Ministério do Trabalho e Emprego reconhece a falta de pessoal. O órgão, no entanto, afirma que o governo conseguiu aumentar o número de resgates, mesmo com o número de auditores fiscais do trabalho no menor nível da história.

63,4 mil

Desde que foram criados os grupos de fiscalização móvel, em 1995, o número de trabalhadores flagrados em situação análoga à escravidão soma 63,4 mil.

“É uma prioridade da Secretaria de Inspeção do Trabalho fiscalizar, num sentido amplo, o trabalho doméstico e, especificamente, casos de trabalho escravo doméstico. Temos menos de 2 mil auditores fiscais do trabalho na ativa. Esse é o menor número desde a criação da carreira, em 1994. Mesmo assim, conseguimos entregar, em 2023, o maior número de ações fiscais”, destaca.

(*) Com informações de Ana Graziela Aguiar, repórter da TV Brasil.

(*) Com informações da Agência Brasil.

Trabalhador em carvoaria em situação análoga à escravidão

A origem da contaminação é atribuída principalmente à atividade garimpeira

Envenenados

Contaminação por mercúrio e arsênio ameaça comunidades indígenas em Altamira, no Pará

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – Um grave problema ambiental tem afetado as comunidades indígenas da região de Altamira (PA), localizada no sudoeste do Pará: a contaminação das águas por mercúrio (Hg) e arsênio (As). A origem dessa contaminação é atribuída principalmente à atividade garimpeira, que utiliza mercúrio no processo de extração de ouro, liberando grandes quantidades desse metal tóxico no meio ambiente.

Um estudo científico realizado nas bacias dos rios Curuá, Báu e Pitxatxa, na área indígena Kayapó, mediu os teores de mercúrio e arsênio na água de rios e poços, além do fator de bioacumulação

desses metais em peixes e tracajás, que são amplamente consumidos pelas comunidades locais.

À CENARIUM, o pesquisador doutor em Química Luciano Silva explicou que a pesquisa foi motivada por denúncias encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF) sobre a presença de garimpeiros na região e o possível impacto na qualidade da água e dos alimentos consumidos pelas populações indígenas.

O Ministério Público acionou a professora Simone Pereira, especialista em contaminação ambiental, para liderar a análise das amostras de água e peixes consumidos pelos indígenas. A equipe, liderada pela

Crédito: Composição Weslley Santos | Cenarium

docente do Instituto de Ciências Exatas e Naturais (Icen) da Universidade Federal do Pará (UFPA), coletou amostras de três rios e de três espécies de peixes: pescada-branca, piranha-vermelha e mandubé, todas comuns na dieta das comunidades.

Os resultados revelaram que, embora os níveis de arsênio nas águas estivessem dentro dos limites considerados seguros, o mercúrio apresentou valores próximos ao limite permitido pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 2005. Nos peixes, especialmente nos mandubés, os níveis de mercúrio ultrapassaram os limites estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“No Rio Curuá, a média de mercúrio nos peixes foi de 1,013 mg/kg, com algumas amostras chegando a alarmantes 4,5 mg/ kg, muito acima do limite permitido de 1 mg/kg para peixes predatórios, conforme a RDC 722 de 2022 do Ministério da Saúde”, destaca Luciano.

CONSEQUÊNCIAS

O mercúrio, uma vez presente no ecossistema, se acumula ao longo da cadeia alimentar, passando dos peixes menores para os maiores e, por fim, para os humanos que os consomem. “Essa contaminação afeta principalmente o sistema nervoso central e é especialmente perigosa para crianças, cujo sistema imunológico é mais vulnerável”, alerta Silva. Ele cita a doença de Minamata, registrada no Japão nas décadas de 1940 e 1950, como exemplo extremo das consequências da exposição crônica ao mercúrio.

Com a expansão do garimpo, intensificada durante a pandemia, o monitoramento e o controle da contaminação por metais pesados se tornaram ainda mais desafiadores. “Atualmente, há muito garimpo para pouca fiscalização. Monitorar cerca de cem quilômetros de rio é uma tarefa monumental para as autoridades”, afirma o pesquisador.

