POVOS ISOLADOS EM PERIGO
Funai recomenda suspensão de atividades em áreas da Eneva e Mil Madeiras no AM por 'extremo risco' a indígenas
www.revistacenarium.com.br | Outubro de 2024
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Editorial
Guardiões em risco
Os efeitos da crise climática reforçam a ideia de que a proteção das florestas é a saída para a sobrevivência humana na terra, e não há proteção de ecossistemas sem resguardar a vida de quem está na linha de frente desta guerra: os povos indígenas e, especialmente, as etnias que decidiram não estabelecer contato com não indígenas, chamados de povos isolados, que são os grandes guardiões das florestas.
A professora e escritora indígena Eliane Potiguara, 74, explica, na obra “Metade cara, metade máscara” (2004), que “Um território não é apenas um pedaço ou uma vastidão de terras. Um território traz marcas de séculos, de culturas, de tradições. É um espaço ético, não é apenas um espaço físico como muitos políticos querem impor. Território é vida, é biodiversidade, é um conjunto de elementos que compõem e legitimam a existência indígena”.
O conteúdo especial desta edição da REVISTA CENARIUM alerta a sociedade para o risco de morte de indígenas isolados no território da Amazônia, entre os municípios de Silves e Itapiranga (AM), que levou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a recomendar “a suspensão imediata das atividades de exploração de gás da empresa Eneva e do plano de manejo florestal da empresa Mil Madeiras”.
As invasões mercantilistas, missionárias, latifundiárias do passado e do presente têm gerado o genocídio dos povos indígenas no Brasil sob a justificativa demagógica de desenvolvimento econômico, um desenvolvimento que chega apenas a um grupo seleto de pessoas, quando a maioria da população é explorada, cooptada e relegada à margem social.
De janeiro a março de 2024, a Eneva registrou uma receita líquida de R$ 2 bilhões e, nesse período, a CENARIUM foi à região onde a empresa tem operação no Amazonas, no município de Silves, e se deparou com um alto registro de desemprego, e com moradores em vulnerabilidade social, buscando sustento em um lixão, ao lado da empresa.
Não vivemos mais no período da invasão portuguesa ao Brasil, no ano de 1500, quando exploraram a nossa terra e assassinaram nossos antepassados em troca de espelhos. É preciso que tenhamos enraizado entre nós a ideia de pertencimento territorial e entendamos que proteger os guardiões das florestas é proteger a humanidade.
Paula Litaiff Diretora-Geral
Davi e Golias na Amazônia
Davi era um jovem pastor que venceu o gigante Golias armado com sua fé, uma pedra e uma funda – um tipo de arma de arremesso. Esta história bíblica foi a primeira que me veio à mente ao refletir sobre este editorial, não pelo teor religioso, mas pelo simbolismo. O confronto entre Davi e Golias representa a luta dos pequenos contra os grandes, dos aparentemente mais frágeis contra os mais fortes. E é disso que trata a reportagem de capa desta edição: a batalha de pequenas comunidades frente a gigantescas empresas.
Na Amazônia, todos os dias ocorrem embates entre “Davis” e “Golias”. São batalhas em que pequenas famílias ou grupos de povos tradicionais enfrentam grandes multinacionais ou corporações poderosas para garantir o respeito aos seus direitos diante de interesses exploratórios, voltados a obter lucros bilionários com a comercialização das riquezas da floresta, das águas e das terras da região.
Há sempre a promessa de desenvolvimento econômico e social e de tirar os povos amazônicos do isolamento. Diante dessas promessas, nossos pequenos lutam para serem ouvidos e para que suas necessidades sejam consideradas. Eles exigem compensações pelos inevitáveis danos ao meio ambiente em que vivem, controle sobre esses impactos para evitar a degradação completa da terra e, por que não, também colher parte dos frutos financeiros.
Assim foi com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Assim é com a questão do Ferrogrão, que afeta áreas no Pará e em Mato Grosso; com o conflito em torno da exploração de potássio em Autazes, no Amazonas; e também com a extração de gás na região entre os municípios amazonenses de Silves e Itapiranga, este último sendo o tema central de nossa reportagem de capa.
Em um recente capítulo da batalha judicial entre indígenas que lutam pelo reconhecimento de seus territórios na área de exploração de gás, um novo personagem surgiu: povos isolados habitando a mesma região, que inclui áreas de manejo de madeira. Sem contato com o mundo exterior e vivendo de forma autossuficiente no meio da floresta, esses povos são ainda mais vulneráveis. A proteção deles exige uma ação rápida dos órgãos indigenistas e da Justiça.
Afinal, ao contrário da história bíblica, em que o jovem Davi vence o gigante sozinho, na Amazônia de hoje, a união entre órgãos de defesa e a sociedade é essencial para que os pequenos da floresta possam enfrentar os grandes em prol da preservação da Amazônia. E, mesmo assim, a dúvida persiste: sairá Davi vitorioso?
Márcia Guimarães Gestora de Conteúdo
&Leitora
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Comprometimento
Ter revistas comprometidas como a CENARIUM, com temas atuais, é fundamental para o entendimento dos debates sociais e climáticos, que nos provocam a pensar em soluções de enfrentamento de forma coletiva e participativa.
Rogério Verde
São Luís – MA
�� Conteúdo atual
Parabenizo toda a equipe da REVISTA CENARIUM Ed. 50 pelo conteúdo sempre atual e de qualidade, voltado para a realidade da nossa Região Amazônica.
Norma Galúcio
Santarém – PA
�� Referência em informações
��
Sustentabilidade
Ainda não conhecia a REVISTA CENARIUM. Conheci recentemente e vou acompanhar daqui para frente. Achei muito interessante a edição com a reportagem sobre o problema do lixo em Belém. Porém, o mais interessante seria investir pesado na educação em reciclagem. Assim, evitaríamos a infestação de resíduos plásticos despejados no meio ambiente. Todos os dias, nós produzimos toneladas de lixo sem nos preocuparmos com o destino.
Sônia Guimarães
Belém – PA
Quero destacar a importância dos conteúdos da REVISTA CENARIUM, pois, para mim, tem sido uma referência ao abordar temas específicos e apresentar informações claras e concisas.
Silvanete Lima
Santarém – PA
Sumário
Rio Negro em agonia
Em Manaus, nível das águas ultrapassou menor nível da história, recorde pelo segundo ano consecutivo
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O Rio Negro, que banha a capital do Amazonas, ultrapassou, no dia 3 de outubro, o menor nível da série histórica desde que passou a ser medido, há 122 anos, atingindo 12,68 metros. Os dados são do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), que realiza a medição diariamente. Em 2023, o rio chegou a 12,70 metros, superando o registro de 2010, que até então era a menor
cota registrada, quando o rio alcançou 13,63 metros. No dia 10 de outubro, o nível das águas registrou estabilidade, com a cota mínima de 12,11 metros, a mesma registrada no dia 9, de acordo com a medição feita pelo Porto de Manaus.
O SGB havia previsto que, em 2024, a seca do Rio Negro superaria a de 2023. O Governo do Amazonas declarou, no dia 28 de agosto deste ano, situação de emergência em todos os 62 municípios afetados no Estado. Só na zona rural de Manaus, cerca de 9.316 pessoas estão sendo impactadas pela seca, de acordo com o governo do Estado.
A seca histórica que atinge o Amazonas em 2024 já afeta 747.642 pessoas em todo o Estado, segundo o boletim sobre a estiagem divulgado pela Defesa Civil no dia 30 de
setembro. De acordo com o órgão, 186 mil famílias estão impactadas neste ano. Esse número é maior do que o registrado em 2023, quando cerca de 633 mil pessoas, de 158 mil famílias, foram afetadas.
O Rio Negro, em comparação com o mesmo período do ano anterior, havia registrado 15,29 metros. De acordo com a medição, o rio registrava, até 2 de outubro, 13,94 metros. O medidor também disponibiliza dados de outros pontos de medição, como no porto privativo Roadway, que realiza o embarque e desembarque de passageiros, registrando 17,19 metros.
Outros rios da bacia do Amazonas também apresentam níveis críticos de vazante, como, por exemplo, a calha do Alto Solimões, com -2,19 metros. No Baixo Solimões, o rio está com 3 metros. No
747 MIL
A seca histórica que atinge o Amazonas em 2024 já afeta 747.642 pessoas em todo o Estado, segundo o boletim sobre a estiagem divulgado pela Defesa Civil no dia 30 de setembro.
Isolados pela seca
Letícia Misna – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Parte da população do interior do Amazonas sofre em isolamento por conta da seca severa: sem alimento, sem combustível e, principalmente, sem água.
Na calha do Purus, apesar de Boca do Acre — a 1.028 quilômetros de Manaus — apresentar a menor taxa de vazante, a cidade ainda se apoia na BR-317 para garantir seu abastecimento de suprimentos. O mesmo não ocorre em Pauini — a 923 quilômetros da capital —, município com o segundo pior índice do Purus (6,79), que depende inteiramente das vias fluviais.
“Quando começa a seca, começam a faltar os produtos que a gente usa no dia a dia, porque as embarcações demoram a chegar aqui. Viagens que duram 24 horas, durante a seca, demoram de dois a três dias, e os produtos já chegam estragados, como hortifrutis no geral, frango, ovos, esses materiais que são perecíveis, porque, às vezes, os barcos não são apropriados para carregar esse tipo de mercadoria, né? Não têm frigorífico próprio”, relata João Carlos, oficial de justiça e morador de Pauini.
Além de alimentos, essas embarcações, que saem justamente de Boca do Acre, também abastecem Pauini com
As 10 maiores secas do Rio Negro em Manaus, até 2023
combustível. De acordo com João Carlos, uma tática utilizada pelos barqueiros é tirar as botijas de gás de dentro dos barcos e jogá-las no rio amarradas, para que as embarcações percam peso e não encalhem. Apesar de fazer com que a viagem demore ainda mais, esse é um método necessário nesse período.
Em agosto, um barco que viajava entre Pauini e Lábrea afundou no Rio Purus após bater em um tronco de árvore e ter o casco perfurado. A seca teria contribuído para o agravamento do acidente.
“Devido a essa situação, o combustível não chegou à cidade, e o pouco que tinha estava apenas no chamado ‘Pontão’, posto de gasolina que fica na beira do rio”, relatou o oficial na ocasião. Na época, o litro custava R$ 8,60 nos postos autorizados, mas, quando a gasolina acabou de vez, a população passou a depender dos chamados ‘atravessadores’, que vendiam combustível clandestinamente por R$ 20 o litro. Atualmente, os postos autorizados de Pauini já possuem combustível novamente, mas o preço médio subiu para R$ 10.
Para tentar amenizar a situação, o Governo do Amazonas já enviou mais de mil toneladas de alimentos para os locais mais afetados, além de 200 toneladas de medicamentos e insumos.
Baixo Amazonas, na cota mais recente, foi registrado -1,95 metro. Os dados são do boletim da estiagem divulgado pelo governo do Estado no dia 1º de outubro.
Apesar da seca surpreendente, o Rio Negro é o maior rio em extensão na Bacia Amazônica, sendo um dos maiores rios do mundo em volume de água.
No dia 17 de outubro, o Rio Negro registrou subida e chegou a 12,25 metros na capital amazonense. Mas a subida no nível das águas no rio que banha Manaus ainda não indicava que a estiagem tenha terminado.
Segundo o Serviço Geológico do Brasil, ainda é preciso chuvas mais consistentes e distribuídas, tanto na região de cabeceira quanto na parte central da bacia e em trechos de foz, para a recuperação dos níveis.
Omissão ambiental
Justiça é acionada em Rondônia para exigir criação urgente de Protocolo Emergencial Multifásico Gradual de qualidade do ar
Camila Pinheiro – Da Cenarium
PORTO VELHO (RO) – O Ministério
Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU) acionaram a Justiça Federal para exigir a criação urgente de um Protocolo Emergencial Multifásico Gradual de qualidade do ar. O MPF informou que a medida visa combater a poluição atmosférica em Porto Velho, Rondônia, com base em orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e outros órgãos de saúde.
A ação pede que a União, o Estado de Rondônia e a Prefeitura de Porto Velho adotem medidas imediatas, como o uso obrigatório de máscaras (NR95 e PFF2), teletrabalho, suspensão de atividades não essenciais e fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) a servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. Também está prevista a suspensão de eventos com aglomeração e a constante atualização das diretrizes de acordo com os níveis de poluição do ar.
Além da criação do protocolo, os órgãos exigem que os réus paguem uma indenização de R$ 100 milhões por danos morais coletivos à saúde, destinada ao fundo de saúde coletiva. A indenização deverá ser utilizada em ações de prevenção e combate aos efeitos da poluição. A ação também pede compensações individuais para pessoas
que comprovarem danos à saúde devido à poluição do ar.
À CENARIUM, o titular do 1º Ofício da Procuradoria da República em Rondônia, Raphael Bevilaqua, classificou Porto Velho como uma das cidades mais poluídas do mundo, argumento que fundamentou a ação. “Uma das cidades mais poluídas do mundo atualmente é Porto Velho, que tem sido eleita como tal há mais de dois meses devido às queimadas na Região Norte do Brasil. Esse problema de poluição do ar não afeta apenas a cidade, mas já chegou a São Paulo”, afirmou.
A ação civil pública foi assinada por procuradores da República, do Trabalho e pelo defensor público federal, que destacam a omissão de autoridades locais, estaduais e federais. De acordo com os autores, a poluição atmosférica em Porto Velho atingiu níveis críticos, e a falta de ações concretas prejudica gravemente a saúde da população.
“As autoridades locais, incluindo a União, o Estado e os municípios, não implementaram um protocolo que determinasse a utilização de máscaras para mitigar os efeitos da poluição do ar. Além disso, não foram tomadas medidas como a suspensão de atividades ao ar livre ou a recomendação de trabalho remoto para
“Uma das cidades mais poluídas do mundo atualmente é Porto Velho, que tem sido eleita como tal há mais de dois meses devido às queimadas na Região Norte”
Raphael Bevilaqua, procurador titular do 1º Ofício da Procuradoria da República em Rondônia.
evitar a exposição das pessoas à poluição”, destacou o procurador.
CRISE DO AR
Porto Velho enfrenta uma das piores crises de qualidade do ar do mundo, sendo frequentemente registrada como uma das cidades com maior poluição do ar no Brasil, de acordo com a plataforma suíça IqAir. Tentativas anteriores dos órgãos públicos para implementar um protocolo foram ignoradas pelas autoridades, que, segundo a ação, não tomaram medidas eficazes para resolver a situação.
A crise tem provocado o aumento do número de internações por problemas respiratórios na região. Apesar dos alertas emitidos pela Vigilância em Saúde, nenhuma ação efetiva foi tomada para mitigar o impacto, com eventos e competições ao
ar livre continuando a ser promovidos. De acordo com informações repassadas ao promotor, houve um aumento de 100% nos problemas respiratórios em relação ao mesmo período do ano anterior.
“A Sociedade Brasileira de Cardiologia alertou que a poluição do ar é o quarto maior fator de risco de morte relacionado a problemas respiratórios. Em Porto Velho, o Hospital 9 de Julho reportou um aumento de 100% nas internações por problemas respiratórios em comparação ao mesmo período do ano anterior”, finalizou.
AÇÃO DA AGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) também entrou na Justiça contra queimadas na Amazônia e informou, no dia 9 de outubro, que ajuizou cinco ações na Justiça para cobrar R$ 89 milhões de pessoas físicas
e jurídicas acusadas de destruir vegetações nativas com queimadas na Amazônia.
A atuação dos infratores ambientais foi investigada pelos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos municípios de Boca do Acre (AM), Lábrea (AM), Altamira (PA) e São Félix do Xingu (PA). Cerca de 5 mil hectares foram desmatados. Nas ações, a AGU pede o bloqueio dos bens dos acusados, a obrigação de reparar as áreas desmatadas e a proibição de explorar comercialmente as localidades. A suspensão de benefícios fiscais também foi solicitada à Justiça.
A propositura das ações foi coordenada pelo AGU Recupera, comitê responsável pela adoção de medidas jurídicas para proteção do meio ambiente e do patrimônio cultural do País.
Área da Amazônia sofrendo queimada
Queimadas concentradas em terras indígenas e grandes fazendas
Da Cenarium*
SÃO PAULO – Mais da metade das terras que queimaram no Brasil de janeiro a agosto estão em territórios indígenas e grandes propriedades rurais. Foram atingidos 5,9 milhões de hectares nessas áreas, enquanto, no País como um todo, queimaram 11,3 milhões de hectares. O levantamento consta em nota técnica elaborada pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam), divulgada no dia 27 de setembro.
Na comparação com o mesmo período de 2023, quando as chamas atingiram 5,2 milhões de hectares, a área afetada pelo fogo no Brasil mais do que dobrou.
A categoria que mais sofreu com as queimadas foi a das terras indígenas, com mais de 3 milhões de hectares impactados pelo fogo. Esse número representa um salto em comparação com a média histórica dos
últimos cinco anos, que foi de cerca de 1,7 milhão de hectares.
“Normalmente, as terras indígenas têm uma extensão queimada grande, porque são áreas grandes também. Mas, neste ano, houve um aumento de 81% da área queimada em relação ao ano passado”, diz Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam e uma das autoras do estudo.
