Revista Cenarium – Ed. 48 - Junho/2024

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‘CRIME E CASTIGO’ PARA QUEM?

Projeto de Lei n.º 1.904/2024 propõe prisão por homicídio às mulheres vítimas de estupro que interromperem a gestação decorrente da violência após a 22ª semana e reacende debates sobre a autonomia do corpo feminino e a relativização do estupro no Brasil

www.revistacenarium.com.br | Junho de 2024

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Editorial

O ser mulher e a construção social

Em meio ao hype dos debates acerca do Projeto de Lei n.º 1904/2024, que equipara o aborto ao crime de homicídio, incluindo casos de estupro, um vereador de Manaus (AM) argumentou que um “acidente”, referindo-se à violência sexual de um homem contra uma mulher, não justifica a interrupção de uma gestação, mesmo se as estupradas forem crianças. Ele deu essa declaração em um podcast, cujas apresentadoras eram duas mulheres, que concordaram para a descrição mais absurda que se pode ouvir sobre o estupro.

Em 1949, a filósofa Simone de Beauvoir levantou o debate sobre que o “ser mulher” não está relacionado à biologia, mas a uma construção sociopolítica e psicanalítica, inaugurando problemáticas relativas às instâncias de poder na sociedade contemporânea na célebre obra “O Segundo Sexo”. A partir deste pensamento revolucionário, iniciou-se o debate sobre a igualdade de gênero com o surgimento do feminismo, o mesmo feminismo que possibilitou às duas apresentadoras do podcast de Manaus o direito de estarem à frente de um programa de entrevistas.

É revoltante ver a ignorância e a alienação de algumas mulheres na defesa de pautas misóginas que as colocam em situação inferior, como indigentes intelectuais, ancoradas no controle masculino sob a alegação de defesa da vida, mas sem raciocinarem que a vida delas não vale de nada diante de uma discussão sobre o que é ser considerado “vida”.

Por trás da submissão cognitiva dessas mulheres, há um passado de doutrinação ao qual foram submetidas desde a infância, sob a perspectiva religiosa de que a mulher nasceu da costela de um homem e, por isso, a ela cabe a subordinação. Simone de Beauvoir dizia, em 1949, que “não se nasce mulher, torna-se”, porque entendeu que a identidade do “ser mulher” é moldada pelo ambiente social.

Nesta edição, a REVISTA CENARIUM aborda o Projeto de Lei n.º 1904/2024 sob o ponto de vista do valor à vida, a vida das mulheres e das meninas, por entender que quanto mais elas tiverem informação, mais terão a consciência da diferença que precisam fazer em uma sociedade que as invalida desde os tempos mais remotos, pois, como defendeu Beauvoir: “Achar-se situada à margem do mundo não é posição favorável a quem quer recriá-lo”.

Patriarcado e estupros

“Se os homens parassem de estuprar, ninguém precisaria debater aborto em caso de estupro”. Li essa frase no parlatório da internet e a trago para o debate sobre o Projeto de Lei (PL) n.º 1904/2024, o “PL do Aborto”, que propõe prisão por homicídio às mulheres vítimas de estupro que interromperem a gestação decorrente da violência após a 22ª semana.

As mulheres que precisam recorrer ao aborto legal porque sofreram violência não escolheram serem violentadas, nem escolheram a morosidade dos sistemas Judiciário e de Saúde, o que as obriga a procedimento emocionalmente mais doloroso após 22 semanas de gestação. Por que culpabilizá-las, revitimizá-las e condená-las a punições piores que as aplicadas aos seus algozes? É a discussão que trazemos em nossa matéria de capa, onde emprestamos o título “Crime e Castigo” e pedimos licença ao autor Fiódor Dostoiévski para usá-lo de forma diferente do original, desta vez em referência ao crime e ao castigo que o PL cogita imputar às mulheres.