Diante desse cenário, a contaminação das águas e dos alimentos consumidos pelas comunidades indígenas de Altamira representa uma ameaça crescente, que exige ações urgentes das autoridades para proteger a saúde e o bem-estar das populações locais, assegura Luciano Silva.

Atividade garimpeira na área indígena Kayapó
Crédito: Reprodução Ministério Público Federal

jornalista e escritor Claudio

Referência para novas gerações

Jornalista lança obra inédita sobre ex-governador do AM: ‘Amazonino, um sedutor’

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Em comemoração aos 49 anos de profissão, o jornalista e escritor amazonense Claudio Barboza lançou, no dia 11 de dezembro, o livro “Amazonino: um sedutor e outras histórias”, obra que traz uma coletânea de crônicas do autor sobre o ex-governador do Estado do Amazonas Amazonino Mendes (1939-2023). O evento de lançamento foi realizado na biblioteca do Instituto Cultural Brasil Estados Unidos (Icbeu), na

Avenida Joaquim Nabuco, bairro Centro, Zona Sul de Manaus.

A jornalista Paula Litaiff, diretora-geral da CENARIUM, recebeu a missão de escrever o prefácio do livro escrito por Claudio Barboza e destacou a contribuição que a obra dá ao jornalismo e à história da política do Amazonas, uma vez que traz consigo toda a carga do contexto sociocultural do período e dialoga com diversas vertentes da comunicação.

“A nova geração de jornalistas e assessores políticos precisa acessar a obra ‘Amazonino, um sedutor e outras histórias’, tendo em vista o seu poder de oralidade. O livro não se limita à materialidade da fala, ele insere cenários sociais e culturais específi-

cos, associados às múltiplas linguagens”, observou Litaiff.

O livro reúne histórias vivenciadas por Barboza nas redações e assessorias de imprensa no Amazonas, especialmente, a experiência profissional como assessor, secretário e consultor de Amazonino, nas esferas política e de comunicação. O autor também envolve, na obra, relatos sobre o ex-governador Gilberto Mestrinho e o senador e prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto.

“São histórias de redação, por exemplo, lembranças do tempo em que comecei no jornalismo, da máquina de escrever Olivetti, que não era elétrica. E chego agora à geração da internet”, afirmou Barboza, ao

O
Barboza e o livro lançado no dia 11 de dezembro
Crédito: Weslley Santos | Cenarium

Trajetória profissional

Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Barboza também é autor de “Olhos da noite” e do l ivro-reportagem “Amazônia, até quando uma esperança”.

Claudio Barboza foi vencedor, por duas vezes, do Prêmio Esso de Jornalismo. Ele também ganhou, por três vezes, o Prêmio Suframa de Jornalismo e ficou duas vezes em primeiro lugar no Prêmio de Jornalismo Banco do Estado do Amazonas, além de vencer o Prêmio Uninilton Lins de Jornalismo.

Trabalhou como editor dos jornais A Crítica, Jornal do Commercio, Jornal do Norte, A Notícia e Estado do Amazonas. Foi repórter correspondente do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, e trabalhou no jornal Estado de Minas e no Jornal de Casa, ambos em Belo Horizonte, além da TV Globo, em Minas Gerais. Também foi dire-

compartilhar com a CENARIUM as informações sobre o contexto da obra.

Já tendo atuado no Amazonas como secretário de Comunicação do Estado e do município de Manaus e como diretor de Comunicação da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), Claudio Barboza destacou que o livro tem, também, o objetivo de repassar conhecimento às novas gerações de jornalistas sobre a imprensa regional no período que antecede a internet.

“A nova

geração de jornalistas e assessores políticos precisa acessar a obra ‘Amazonino, um sedutor e outras histórias’, tendo em vista o seu poder de oralidade”

Paula Litaiff, diretora-geral da CENARIUM, autora do prefácio da obra.

tor da sucursal do Jornal do Commercio, em Brasília (DF).