No caso das grandes propriedades, mais de 2,8 milhões de hectares foram atingidos pelas chamas até agosto. Recebem essa classificação imóveis rurais com mais de 15 módulos fiscais (cada módulo pode ter de 5 a 110 hectares, a depender do município). São classificados como imóveis rurais pequenos aqueles com até 4 módulos fiscais, e médios, os de 4 a 15 módulos.
(*) Com informações da Folhapress.
5,9 milhões ha
Foram atingidos 5,9 milhões de hectares em terras indígenas e fazendas, enquanto no País como um todo queimaram 11,3 milhões de hectares.
Embarcação do ProQAS/AM monitora a qualidade da água dos rios que banham o Estado e a capital amazonense
Ser humano, vilão das águas
Seca e cheia não interferem na qualidade das águas dos rios e ação humana é a única responsável pela contaminação, apontam pesquisas de programa da UEA
Ana Pastana – Da Cenarium
Laboratório do programa ProQAS/AM em uma embarcação
MANAUS (AM) – A ação humana é a única responsável pela contaminação das bacias hidrográficas do Amazonas. Diferentemente do que se possa imaginar, a seca e a cheia na região não interferem na qualidade das águas dos rios, segundo o coordenador do Programa de Monitoramento de Água, Ar e Solos do Amazonas (ProQAS/AM), professor Dr. Sérgio Duvoisin Junior. Esta é uma das conclusões de pesquisas realizadas pelo programa, desenvolvido pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
“A primeira impressão que a gente tinha é que, na seca, tudo ia ficar ruim, já que haveria menos água e os poluentes se concentrariam. O que a gente observa é que, nos locais que não têm ação humana, o rio continua com as mesmas características da água”, explicou.
Em setembro deste ano, em meio à seca que atinge a região, cientistas do ProQAS/ AM iniciaram uma nova expedição pelos rios Negro e Amazonas, com uma comitiva formada por 13 pesquisadores, para monitorar a qualidade da água dos rios que banham o Estado, além das principais bacias que banham a capital amazonense.
Esta é a quarta expedição feita pelo programa.
O pesquisador explicou que os fatores de poluição existem independentemente da seca ou da cheia. “Sempre haverá fatores de poluição, principalmente em igarapés que estão no meio de uma cidade como Manaus. Ao longo dos anos, observamos que há bacias muito impactadas na cidade de Manaus, como a do São Raimundo e a do Educandos, e outras que estão dando seu primeiro grito de alerta, como a bacia do Tarumã-Açu”, disse.
Desenvolvido pela UEA há dez anos, o projeto levou a instituição a se tornar uma referência em estudos e monitoramento ambiental no Estado. A expedição acontece anualmente e é coordenada por Duvoisin Junior.
“Há um planejamento para a pesquisa, que é feito sempre em novembro do ano anterior. Como é um programa de monitoramento regular das bacias, em novembro planejamos todas as campanhas do ano seguinte. O monitoramento é feito na maioria das bacias a cada três meses, e as grandes campanhas acontecem a cada quatro meses”, explicou.
De acordo com o coordenador, devido à dificuldade de locomoção e ao tempo necessário para chegar a alguns locais do Estado, o programa precisa montar um laboratório dentro da embarcação para obter resultados mais precisos e ágeis das coletas. “As campanhas duram de 15 a 17 dias, e, quando voltamos, realizamos todas as análises no nosso laboratório”, concluiu.
Contaminação
Em maio de 2022, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) determinou a retirada dos flutuantes do Tarumã-Açu. Em 2004, havia 74 casas flutuantes na localidade. Em 20 anos, o número disparou: foram contabilizadas 900 unidades, entre restaurantes, flutuantes para lazer, garagens e píeres.
Em 2023, o programa apontou qualidade péssima na bacia do Educandos, com uma média de 31 no IQA. Já na bacia do São Raimundo, que não é um afluente industrial e possui mais resíduos domésticos, o IQA registrado também apresentou dados ruins na época, com média de 32.
“A primeira impressão que a gente tinha é que, na seca, tudo ia ficar ruim, já que haveria menos água e os poluentes se concentrariam. Nos locais que não têm ação humana, o rio continua com as mesmas características”
Dr. Sérgio Duvoisin Junior, coordenador do ProQAS
Crédito: Reprodução
BACIAS
Atualmente, com 100 pontos de monitoramento, o programa verifica as principais bacias em Manaus, como a do Rio Negro, que banha a cidade, a do Tarumã Mirim, localizada na zona rural, além da bacia do Tarumã-Açu e a do São Raimundo, ambas na Zona Oeste de Manaus, e as bacias do Puraquequara, na Zona Leste, e do Educandos, na Zona Sul.
De acordo com as informações disponibilizadas no site do programa (www. gp-qat.com), é possível observar que uma das bacias monitoradas, a do Tarumã-Açu, registra o índice 66 de qualidade das águas. Segundo o monitoramento, o valor é considerado bom, entre 52 e 79 no Índice de Qualidade da Água (IQA).
Outros três pontos de monitoramento, identificados como bacia do Pró-Estado, localizados no bairro Ponta Negra, na Zona Oeste, e no bairro Tarumã-Açu, apontam a qualidade da água com um IQA de 51, considerado ruim de acordo com o índice.
Recuperação de bacias
Após anos de monitoramento e análises, o pesquisador é categórico ao afirmar que as bacias do Tarumã-Mirim e Puraquequara são, em geral, extremamente saudáveis, enquanto as do São Raimundo e Educandos estão extremamente degradadas. Já a bacia do Tarumã-Açu, envolta na polêmica dos flutuantes, está sob risco. Para o professor, é possível reverter essas situações.
“As bacias do Tarumã-Mirim e Puraquequara são extremamente saudáveis, com alguns pontos problemáticos, como em Puraquequara, onde há um matadouro. É um local muito específico que está com problema. A gestão pública poderia, ao perceber o problema, se adiantar para resolvê-lo. É um problema pontual dentro de uma bacia que está extremamente saudável”, explica.
Referente às bacias do São Raimundo e do Educandos, Sérgio Duvoisin destaca que são necessárias medidas extremas para a recuperação dos cursos d’água. Ele menciona que, apesar de toda a poluição na cidade, ainda há vida nos igarapés, o que demonstra a resiliência de todo o ecossistema.
Crédito: Reprodução
Gás e Madeira: Povos isolados sob ameaça
Funai recomenda suspensão de atividades da Eneva e Mil Madeiras em área entre Silves e Itapiranga, no Amazonas, por ‘extremo risco’ a indígenas isolados
MANAUS (AM) e BRASÍLIA (DF) - O avistamento de indígenas isolados, numa região entre os municípios de Silves e Itapiranga, levou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a recomendar “fortemente a suspensão imediata das atividades de exploração de gás realizada pela empresa Eneva S.A. e do plano de manejo florestal por parte da Mil Madeiras Preciosas”. A medida é uma forma de garantir proteção a esses povos que foram visualizados, em agosto de 2023, por uma equipe da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que fazia diligências na área de abrangência das duas empresas. De acordo com parecer da Funai, elaborado após expedição ao local, a exploração de gás e madeira coloca “duplamente a vida destes povos isolados em extremo risco”. O documento oficial com a recomendação foi enviado ao Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, no âmbito da Ação Civil Pública (ACP) movida desde maio de 2023 pelos povos indígenas contra a Eneva, na Justiça Federal no Amazonas. Na peça, eles alegam violação de direitos durante o processo de licenciamento ambiental e implantação do empreendimento, sem que tenham sido ouvidos conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Eneva defende que atende a todos os requisitos legais, pois não foi identificada nenhuma terra indígena na área de abrangência de seu projeto de energia.
A área onde esses indígenas foram avistados, segundo a autarquia federal, fica a apenas 31 quilômetros, em linha reta, dos campos de prospecção de gás da Eneva S.A., empresa que explora o “Campo Azulão”, em Silves, e dentro dos lotes destinados ao manejo florestal para retirada madeireira da Mil Madeiras Preciosas. Tudo isso eleva ainda mais a preocupação das comunidades locais sobre a situação desses indígenas, que agora aguardam providências junto à Funai para que estabeleça medidas de proteção a esse povo vulnerável.
AVISTAMENTO
O avistamento aconteceu por acaso. Eram quase 11h35 de uma manhã de 13 de agosto de 2023, quando uma pequena equipe da Pastoral da Terra encalhou o bote às margens de um rio afluente do Rio Uatumã, numa região conhecida como
Caribi. Dali, seguiram por mais quatro horas floresta adentro, quando ouviram um barulho e pararam para ver o que era. Não avistaram qualquer coisa. Alguns metros à frente, mais barulho de folhas. Foi então que perceberam um homem nu, de cerca de 30 anos, com um pedaço de galho seco nas mãos, a uns 40 metros de distância. Tratava-se de um indígena, que se mostrava bravo com a presença daquelas pessoas. Em seguida, apareceram um menino, de aproximadamente 14 anos, uma menina, aparentando ter uns dez anos, uma mulher, de cerca de 50 anos, e outro homem, que
parecia ter 60 anos. O primeiro indígena gritou, e os quatro se afastaram.
O relato desse encontro consta no relatório “Contato com indígenas isolados no município de Itapiranga/Amazonas”, elaborado pela CPT Prelazia de Itacoatiara, município a 270 quilômetros de Manaus. A Comissão relata que uma equipe estava no município de Itapiranga, no período de 12 a 14 de agosto, para realizar um levantamento cartográfico, étnico e cultural dos povos indígenas e tradicionais que habitam as áreas rurais e urbanas do município.
DIREITOS INDÍGENAS
“Além dos
relatos
consistentes e
da fotografia coletada pelos integrantes da CPT, as entrevistas
com os comunitários da RDS também apontam
para a presença de isolados, fator reiterado pela localização de um artefato atribuído a indígenas em isolamento”.
Funai, em ofício enviado ao MPF, após expedição ao local do avistamento.
A missão ocorreu a pedido das lideranças indígenas de Silves e Itapiranga, para ouvi-las sobre “as violações de direitos que estão sofrendo decorrentes da exploração do gás e petróleo que a empresa Eneva está operando”. Foram ouvidas pessoas da comunidade indígena Vila Isabel, na Boca do Inajatuba, em Itapiranga.
DILIGÊNCIA DA CPT
Após ouvir as demandas, a equipe da CPT relata que precisava verificar os limites dos blocos de gás para identificar se estavam sobrepostos ao território onde os indígenas utilizam para caçar, pescar e trabalhar o extrativismo. “Porém, com a notícia de que os indígenas estavam proibidos de
transitar na área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, a equipe da CPT decidiu ir sozinha, guiada apenas pelo mapa do Aplicativo UTM Geo Map”. Preferiram pernoitar em Itapiranga e, no dia seguinte, 13 de agosto, saíram às 4h30 para a missão de reconhecimento das áreas. Assim começou a viagem que acabou no encontro com o avistamento de indígenas isolados, segundo relato da equipe da CPT. Após ficar a 40 metros do homem nu, a equipe tentou se comunicar por meio de gestos e falas, mas ele ameaçou jogar um galho de árvore neles. Mesmo afastados, continuaram insistindo e perguntando se eram das etnias Mura, Waimiri-Atroari, Hixkaryana ou Sateré-Mawé, mas o indígena ficava irritado e emitia um som semelhante a um grito.
“Uma das vezes, quando o agente apontou na direção do Rio Uatumã e perguntou se era de lá que vieram, o indígena balançou
“As crianças tinham corpo esguio, cabelos pretos e não usavam adereços no corpo nem instrumentos de defesa. Os indígenas pareciam falar em sua própria língua”.
Agentes da CPT, em relatório produzido após o avistamento.
a cabeça que sim. O gesto causou estranheza ao agente, pois seria um sinal de que o indígena poderia ter compreendido o que ele estava falando e que, possivelmente, o indígena já teria tido contato com outros povos”, afirma o relato.
Ainda segundo o relatório da CPT, diante da possibilidade de o indígena ter compreendido a fala ou o gesto deles, o agente perguntou, por diversas vezes, se eram Mura, Waimiri-Atroari, Hixkaryana ou Sateré. O homem bateu os pés com força no chão e falou de uma forma que deu para entender alguma coisa como “ariri” ou “tariqui”.
“O agente perguntou: Tariqui, Pariqui? O indígena novamente balançou a cabeça como se estivesse afirmando que sim. (sic) O agente pegou o celular e tentou tirar uma foto do indígena, mas ele se afastou rapidamente, fazendo menção que iria jogar o galho no agente. Na segunda tentativa, o agente conseguiu fazer o registro fotográfico”, informa a CPT, que suspeita de que eles pertençam à etnia Pariqui.
Eles deixaram para trás um terçado, devidamente higienizado com álcool, pois o homem ficou olhando com atenção para o artefato. “De longe, o agente viu o indígena pegando o terçado. O contato com os indígenas não passou de 10 minutos”, finalizam.
No relatório da CPT, os adultos são descritos como pessoas de corpos fortes e robustos, de aproximadamente 1,60 m de altura e que traziam algo amarrado na cabeça e na cintura (cipó ou envira). Não portavam arco e flecha, seguravam apenas um galho de árvore nas mãos. Tinham pele morena (parda) e cabelos pretos. A indígena adulta aparentava uma estatura de 1,50 m e corpo forte. De pele morena (parda) e cabelos pretos compridos até o meio das costas, usava um fio amarrado
à cintura (cipó ou envira). Também não usava arco e flecha. “As crianças tinham corpo esguio, cabelos pretos e não usavam adereço no corpo e nenhum instrumento de defesa. Os indígenas pareciam falar em sua própria língua”, anotaram os agentes no relatório.
Ao voltarem para Itacoatiara, os membros da CPT começaram a buscar maneiras de informar às autoridades sobre seus achados na expedição. Conforme a Comissão, a Prelazia de Itacoatiara informou por e-mail ao MPF, à Funai, ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, aos Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH/ AM) e ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sobre a situação dos indígenas impactados pela exploração do gás em Silves e Itapiranga e sobre o avistamento de indígenas isolados.
MISSÃO DA FUNAI
A diretora de Proteção Territorial da Funai, Maria Janete Albuquerque de Carvalho, em ofício assinado eletronicamente no dia 19 de junho deste ano, e enviado ao procurador da República no Amazonas Fernando Merloto Soave (Ofício 765/2024/ DPT/Funai), relata como a autarquia foi informada e tomou as providências para enviar uma missão ao local, em Itapiranga, para averiguar as informações dos agentes da CPT. Fernando Merloto é o procurador federal que atua na Ação Civil Pública (ACP), movida pela Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (Aspac) e por Jonas Mura contra a Eneva S.A., na Justiça Federal no Amazonas.
O ofício é uma resposta ao MPF-AM, que requereu à Funai informações atualizadas e “documentos produzidos pela autarquia na questão da identificação dos isolados em Silves/AM, em possível sobreposição à área de exploração de petróleo e gás da
Área está dentro dos lotes da Mil Madeiras Preciosas
Ainda segundo o relatório da expedição da Funai para localizar os indígenas isolados, a “região dos avistamentos está fora dos limites da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uatumã, mas dentro dos lotes destinados ao manejo florestal para retirada madeireira por parte da Mil Madeiras Preciosas”.
“Cada lote possui área de 3 mil hectares e estão esquadrinhados em varadouros que se encontram perpendicularmente a cada 100 metros, sendo que as árvores de interesse (ainda não cortadas) foram identificadas com um sistema de plaqueamento enumerado (e possivelmente georreferenciado). O local exato do avistamento dista tão somente 31 km em linha reta da área da Eneva para prospecção de gás”, constatou a autarquia federal.
A Funai considera ter reunido fatos e evidências qualificados in loco nas atividades de qualificação e expedição de localização empreendidos e acredita “ser alta a probabilidade de presença de Povo Indígena Isolado na região do igarapé Caribi e afluentes”. “Além dos relatos consistentes e da fotografia coletada pelos integrantes da CPT, as entrevistas com os comunitários da RDS também apontam para a presença de isolados, fator reiterado pela localização de um artefato atribuído a indígenas em isolamento. Para além dos dois avistamentos ocorridos em fevereiro e agosto de 2023, outras informações dão conta que, ao menos desde 1992, este povo isolado está presente nas margens do igarapé Caribi”, anotou a autarquia no ofício ao MPF. E prossegue. “Portanto, ainda que não tenha sido possível confirmar de maneira inequívoca a presença de população indígena isolada na área, a possibilidade de confirmação é alta. Deste modo, são necessárias novas expedições de localização para qualificar a presença deste povo isolado na região, cabendo à CGIIRC/Funai a premissa e obrigação de dar continuidade ao trabalho de qualificação e localização”.
DIREITOS INDÍGENAS
ECONOMIA & SOCIEDADE
Trecho do ofício da Funai em que o órgão recomenda a suspensão das atividades da Eneva e da Mil Madeiras na região de avistamento dos indígenas
“Finalizadas
todas as etapas da metodologia de pesquisa e localização sobre a presença de povos indígenas isolados, caso se confirme essa presença nas áreas impactadas diretamente ou indiretamente, o processo de licenciamento ambiental deve ser suspenso e a obra considerada inviável”
Funai, em ofício enviado ao MPF, após expedição ao local do avistamento, citando norma sobre medidas de precaução e proteção.
empresa Eneva S/A. Em especial, indique possíveis riscos e medidas necessárias em relação às constatações da Funai, seja em relação aos povos isolados, seja em relação aos empreendimentos próximos de sua área de habitação (como Eneva, Mil Madeiras ou outros)”.