Grande parte da violência sexual no País é cometida contra crianças e adolescentes, principalmente do sexo feminino. O Atlas da Violência 2024 apontou que meninas de até 14 anos sofrem proporcionalmente mais violência sexual do que mulheres adultas. Na faixa de 0 a 9 anos, do total de casos, 30,4% têm cunho sexual e, na faixa etária de 10 a 14 anos, o percentual é de 49,6%.

Outro dado recente é o resultado de pesquisa apontando que a linhagem genética materna brasileira vem majoritariamente de negras e indígenas, e que a paterna vem de europeus. O levantamento feito pelo laboratório Genera indica uma origem do País associada ao estupro. Nos primeiros séculos do Brasil, mulheres negras e indígenas eram escravizadas e, historicamente, sabe-se que muitas eram estupradas por seus senhores.

Os dados da violência sexual e da linhagem genética talvez nos expliquem o porquê de certas defesas ao PL n.º 1904/2024.

De uma forma social e afetiva, o homem também aborta, quando abandona a mulher grávida ou foge da paternidade. Não engravida e é pouco julgado pelo aborto afetivo. Mas, de forma sistemática e estrutural, crê ter direito de deliberar sobre o corpo da mulher.

Sob um sistema patriarcal e misógino, se os homens engravidassem, seria bem fácil fazer aborto. Talvez fosse possível no drive-thru. Mas, como não engravidam, há os que prefiram condenar as mulheres, mesmo quando são vítimas. Assim, em vez de focar no cerne do problema e buscar a redução dos casos de estupros no País, estamos discutindo mais uma punição às mulheres violentadas. E o que poderíamos esperar de uma nação parida à base de estupro?

Leitor&Leitora

�� Por dentro do debate climático

Acompanhar os materiais da REVISTA CENARIUM tem sido fundamental para estar inserido dentro dos debates da agenda climática e estar preparado para a COP 30, que vai acontecer aqui em Belém, em 2025.

Marcelo Rodrigues Belém-PA

�� Fonte diversificada de informação

A REVISTA CENARIUM se destaca como uma fonte de conteúdo rica e diversificada. Um material tão abrangente e informativo. Continuem com esse trabalho excepcional.

Maria Marta Brasília-DF

�� Reverberar vozes

�� Conexão com a Amazônia

Um dos aspectos mais notáveis da REVISTA CENARIUM é a maneira como ela nos conecta com a Amazônia. Mesmo aqui de São Paulo, consigo ficar por dentro do que acontece nessa região.

Letícia Vieira São Paulo-SP

Eu gosto de ver como diferentes comunidades da Amazônia são retratadas com respeito e autenticidade pela REVISTA CENARIUM. As matérias dão voz a grupos, muitas vezes, marginalizados, mostrando suas lutas, conquistas e culturas de uma maneira que promove a compreensão e a valorização. Isso é extremamente importante para fortalecer a identidade e o orgulho das nossas raízes.

Marlene Cunha. Porto Velho-RO

��

Compromisso em informar

Sempre está atualizada a REVISTA CENARIUM sobre os temas mais relevantes e pertinentes. Gosto de estar sempre por dentro das últimas notícias.

A dedicação da equipe em manter essa atualização contínua é evidente e muito apreciada por nós, leitores. Isso demonstra um compromisso em informar.

�� Sentimento de pertencimento

A seção de cartas dos leitores é um excelente exemplo de como a REVISTA CENARIUM valoriza a interação com o seu público. É gratificante ver nossos comentários, sugestões e críticas sendo levados em consideração. Isso cria um sentimento de comunidade e pertencimento, mostrando que cada leitor tem um papel importante na construção desse veículo de comunicação. Acredito que essa abertura ao diálogo é essencial para a evolução contínua da revista.