Barboza ainda foi diretor de Comunicação do Governo do Amazonas (1999-2001), secretário de Comunicação do Governo do Amazonas (2002), subchefe do gabinete do prefeito de Manaus (1989-1991), secretário de Comunicação da Prefeitura de Manaus (2009) e diretor de Comunicação da Assembleia Legislativa do Amazonas (2013 a 2018).

Consta no currículo de Claudio Barboza ter sido consultor da Ufam, gerente de relações externas da CCE da Amazônia, coordenador de campanhas eleitorais, autor do projeto que originou a criação do jornal Amazonas em Tempo, autor do projeto da Rádio Difusora/Band, que trouxe a franquia para Manaus.

Atualmente, Claudio Barboza é CEO do Portal Único, com sede em Manaus (AM), lançado no mercado em 2019, além de ser o diretor de Comunicação do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM).

“Qual é a minha intenção com o livro? É que as novas gerações tenham informações de como era o jornalismo impresso na época que o impresso dominava. E como era o processo da informação, da comunicação. Que isso sirva como referência”, pontuou o jornalista.

“São

histórias de redação, por exemplo, lembranças do tempo em que comecei no jornalismo, da máquina de escrever Olivetti, que não era elétrica. E chego agora à geração da internet”

Claudio Barboza, autor do livro.

A obra não será vendida. O autor pede aos leitores uma doação voluntária, a partir de R$ 40, via Pix, ao Projeto Aconchego, por exemplar adquirido. A chave Pix para transferências é o CNPJ da instituição, 37.647.512/0001-54. O livro está disponível em formato e-book, gratuitamente, na internet.

Acesse o livro aqui:

Amazonino, o executor

Amazonino Mendes nasceu em Eirunepé (AM) e faleceu no dia 12 de fevereiro de 2023, em São Paulo (SP), aos 83 anos. Foi considerado uma figura icônica da política regional, com papel fundamental na ascensão de nomes como o do senador Eduardo Braga (MDB/AM) e o senador Omar Aziz (PSD/AM).

A vida política de Amazonino iniciou-se em abril de 1983, quando foi nomeado prefeito de Manaus pelo então governador Gilberto Mestrinho (PMDB). Em 1987, assumiu o governo do Estado.

Após seu primeiro mandato como governador, Amazonino foi eleito senador da República, onde permaneceu de 1991 a 1992. Em 1992, deixou o Senado para concorrer à Prefeitura de Manaus, sendo eleito e assumindo o cargo, que na

época estava ocupado por Arthur Virgílio Neto. Em 1994, venceu a eleição para governador sendo reeleito em 1998.

Como governador, foi responsável pela criação e fundação da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), da implantação da Companhia de Gás do Amazonas (Cigás), além de realizar o asfaltamento da BR-174. Na saúde, seu governo construiu o Pronto-Socorro Dro João Lúcio e o pronto-socorro infantil “Joãozinho”.

Reformou e ampliou o Hospital Adriano Jorge e investiu na criação dos Centros de Atendimento Integral à Criança (Caics) e aos Centros de Atenção Integral a Melhor Idade (Caimis). Durante seu governo, também foi criado o Hospital Universitário Francisca Mendes.

Mulheres que se reinventaram por meio da economia feminista e estão gerando renda com suas atividades

Economia feminista

Mulheres usam trabalho informal como aliada para saúde mental

Ana Pastana – Da Cenarium

MANAUS (AM) – As mulheres são as mais afetadas pela desigualdade no mercado de trabalho, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No 3º trimestre de

2024, o Amazonas registrou 999 pessoas em situação de informalidade. Em Manaus, no mesmo período, os dados apontam 454 pessoas.