Segundo as informações do ofício da Funai, a Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema (CFPE-CPM) da autarquia foi informada, entre setembro e outubro de 2023, por
indígenas do baixo Rio Jatapu sobre o achado da CTP, ocorrido no mês anterior, pelo agente José Jorge Amazonas Barros, que integrava a expedição. A partir desse contato, a Funai conseguiu uma reunião on-line com Barros, em dezembro de 2023, na qual reuniu as informações necessárias, inclusive a foto tirada no dia.
A Funai ressalta no documento que, apesar de ter tomado conhecimento da situação, em setembro de 2023, não houve registro oficial sobre a situação pela CPT
até 2024, quando ocorreu o envio do relatório intitulado “Relatório Contato com indígenas isolados no município de Itapiranga/Amazonas”, um documento extraído de outro mais robusto produzido pela entidade, o “Relatório Situação dos Povos Indígenas de Itapiranga”.
Por este último relatório da CPT, realizado para verificar os impactos da exploração de petróleo e gás nos municípios de Itapiranga e Silves, suas equipes constataram a existência de sete aldeias em Silves e duas em Itapiranga, considerando uma delas este grupo de isolados. No ofício da Funai, há a indicação no mapa de todas as nove aldeias identificadas pela CTP, menos do local onde os isolados foram avistados, por medida de segurança, pois suas informações “serão encaminhadas aos órgãos específicos da esfera federal para as devidas e legais providências”. A Eneva só considera as comunidades indígenas aquelas reconhecidas pela Funai, as quais não constam estas identificadas pela CPT.
INÉDITO
Baseada nas informações do Banco de Dados da Coordenação-Geral de Indígenas
Isolados requerem medidas de proteção e precaução
Diante deste fato novo, em que a Funai defende haver povos isolados naquela área entre Silves e Itapiranga, e que precisa de aprofundamento nas investigações, essa realidade requer medidas que fazem parte da política de proteção aos povos indígenas isolados, regida pelo regime de precaução previsto na Resolução 44, de dezembro de 2020, do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Dentre as várias medidas de precaução e prevenção previstas, está a garantia de “instrumentos administrativos ágeis e provisórios de interdição de áreas onde haja possibilidade de presença de povos isolados, que restrinjam o uso e acesso de terceiros, permitindo salvaguardar ambientalmente o território, bem como os processos de pesquisa necessários à confirmação ou descarte de sua presença”.
A Resolução prevê, ainda, diretrizes específicas relacionadas à consulta e consentimento livre, prévio e informado em casos de presença de povos indígenas isolados, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que “deve considerar a opção pelo isolamento como manifestação expressa do não consentimento para a implementação de empreendimentos e medidas que afetem negativamente as condições ambientais de seus territórios”.
Os artigos 15 e 16 da Resolução 44/2020 são assertivos quanto à presença de indígenas isolados em áreas de impacto direto e indireto de empreendimento, no que diz respeito à avaliação ambiental da obra, exigindo inclusive medidas no âmbito dos Estudos do Componente Indígena (ECI) do licenciamento, medida esta que os indígenas que habitam hoje a região estão
pedindo na Justiça Federal do Amazonas contra a Eneva.
“Finalizadas todas as etapas da metodologia de pesquisa e localização sobre a presença de povos indígenas isolados, caso se confirme essa presença nas áreas impactadas diretamente ou indiretamente, o processo de licenciamento ambiental deve ser suspenso e a obra considerada inviável”, diz o artigo 16.
É com base em toda a legislação vigente que a Funai finaliza o ofício, recomendando a suspensão das atividades dos empreendimentos. “Diante do quadro apresentado, recomendamos fortemente a suspensão imediata das atividades de exploração de gás realizada pela empresa Eneva e do plano de manejo florestal por parte da Mil Madeiras Preciosas”, finaliza o documento a diretora de Proteção Territorial, Janete Carvalho.
DIREITOS INDÍGENAS
ECONOMIA & SOCIEDADE
“As atividades em campo incluíram, além de expedição de localização, uma ampla qualificação de informações com as comunidades ribeirinhas do entorno do avistamento, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uatumã”
Funai, em ofício enviado ao MPF, após expedição ao local do avistamento.
Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), a Funai informa que não há Registro de Povo Indígena Isolado na região de Silves e Itapiranga, no Amazonas. “O Registro mais próximo é a ‘Referência em Estudo de Povo Indígena Isolado no 121 - Médio Jatapu e afluentes’, localizada a mais de 120 km em linha reta do local onde o Sr. Jorge da CPT afirmou ter avistado o grupo isolado”, afirma Janete Carvalho, no ofício. Isso significa, acrescenta, que “o relato sobre presença de grupo em isolamento em Itapiranga/AM é inédito, não havendo quaisquer registros históricos ou documentais consolidados que indiquem a presença de um povo isolado na região”.
Como a Política para Povos Indígenas Isolados preconiza que apenas a Funai, enquanto órgão indigenista do Brasil, tem a prerrogativa de confirmar oficialmente a presença de povos isolados, a autarquia julgou urgente a “realização de atividade de qualificação em campo, com vistas a dar início aos estudos de localização que pudessem confirmar ou não a presença de indígenas isolados na área”.
A expedição foi realizada no período entre 16 de março e 4 de abril deste ano, com uma equipe formada por um servidor da Funai, quatro colaboradores indígenas do Rio Jatapu, um antropólogo, o agente da CTP que forneceu a informação do avistamento e um membro da organização 350.
org. “As atividades em campo incluíram, além de expedição de localização, uma ampla qualificação de informações com as comunidades ribeirinhas do entorno do avistamento, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uatumã”, informa a Funai no ofício.
O trabalho foi organizado em duas fases: o primeiro foi o de sistematização, no qual foram reunidas as informações junto às comunidades que compõem o entorno do território ocupado por esses povos isolados, informações etno-históricas e relatos de ocorrências como vestígios, avistamentos, conflitos, entre outros; a segunda etapa foi a expedição de localização, que ocorreu entre 24 de março e 1º de abril de 2024, visando encontrar a região onde os indígenas foram avistados pelos agentes da CPT, em agosto de 2023.“Durante a expedição, a equipe localizou um artefato atribuído aos indígenas isolados”.
A maior preocupação da autarquia e também das lideranças indígenas é o fato de a região ser alvo de manejo madeireiro pela Mil Madeiras Preciosas e da instalação das prospecções de gás pela Eneva S.A., o que coloca “duplamente a vida destes povos isolados em extremo risco”, como afirmado no ofício da Funai.
processo
A CENARIUM acompanha o processo envolvendo indígenas e a exploração de gás na região entre Silves e Itapiranga desde o início. Em fevereiro deste ano, enviou uma equipe de reportagem para a área, para ouvir os indígenas e ribeirinhos que habitam a região conflagrada. O trabalho resultou na reportagem especial de capa “Exploração da Eneva viola direitos de povos da Amazônia”, publicada no dia 27 de fevereiro de 2024.
A recomendação da Funai sobre o avistamento de indígenas isolados em Itapiranga deu uma nova esperança para as quase 200 famílias de indígenas e ribeirinhos que moram na região do chamado “Complexo Azulão”, que se sentem impactados pelos efeitos do empreendimento, pois a Eneva não teria considerado a presença deles no local.
Em maio de 2023, a Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (Aspac) e Jonas Reis de Castro,
representante da Associação dos Mura, ingressaram com uma Ação Civil Pública, na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Justiça Federal no Amazonas contra a Eneva S.A., Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os autores acusam diversas ilegalidades no processo de licenciamento do empreendimento pelo Ipaam.
Na ação, eles pedem a anulação imediata dos licenciamentos ambientais concedidos ao empreendimento da Eneva pelo Ipaam, até a comprovação do Estudo de Componente Indígena (ECI) e quilombola, e a implantação de medidas previstas neste para mitigar e compensar os impactos socioambientais da obra; a suspensão de uma audiência pública que estava marcada para o dia 25 de maio de 2023, por falta de publicidade do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), irregularidades no Rima,
entre outros; e que se determine, liminarmente, a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas de Silves e demais povos tradicionais.
No dia 19 de maio de 2023, uma liminar da juíza federal Maria Elisa Andrade, em Manaus, suspendeu as licenças concedidas pelo Ipaam à Eneva e, também, a audiência pública que estava marcada para o dia seguinte, dia 20, para discutir os impactos do empreendimento.
A liminar não durou nem 24 horas, pois uma decisão do Tribunal Regional da 1ª Região, em Brasília, a derrubou e manteve a validade das duas licenças de exploração, por entender que dois poços já estavam em operação e poderia haver risco de fornecimento de energia elétrica para o Estado de Roraima, que faz uso do gás produzido pela Eneva, no Amazonas. Em seguida, uma nova liminar derrubou a decisão por inteiro.
Comunidades indígenas
Geoprocessamento realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2023:
POVOS IDENTIFICADOS
Mura (predominantemente)
Baré
Sateré-Mawé
Munduruku
Pariquis (isolados)
SILVES • REÚNE SETE ALDEIAS
Curuá 12 famílias
Gavião Real II (Conceição) 14 famílias
Gavião Real I (Livramento) 100 famílias
Mura Carará 19 famílias
Santo Antônio 14 famílias
São Francisco 27 famílias
Vila Barbosa 49 famílias
Povos Isolados
► A Amazônia brasileira abriga grande número de povos indígenas isolados, que não mantêm contato com outros povos ou com não-indígenas, mais do que qualquer outro lugar do mundo.
► Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), estima-se que existam pelo menos 100 grupos de indígenas isolados na parte brasileira da floresta amazônica. A decisão desses povos de não manter contato é possivelmente resultado de violentos encontros no passado e da contínua invasão e destruição de sua floresta.
ITAPIRANGA • REÚNE DUAS COMUNIDADES
Vila Izabel 14 famílias
Grupo de isolados avistados
► Na fronteira entre o Brasil e o Peru, o Vale do Javari, que ocupa parte do Estado do Amazonas, abriga sete povos contatados e cerca de sete povos isolados, constituindo uma das maiores concentrações de isolados no Brasil.
DIREITOS INDÍGENAS
ECONOMIA & SOCIEDADE
Restrição imediata
Portaria a ser editada pela Funai pode proteger território de forma mais célere
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
Tamandua e Baita vivem em isolamento voluntário e são considerados os últimos do povo Piripkura. Para protegê-los, portaria da Funai proíbe ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas na Terra Indígena Piripkura, no Mato Grosso
MANAUS (AM) e BRASÍLIA (DF) - O instrumento legal que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) dispõe para agir de forma mais célere é a edição de uma portaria de restrição de uso, criada para proteger territórios de povos indígenas isolados que ainda não tiveram seus processos de demarcação
finalizados. O membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Região Norte 1, Guenter Francisco Loebens, que participou de reuniões em Brasília sobre o assunto, explica que a “restrição de uso veda a realização de atividades econômicas na área de abrangência da portaria”.
Caso a Funai decida por essa medida, explica o representante do Cimi, “as atividades da Eneva e da Mil Madeiras, que porventura estiverem acontecendo nessa área, teriam que ser imediatamente suspensas”. O regulamento torna ilegal a entrada de invasores nesses territórios, assim como a exploração dessas terras por madeireiros, garimpeiros e outros.
Francisco Loebens cita como exemplo o que ocorreu com os indígenas Tamandua e Baita, que vivem em isolamento voluntário e são considerados os últimos membros do povo Piripkura. A Funai publicou a portaria de restrição de uso, em março de 2023, proibindo o ingresso, a locomoção e a permanência de pessoas estranhas aos quadros da autarquia na Terra Indígena (TI) Piripkura, localizada em Colniza e Rondolândia, no Estado do Mato Grosso.
“É de fato urgente a adoção de medidas pelo Poder Judiciário para paralisar os empreendimentos que podem impactar e até mesmo
causar a morte
de povos
isolados
na região, bem como a adoção de medidas de proteção destes povos isolados pela Funai”
MPF, em nota enviada à CENARIUM.
MPF prepara novas medidas para o caso
No âmbito da ação na Justiça Federal, o Ministério Público Federal (MPF) chegou a pedir alteração da “causa de pedir” para serem suspensos os licenciamentos já tomando como base o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre a presença dos indígenas isolados na área de atuação da Eneva. Em decisão do dia 21 de agosto deste ano, o juiz Rodrigo Mello, após consultar as partes do processo, negou o pedido e manteve a ação conforme a petição inicial.
O principal argumento das partes contrárias à ação foi questionar a confiabilidade da entidade que produziu o levantamento que atestou a presença de indígenas isolados na área de abrangência da Eneva e Mil Madeiras Preciosas, no caso a CPT.
Segundo a Assessoria de Imprensa do MPF no Amazonas, embora o juiz tenha negado a inclusão da discussão sobre os isolados no processo que debate a consulta da Convenção 169 da OIT e
o projeto/licenciamento ambiental da Eneva, ele “não se manifestou sobre a questão de mérito do caso dos isolados”.
O MPF-AM informou, ainda, que “esteve em agendas presenciais na região de Silves e Itapiranga entre 14 e 16 de agosto de 2024 e está concluindo relatórios e análise das medidas cabíveis” em relação a este caso.
“É de fato urgente a adoção de medidas pelo poder judiciário para paralisar os empreendimentos que podem impactar e até mesmo causar a morte de povos isolados na região, bem como a adoção de medidas de proteção destes povos isolados pela Funai”, finalizou o órgão em nota à CENARIUM.
Até a última decisão, de 21 de agosto de 2024, o único documento analisado pelo juiz sobre os indígenas isolados no processo era o relatório da CPT e não o ofício da Funai, que já foi juntado à ação civil pública. A ação ainda não teve uma sentença definitiva.
DIREITOS INDÍGENAS
ECONOMIA & SOCIEDADE
Último de seu povo, o indígena isolado conhecido como ‘índio do buraco’ foi encontrado morto em agosto de 2022, no território Tanaru, onde viveu sozinho por quase três décadas
“É um
tremendo contraditório o governo dizer que quer as áreas indígenas protegidas, que quer proteger o meio ambiente e permitir esse tipo de exploração mineral em áreas sensíveis como a Amazônia”
Jorge Barros, agenda CPT Prelazia de Itacoatiara.
O Cimi também enviou uma carta ao Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, em Nova York, pedindo apoio para esta causa e para que ele faça gestões junto ao governo brasileiro pela imediata proteção dos isolados de Itapiranga.
O medo, afirma Loebens, é que aconteça com os indígenas avistados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) o mesmo que ocorreu com o indígena isolado Tanaru, conhecido como “índio do buraco”, falecido em agosto de 2022. Ele foi o último remanescente de sua etnia e viveu por 30 anos na Terra Indígena Tanaru, em Corumbiara, Rondônia, após sua família ter sido assassinada devido à pressão de grileiros e posseiros sobre suas terras. Hoje, sua etnia está extinta.
Caso a Funai demore a agir, o Cimi espera contar com o apoio do MPF nessa questão, pois o tempo é essencial agora. A área onde os isolados foram avistados conta com árvores já marcadas pela Mil Madeiras para serem derrubadas.
MINISTÉRIO SE MANIFESTA
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) foi questionado pela CENARIUM sobre que providências pretende tomar em relação aos isolados avistados em Itapiranga, após receber apelos de representantes dos indígenas, que viajaram a Brasília para pedir urgência nas medidas de proteção.
O ministério informou, por meio da Assessoria de Imprensa, que “a Funai, atra-
vés de sua Coordenação Geral de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, é responsável por verificar a presença de povos indígenas isolados. Os dados contidos em relatórios técnicos da Funai relativos a povos indígenas isolados são de natureza sigilosa. A divulgação dessas informações é restrita devido à legislação vigente que protege a integridade e segurança desses povos”.
“Além disso, a Funai é encarregada da publicação de portarias de restrição de uso, conforme suas atribuições e parecer técnico. O Ministério dos Povos Indígenas acompanha de perto este processo por meio do Departamento de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Depir) e do Departamento de Monitoramento e Estudos sobre os Povos Indígenas (Demed)”, informou o ministério.
A nota da assessoria reforçou, ainda, a importância de respeitar a confidencialidade das informações para assegurar a proteção dos povos indígenas isolados.
A CENARIUM questionou a Funai sobre as providências em relação aos isolados, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição.
Sobre as reuniões dos representantes indígenas do Amazonas com a coordenadora da Sexta Câmara – Populações Indígenas Comunidades Tradicionais, em Brasília, a assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal (MPF) informou que, “tanto a 6ª Câmara, representada pela sua coordenadora Eliana Torelly, como o ofício de povos isolados ou de recente contato, bem como os procuradores lotados na região amazônica têm tratado o assunto com a celeridade e a sensibilidade exigidas pelo tema”.
“O MPF está atento aos fatos e tem articulado uma atuação extrajudicial entre as partes envolvidas por meio de reuniões e trocas de informações visando à proteção e defesa dos indígenas isolados. O assunto requer discrição, atuação integrada e estratégica. O MPF não adianta possível atuação judicial”, completou a nota.