Cláudio Carvalho Campinas-SP

Crédito: Acervo Pessoal

Sumário

Crédito:
Pinheiro Fotos Públicas
Crédito: Mário Agra | Câmara dos Deputados

Mais vulneráveis na crise do clima

Entenda por que mulheres e crianças são mais afetadas pelas mudanças climáticas

Isabella Rabelo – Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – Segundo dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), 72% das pessoas que vivem em condições de extrema pobreza no mundo hoje são mulheres. Essa vulnerabilidade social é o principal fator que faz com que esse grupo esteja mais exposto aos eventos iminentes da emergência climática na atualidade.

A bióloga especialista em mudanças climáticas e políticas públicas Renata Ilha explicou mais sobre esses dados e pontuou uma série de elementos que estão diretamente relacionados aos fatos apurados, destacando a desigualdade financeira das mulheres em relação aos homens.

“Para entender como esse grupo se torna o grupo mais vulnerável, a gente tem que entender algumas questões estruturais. Hoje, no Brasil, as mulheres ganham, em média, 20% menos do que os homens. E essa diferença chega a ser ainda mais discrepante se compararmos mulheres negras e homens brancos”, explicou a profissional.

“Os eventos climáticos extremos, como os que a gente está vendo no Rio Grande do Sul, não afetam todas as cidades da mesma forma. As áreas mais baixas de encostas ou próximas aos rios são áreas mais vulneráveis, que sofrem mais com eventos climáticos, como as enchentes que a gente está vendo e, portanto, elas se tornam áreas mais baratas para se viver. E é aí que a gente encontra mais mulhe-

res chefes de família com suas crianças”, continuou.

Renata explicou ainda sobre as crianças que, pelo fato de estarem em um momento-chave de desenvolvimento psíquico e cognitivo, passam por mais uma camada de vulnerabilidade, já que o trauma vivido toma uma enorme relevância.

“Depois delas serem resgatadas e sobreviverem a esses eventos climáticos extremos como as enchentes, essas mulheres vão para abrigos, junto com seus filhos e filhas, e aí ainda temos mais uma fonte de vulnerabilidade, que é a violência sexual que essas pessoas sofrem nesses locais, como foram feitos dezenas de relatos ainda nesse exemplo do RS”, pontuou a bióloga.

CRIMES

Embora ainda sem números oficiais, crimes de importunação, violência sexual e abusos nos abrigos do Rio Grande do Sul (RS) têm sido constantemente notificados à Polícia Civil, ao Conselho Tutelar, à Delegacia da Mulher e ao Ministério Público.

Tendo em vista a situação, veio à tona a necessidade de criar abrigos e espaços de acolhimento exclusivos para a estadia de mulheres e crianças, como uma forma de proteger esse grupo de sofrer mais uma situação de violência, além da que já estariam vivendo.

(*) Com informações da Az Mina.

Mulher com criança no colo e menino caminha em área de seca, durante estiagem em Manaus
Crédito: Ricardo Oliveira

“As áreas mais baixas de encostas ou próximas aos rios são mais vulneráveis, (...) e, portanto, se tornam áreas mais baratas para se viver. E é aí que a gente encontra mais mulheres chefes de família com suas crianças”

Renata Ilha, bióloga especialista em mudanças climáticas e políticas públicas.

Limpeza do Rio Caroebe (RR)
Divulgação
Corpo de Bombeiros

Alerta de chuvas fortes

Defesa Civil de Roraima indica níveis de precipitação acima da média até agosto

BOA VISTA (RR) – O período chuvoso no Estado de Roraima iniciou no fim do mês de março e se intensificou em maio, após uma estiagem severa que causou o aumento do número de queimadas, poluição no ar por fumaça e a segunda maior seca da história do principal rio do Estado, quando o nível do Rio Branco chegou a 39 centímetros negativos.

Até o dia 24 de março, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais de 1,3 mil focos de calor; já o Corpo de Bombeiros notificou 2.213 ocorrências envolvendo incêndios na vegetação da capital e interior, entre janeiro e abril de 2024.

Além disso, dados do monitoramento da Plataforma Selva da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) mostraram que ao final de março a qualidade do ar da capital Boa Vista estava no nível considerado péssimo, devido às nuvens de fumaça causadas por incêndios.