A idade, falta de oportunidades e problemas de saúde são alguns pontos relatados por elas, que acabam implicando no desenvolvimento de doenças mentais, como depressão, ansiedade e a falta de estímulo para o desenvolvimento de renda. As dificuldades são as mesmas características que

levam essas mulheres a se reinventar e entrar para a considerada economia feminista. Com o diagnóstico de câncer no pâncreas, a indígena Gizelda Machado Lopes, da etnia Tukano, viajou de São Gabriel da Cachoeira (AM) a Manaus para buscar tratamento médico e teve o psicológico afetado após as portas se fecharem no mercado de trabalho. “Por conta da minha saúde, eu não tive mais oportunidades no mercado de trabalho e isso tem me afetado

Crédito: Paulo Dutra | Cenarium

muito, afetado o meu psicológico”, disse à CENARIUM.

Morando em Manaus, Gizelda viu uma oportunidade para se especializar na área de costura. “Costurar, para mim, está sendo uma ocupação. Uma ocupação mental e física. Eu me senti valorizada agora, porque eu sei que sou capaz. Esse era o meu sonho de muitos anos, que era aprender a costurar”, afirmou a artesã.

A professora doutora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Iraildes Caldas Torres explica como as mulheres estão se reinventando no mercado de trabalho. “Essas mulheres estão se reinventando dentro da economia feminista de uma forma muito interessante, muito criativa: saindo de casa, arregaçando as mangas e fazendo por si mesmas a sua economia. Estão promovendo desenvolvimento social, aquilo que a gente chama de economia feminista, ou seja, elas estão nos artesanatos, na economia solidária, na economia criativa”, frisou.

BONECAS

Para a artesã Luiza Sarmento não foi diferente. As confecções de bonecas de pano deixaram de ser apenas uma forma de geração de renda. Com a exposição em feiras de artesanatos, a prática se tornou um

objeto de socialização. Sarmento pontua que a feira também oferece não só a renda, mas também a união com outras pessoas em troca de conhecimento.

“Elas [as bonecas] me ajudaram muito, em tudo, tanto emocional como financeiro, porque eu vendo e [isso] ajuda um pouquinho. Participo de todas as feiras e gosto muito, porque eu tenho relacionamento com outras artesãs. A gente troca ideias,

a gente conversa, vende e é muito bom. A feira nos oferece não só a renda, mas a união com outras pessoas, como a troca de conhecimentos, a amizade”, disse.

Aos 63 anos, Maria Belém Valente, moradora da Zona Leste de Manaus, também sente a dificuldade de encontrar oportunidades de trabalho por conta da idade, além de lidar com doenças. Ela afirma que vende o que pode para conseguir uma renda extra.

Saúde mental

De acordo com a neuropsicóloga Carla Luciana da C. Lima, o trabalho informal tem a capacidade de trazer inúmeros benefícios, principalmente para a saúde mental. Para a especialista, no entanto, a informalidade pode ser uma grande aliada na saúde mental das mulheres.

“A informalidade pode ser uma grande aliada na saúde mental das mulheres, especialmente para aquelas que produzem artesanato ou trabalham com alimentos. Vamos pensar nisso como um espaço de autonomia e expressão. Quando uma mulher encontra uma atividade que a conecta com sua criatividade, como fazer artesanatos ou criar receitas, ela está não apenas gerando renda, mas também encontrando um propósito e uma forma de se afirmar no mundo”, explica.

A especialista pontua que a rotina de encontro também ajuda no bem-es-

tar e em laços sociais. “A informalidade também pode criar laços sociais. Uma feirinha de artesanato, por exemplo, não é só sobre vendas; é sobre encontrar pessoas, compartilhar histórias e construir uma comunidade, ou seja, não é só sobre vender algo; é sobre transformar o dia a dia em algo mais significativo, com impacto na vida pessoal e na comunidade”, concluiu.

As atividades podem trazer benefícios, como autonomia financeira; valorização pessoal; rede de apoio; rotina flexível. “Ganhar o próprio dinheiro fortalece a autoestima e reduz a sensação de dependência, o que pode aliviar estresses comuns relacionados a inseguranças financeiras. Ver algo feito por suas próprias mãos ser apreciado por outras pessoas desperta orgulho e satisfação, contribuindo para o bem-estar emocional”, apontou a neuropsicóloga.