Contradição do governo no discurso ambiental
O representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Prelazia de Itacoatiara, Jorge Barros, o qual foi o responsável pela missão e avistamento dos indígenas isolados em Itapiranga, ressalta que, embora a Eneva conteste o relatório da entidade, no processo da Justiça Federal, desta vez quem está emitindo um parecer oficial é a Funai, órgão máximo indigenista do País. Por isso, será necessário atender aos anseios das comunidades locais por proteção a esses isolados.
Além disso, membros do Ministério Público Federal (MPF) visitaram a área, em agosto deste ano, e se reuniram com a população tradicional ouvindo suas demandas e conhecendo in loco as áreas impactadas, principalmente pelas atividades da Eneva. Para Barros, essas questões
envolvem um risco global, que impacta os maiores reservatórios de água doce do mundo, a maior floresta preservada do Brasil e do Globo, que está diretamente ligada às mudanças climáticas.
“É um tremendo contraditório o governo dizer que quer as áreas indígenas protegidas, que quer proteger o meio ambiente e permitir esse tipo de exploração mineral em áreas sensíveis como a Amazônia, a exploração de hidrocarbonetos. Uma tremenda contradição. Coloca em risco a vida de forma total. A nossa missão na Amazônia está em risco.
As instituições que acompanham essas questões estão sofrendo uma insegurança total. Eu jamais irei me omitir diante de qualquer violação de direitos”, desabafou o agente da CPT.
ECONOMIA & SOCIEDADE
Esperança entre os Mura
Representante de associação dos Mura avalia que descoberta de isolados pode reforçar defesa dos direitos indígenas e solução de ação judicial
Cenarium
MANAUS (AM) e BRASÍLIA (DF) - O representante da Associação dos Mura e cacique da Aldeia Gavião Real I, Jonas Mura, disse que os novos fatos, envolvendo a descoberta de um povo isolado na região entre os rios Jatapu e Uatumã, deixou a todos bem otimistas porque isso pode ajudar no processo movido na Justiça Federal contra a Eneva.
Jonas Mura atualmente vive sob a cautela do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), por viver sob ameaças após questionar o processo de exploração de óleo e gás no “Campo Azulão” da Eneva, em Silves.
O cacique relata que eles já tinham ouvido falar, há muito tempo, da presença de indígenas sem contato naquela área, mas não deram muita credibilidade como agora, com o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a diligência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). “Temos informações que já teve indígenas amarrando canoas e puxando para terra. Depois sumiam. O pessoal ficava com medo”, relata Jonas Mura.
Por se tratar de uma região muito extensa, de cabeceira de rio, o líder indígena disse esperar que a Funai continue os trabalhos para comprovar, definitivamente, a presença de isolados naquela região. “A gente espera que a Funai possa fazer esse trabalho, isso vai nos ajudar e favorecer muito a questão nossa e também dos parentes que moram na cabeceira do Jatapu e do Rio Uatumã. A gente luta para que a Funai não pare com esse processo, que ela faça uma nova equipe de busca ativa e que venha para passar mais dias. A gente vai dar um apoio total aqui para a gente acompanhar também”, afirmou Jonas.
O líder indígena planeja uma viagem no mês de novembro para essa região, com um grupo de amigos que já trabalham com a questão de indígenas isolados. O objetivo, além de ouvir os parentes que habitam aquela região, disse ele, é colher mais subsídios sobre esse povo sem contato avistado naquela área, considerada uma das mais extensas, densas e de mata nativa no local. Falta apenas definir as questões logísticas, devido às dificuldades trazidas pela seca que assola a Amazônia nessa época do ano.
“A
gente espera que a Funai possa fazer esse trabalho, isso vai nos ajudar e favorecer muito a questão nossa e também dos parentes que moram na cabeceira do Jatapu e do Rio Uatumã”
Jonas Mura, representante da Associação dos Mura e cacique da Aldeia Gavião Real I.
Para Jonas Mura, a questão da segurança dos isolados é uma situação complicada de se discutir porque, como eles habitam uma das maiores áreas de floresta nativa, que abrange os territórios de vários municípios do Amazonas e sul do Pará, ele supõe que “a segurança deles hoje é baseada mais na questão de que vão se refugiando cada vez mais para longe, para o centro da mata”.
“O risco maior é, por exemplo, ver quem serão as primeiras pessoas que vão ter o contato realmente, ficar frente a frente com eles, para que não tenha conflito. Esse é o maior risco”, ressalta Jonas.
O ideal, defende, seria que o primeiro contato ocorresse com os parentes que já ocupam as aldeias ali entre os rios Jatapu e Uatumã, para tentar compreender que língua falam e descobrir a que etnia pertencem. “Isso seria o lado bom, porque
a gente teria como orientar, como fazer alguma coisa antes de acontecer o pior”.
“É um contexto muito complicado porque eles estão numa área de concessão florestal da Mil Madeiras, encostados na área de exploração de gás da Eneva e isso nos preocupou muito. Conversando com a CPT, achamos que precisaríamos que a Funai se mexesse rápido”
Guenter Francisco Loebens, membro da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres do Cimi.
Enquanto aguarda um desfecho oficial para a questão do avistamento dos isolados, Jonas Mura também acompanha o trâmite da ação civil pública para suspender os licenciamentos do empreendimento de exploração de gás da Eneva, em Silves. Em outra frente, aguarda o desenrolar do processo de reconhecimento dos povos tradicionais que habitam a região de Silves e Itapiranga, que atualmente não são reconhecidos oficialmente pela Funai. Por causa disso, os Estudos de Componente Indígena foram desconsiderados no processo de licenciamento ambiental da empresa.
Cimi pede providências de proteção aos isolados, em Brasília
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), enviou representantes a Brasília, na primeira semana de setembro, para solicitar providências imediatas de proteção ao avistamento de indígenas isolados em Itapiranga, visando à segurança desse povo.
Fizeram parte da comitiva o membro do Cimi Região Norte 1, Guenter Francisco Loebens, da Eapil/Cimi Amazônia Ocidental, Carlos Almeida, da Secretaria Adjunta do Cimi, Ivanilda Torres dos Santos, e da CPT da Prelazia de Itacoatiara, Jorge Barros, que foi quem avistou os indígenas em Itapiranga, com sua equipe.
A equipe participou de reuniões no Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e na 6ª Câmara – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (MPF).
Membro da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres do Cimi, Guenter Francisco Loebens relata que as reuniões foram proveitosas porque foi possível mostrar toda a vulnerabilidade deste grupo de isolados avistado há mais de um ano pelos agentes da CPT e que agora precisam ser protegidos.
“É um contexto muito complicado porque eles estão numa área de concessão florestal da Mil Madeiras, encostados na
área de exploração de gás da Eneva e isso nos preocupou muito. Conversando com a CPT, achamos que precisaríamos que a Funai se mexesse rápido”, afirmou o representante do Cimi.
Segundo Loebens, mesmo que a expedição da Funai não tenha avistado os indígenas, como os agentes da CPT afirmam em documento, o relatório qualificou outras informações que atestam alta probabilidade da existência dos isolados no local, com outros relatos de avistamento de moradores da região, um artefato encontrado e pegadas. Para o Cimi, são informações suficientes para tomar medidas de precaução porque o risco à sobrevivência desse povo é muito grande.
DIREITOS INDÍGENAS
ECONOMIA & SOCIEDADE
Empresas se manifestam
Eneva refuta na Justiça presença de isolados; Mil Madeiras vê com preocupação e quer esclarecer os fatos
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
MANAUS (AM) e BRASÍLIA (DF) -
A Eneva já refutou o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre o avistamento dos indígenas isolados em Itapiranga. É o que consta na decisão do juiz Rodrigo Melo, de 21 de agosto deste ano, na qual a empresa afirma que o documento “se limitou a trazer breve relato sobre o alegado encontro com o suposto indivíduo indígena isolado e uma imagem precária do suposto indivíduo”.
“O ponto onde o suposto indivíduo indígena isolado teria sido encontrado – confluência do Rio Jatapu com o Rio Uatumã – diz respeito à área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uatumã (RDS Uatumã), unidade de conservação de propósito extrativista e onde há diversas comunidades já identificadas e mapeadas, com forte presença de atividades pesqueiras e turísticas, sendo improvável que ali habitem indígenas isolados”, sustenta a empresa na Justiça.
Questionada pela CENARIUM sobre a recomendação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de suspensão imediata das atividades de exploração de gás em sua área de atuação devido à presença de indígenas isolados, a empresa respondeu:
“O tema está endereçado no âmbito do processo judicial. A Eneva reitera que os procedimentos de licenciamento seguiram
todas as etapas necessárias, incluindo a realização de audiências públicas e a própria expedição de licenças de instalação e operação conforme as exigências legais. É importante destacar que não foram identificadas comunidades tradicionais indígenas e/ou quilombolas nas áreas de influência das operações no Campo Azulão, conforme as bases oficiais da Funai e Incra, que regulamentam a definição no Brasil”, informou a Eneva, em nota.
Em 2018, a Eneva arrematou da Petrobras o direito de exploração do “Campo Azulão”, em Silves. Já em 2020, adquiriu os blocos exploratórios AM-T-84 e AM-T85, no 2º Ciclo de Oferta Permanente da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Atualmente, o gás produzido no “Complexo Azulão”, em Silves, é transformado em gás liquefeito de petróleo (GNL) e transportado até Roraima, por rodovia, para abastecer a térmica Jaguatirica II, de capacidade instalada de 141 MW. Um dos argumentos da União para não suspender as licenças do empreendimento é o risco de blecaute no Estado vizinho.
Segundo o portal Braziljournals.com, a Eneva vale pouco mais de R$ 20 bilhões na B3, a bolsa de valores de mercado de capitais brasileiro. O BTG Pactual detém 37% de suas ações, enquanto 40% pertencem
DIREITOS INDÍGENAS
ECONOMIA & SOCIEDADE
“O tema está endereçado no âmbito do processo judicial. A Eneva reitera que os procedimentos de licenciamento seguiram todas as etapas necessárias, incluindo a realização de audiências públicas e a própria expedição de licenças de instalação e operação conforme as exigências legais”
Eneva, em nota enviada à CENARIUM.
MIL MADEIRAS
atuação numa extensa área no Estado nunca foi avistado qualquer indivíduo indígena isolado na região. Ele destaca que as atividades preparatórias do plano de manejo florestal sustentável da empresa começaram no começo da década de 1990, e os trabalhos exploratórios em 1995. Para tanto, foi necessário percorrer toda a área da safra anual para a realização do inventário florestal 100%. Esse procedimento serve para coletar dados da totalidade das árvores existentes na área a ser manejada.
“Já tendo realizado manejo florestal em uma área de aproximadamente 296.000ha, a empresa registra que jamais se deparou com indícios ou realizou o avistamento da presença de indígenas isolados na região onde atua”, frisou João Cruz.
Contudo, ressaltou o executivo, a empresa está confiante de que poderá esclarecer junto às autoridades competentes toda essa situação. “A empresa recebe o fato com ao bloco formado pela Cambuhy, com as gestoras Dynamo, Atmos e Velt.
Segundo Cruz, a Mil Madeiras recebeu com preocupação esse novo fato sobre a existência de indígenas isolados em sua área de abrangência, pois em 30 anos de
O diretor-geral da Mil Madeiras Preciosas, João Cruz, destacou todo o trabalho da empresa nos 30 anos de atuação no Amazonas, que vai além da madeira colhida e seu processamento e exportação, passando ainda pelo uso dos resíduos para a geração de energia ao município de Itacoatiara, que já resultou, segundo o executivo, numa economia de R$ 754 milhões na distribuição de energia ao longo dos anos.
preocupação, contudo está confiante de que pode esclarecer o contexto apontado na resposta anterior (ausência de registro de avistamento durante os mais de 30 anos de operações florestais na região) às autoridades competentes (notadamente porque o relatório da Funai traz poucas informações concretas a respeito dos motivos que fundamentam sua conclusão a respeito da possibilidade de existência de indígenas isolados) e evitar que as atividades de manejo florestal, que tanto trouxeram benefícios à região, sejam paralisadas”, informou.
Ainda de acordo com Cruz, “a empresa irá solicitar audiências à Funai e Ministério Público Federal para coletar informações mais detalhadas sobre o achado dos dois órgãos e, após recebê-las, fornecer os dados pertinentes que a empresa possui a respeito, propondo ainda medidas para compatibilizar a continuidade de suas atividades em conformidade com a legislação em vigor”.
A Mil Madeiras Preciosas informa em seu site que nasceu sob a influência da Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, e que incentivou modelos sustentáveis de negócios.
“Já
tendo realizado manejo florestal em uma área de aproximadamente 296.000ha, a empresa registra que jamais se deparou com indícios ou realizou o avistamento da presença de indígenas isolados na região onde atua”
João Cruz, diretor-geral da Mil Madeiras Preciosas.
Fundada em 1994, a empresa se descreve no site como filial do grupo suíço Precious Woods (PW). Localizada no município de Itacoatiara, a madeireira opera com projetos de manejo florestal sustentável e produção industrial madeireira, sendo apontada como referência no ramo de produtos madeireiros de florestas nativas no Brasil e no mundo. É uma corporação de capital aberto, com ações comercializadas na bolsa de Zurique, na Suíça.
R$ 20 bilhões
A Eneva vale pouco mais de R$ 20 bilhões na B3, a bolsa de valores de mercado de capitais brasileiro, segundo o portal Braziljournals.com. O BTG Pactual detém 37% de suas ações, enquanto 40% pertencem ao bloco formado pela Cambuhy, com as gestoras Dynamo, Atmos e Velt.
R$ 754 milhões
A Mil Madeiras Preciosas informa que, além do manejo de madeira, seu processamento e exportação, suas atividades passam ainda pelo uso dos resíduos para a geração de energia ao município de Itacoatiara, que já resultou, segundo a empresa, numa economia de R$ 754 milhões na distribuição de energia ao longo dos anos.
Desembargador ignora ciência e usa informação falsa para liberar obras da BR-319
Lucas Ferrante
No dia 7 de outubro de 2024, o desembargador Flávio Jardim, do TRF1, suspendeu a liminar que interrompia a licença prévia para a pavimentação do trecho central da rodovia BR-319, que liga Porto Velho, no arco do desmatamento amazônico, até Manaus. Ele contestou argumentos científicos apresentados em periódicos como The Lancet, Science e Nature, ignorando evidências sobre os
apresentei esses dados ao desembargador, demonstrando que o argumento em questão era insustentável. Mesmo ciente dessas evidências, o desembargador optou por utilizá-lo no processo.
Estudos científicos destacam que o transporte por via fluvial seria a opção mais viável para Manaus, dado o acesso direto pelo Rio Madeira. O uso da crise de oxigênio como argumento para pressionar pela
“O uso da crise de oxigênio como argumento para pressionar pela pavimentação da BR-319 é, portanto, um exemplo claro de desinformação, manipulando uma tragédia para impulsionar projetos com grandes impactos ambientais e sociais”
riscos associados ao projeto. Por exemplo, um dos argumentos usados por ele foi que a crise de oxigênio em Manaus durante a pandemia de Covid-19 justificaria a necessidade da BR-319 para garantir suprimentos médicos à cidade. No entanto, essa alegação é falsa e foi amplamente utilizada como fake news por lobistas que defendiam a rodovia. Pesquisas mostraram que o uso da BR-319 para transportar oxigênio durante a crise foi uma escolha ineficaz e perigosa, sendo o Rio Madeira uma opção mais rápida e barata. Notavelmente, em 14 de setembro, durante uma reunião online,
pavimentação da BR-319 é, portanto, um exemplo claro de desinformação, manipulando uma tragédia para impulsionar projetos com grandes impactos ambientais e sociais. Essa estratégia reflete uma agenda política que sacrifica a saúde pública e os direitos dos povos indígenas em prol de interesses econômicos, como demonstrado no periódico científico Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, editado pelo renomado grupo Springer Nature.
A conclusão do estudo que publiquei em parceria com o pesquisador e prêmio
Nobel Philip Fearnside aponta: “Concluímos que a crise do oxigênio em Manaus foi usada para promover a reconstrução proposta da Rodovia BR-319, um projeto com tremendas consequências ambientais e humanas, que incluem impactos na saúde dos povos indígenas e aumento do risco de novas pandemias. O uso político da crise do oxigênio aumentou as disparidades de saúde pública no Estado brasileiro do Amazonas, especialmente ao impactar a saúde dos povos indígenas — o grupo étnico mais vulnerável. A escolha da BR-319 como rota para levar oxigênio a Manaus custou centenas de vidas e agravou as disparidades de saúde na maior cidade da Amazônia. Estava claro na época que a melhor rota para transportar oxigênio e outros suprimentos médicos para Manaus não era a BR-319, mas sim por hidrovia no Rio Madeira. Nossos resultados também indicam que a reconstrução da Rodovia BR-319 aumentaria as disparidades na saúde pública, e que apenas o projeto de manutenção da rodovia atual levou a um aumento no número de casos de doenças endêmicas, como a malária. A reconstrução da BR-319 também aumentaria o risco de saltos zoonóticos que poderiam dar origem a novas pandemias. Isso se soma aos muitos impactos que sugerem que as agências ambientais do Brasil seriam bem aconselhadas a interromper o projeto de reconstrução proposto”.