Agora, a previsão é que ocorram chuvas acima da média até o mês de agosto, conforme divulgou a Defesa Civil Estadual à  CENARIUM, por meio de dados do Boletim Hidrometeorológico da Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh). Do mesmo modo, não há mais há registros de focos de calor nem risco de incêndio (risco mínimo).

“O período de inverno está transcorrendo dentro da normalidade em Roraima, isto é, com intensidade moderada, ainda que a região sul do Estado, pelos muni-

cípios de Rorainópolis, São Luiz, São João da Baliza e Caroebe, tenha registrado inundações temporárias, de três dias no máximo, das bacias dos rios Anauá e Caroebe (Jauaperi)”, diz o documento da Defesa Civil.

Essas inundações ocorreram em períodos curtos, não havendo a necessidade de grandes mobilizações assistenciais, salvo no município de Caroebe, onde uma equipe do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil fez um trabalho de remoção de galhadas na ponte sobre o Rio Caroebe, na BR-210, a fim de reduzir a força exercida pela correnteza na ponte, que corria risco de colapso.

A Defesa Civil também alerta para uma situação específica na vicinal 21 do município do Cantá, localizado ao centro-leste de Roraima, onde há, no momento, uma ação de baldeação (travessia com embarcação) em que alguns igarapés, represados pela cheia do Rio Barauana, costumam inundar alguns pontos dessa vicinal.

“Esta situação não será sanada até que obras de infraestrutura sejam realizadas nesses pontos da vicinal, como a instalação de bueiros ou galerias e a elevação do nível de pavimentação. Apesar de serem ocorrências rápidas, é uma situação que causa transtornos à população durante o período chuvoso”, diz o relatório.

RISCOS DE ALAGAMENTOS

Conforme as previsões meteorológicas de chuvas acima da média nos meses de

39 cm

Antes do período chuvoso, Roraima enfrentou uma forte estiagem, quando o Rio Branco chegou a 39 centímetros negativos.

junho, julho e agosto, haverá inundações nas bacias desses mesmos rios onde já houve registros. Além deles, ocorrerá inundações ao longo da bacia do Rio Branco, como nas enchentes do Rio Uraricoera, em Amajari; Rio Mucajaí, em Mucajaí e Alto Alegre; Rio Surumu, em Pacaraima; e Rio Tacutu, em Normandia.

A enchente do próprio Rio Branco poderá provocar inundações em Boa Vista e em Caracaraí, afetando tanto a população urbana desses municípios, quanto a população rural, a exemplo da população do Baixo Rio Branco situada entre Caracaraí e Rorainópolis.

Neste ano, a previsão é que o período de inverno encerre no fim do mês de agosto, diferente dos anos de incidência do fenômeno La Niña, quando há incidência de chuvas também nos meses de setembro a dezembro.

Área de queimada em Roraima

Mais de 2 mil focos de incêndio

Dados do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima (CBM-RR) apontam que o Estado registrou mais de 2,2 mil ocorrências de incêndio em vegetação, no período de janeiro a abril de 2024. O balanço parcial foi enviado pela instituição à  REVISTA CENARIUM, no dia 13 de junho. Segundo o relatório, março foi o mês com maior acionamento das autoridades, com 836 casos registrados; seguido por fevereiro, que registrou 681 ocorrências.

Os índices do CBM-RR mostram que o pico de incêndios foi registrado entre os meses de fevereiro e março. Na época, o Estado enfrentou a segunda maior seca da história, com o nível do Rio Branco atingindo 39 centímetros abaixo do nível do mar. Com a chegada do período chuvoso, iniciado no fim de março e intensificado em maio, os riscos de incêndios diminuíram de forma significativa, segundo a instituição afirmou em nota à CENARIUM. “Com a incidência de um grande volume de chuvas no mês, reduz drasticamente os riscos dos incêndios em vegetação a partir deste período”.