A artesã Luiza Sarmento
A indígena da etnia Tukano, Gizelda Machado Lopes
Crédito: Luiz André | Cenarium
Crédito: Reprodução_Redes Sociais

“Eu não tenho renda nenhuma, pretendo vender as minhas costuras. Não trabalho porque eu não tenho mais oportunidades de trabalhar. Até porque eu tenho problema de diabetes, pressão alta e aí não dá para eu trabalhar. Eu trabalho com venda de peças íntimas e eu vivo dessas coisas, vendo ‘din-din’ também. O que der pra vender, eu estou vendendo”, disse Maria.

Ela é uma das mulheres afetadas pela falta de oportunidades no mercado de trabalho, que impacta na saúde mental. Com a costura de roupas, Maria encontrou um meio de distrair a mente e desenvolver a economia própria. “Às vezes, a gente fica em casa, fica pensando coisas, né, e a costura é uma terapia, distrai a gente”, afirmou.

DECORAÇÕES

Outra história de mulheres que envolve a reinvenção da economia é a de Eliane

Bizantino. Com o falecimento do esposo, ela passou a fazer decorações de festas e encontrou na atividade um meio de preencher o vazio do luto e encontrar novos motivos para seguir a vida.

“Eu precisei preencher um vazio na minha vida com a perda do meu marido. Me tirar da ociosidade e trazer um pouco de ocupação para minha mente também, para parar de pensar em coisas fúteis ou até mesmo na morte dele”, disse.

Mãe de dois filhos, a decoradora afirmou que, no início da atividade, o interesse não era o retorno financeiro, mas, sim, uma forma de distrair a mente e lidar com a perda do marido. “Iniciei mais por conta de parar de pensar no acontecido do que por dinheiro. Hoje, eu estou investindo mais o tempo e também em tentar abrir uma empresa com as decorações”, pontuou.

Mercado informal

A presidente da comissão da mulher economista, diversidade e sustentabilidade do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM), a economista Karla Martins, ressaltou que a falta de oportunidade reflete diretamente no mercado informal.

“A mulher atua no mercado informal por diversos motivos, por opção própria, quando ela precisa cuidar de alguém da família, ou quando ela não pode estar no trabalho formal, quando ela é, por exemplo, de um grupo social, que, às vezes, não tem oportunidade, pode ter formação, pode ter disponibilidade, mas não acessa vagas por causa de algum tipo de necessidade que ela não tenha para conseguir essa vaga”, explicou.

Eliane Bizantino em uma das decorações
Maria Belém Valente, de 63 anos
Crédito: Luiz André Cenarium

BR-319: Ataques químicos contra indígenas expõem falta de consulta

Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública solicitando, em caráter liminar, que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) suspenda a análise e emissão de licenças ambientais para a repavimentação do trecho central da rodovia BR-319, que conecta Porto Velho (RO), situado no notório “arco do desmatamento”, a Manaus (AM), na Amazônia central ainda preservada. A medida busca assegurar a realização de consultas prévias, livres e informadas aos povos indígenas e comunidades tradicionais afetados pelo projeto, conforme estabelecido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

A rodovia BR-319 é o projeto, em todo o mundo, que mais viola os direitos dos povos indígenas, como demonstrado em um estudo que coordenei, publicado no periódico científico Land Use Policy. Esse trabalho contou com a coautoria do ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o antropólogo Mércio Gomes.

O estudo realizou um censo das comunidades indígenas afetadas pela rodovia BR-319, considerando projeções baseadas em modelos de desmatamento na região, com o objetivo de identificar os territórios indígenas ameaçados. Vale destacar que os modelos de desmatamento utilizados são altamente conservadores, pois foram baseados em taxas de desmatamento observadas até 2011, período em que a rodovia estava intransitável e as taxas de desmatamento eram significativamente menores em com-

paração com o período posterior à licença de manutenção concedida em 2015.