A decisão do desembargador ainda afirma: “Não cabe ao Poder Judiciário,
“O desembargador também desconsiderou evidências de que a pavimentação da rodovia favorece a migração de grileiros e outros agentes ilegais, que promovem o desmatamento e a degradação ambiental”
assim, questionar a decisão estatal de pavimentar a BR-319, visto que os riscos de isolamento do Estado, ao menos em momentos de estiagem como o presente, são concretos e fundados”. Entretanto, a rodovia não conecta os municípios afetados pela seca, sendo esta também uma informação falsa utilizada como justificativa da pavimentação, como já abordado aqui na CENARIUM
Além disso, a decisão judicial não levou em consideração o histórico de violações de direitos dos povos indígenas relacionadas ao projeto da BR-319. Desde o início do processo de licenciamento, as consultas obrigatórias, segundo a Convenção 169 da OIT, não foram realizadas de forma adequada, impactando comunidades que vivem até 150 quilômetros de distância da rodovia. A pavimentação da BR-319 ameaça diretamente 63 Terras Indígenas e pode resultar em um aumento drástico no desmatamento e na grilagem de terras, como documentado por um estudo que coordenei e foi publicado na Land Use Policy em 2020. Lideranças indígenas do povo Mura e Apurinã informam que não foram consultadas ainda e que tal alegação é falsa.
O desembargador também desconsiderou evidências de que a pavimentação da rodovia favorece a migração de grileiros e outros agentes ilegais que promovem o desmatamento e a degradação ambiental. Esse cenário se intensificou nos últimos anos, com a flexibilização das leis ambientais e incentivos para a expansão agrícola na Amazônia, como demonstrado pela Environmental Conservation e Land Use Policy. Essa tendência coloca a região em um caminho perigoso rumo a um ponto de inflexão ecológica, ameaçando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, como a regulação climática, conforme apontado pelo periódico científico Die
Erde, editado pela renomada Associação Geográfica de Berlim.
Em um trecho de sua decisão, o desembargador também menciona os resultados que apresentei a ele sobre o risco de uma nova pandemia global, durante a reunião ocorrida no dia 14 de setembro.
Entretanto, o cenário epidemiológico tratado como hipotético pelo desembargador já é uma realidade, e não um conceito abstrato, como ele sugeriu. Endemias, como a malária, já aumentaram mais de 400% em Manicoré, em decorrência do desmatamento no trecho central da rodovia. Um segundo estudo, publicado por nosso grupo de pesquisa no periódico Regional Environmental Change, apontou a formação de cadeias de produção animal na região, que são vetores de saltos zoonóticos, como a criação de porcos e aves em confinamento. Ou seja, o fluxo do agronegócio que avança pela rodovia BR-319, conforme abordado no periódico Nature, fomenta condições propícias para saltos zoonóticos.
Destaca-se ainda que não estamos tratando de um local qualquer no mundo, mas sim do maior reservatório zoonótico do planeta, que está sendo aberto agora, conforme destacado pela Nature e The Lancet, o maior periódico científico do mundo e o maior periódico médico do mundo, respectivamente. Em suma, embora existam evidências robustas publicadas em periódicos científicos, o desembargador parece considerar que sua compreensão do tema supera a dos especialistas, editores e revisores desses periódicos. É importante ressaltar que o risco de surgimento de uma nova pandemia na Amazônia tem sido amplamente reconhecido por diversos grupos de pesquisa, refletindo um consenso científico sobre essa preocupação, como exemplo as publicações lideradas por Gisele Winck (Fiocruz), em artigo publicado na
Science Advances, e Joel Henrique Ellwanger (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em publicação nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, entre outros. Dessa forma, ele comete o mesmo erro daqueles que desconsideraram o risco de uma segunda onda de Covid-19 em Manaus, considerada hipotética na época, quando alertamos sobre o perigo no periódico Nature Medicine.
Fatores científicos relevantes, como o risco climático, também abordado aqui na CENARIUM, foram completamente ignorados, talvez porque os estudos científicos tragam informações robustas demais para serem convenientemente contornadas pela falta de argumentação contrária. Afinal, por que deixar que evidências sólidas atrapalhem uma boa dose de desconhecimento deliberado?
Dessa forma, a decisão de liberar a licença para a BR-319 não só ignora os impactos ambientais e sociais documentados, mas também utiliza informações falsas para justificar um projeto que é economicamente inviável e ecologicamente desastroso. A crítica ao parecer do desembargador é respaldada por uma extensa literatura científica que evidencia os riscos associados à pavimentação da rodovia. Além disso, expõe o uso de desinformação para favorecer interesses específicos na região, como o avanço da especulação ilegal de terras e da grilagem, já abordado no periódico científico Nature e Land Use Policy, em detrimento da proteção ambiental e dos direitos dos povos indígenas.
(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde, em sua tese, avaliou as mudanças contemporâneas na Amazônia, as dinâmicas epidemiológicas, os impactos sobre os povos indígenas e as mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e as populações. É o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nos dois maiores periódicos científicos do mundo, Science e Nature. Atualmente, é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
(**) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
Tragédia evitável
Especialista diz que catástrofe em Manacapuru poderia ter sido evitada
Carol Veras – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O fenômeno conhecido como “terras caídas” na Amazônia, utilizado para descrever desbarrancamentos de margens fluviais, voltou a chamar a atenção com o deslizamento ocorrido em Manacapuru, no Amazonas, no dia 7 de outubro, quando duas pessoas morreram, outras duas desapareceram e nove ficaram feridas. Embora seja um processo predominantemente natural,
fruto da combinação de diversos fatores, especialistas destacam que a ação humana contribuiu para a tragédia, devido a obras de um porto na região. É o que explica o professor doutor José Alberto Lima de Carvalho, geógrafo e especialista em questões ambientais.
À CENARIUM, o professor relatou que, no local, foi realizado um aterramento de material da terra firme sobre o sedimento típico da várzea, que possui baixa coesão e é altamente suscetível a deslizamentos. Carvalho comenta que fotos tiradas pelos moradores de Manacapuru revelam que essas rachaduras já eram visíveis antes do deslizamento, um sinal que poderia ter servido de alerta para as autoridades locais.
“Foi registrada a rachadura naquele momento. Era necessário ter tomado a providência de isolar a área. A Defesa Civil deveria ter feito isso porque já se sabia que ia deslizar”, alertou o especialista.
Segundo as observações técnicas, o deslizamento no porto de Manacapuru foi resultado da instabilidade do solo, agravada pelo uso inadequado de materiais durante a obra. Esse processo de deslizamento já foi registrado em outros locais, como no Porto Chibatão em Manaus, ocorrido em 2010, e causou o afundamento de mais de 60 contêineres e 40 baús de carga nas margens do Rio Negro, segundo o Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBAM).
O professor explica o processo do fenômeno: “Primeiro, borbulhas aparecem na superfície da água, indicando a quebra de resistência no fundo do rio. Em seguida, surgem rachaduras nas margens, um indicativo iminente de deslizamento”.
RESPONSABILIDADE
Em nota, o Governo do Amazonas disse que o porto é responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Na contramão, o Dnit negou a responsabilidade sobre o porto. “Ressaltamos que o Porto da Terra Preta não é de responsabilidade desta autarquia. Está sob a gestão do Dnit apenas
Técnicos do Dnit atuam no local para realizar uma inspeção detalhada, visando avaliar a extensão dos danos e os riscos que ainda podem comprometer a segurança da estrutura.
Durante uma coletiva de imprensa, o secretário executivo da Defesa Civil do Estado, Coronel Clóvis Araújo, confirmou que a área em questão pertence a uma propriedade particular em nome do empresário José Maria, que já foi notificado e precisará prestar esclarecimentos. O proprietário estava realizando obras de terraplanagem e aterramento no local.
“Foi registrada a rachadura naquele momento. Era necessário ter tomado a providência de isolar a área. A Defesa Civil deveria ter feito isso porque já se sabia que ia deslizar”
José Alberto Lima de Carvalho, professor doutor, geógrafo e especialista em questões ambientais.
Vítimas
O Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) encontrou, no início da tarde do dia 10 de outubro, o corpo de Letícia Queiroz, de 6 anos, que estava desaparecida desde o deslizamento.
O corpo de Franklin Pinheiro de Souza, de 36 anos, que também estava desaparecido, foi encontrado, no dia 9, boiando no Rio Solimões, nas proximidades do deslizamento de terra na cidade.
Segundo a última atualização da Prefeitura de Manacapuru, um homem identificado apenas como Bruno, que seria gari, e outro identificado como Jorge Facondi, pescador de 64 anos, também constam na lista de pessoas que desapareceram após a tragédia.
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM), nove pacientes foram levados ao hospital do município no dia do deslizamento, sendo que dois receberam alta e outros sete seguiram em observação.
Seca afeta economia
Poder aquisitivo dos amazonenses deve diminuir por conta da estiagem severa
Giuliana Fletcher – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Com o nível dos rios no Amazonas atingindo patamares críticos pelo segundo ano consecutivo, cresceu novamente a preocupação com o aumento dos preços causado pela estiagem, seguida da possível diminuição do poder aquisitivo dos amazonenses, segundo alerta de especialistas.
O economista Lauro Brasil afirmou que a redução do poder de compra dos amazonenses é consequência de uma série de aumentos que poderão ser vistos em caso de
inflação provocada pela seca dos rios, afetando desde os alimentos até o transporte.
“A inflação, tanto dos alimentos quanto da energia, corrói inevitavelmente a renda das famílias, reduzindo o que elas conseguem adquirir com o mesmo valor. A questão da logística é, sem dúvida, um ponto fraco na região”, afirma Lauro.
A logística é uma problemática que também impacta o custo das operações da Zona Franca de Manaus, já que a navegabilidade dos rios fica comprometida, visto que esses são os principais meios para que os produtos importados cheguem ao Amazonas. Com isso, o transporte de mercadorias é afetado e um valor adicional chamado de “taxa seca” é cobrado pelas transportadoras. Em 2024, esse custo adicional pode chegar a R$ 500 milhões, um valor considerado abusivo e que passou a ser cobrado antes mesmo do agravamento da estiagem, conforme afirma Antonio Silva, presidente
da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam).
Antonio Silva explica que o custo adicional totalizado vem da cobrança de 5 mil dólares por contêiner, uma situação que pode desencadear um perigoso ciclo de retração econômica: “Se adicionarmos os custos da taxa ao aumento do frete já esperado para o período, bem como às outras questões econômicas, temos um cenário que, fatidicamente, resulta em uma elevação dos preços finais dos produtos manufaturados no Polo Industrial de Manaus”, conclui.
O economista Lauro Brasil volta a ressaltar que o impacto em diversos setores pode gerar uma inflação inercial, porque, mesmo após o fim da seca, os preços que subiram durante o período de escassez tendem a permanecer elevados devido à dinâmica inflacionária já estabelecida. Além disso, mesmo os setores que não são diretamente impactados pelo aumento da logística ou da energia reajustarão seus preços para manter as margens de lucro, visando à queda no volume de vendas. Com isso, as famílias não apenas pagam mais caro pelos alimentos e pela energia, mas também pelos serviços e produtos de
“A inflação,
tanto dos alimentos quanto da energia, inevitavelmente, corrói a renda das famílias, reduzindo o que elas conseguem adquirir com o mesmo valor. A questão da logística é, sem dúvida, um ponto fraco na região”
Lauro Brasil, economista.
Medidas de enfrentamento
Apesar das possibilidades citadas num cenário cheio de agravamentos preocupantes, o economista afirma que existem maneiras de driblar o cenário e reduzir os danos. Confira algumas das dicas abaixo:
► Controle do Orçamento Familiar
uso cotidiano, resultando na diminuição do poder de compra.
A doutora em Desenvolvimento Regional e docente do Departamento de Economia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e economista Michele Aracaty relatou que esse aumento gera uma problemática também para os produtores e empreendedores da região: “A economia regional enfrenta o segundo ano de seca severa. Esse fenômeno intensifica ainda mais o desafio de empreender na região e provoca, além da elevação de preços em função do frete e do aumento no tempo de deslocamento e entrega do produto, a possibilidade de desabastecimento de produtos”, afirma a especialista.
Outra possibilidade citada pelo economista Lauro Brasil é que, devido às dificuldades, o aumento no número de demissões pode também ocorrer nesse período: “Em um cenário de crise econômica, as empresas muitas vezes reduzem seu quadro de funcionários e cortam benefícios, o que pode levar ao aumento do desemprego ou à precarização do trabalho. Isso piora ainda mais a situação, já que, com menos renda disponível, as famílias ficam ainda mais vulneráveis”, conclui Lauro.
Revisar orçamentos, evitar gastos supérfluos e focar nas necessidades básicas pode ajudar a atravessar esse período de alta de preços. Além de manter a organização por meio de ferramentas simples como planilhas ou aplicativos de controle financeiro capazes de otimizar a aplicação dos gastos.
► Economia de Energia
Com o aumento das contas de luz, a população deve buscar maneiras de reduzir o consumo de energia. Atitudes como evitar deixar aparelhos em stand-by, usar lâmpadas de LED e moderar o uso de eletrodomésticos de alto consumo ajudam a conter o aumento.
► Compra Coletiva e Armazenamento Inteligente
Outra prática que pode ser adotada é a compra coletiva de alimentos ou produtos em maior quantidade, diretamente de produtores ou cooperativas, o que pode garantir preços mais baixos. Planejar bem as compras e estocar alimentos não perecíveis, se houver possibilidade, também evita a compra em momentos de alta de preços.
► Procura por Produtos Locais
Apoiar e consumir produtos locais fortalece a economia da região e também oferece alternativas mais acessíveis, visando à logística dos produtos locais.
Belo Monte: resistência e impactos
Ribeirinhos resistem e estudo revela consequências de hidrelétrica no Pará
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, continua a ser um dos temas mais controversos e debatidos na Amazônia. Desde o início das obras do complexo, localizado nas proximidades do município de Altamira (PA), os impactos ambientais e sociais provocados pelo projeto têm sido amplamente denunciados pelas comunidades locais e por estudiosos da área. Entre as vozes mais ativas na luta por justiça está o Conselho Ribeirinho do Reservatório da
Usina Hidrelétrica Belo Monte, fundado em 2016 para defender os direitos das famílias afetadas.
Inicialmente composto por 28 membros, o conselho enfrenta hoje um cenário de resistência reduzida, com apenas 12 integrantes ativos. Dentre eles, destaca-se Maria Francineide Ferreira dos Santos, de 54 anos, uma das principais vozes na busca por dignidade e reparação para os ribeirinhos deslocados pela usina.
Pescadores em região afetada por hidrelétrica
Em entrevista à CENARIUM, Maria Francineide expressou o clamor das famílias ribeirinhas por um território digno. “Nós nunca pedimos por uma hidrelétrica e nunca aceitamos uma hidrelétrica. Nós nascemos e fomos criados nas margens do Rio Xingu, dentro das ilhas, nas margens do igarapé. Então, a gente foi deslocado por essa grande empresa”, desabafou. A declaração reflete a profunda relação que os ribeirinhos tinham com o ambiente, um modo de
vida interrompido pela chegada de Belo Monte.
Francineide é originária da comunidade de Paratizinho, uma das mais afetadas pela construção. Desde 2012, os moradores foram forçados a abandonar suas casas e aguardam, até hoje, o reassentamento prometido. Segundo ela, as transformações no ecossistema são devastadoras.
“Nós não tínhamos muitas bactérias, hoje temos. Não tínhamos muito capim no rio, hoje temos só capim. Nós tínhamos muito peixe, hoje não temos mais”, disse. A perda da biodiversidade e as mudanças ambientais severas têm dificultado a subsistência das famílias ribeirinhas.
PESQUISA SOBRE IMPACTOS
As consequências da construção de Belo Monte não são um caso isolado. Uma pesquisa que já dura mais de uma década oferece um panorama sombrio dos impactos das grandes hidrelétricas na Amazônia. O estudo é liderado por Emilio Moran, professor da Universidade Estadual de Michigan (EUA) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Iniciada em 2013, a pesquisa focou inicialmente em Belo Monte, mas foi ampliada em 2020 para incluir as usinas de Jirau e Santo Antônio, todas no Rio Madeira.
Os resultados indicam que esses megaprojetos têm deixado um legado predominantemente negativo para as populações locais, que se veem como “áreas de sacrifício” em nome do desenvolvimento nacional. Entre os principais problemas estão a perda dos modos de vida tradicionais, degradação ambiental e desafios sociais como a falta de infraestrutura básica, incluindo abastecimento de água e coleta de esgoto, além de um aumento expressivo nos custos de energia.
A atividade pesqueira, por exemplo, foi duramente atingida, com pescadores relatando a necessidade de mais esforço para capturar menos pescado, sendo as espécies capturadas de menor porte e valor econômico. O uso da terra também sofreu alterações significativas, com a perda de florestas e expansão de pastagens, prejudicando a agricultura de várzea e intensificando o desmatamento, inclusive em áreas protegidas.
Divulgação e reflexão
Os resultados dessa pesquisa foram apresentados em setembro durante os eventos nas universidades federais de Rondônia e do Pará, sob o título “Hidrelétricas na Amazônia: e depois?”. Os encontros reuniram pesquisadores, representantes de comunidades ribeirinhas e indígenas, além de autoridades governamentais, visando discutir os desafios e buscar soluções para um futuro mais justo e sustentável na Amazônia.
As apresentações ocorreram em Porto Velho (RO) no dia 4 de setembro, na Universidade Federal de Rondônia (Unir), e em Altamira (PA) no dia 9 do mesmo mês. O encontro no Pará ocorreu no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA). A expectativa é que os debates contribuam para uma maior conscientização e ações efetivas em prol das populações afetadas por esses megaprojetos na Amazônia.
Sem sombra de árvores
Baixa arborização em Manaus agrava sensação térmica e ondas de calor
Giuliana Fletcher – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Com um dos piores índices de arborização do País, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manaus está entre as capitais menos arborizadas, com apenas 23,90% de área coberta por vegetação. Com o agravamento das queimadas, a diminuição da vegetação é nítida e, segundo especialistas, isso reflete no aumento da sensação térmica e das ondas de calor que atingem a região.
O Amazonas passa por uma das fases mais críticas quando se trata de queimadas. Só no mês de setembro deste ano, foram
333 ocorrências de incêndio em vegetação, dentro da cidade de Manaus, segundo o Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM).
A mestra em Engenharia, Gestão e Processos Ambientais Darlene Pires afirma que a falta de árvores na cidade acarreta uma série de problemáticas para a população, além de refletir no agravamento do calor.
“A ausência de árvores e a incidência de calor e fumaça trazem várias consequências, pois com o tripé estiagem, poluição e queimadas, vários poluentes e vírus se formam no ar, fazendo a população lotar hospitais principalmente crianças e idosos, que sofrem muito com doenças que estão diretamente ligadas às ondas de calor e estiagem”, alerta a especialista em meio ambiente.
Referente às medidas que podem amenizar a situação, ela ressalta ainda que esta é uma atuação que deve ser feita em conjunto pelo poder público e a população. “Não temos outro planeta, precisamos ter políticas mais incisivas para quem impacta e polui o meio ambiente, mas a população também precisa se comprometer em redobrar os cuidados e realizar ações que preservem o meio em que vivemos”, conclui.
Em matéria da CENARIUM de junho deste ano, o ambientalista Jossimar Farias apontou que as motivações para a capital estar nessa situação envolvem a inércia do Poder Público sobre a pauta da preservação e arborização.
“Seja por conceder imoderadamente licenças a grandes projetos imobiliários e empresariais para desmatar áreas verdes, ou até mesmo pela falta de fiscalização
dessas ações, os órgãos municipais como a Semmas [Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade] não mostram preocupação alguma com a proteção do nosso bioma”, afirmou o ambientalista.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta que o Amazonas registrou, só em 2024, 21,6 mil queimadas, o que torna este “o pior ano” em relação aos focos de calor, desde 1998. O Estado, que declarou emergência devido à seca severa, segue emitindo notas que revelam que a situação da estiagem, somada ao alto nível de queimadas e a realidade da baixa vegetação dentro de Manaus, uma junção altamente prejudicial para a população.
“A ausência de árvores e a incidência de calor e fumaça trazem várias consequências, pois com o tripé estiagem, poluição e queimadas, vários poluentes e vírus se formam no ar”
Darlene Pires, mestra em Engenharia, Gestão e Processos Ambientais.
ATRATIVO DE CONCRETO
No dia 4 de julho deste ano, a Prefeitura de Manaus inaugurou o “Parque Gigantes da Floresta”, entre as zonas Leste e Norte, com esculturas de mais de 80 animais, com uma área total de 149.374,41 metros quadrados. O investimento de R$ 53,5 milhões gerou controvérsia nas redes sociais, com comentários dos moradores de Manaus que alegam que apesar da nova opção de lazer na cidade, a simulação da floresta amazônica em concreto não devia ser uma prioridade, visando ao aumento das temperaturas e pouca arborização na capital.
Punição por queimadas
Ibama aplica R$ 100 milhões em multas por incêndios criminosos no Pantanal
Carol Veras – Da Cenarium*
MANAUS (AM) – O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulgou, no final de setembro, ter aplicado multas que somam R$ 100 milhões a dois proprietários rurais de Corumbá (MS), apontados como responsáveis por um incêndio de grandes proporções. Os nomes não foram divulgados oficialmente, mas informações do site Metrópoles revelaram que um dos multados é Battaglin Maciel, advogado de Fernandinho Beira-Mar.
O fogo, que começou em junho, demorou 110 dias para ser completamente con-
trolado, com esforços do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo). O advogado foi multado em R$ 50 milhões pelo órgão, acusado de provocar os incêndios no Pantanal, após 20 dias de investigação. Os dois suspeitos foram autuados por provocar danos à vegetação nativa com o uso de fogo sem a devida autorização do órgão ambiental competente. Toda a área queimada foi embargada pelo Ibama para permitir sua recuperação natural.
“O fogo causou danos ambientais severos a vegetações típicas do bioma Pantanal e impacto direto aos animais silvestres, com aumento de sua mortalidade e diminuição de substratos e recursos alimentares, dificultando sua sobrevivência”, afirmou o instituto em nota.
Ainda conforme o Ibama, a fumaça gerada contribuiu para o aumento da
poluição do ar na maioria das cidades brasileiras, liberando poluentes atmosféricos, incluindo material particulado, gases tóxicos e compostos orgânicos voláteis. Esses gases e compostos favorecem a mudança climática ao potencializarem o efeito estufa, além de gerarem sérios riscos à saúde humana.
MEDIDAS PREVENTIVAS
Em resposta ao agravamento das queimadas e à crescente emergência climática observada nos meses de agosto e setembro deste ano, o Ibama deu início a uma série de notificações preventivas a proprietários de áreas rurais. Essas notificações pretendem garantir a implementação da prevenção e controle de incêndios em áreas agropastoris, conforme as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Manejo Integrado do
Fogo, regulamentada pela Lei n.º 14.944, de 31 de julho de 2024.
As notificações orientam os proprietários sobre como proteger suas terras contra incêndios e informam sobre as penalidades previstas para o uso ilegal do fogo. A iniciativa visa evitar novos focos de incêndio e impedir que ocorram mais danos ambientais em grande escala.
NO BRASIL
O volume de multas emitidas pelo Ibama contra autores de queimadas ilegais em propriedades e incêndios florestais já chega a 96 autos de infração, de janeiro a setembro deste ano, totalizando R$ 224 milhões. A informação é do jornal Folha de S. Paulo.
Esse número ainda deve crescer até o fim do ano, já que a temporada de seca segue firme em boa parte do Pantanal e da Amazônia. Para que as multas não se limitem a um amontoado de papéis e processos administrativos intermináveis, o Ibama montou uma força-tarefa visando acelerar a cobrança das autuações aplicadas contra os responsáveis pelas práticas ilegais em todo o território nacional.
Cada um dos autores desses crimes vem sendo notificado presencialmente por agentes do Ibama, ou, quando isso não é possível, por meio de publicação em diário oficial. Os casos de punição por crimes que envolvem fogo costumam ser mais complexos que outras infrações, por causa da dificuldade de se comprovar que
R$ 224 milhões
O volume de multas emitidas pelo Ibama contra autores de queimadas ilegais em propriedades e incêndios florestais já chega a 96 autos de infração, de janeiro a setembro deste ano, totalizando R$ 224 milhões.
“São
medidas preventivas e de caráter educativo, que precisam ser tomadas. Quanto às multas, vamos acelerar o processo de julgamento, tanto das atuais quanto das autuações antigas”
Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama.
determinada pessoa ou propriedade foi, efetivamente, autora daquele incêndio. Por isso, há investigação de informações e perícia em cada local.
Cada uma das 96 infrações registradas até agora traz o nome do autor, seja pessoa física e jurídica, além de dados precisos sobre a área afetada e detalhes de como se deu o crime.
NOTIFICAÇÕES
Além das multas, o Ibama também tem feito alerta em propriedades rurais, de caráter preventivo. Ao todo, mais de 7.500 propriedades já foram visitadas. Fiscais do órgão ambiental passam orientações sobre a necessidade de se evitar utilizar o fogo na época da seca, além de adotar práticas de prevenção contra incêndios.
“São medidas preventivas e de caráter educativo, que precisam ser tomadas. Quanto às multas, vamos acelerar o processo de julgamento, tanto das atuais quanto das autuações antigas. Nós precisamos punir os infratores que degradam a vegetação nativa no Brasil”, diz o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Jair Schmitt.
Até o dia 30 de setembro, os dados compilados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) somavam 513 focos de incêndio extintos, chegando a um total de 998 ocorrências graves desde o início da estiagem.
A mobilização nacional de combate conta com a atuação de 3.683 agentes mobilizados, dez aviões, 17 helicópteros e 60 embarcações, além de 531 veículos.
Perdas na vegetação
Brasil teve 22,38 milhões de hectares queimados pelos focos de incêndio que avançaram por todo o País, mostrou o MapBiomas, no Monitor do Fogo divulgado no dia 11 de outubro. Apenas em setembro foram 10,65 milhões de hectares – quase metade de toda a área atingida nos oito meses anteriores. O total equivale ao tamanho do Estado de Roraima e é 150% maior que no mesmo período de 2023, quando o fogo atingiu 8,98 milhões de hectares. A vegetação
nativa representa 73% da área queimada, principalmente formação florestal. Áreas de uso agropecuário também foram atingidas, representando 20,5%.
Os Estados do Mato Grosso, Pará e Tocantins somaram mais da metade do território queimado e tiveram respectivamente 5,5 milhões, 4,6 milhões e 2,6 milhões de hectares atingidos pelo fogo. O município paraense de São Félix do Xingu foi o que mais queimou, seguido de Corumbá, no Mato Grosso do Sul.
AMAZÔNIA
Dentre os biomas brasileiros, a Amazônia foi a mais afetada e representou 51% do total do que o fogo alcançou nos nove primeiros meses do ano. Foram 11,3 milhões de hectares queimados no período.
A exemplo do que ocorreu em todo o País, o bioma amazônico queimou mais em setembro. Foram 5,5 milhões de hectares, dos quais 2,8 milhões eram de formação florestal. Entre as áreas em que o solo já havia sido convertido anteriormente pelo homem, as pastagens foram as mais afetadas pelo fogo, tendo 1,8 milhão de hectares queimados.
CERRADO
Em nove meses, o Cerrado teve 8,4 milhões de hectares consumidos pelo fogo, dos quais 4,3 milhões queimaram em setembro, maior área afetada nos últimos cinco anos, para o mesmo mês.
PANTANAL
Na média dos últimos cinco anos, o Pantanal foi o bioma que observou maior aumento de área queimada nos nove primeiros meses do ano. O crescimento foi de 2.306% em 2024, na comparação com a média.
Foram 1,5 milhão de hectares consumidos pelo fogo, dos quais 318 mil hectares foram atingidos no mês de setembro, quando 92% da área queimada foram de vegetação nativa.
OUTROS BIOMAS
De todo o território afetado pelo fogo, a Mata Atlântica queimou 896 mil hectares, sendo a maioria, 71%, de área agropecuária. Já a Caatinga e os Pampas tiveram redução na área atingida por incêndios de janeiro a setembro de 2024, com respectivamente 151 mil hectares e 3,1 mil afetados.
(*) Com informações da Agência Brasil, Ibama e Folhapress.
Pajelança caruana
Aos 90 anos, Zeneida Lima, última pajé nativa do Marajó, dissemina saberes ancestrais da Amazônia
Fabyo Cruz – Da Cenarium
Belém (PA) – Conhecida como a última pajé indígena nativa do município de Soure (PA), localizado no Arquipélago do Marajó, a ecologista Zeneida Lima completou 90 anos no dia 21 de julho deste ano. Um dos principais legados da pajé nativa é a fundação da Instituição Caruanas do Marajó Cultura e Ecologia (ICMCE), uma unidade de ensino na qual cerca 180 crianças em situação de vulnerabilidade social aprendem sobre a preservação ambiental e a cultura marajoara. Além disso, com seus conhecimentos e tradições ancestrais, a pajé pratica a cura xamânica há muitos anos, seguindo os ensinamentos dos indígenas da etnia Sacaca.
Mesmo vivendo cercada pela exuberância da biodiversidade amazônica e adquirindo conhecimentos sobre preservação desde cedo, a pajé nativa enfrentou uma
infância desafiadora, assim como diversas crianças na Ilha do Marajó. Por isso, ela nunca abandonou o sonho de mudar a realidade, pois se identificava com as dificuldades vividas no passado.
Em entrevista à CENARIUM, Zeneida Lima afirmou que um dos seus principais objetivos de vida é ajudar as pessoas. “Eu estou sempre em busca de ajudar as pessoas, o próximo, o meu semelhante, principalmente as crianças, porque elas são o futuro”.
Ela também mencionou a fundação de uma escola, localizada no meio da floresta amazônica. Atualmente, a Instituição Caruanas funciona em parceria com a Prefeitura de Soure (PA) e recebe crianças em condição de risco social, que têm a oportunidade de estudar do jardim de infância até a quinta série do ensino fundamental.
“Sou imensamente realizada por ter a oportunidade de fazer isso através da pajelança e do Instituto Caruana do Marajó. Também me sinto realizada e feliz ao trabalhar pela preservação da natureza e da pajelança cabocla, essa cultura tão linda, genuína, antiga, que herdamos dos nossos indígenas. E é isso que me move, que me
faz sentir renovada e que pretendo fazer todos os dias enquanto tiver força, não importa a idade”, declarou.
A ecologista diz que a população do Marajó “precisa de mais cuidado, carinho, saúde, educação, principalmente as crianças, além de mais oportunidades de emprego e renda”. Ela reforça que a mudança só é possível com o envolvimento de toda a sociedade e deixa uma mensagem para a juventude.
“Gostaria que o jovem amasse a natureza, como eu amo, a própria vida, e que, entendam, reconheçam, a importância do meio ambiente. Nós devemos aprender a conviver com o meio ambiente sem destruí-lo, fazendo com que ele se perpetue para as futuras gerações”, frisou.
HERANÇA INDÍGENA
A pajelança cabocla é uma prática cultural originária dos povos nativos que viviam na região do Marajó. De acordo com Zeneida, o pajeísmo acontece quando o ser humano se conecta às energias da natureza conhecidas como “Encantados” ou “Caruanas”, que são as forças que habitam as águas.
“Gostaria que o jovem amasse a natureza, como eu amo, a própria vida, e que, entendam, reconheçam, a importância do meio ambiente. Nós devemos aprender a conviver com o meio ambiente sem destruí-lo”
Zeneida Lima, pajé e ecologista.
Esses seres místicos têm propósitos específicos que somente um pajé pode realizar. Em sua essência, o principal objetivo de um Caruana é manter o equilíbrio natural, mas, muitas vezes, eles também se dedicam à cura dos habitantes da Terra.
O ex-bancário Rubens Amorim, 63 anos, filho de Zeneida, pontua que a Caruanas não se trata de uma religião, mas sim de uma manifestação cultural. De acordo com Amorim, os antigos nativos marajoaras celebravam a natureza, reunindo-se em um local especial, ricamente florestado, para realizar seus rituais. A prática da pajelança cabocla surge quando os tratamentos convencionais falham, sendo necessário recorrer às energias caruanas.
Já Eliana Lima, de 70 anos, que também é filha de Zeneida, disse à CENARIUM que sente orgulho pelo fato de a mãe nunca ter perdido a fé nos Caruanas. Ela descreveu a pajé indígena como fiel a princípios e destacou a felicidade em saber que a sua mãe ajudou na preservação da região.
“Em nenhum momento ela deixou de lutar pelo que acreditava. É um exemplo de fé para todos, assim como de determinação, coragem e amor à natureza e ao próximo. Ela sempre foi fiel aos seus princípios e sua crença nos Caruanas. Fico muito feliz por ela ter ajudado a preservar e a divulgar a cultura da pajelança que veio dos indígenas da ilha do Marajó e a mensagem dela de amor ao próximo, amor à natureza”, afirmou.
Crédito: Marx Vasconcelos
Filme, livros e Carnaval
Em 2017, Zeneida Lima ganhou um filme baseado no seu livro “O Mundo Místico dos Caruanas da Ilha do Marajó”. O longa-metragem “Encantados”, dirigido por Tizuka Yamasaki, conta a história da própria Zeneida, que fugiu da casa dos pais aos 12 anos de idade para seguir uma paixão, e logo descobriu seu dom para a pajelança. O elenco contou com nomes como Dira Paes, Letícia Sabatella, Cássia Kiss, Fafá de Belém e José Mayer. A obra literária também foi adaptada pela escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, em 1998. Com o enredo “Pará, o Mundo Místico dos Caruanas nas Águas do Patu-Anu”, e a presença de Zeneida em um dos carros alegóricos, a agremiação sagrou-se campeã daquele ano.
Neste ano, a escritora lançará um novo livro. Intitulado como “A Confusão dos Bichos”, a obra infantil transporta os leitores para o coração da selva, onde os bichos ganham vida de forma divertida e esclarecedora, abordando questões importantes. O livro promete envolver as crianças em uma cativante história entre os animais da floresta, destacando temas relevantes como solidariedade, diversidade, amizade, justiça e sinceridade.