O estudo revelou que a rodovia BR-319 afetará Terras Indígenas em um raio de 150 km, com impactos diretos previstos sobre pelo menos 64 Terras Indígenas oficialmente reconhecidas pelo governo, além de cinco comunidades não reconhecidas e uma população de indígenas isolados. Ao todo, estima-se que, aproximadamente, 18 mil indígenas serão diretamente impactados e, portanto, devem ser consultados. Os primeiros resultados deste estudo foram apresentados a procuradores do Ministério Público Federal (MPF), em 2020. Na ocasião, lideranças indígenas da etnia Mura e Apurinã formalizaram ao MPF um pedido para a realização de consulta prévia, livre e informada.

Em junho deste ano, coordenei um seminário realizado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que reuniu lideranças indígenas das etnias Mura e Apurinã afetadas pela rodovia BR-319, juntamente com representantes do Ministério do Meio Ambiente e do MPF. Durante o encontro, os indígenas reiteraram a exigência de que seu direito à consulta prévia, livre e informada, garantido pela Convenção 169 da OIT, fosse respeitado, além de manifestarem sua oposição à rodovia devido aos inúmeros impactos previstos em seus territórios e impactos já observados.

Em um segundo estudo que coordenei, também publicado no periódico Land Use Policy, foi constatado o avanço da grilagem de terras na região, incluindo em áreas de territórios indígenas, o que reforça a

gravidade dos riscos associados ao projeto da BR-319.

Uma das ocupações mais significativas que evidenciam a atuação do crime organizado na região foi registrada em uma área de uso tradicional indígena ao sul da Reserva Extrativista (Resex) do Lago do Capanã Grande. Nossos dados de sensoriamento remoto, corroborados por análises in loco, identificaram ramais partindo da rodovia BR-319 em direção ao Rio Madeira, invadindo áreas de uso tradicional indígena. Durante a reunião que coordenei em junho, na Ufam, os próprios indígenas apresentaram formalmente a denúncia aos presentes, incluindo uma procuradora do Ministério Público Federal (MPF).

Os indígenas relataram também uma contaminação coletiva da comunidade devido ao uso excessivo de agentes químicos para desmatamento na região, os quais foram deliberadamente despejados nos igarapés que abastecem a comunidade. Como consequência, mais de 20 indígenas, incluindo adultos, crianças e idosos, sofreram diversos sintomas, como diarreia, dores de cabeça, náusea, tontura e dores estomacais, atribuídos ao consumo de água contaminada pelo agente químico. Nossas análises na área apontaram que o desmatamento foi promovido com o uso de 2,4-D, um componente químico amplamente conhecido como parte do “agente laranja”, utilizado na Guerra do Vietnã. Esses resultados integram um estudo que coordenei em parceria com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam).

Crédito: Acervo Pessoal
“Os indígenas relataram também uma contaminação coletiva da comunidade devido ao uso excessivo de agentes químicos para desmatamento na região”

O estudo demonstrou que, caso a rodovia BR-319 seja pavimentada, não haverá contingente suficiente para fiscalizar o desmatamento crescente na região, intensificado pela atuação do crime organizado. Após a aplicação intensiva de “agente laranja” na área de uso tradicional indígena, diversas queimadas foram registradas como parte do processo de limpeza para a conversão do terreno em pastagens e assentamentos.

Durante a Guerra do Vietnã, entre 1961 e 1971, aproximadamente 80 milhões de litros de agente laranja foram pulverizados sobre florestas e plantações do país, com o objetivo de eliminar a vegetação que servia de cobertura para a população e forças militares do país, além de destruir fontes de alimento. O composto químico 2,4-D, um dos principais componentes do agente laranja, é comercializado no Brasil e apresenta alta toxicidade, mesmo sendo conhecido por seu uso como arma química durante a Guerra do Vietnã. Atualmente, ele faz parte de diversas marcas comerciais disponíveis no País.