A Aids será tratada na obra de maneira delicada e objetiva, ressaltando a importância de lidar com a doença sem preconceitos, com empatia e compreensão, tanto na esfera médica quanto humana.
Zeneida Lima foi a responsável pela criação de uma instituição de ensino no meio da floresta
Invisibilizados
Capitais do Norte têm políticas públicas ‘insuficientes’ para LGBTQIAPN+
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Três cidades da Região Norte ficaram entre as piores no ranking que mapeou, entre 2023 e 2024, políticas públicas voltadas para a população LGBTQIAPN+, sigla que abrange Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticos/Agênero, Pansexuais/Polisexuais, Não-binários e mais. Conforme o Programa Atena, as ações desenvolvidas pelos governos de Rio Branco (AC), Macapá (AP) e Boa Vista (RR) para garantir direitos a essa população são “insuficientes” e quase inexistentes.
As cidades receberam pontuação média de 1,0, a menor na classificação que vai até 5,0. Além das três capitais, também estão em último lugar no ranking São Luís
(MA) e Aracaju (SE). A cidade com melhor pontuação foi São Paulo, no Sudeste do País, com 3,83.
O levantamento coletou os dados a partir de busca ativa dos governos estaduais; envio de questionário, via Portal da Transparência, para todas as capitais estaduais para ser preenchido on-line por representantes dos órgãos públicos do sistema matricial; e envio de questionário, via Portal da Transparência, para todas as capitais estaduais para ser preenchido on-line por representantes de órgãos públicos setoriais.
INDICADORES
Os indicadores avaliaram se as cidades possuem órgão gestor municipal voltado para a população LGBTQIAPN+; conselho municipal desse público; e um plano ou programa construído para essa população.
No primeiro quesito, foi observado que as capitais Rio Branco (AC), Macapá (AP), Manaus (AM), São Luís (MA), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Teresina (PI), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Aracaju (SE) e Palmas
(TO) não possuem órgão gestor municipal para a população LGBTQIAPN+.
No segundo tópico, Rio Branco (AC), Macapá (AP), Manaus (AM), Vitória (ES), Goiânia (GO), São Luís (MA), Campo Grande (MS), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Aracaju (SE) e Palmas (TO) não possuem conselho municipal.
Por último, quanto ao plano ou programa para população LGBTQIAPN+, as capitais Rio Branco (AC), Maceió (AL), Macapá (AP), Manaus (AM), Vitória (ES), Goiânia (GO), São Luís (MA), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), Belém (PA), João Pessoa (PB), Curitiba (PR), Teresina (PI), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Aracaju (SE) e Palmas (TO) não possuem essa política pública.
Segundo o levantamento, “as cidades com maiores pontuações gerais refletem uma jornada contínua e regular de desenvolvimento das políticas públicas LGBTQIAPN+”, enquanto as cidades com menores pontuações refletem o contrário.
Avaliações das capitais do Norte de acordo com o ranking do Programa Atena
NÃO POSSUEM PLANO OU PROGRAMA VOLTADO À POPULAÇÃO LGBTQIAPN+
Rio Branco (AC)
Maceió (AL)
Macapá (AP)
Manaus (AM)
Vitória (ES)
Goiânia (GO)
São Luís (MA)
Cuiabá (MT)
Campo Grande (MS)
Belém (PA)
João Pessoa (PB)
Curitiba (PR)
Teresina (PI)
Rio de Janeiro (RJ)
Porto Alegre (RS)
Porto Velho (RO)
Boa Vista (RR)
Aracaju (SE)
Palmas (TO)
NÃO POSSUEM CONSELHO MUNICIPAL
Rio Branco (AC)
Macapá (AP)
Manaus (AM)
Vitória (ES)
Goiânia (GO)
São Luís (MA)
Campo Grande (MS)
Rio de Janeiro (RJ)
Porto Alegre (RS)
Porto Velho (RO)
Boa Vista (RR)
Aracaju (SE)
Palmas (TO)
NÃO POSSUEM ÓRGÃO GESTOR MUNICIPAL PARA A POPULAÇÃO LGBTQIAPN+
Rio Branco (AC)
Macapá (AP)
Manaus (AM)
São Luís (MA)
Cuiabá (MT)
Curitiba (PR)
Teresina (PI)
Porto Velho (RO)
Boa Vista (RR)
Aracaju (SE)
Palmas (TO)
Eleitos na Amazônia
Saiba quem são os prefeitos que comandarão as capitais da Amazônia Legal
Letícia Misna – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Os resultados das eleições para as prefeituras das capitais da Amazônia Legal indicam que os eleitores aprovaram a permanência da maioria de seus prefeitos. Das nove capitais, em cinco os atuais prefeitos foram reeleitos, sendo que em quatro a reeleição foi definida ainda no primeiro turno e com votações expressivas. Em cinco capitais e duas cidades da região com mais de 200 mil eleitores, a decisão ficou para o segundo turno. Os resultados também mostraram a força de candidatos alinhados a perfis mais conservadores.
Manaus (AM)
Em Manaus, capital do Amazonas, o atual prefeito David Almeida (Avante) garantiu a reeleição no segundo turno, com 54,59%. Em números absolutos, o mandatário alcançou 576.171 votos. Ele disputou o pleito contra o deputado federal Alberto Neto, candidato do Partido Liberal (PL), que ficou com 45,41%, um total de 479.297 votos.
Apesar de ambos candidatos se declararem de direita, a campanha de Alberto Neto teve o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto David foi apoiado pelos senadores Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB). Os parlamentares integram a base de sustentação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso Nacional. David Almeida começou a vida política em 2006, quando foi eleito deputado estadual. Ele foi reeleito para o mesmo cargo em 2010 e 2014. Em 2017, assumiu o Governo do Amazonas após a cassação do então governador José Melo (PROS). Na eleição municipal de 2020, venceu a Prefeitura de Manaus em disputa contra Amazonino Mendes (PDT).
Belém (PA)
Na capital paraense, o candidato Igor Normando (MDB) foi eleito prefeito de Belém com 56,36% (421.485 votos) no segundo turno. Durante a campanha, o emedebista teve como principais apoiadores o seu primo e governador do Estado, Helder Barbalho (MDB), e o Partido dos Trabalhadores (PT). Éder Mauro (PL), apoiado por Bolsonaro, terminou o pleito com 43,64%. Ele obteve 326.411 votos. Igor Normando tem uma trajetória na política. Ele foi eleito vereador de Belém pela primeira vez em 2012, e reeleito em 2016. Em 2018, tornou-se deputado estadual, conquistando o segundo mandato na eleição geral de 2022.
Porto Velho (RO)
Já em Porto Velho, capital de Rondônia, o candidato Léo Moraes (Podemos) venceu o segundo turno com 56,18% (135.118 votos). A candidata do União Brasil Mariana Carvalho, favorita para vencer a disputa segundo pesquisas eleitorais, alcançou 43,82% (105.406 votos).
Apesar de ser a única capital da Amazônia Legal a não ter um candidato do PL no segundo turno, Mariana foi apoiada presencialmente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro durante a campanha. Ela também teve o apoio do atual prefeito, Hildon Chaves e do governador de Rondônia, Marcos Rocha, ambos do União Brasil.
Moraes venceu a primeira disputa eleitoral em 2012, quando garantiu uma vaga de vereador em Porto Velho, mas não chegou a terminar o mandato, porque foi eleito deputado estadual em 2014. Em 2016, foi derrotado no segundo turno na eleição para a prefeitura da capital e, dois anos depois, foi eleito deputado federal. Na última eleição que disputou em 2022, para o Governo de Rondônia, foi derrotado ainda na primeira rodada.
Cuiabá (MT)
A disputa do segundo turno foi marcada pelo embate direto entre os partidos de Lula (PT) e Bolsonaro (PL) na capital de Mato Grosso, Cuiabá. O candidato bolsonarista Abílio Brunini (PL) venceu a eleição com 53,80%, que representa 171.324 votos absolutos. O postulante petista Lúdio Cabral registrou 46,20% (147.127 votos).
Abílio foi eleito vereador da capital mato-grossense em 2016. Em 2020, ele concorreu à Prefeitura de Cuiabá, mas perdeu no segundo turno. Em 2022, o bolsonarista disputou uma vaga na Câmara Federal e foi eleito para um mandato de quatro anos.
Rio Branco (AC)
Em Rio Branco, Tião Bocalom (PL) foi reeleito prefeito no primeiro turno, com 54,82% (108.605) dos votos válidos. Anteriormente, ele já havia assumido a Prefeitura de Acrelândia, interior do Estado, por três vezes.
No início do ano, Jair Bolsonaro esteve em Rio Branco para receber o título de cidadão rio-branquense e participar da filiação de Tião, que fazia parte do Partido Progressistas (PP), ao PL. Durante a campanha, Bocalom também usou a imagem de Bolsonaro em propagandas.
Palmas (TO)
Na capital de Tocantins, Palmas, Eduardo Siqueira Campos (Podemos) venceu a disputa do segundo turno para a prefeitura com 53,03% (78.673 votos), sobre 46,97% (69.684) da bolsonarista Janad Valcari (PL). Siqueira Campos começou na vida política em 1988, quando foi eleito deputado estadual do Tocantins.
Na mesma eleição, seu pai, José Wilson Siqueira Campos, tornou-se governador do Estado. Em 1992, Eduardo foi eleito prefeito de Palmas pela primeira vez, e em 1998 conquistou uma vaga no Senado Federal. Em 2014, venceu como deputado estadual, sendo reeleito em 2018.
Boa Vista (RR)
Na capital roraimense, Arthur Henrique (MDB) foi reeleito no primeiro turno, com expressivos 75,18% (133.180) dos votos válidos, com apoio de Bolsonaro durante a campanha, uma vez que o vice, Marcelo Zeitoune, faz parte do PL.
“Aqui em Roraima nós temos uma população realmente de direita, a gente acaba trabalhando mais nesse sentido, por isso foi importante essa construção com o PL. É óbvio que é cedo para a gente definir quais são as articulações que vão acontecer em 2026, mas nós temos hoje um vice do PL, foi uma construção direta com o ex-presidente Bolsonaro”, disse Arthur em entrevista após a reeleição.
Macapá (AP)
Macapá reelegeu no primeiro turno um candidato do MDB, Dr. Furlan, com 85,08% (204.291) dos votos válidos, a maior porcentagem entre as capitais brasileiras. Apesar de não ter tido apoio direto de Bolsonaro, seja com presença em eventos ou em vídeos, o candidato teve apoio do PL, após uma articulação com o partido em julho deste ano.
São Luís (MA)
Eduardo Braide, do PSD, foi reeleito prefeito de São Luís (MA) para os próximos quatro anos ainda no primeiro turno. Ao fim da apuração, Eduardo Braide teve 403.981 votos, 70,12% dos votos válidos (dados a todos os candidatos).
Eduardo Braide tem 48 anos, é casado, tem curso superior completo e declara à Justiça Eleitoral a ocupação de prefeito. Ele declarou um patrimônio de R$ 1.102.648,96. A vice-prefeita eleita em São Luís é a Professora Esmênia, do PSD, que tem 42 anos.
HISTÓRICO
Todos os prefeitos reeleitos nas capitais da Amazônia Legal acumulam denúncias e escândalos ao longo de suas gestões, como mostrou a CENARIUM na reportagem de capa de setembro deste ano.
ACESSE AQUI:
Outros municípios
Além das capitais da Amazônia Legal que disputaram o segundo turno, dois outros municípios foram ao segundo turno: Imperatriz (MA) e Santarém (PA). Para ir ao segundo turno, os municípios precisam ter mais de 200 mil eleitores. Em Imperatriz, o candidato Rildo Amaral (Progressistas) venceu com 55,11% contra os 44,89% da adversária, Mariana Carvalho (Republicanos). Em votos absolutos, Amaral obteve 81.942 votos, contra 66.752 votos da adversária.
Já em Santarém, Zé Maria Tapajós (MDB) ganhou o pleito com 51,97% (92.500), e seu concorrente, JK do Povão, terminou com 48,03% (85.502).
A cidade paraense possui 246.326 eleitores aptos a votar, segundo o Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA); e Imperatriz tem 201.099 votantes, conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA).
Crônicas do Cotidiano: Pós-modernismo ou o mesmo de sempre
Walmir de Albuquerque Barbosa
Inicialmente, tinha como ideia fazer uma singela menção ao pensamento de Fredric Jameson, filósofo e crítico literário norte-americano, que nos deixou no dia 22 de setembro passado. E por que ele? Talvez pelo sentimento ingênuo que sempre tenho diante de tantas perdas de pessoas que deram importantes contribuições à humanidade, especialmente no que diz respeito ao modo de pensar e ver o mundo, imprimindo em mim um certo sentimento de pertença. Hoje, quando se desvirtuou o conceito de “narrativa” e o aproximou da mentira, da banalização descarada com o intuito de confundir, a seriedade do pensamento de Jameson vem em socorro da verdade, ligando as formas de narrativa à história, pois nada no mundo da cultura se descola da história. Daí, mais uma razão para valorizar esse pensador marxista. Dele, em As Sementes do Tempo, extraio uma afirmação luminosa: “Assim é que o fim do modernismo vem acompanhado não apenas do pós-modernismo, mas também do retorno da consciência de natureza em ambos os sentidos: ecologicamente, nas condições deploráveis em que a busca tecnológica de lucro deixou o planeta; e, humanamente, numa desilusão com a capacidade dos povos de mudar, de agir ou de conseguir qualquer coisa substantiva em termos de uma práxis coletiva” (Fredric Jameson. As Sementes do Tempo. SP: Ed. Atlas, 1997, p. 62).
Essa frase diz muito sobre o que está acontecendo no momento em que escrevo: os efeitos climáticos adversos nos ameaçam,
expondo as entranhas da terra com a seca dos nossos rios e a triste predição de que não recuperaremos mais os seus mananciais, destruídos pelo fogo, pela ganância e pelo descaso; os mísseis, como estrelas cadentes do mal, atravessam os céus do Oriente Médio, como se pairassem sobre nossas cabeças, e destroem as esperanças de convivência pacífica, que foram construídas pela diplomacia e pelo esforço solidário na superação das desigualdades. E o que parecia distante agora está muito próximo, não só pela materialidade globalizada das relações econômicas, mas, sobretudo, pela dor, pelo clamor dos horrores e pelo realismo high-tech das imagens absurdas da guerra, espelhando a insanidade humana no cultivo e na expansão dos afetos de ódio.
A ideia de pós-modernismo não é consensual como datação histórica, civilizacional ou ideológica, e até, como sinônimo, recebe outra denominação, tida como mais precisa: “capitalismo tardio”, que abarca as primazias econômicas do neoliberalismo e “as globalizações”. Entretanto, tornou-se o rótulo do nosso tempo e serve, tal qual um biombo, para esconder os nossos fracassos. As maldades do mundo, como sempre, se devem ao desamor pelo outro, à escassez de recursos para a sobrevivência de grandes contingentes humanos espalhados pelos continentes, ao apego às particularidades de cada grupamento humano, que vai racionalizando e justificando as diferenças que nos tornam verdadeiramente desiguais, mesmo nas similitudes.
Era de se esperar que a Modernidade, com seu Mercantilismo, Renascimento,
surgimento do Pensamento Científico, Revoluções Tecnológicas, o Século das Luzes e suas Revoluções Libertárias, nos trouxesse o discernimento necessário para nos beneficiar das utopias que nos brindaram com as esperanças de mundos melhores e imaginados. Esperava-se também o aprimoramento dos sistemas e modos de produção e de vida social, influenciados por ideologias que prometiam prosperidade completa, fundadas numa “segunda natureza”, construída pela vontade humana, e não mais pela vontade dos deuses. No entanto, essas narrativas têm um defeito capital: foram historicamente construídas a partir de uma visão de mundo que não contemplava a todos, do mundo nu em que vivemos hoje. E quando visões de mundo se chocam no campo concreto das vivências dos diferentes, o que se salienta não são as coisas que nos unem, mas as que nos separam. E quando essas prevalecem, o caminho é a barbárie, que expõe o outro à subalternidade consentida ou à humilhação pela guerra.
A guerra, nos tempos pós-modernos, não é apenas uma questão de dominação; adota também o modelo da “guerra nazifascista”, que não se contenta apenas em vencer o outro e submetê-lo. Seu objetivo é exterminá-lo, por entender que ele não é simplesmente um “outro”, mas um “diferente”.
(*) Jornalista profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.
O arco de aliança de Wilson Lima contou com sete partidos
Base aliada sai forte no AM
Grupo alinhado ao governador do Amazonas, Wilson Lima, bate recorde na eleição do Estado e evolui de 18 para 35 prefeitos
Marcela Leiros – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A base aliada do governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), formada pelos partidos Republicanos, Progressistas, Podemos, PMB, PSB, PRD e União Brasil, saltou de 18 prefeitos eleitos em 2020 para 35 em 2024, um recorde eleitoral.
Esses mesmos partidos formaram coligação nas eleições municipais em Manaus. O crescimento foi de 94% entre as eleições de 2020 e o primeiro turno das eleições de 2024. O diretório do União Brasil no Estado, presidido por Wilson
Lima, também fez história ao eleger o maior número de mulheres na política do Amazonas.
O levantamento realizado pela CENARIUM considerou os sete partidos. Em 2020, o União Brasil, criado em 2022 a partir da fusão entre PSL e Democratas, ainda não existia formalmente. Para o comparativo, foram considerados os resultados isolados desses dois partidos nas eleições anteriores. Naquele ano, Wilson Lima era filiado ao PSC, atualmente incorporado ao Podemos.
O crescimento do número de prefeitos da base aliada foi de 94% entre as eleições de 2020 e o primeiro turno das eleições de 2024.
Neste ano, o União Brasil elegeu 24 prefeitos; o Republicanos, nove; e tanto o Progressistas quanto o Podemos elegeram um prefeito cada. Em 2020, o Democratas (agora União Brasil) havia eleito três prefeitos; o Progressistas, sete; e o Republicanos, oito. Os demais partidos da coligação não elegeram prefeitos em ambos os pleitos.
O grupo de Wilson Lima conquistou colégios eleitorais importantes no interior do Estado. Em Itacoatiara, o prefeito Mário Abrahim (Republicanos) foi reeleito com 54,98% dos votos válidos. O município, a 176 quilômetros de Manaus, é o terceiro maior colégio eleitoral do interior amazonense, com 74.674 eleitores aptos.
Em Coari, o Republicanos elegeu Adail Pinheiro para um quarto mandato. O município tem 51.690 eleitores.
ARCO DE ALIANÇA
As coligações unem partidos – sejam eles antagonistas ou não – com o objetivo de obter melhores resultados eleitorais, já que a união de siglas amplia o tempo de propaganda eleitoral gratuita e o alcance dos recursos disponíveis para a campanha.
Desde 2017, as coligações foram proibidas nas eleições proporcionais (deputado federal, estadual e vereador), mas continuam permitidas nas eleições majoritárias (presidente, governador, senador e prefeito).
Em 2022, por exemplo, Wilson Lima concorreu à reeleição pelo União Brasil coligado com dez partidos políticos, o que lhe garantiu 3 minutos e 54 segundos de propaganda na televisão e no rádio, o maior tempo entre os candidatos. 94%
Força do MDB no Pará
BELÉM (PA) – Nos municípios paraenses de Belém e Santarém, o segundo turno das eleições municipais de 2024 trouxe vitórias expressivas para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), destacando o fortalecimento do partido e do governador Helder Barbalho em importantes colégios eleitorais do Estado. Em Belém, Igor Normando foi eleito com 56,36% dos votos válidos, derrotando o
Partido sai fortalecido após eleições e PL perde força no Estado
Fabyo Cruz – Da Cenarium
Delegado Éder Mauro (PL), que obteve 43,64%. Já em Santarém, Zé Maria Tapajós garantiu a prefeitura com 52% dos votos, superando JK do Povão (PL), que teve 48%.
A disputa trouxe à tona questionamentos sobre a influência das vitórias do MDB no cenário político local e sobre a posição do PL, principal partido de oposição no Estado. Cientistas políticos analisaram o impacto dessas derrotas para o Partido
Liberal, refletindo sobre as estratégias e os desafios do partido para as próximas eleições.
LIDERANÇA CONSOLIDADA
As vitórias do MDB em Belém e Santarém reforçam a liderança do governador Helder Barbalho e a posição do MDB como principal força política do Estado. Segundo a cientista política Karol Cavalcante, dou-
toranda pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o êxito do MDB consolidou o governador como o maior vencedor das eleições, colocando-o em destaque não só no Pará, mas também no cenário nacional.
“O governador mostrou força e vitalidade, com um alto índice de aprovação popular e mais de 80 prefeitos eleitos no Estado. Isso o torna um importante líder no tabuleiro político nacional”, afirmou Cavalcante. Ela acredita que o PL poderá tentar se viabilizar como uma alternativa de oposição ao governo estadual, porém, enfrentará a força consolidada do MDB.
DESAFIOS DO PL
Para o jurista eleitoral e cientista político Breno Guimarães, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Partidário (Ibradip), as derrotas do PL estão ligadas à falta de alianças e à dificuldade em formar coligações robustas. Em Belém, Éder Mauro recebeu apoio apenas de Jefferson Lima (Podemos), um candidato derrotado no primeiro turno. Já em Santarém, JK do Povão teve o suporte do partido Avante, mas sem o impacto necessário para assegurar a vitória. “A falta de alianças significativas prejudicou a candidatura do PL em ambas as cidades”, pontuou Guimarães.
Guimarães também destacou que a vitória em Marabá, apesar de relevante, não assegura uma força sólida para cargos majoritários nas próximas eleições estaduais, sendo necessário fortalecer a base municipal do partido.
RESISTÊNCIA
As derrotas do PL em Belém e Santarém também foram interpretadas como um sinal de resistência ao perfil dos candidatos. Cavalcante observou que a postura mais radicalizada de Éder Mauro e JK do Povão foi rejeitada pelo eleitorado. A cientista apontou que houve um desinteresse dos eleitores pela “nacionalização da disputa” e uma preferência por candidatos que demonstrassem capacidade de gestão e de articulação para resolver problemas locais.
“O eleitor paraense demonstrou nas urnas rejeitar o perfil radicalizado que ambos os candidatos representam. Houve eleitoralmente um certo desinteresse pela nacionalização da disputa e um maior
“O governador mostrou força e vitalidade, com um alto índice de aprovação popular e mais de 80 prefeitos eleitos no Estado. Isso o torna um importante líder no tabuleiro político nacional”
Karol Cavalcante, cientista política, doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
interesse em ter gestores que demonstrem capacidade de estabelecer parcerias para resolver os problemas das cidades. O radicalismo saiu derrotado das urnas”, avaliou Karol Cavalcante.
FUTURO
O desempenho do PL, segundo Cavalcante, embora sem vitórias nas maiores cidades, mostrou um partido competitivo, com candidatos que alcançaram mais de 40% dos votos no segundo turno. Isso indica que o partido possui uma base eleitoral, mas precisa aprimorar sua estratégia de coligações e fortalecer sua atuação no Legislativo estadual, onde, atualmente, é a única oposição ao MDB.
“O PL é um partido de oposição ao governo do MDB no Pará. Uma oposição inclusive tímida e restrita ao partido quando se pensa em nível de atuação no legislativo paraense. Hoje não existe uma frente de partidos de oposição no Estado. Basicamente, a oposição no legislativo se
restringe à atuação do PL e isso deve se manter no próximo período”, afirmou Karol Cavalcante à CENARIUM.
Breno Guimarães ressaltou que, caso o PL consiga ampliar sua bancada federal nas próximas eleições, o partido pode influenciar políticas regionais por meio de emendas parlamentares, beneficiando as bases locais no Pará.
“A derrota do Partido Liberal nas cidades de Belém e Santarém mostra que o partido não teve capacidade de superar a força política do MDB nessas cidades. Porém, se as lideranças políticas do PL conseguirem reunir um grupo para as próximas eleições de 2026, os candidatos derrotados como prefeitos podem obter uma votação maior nas eleições de Deputado Federal e ampliar a bancada federal do partido, podendo, a partir das emendas parlamentares impositivas fazerem políticas públicas regionalizadas, conforme as necessidades das suas bases locais no Pará”, afirmou.
BR-319: obras liberadas
Justiça libera pavimentação na rodovia determinando medidas para reduzir impactos
Camila Pinheiro – Da Cenarium
BRASÍLIA (DF) – O desembargador
Flávio Jardim, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, suspendeu a decisão da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas, que havia anulado a licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para as obras de pavimentação da BR-319, rodovia que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM).
A decisão foi tomada no dia 7 de outubro, após solicitação da União,
do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e do próprio Ibama. Com a nova determinação, a liminar será submetida à revisão pela Sexta Turma do TRF-1.
Ao autorizar a continuidade das obras, Flávio Jardim ressaltou o compromisso da União em adotar medidas para reduzir os impactos ambientais, como a instalação de portais de fiscalização para coibir o contrabando de madeira na Amazônia. Também estão previstas bases de atuação da Polícia Federal, Polícia Civil e outros órgãos de fiscalização, incluindo secretarias estaduais e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
DECISÃO ORIGINA
A decisão original da 7ª Vara Federal Ambiental, que havia suspendido a licença, gerou preocupações sobre os possíveis danos ambientais da obra, como o aumento do desmatamento e da exploração ilegal de madeira. A falta de estudos adequados e a ausência de consultas às comunidades indígenas também foram pontos de crítica.
O documento destacou a necessidade de criar um mosaico de Unidades de Conser-
vação, conforme recomendações de 2008, e a importância de consultas ao ICMBio e à Secretaria de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDS/AM) para analisar a implantação dessas áreas. Também foram solicitadas informações sobre as barreiras da Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Amazonas (Adaf) e o uso de satélites para monitoramento ambiental.
O Dnit deverá discutir questões indígenas com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e acordos de cooperação serão firmados entre o Ministério dos Transportes e outros órgãos para assegurar a governança da BR-319. A integração de 11 ministérios e diversas entidades foi destacada como essencial para a execução da obra.
A ausência de governança adequada foi identificada como o principal obstáculo para a pavimentação da rodovia. Novos acordos trarão metas e prazos para atender às condicionantes do Ibama. Além disso, foi discutida a necessidade de criar alternativas econômicas sustentáveis na região para evitar o desmatamento e a dependência de atividades ilegais, como a extração de madeira.
Também há menção à implementação de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para compensar a população local e preservar o ecossistema.
ALERTA
O biólogo e ambientalista Marcelo Ferronato, vice-presidente da Ecoporé, expressou preocupação em relação à pavimentação da BR-319. “Há um grande receio de que as medidas mitigatórias e compensatórias necessárias para a pavimentação não sejam cumpridas. Isso é crucial para proteger o meio ambiente e as comunidades locais”, afirmou.
Marcelo também alertou sobre os riscos para a floresta e as populações indígenas. “A falta de cumprimento dessas medidas pode colocar em risco as florestas da região e as populações tradicionais, incluindo grupos indígenas isolados. A preservação dessas comunidades e do ecossistema local é uma preocupação central”, destacou.
Por outro lado, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou apoio ao projeto, enfatizando a importância da BR-319 para o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia e para sua integração com o restante do País.
“Há um grande
receio
de que
as medidas
mitigatórias
e compensatórias necessárias para a pavimentação não sejam cumpridas. Isso é crucial para proteger o meio ambiente e as comunidades locais”
Marcelo Ferronato, biólogo e ambientalista, vice-presidente da Ecoporé.
Crédito: Acervo Pessoal
Evolução no Controle Externo
TCE-AM traça trajetória em busca de boas práticas e da excelência
Pedro Sousa – Especial para a Cenarium
MANAUS (AM) - Conduzido pelos Tribunais de Contas (TCs), o sistema de controle externo no Brasil destaca-se pela busca constante por modernização e eficiência. O Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) consolida-se como protagonista na adoção de boas práticas e na aplicação do Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas (MMD-TC).
O MMD-TC, criado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), mede a qualidade e a eficiência das cortes de contas. Realizada a cada dois anos, essa avaliação promove o intercâmbio de experiências, identificando forças e áreas a serem aprimoradas para fortalecer o controle externo.
Em agosto, o TCE-AM recebeu a comitiva da Atricon para a avaliação do MMD-TC. Formada por conselheiros, auditores e técnicos de outros Tribunais de Contas, a comitiva foi recebida pela conselheira-presidente Yara Amazônia Lins, que destacou o compromisso da instituição com a transparência e a eficiência na gestão pública.
“A avaliação do MMD-TC é fundamental para reforçar nosso compromisso com a gestão pública e com o papel do Tribunal na promoção da transparência em nossa sociedade”, afirmou Yara Amazônia Lins.
O secretário-geral do TCE-AM, Antônio Rosa Júnior, reforçou a importância da
avaliação externa. “O Tribunal fiscaliza, mas também precisa ser fiscalizado para evoluir continuamente. Estamos sendo avaliados em 14 critérios e esperamos avançar ainda mais em relação à última auditoria de 2022”, comentou.
BOAS PRÁTICAS
Durante a visita, o TCE-AM apresentou suas principais boas práticas. Entre elas, destaca-se a Ouvidoria da Mulher, um canal dedicado a receber denúncias e demandas relacionadas a mulheres, promovendo um ambiente de escuta ativa e proteção.
O Domicílio Eletrônico de Contas (DEC) foi outra prática destacada. A plataforma digital permite a comunicação rápida e segura entre o Tribunal e seus jurisdicionados, garantindo maior eficiência nos processos.
Além disso, o programa Blitz TCE foi apresentado como uma iniciativa inovadora para combater irregularidades na gestão pública. Por meio de inspeções rápidas, o programa apura denúncias, orienta gestores e previne desvios de conduta, combinando fiscalização e educação administrativa.
O Tribunal também investe em transparência digital, com forte presença nas redes sociais, aproximando-se da sociedade e fortalecendo a divulgação de suas atividades
“A
avaliação do
MMD-TC é fundamental para reforçar nosso compromisso com a gestão pública e com o papel do Tribunal na promoção da transparência em nossa sociedade”.
Yara Amazônia Lins, conselheira-presidente do TCE-AM
Intercâmbio de Experiências
A visita da comitiva da Atricon não se limitou à avaliação técnica, mas também foi uma oportunidade de fortalecer o controle externo em nível nacional. O conselheiro Severiano Aguiar, do TCE de Tocantins, ressaltou que o objetivo do MMD-TC é disseminar boas práticas entre os tribunais, promovendo eficiência e transparência.
“Acreditamos que a troca de experiências entre os Tribunais de Contas é fundamental para o aprimoramento contínuo do controle externo no Brasil. O TCE-AM tem se destacado em várias frentes e certamente contribuirá para o fortalecimento do nosso sistema como um todo”, afirmou Aguiar.
Em 2025, a Atricon realizará o 3º Laboratório de Boas Práticas, que funcionará como um espaço de pesquisa e inovação para melhorar processos internos e criar soluções eficazes para o controle externo, com base nas experiências compartilhadas durante o MMD-TC.
Crédito: Divulgação
Para a conselheira-presidente Yara Amazônia Lins, a busca constante por inovação e o compromisso com a gestão pública colocam o TCE-AM na vanguarda nacional.
“Nosso compromisso é garantir que o controle externo seja um instrumento de transformação social, promovendo a boa gestão dos recursos públicos e atendendo aos anseios da sociedade amazonense”, concluiu.
É preciso plantar o feijão
Rosane Garcia
Em agosto, assistimos à aprovação da PEC da Anistia. Os parlamentares perdoaram os partidos que reduziram ou negaram financiamento às candidaturas de pretos e pardos nas eleições passadas. O efeito da PEC se estende ao pleito municipal deste ano e aos futuros. A previsão inicial é de que a perda dos negros será de pelo menos R$ 1 bilhão no custeio de novas candidaturas. Mais uma vez, eles enfrentarão o subfinanciamento de suas campanhas para acesso aos espaços de poder nos legislativos federal, estadual e municipal. Não há como negar que o racismo, condenado na Constituição vigente e no Código Penal, segue sendo praticado de modo escamoteado pelos legisladores, que têm o poder de se autoperdoarem.
O último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022 revelou que 55,5% dos brasileiros se reconhecem como pretos e pardos. Mas as cotas raciais são apenas de 30% para esse grupo majoritário e divididas com os indígenas. A regra preserva a injustiça social e étnica-racial e os obstáculos históricos para o acesso a vagas de empregos, ao ensino
superior, aos concursos públicos e tantos outros que possam significar ascensão social e econômica dos não brancos.
A norma, sem cerimônia, desconsidera o percentual dos afrodescendentes na composição do tecido populacional do País. Não há como negar que as cotas raciais reduziram o fosso socioeconômico que, etnicamente, divide a sociedade e sustenta o racismo, mas está longe — muito longe — de estabelecer equidade entre negros e brancos. As cotas raciais foram, e continuam sendo, importantíssimas para que os negros ingressassem nas universidades. E, agora, tornaram-se norma nos concursos do serviço público. Um avanço considerável.
Mas não só isso. Para a professora e antropóloga Renata Nogueira, que ministra cursos de educação antirracista para professores na Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação do DF (Eape), as cotas raciais impulsionam a identificação da população como negra, reduziram as desigualdades raciais, exibiram a construção de exemplos positivos que estimulam as pessoas a almejarem espaços sociais
de prestígio, inserção nas universidades e no serviço público.
A professora Dione Moura, diretora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), vitoriosa na luta pela implantação das cotas, transformou inúmeras vidas. Mas ela se coloca contra os projetos que tornam as cotas permanentes. “Imagine que você tenha dez sementes de feijão preto e decida separar duas para plantar e regar. Elas brotam e dão frutos. E as outras oito sementes que não foram plantadas? Não irão vicejar”, assim ilustra a professora o atual momento. Ou seja, o fosso entre pretos e brancos será preservado, mantendo a injusta desigualdade étnica-racial no País, que alimenta o descabido e criminoso racismo. A mudança só ocorrerá quando plantarmos todos os feijões, a fim de tornar letra viva o mandamento constitucional: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (artigo 5º).
(*) Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas residindo em Brasília há 62 anos, é jornalista há 42 anos. Ela trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil e, atualmente, ocupa o cargo de subeditora de Opinião, no Correio Braziliense.