Um estudo publicado na revista científica Acta Amazônica demonstrou que o uso do 2,4-D no Amazonas tem causado mutações severas na fauna local. Sapos expostos ao agente químico apresentaram deformações graves, como malformações nos olhos e membros. Em seres humanos, o 2,4-D é classificado como altamente cancerígeno, representando um risco significativo à saúde pública.

Lobistas que se apresentam como “pesquisadores” têm divulgado, de forma falsa e irresponsável, em meios de comunicação sem critério, que o Ministério dos Transportes e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) teriam realizado consultas aos povos indígenas no contexto do licenciamento da rodovia BR-319. Essas afirmações são inverídicas e fazem parte de uma estratégia para desqualificar as ações do Ministério Público

Federal (MPF), que tem exigido o cumprimento rigoroso da legislação.

Vídeos que circularam no Instagram, posteriormente repercutidos por blogs sem qualquer verificação dos fatos, alegam de forma enganosa que os estudos realizados já garantiram a inclusão e proteção das populações afetadas, em conformidade com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em outros vídeos, foi apontado, de maneira igualmente falaciosa, que os indígenas seriam beneficiados pela rodovia, uma afirmação refutada por todos os estudos científicos e pelas próprias lideranças indígenas.

Um estudo científico publicado no periódico Journal of Racial and Ethnic Health Disparities demonstrou que comunidades tradicionais, incluindo indígenas, foram excluídas das audiências públicas realizadas no âmbito dos estudos ambientais da rodovia BR-319 promovidos pelo Ibama, comprometendo a legitimidade do estudo do componente indígena e anulando sua validade.

Além disso, a Convenção 169 da OIT distingue claramente o estudo de componente indígena da consulta prévia, enfatizando suas funções e objetivos distintos. O estudo de componente indígena é uma análise técnica que busca identificar e avaliar os impactos de projetos ou políticas sobre comunidades indígenas, fornecendo subsídios para mitigar danos e respeitar os direitos territoriais e culturais desses povos.

Por outro lado, a consulta prévia é um processo político e jurídico, fundamentado no direito à autodeterminação, que exige diálogo direto e de boa-fé com os povos indígenas, com o objetivo de obter seu consentimento ou alcançar um acordo antes da implementação de medidas que os afetem.

Enquanto o estudo de componente indígena é uma ferramenta de diagnóstico, a consulta prévia constitui um direito fundamental que garante a participação ativa e informada das comunidades indígenas

nas decisões que impactam suas vidas. Nesse sentido, é essencial exigir o cumprimento do direito de consulta dos povos indígenas afetados pela rodovia BR-319, garantindo-lhes o direito de rejeitar o empreendimento.

A rodovia BR-319 é considerada o empreendimento de maior impacto ambiental e social no mundo, com diversos e graves efeitos negativos sobre o meio ambiente e as populações locais. No dia 10 de julho deste ano, participei de uma reunião promovida pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), em Brasília, que contou com a presença de representantes da Funai e do Ibama.

O objetivo foi discutir os impactos da rodovia BR-319. Durante o encontro, ficou claro que as consultas aos povos indígenas não foram realizadas no processo de licenciamento da rodovia, fato confirmado pelo representante da Funai, que também destacou a necessidade de ampliar as terras indígenas para proteger adequadamente as áreas de uso tradicional que ficaram fora das demarcações na região da rodovia.

No dia 29 de outubro, também em Brasília, estive presente em outra reunião presencial promovida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) para tratar dos impactos da rodovia BR-319. Durante essa ocasião, além de ser reafirmado que os povos tradicionais não foram consultados, destacou-se a inviabilidade ambiental e econômica do projeto, fato admitido pelos técnicos do MMA e do Ibama presentes. Essa reunião foi gravada, constituindo uma prova definitiva da inviabilidade do empreendimento. Os estudos científicos mencionados subsidiam as ações do MPF sobre a necessidade de consulta dos povos indígenas.

(*) Lucas Ferrante é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e possui Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ferrante é o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nas duas principais revistas científicas do mundo, Science e Nature. Atualmente, atua como pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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