Ainda conforme os dados divulgados pelo CBM-RR, a capital Boa Vista registrou 734 ocorrências. Já os municípios de Caracaraí, Rorainópolis e Pacaraima também tiveram índi-

ces significativos. Ao todo, foram registrados nas cidades 130, 161 e 53 incêndios, respectivamente. Os demais casos foram atendidos nos demais municípios do interior do Estado.

Minimização de dados

Em contrapartida, o Estado constantemente tem diversas cidades inundadas nos períodos chuvosos. A Defesa Civil de Roraima, inclusive, fez um alerta para chuvas acima da média até o mês de agosto. Conforme as previsões meteorológicas, haverá inundação nas bacias entre os meses de junho a agosto.

“O período de inverno está transcorrendo dentro da normalidade em Roraima, isto é, com intensidade moderada, ainda que a região sul do Estado, pelos municípios de Rorainópolis, São Luiz, São João da Baliza e Caroebe, tenha registrado inundações temporárias, de três dias no máximo, das bacias dos rios Anauá e Caroebe (Jauaperi)”, diz o documento da Defesa Civil.

O Corpo de Bombeiros informou à CENARIUM que já executa o planejamento das ações de prevenção do inverno deste ano. As medidas ocorrem em parceria com as prefeituras municipais, que são as responsáveis pela primeira resposta em suas localidades.

Crédito: Reprodução

Protetor solar amazônico

Pesquisadores da UEA desenvolvem cosmético com matérias-primas da Amazônia

Isabella Rabelo – Da Revista

MANAUS (AM) – Com a maioria dos insumos atualmente empregados na indústria cosmética consistindo em elementos sintéticos, a utilização de componentes naturais no desenvolvimento de produtos de beleza desempenha um papel crucial não apenas na pauta ambiental, mas também na promoção da saúde e bem-estar dos consumidores.

Pensando nisso, pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) estão trabalhando no processo de desenvolvimento de um produto cosmético que utiliza elementos da Amazônia como matéria-prima, como a castanha-do-brasil, o óleo de pau-rosa e extratos do guaraná.

Categorizando-se como protetor solar, o produto, consiste em uma emulsão fitocosmética, ou seja, cujos princípios ativos são óleos, extratos ou mesmo partes de vegetais. Esses cosméticos têm como apelo e objetivo fornecer produtos que não agridam o organismo.

O projeto, fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), é desenvolvido pela professora doutora em Engenharia Química Patrícia Melchionna e pelo mestrando Juliano Camurça, que possui graduação na mesma área e está desenvolvendo o produto como parte da dissertação.

Os pesquisadores Patrícia Melchionna e Juliano Camurça
Crédito: Luiz André | Revista Cenarium

O extrato de guaraná utilizado na emulsão. Ao fundo, o óleo de castanha e o produto em fase final

Crédito: Luiz André | Revista Cenarium
“A ação dos radicais livres acontece na segunda camada da pele. Com o uso da nanotecnologia, nós conseguimos direcionar esses ativos até essa camada, para que eles sejam liberados de forma prolongada e atuem contra essas moléculas”
Juliano Camurça, mestrando.

O incentivo surgiu a partir do edital “Universal Amazonas”, lançado pela Fapeam em 2019 com o objetivo de apoiar projetos que incentivassem empresas do interior do Estado. Foi firmada, então, uma parceria com a D’Amazônia Origens, empresa localizada no município de Maués (a 276 quilômetros de Manaus), que cede as sementes de guaraná e o óleo de castanha-do-brasil para a pesquisa.

Segundo Juliano, o principal componente da emulsão vegana seria o extrato de guaraná que, conforme os estudos, possui propriedades de fotoproteção (proteção à luz) e antioxidantes, que ajudam a combater os radicais livres que prejudicam a pele e causam envelhecimento.

“A ação dos radicais livres acontece na segunda camada da pele. Com o uso da nanotecnologia, nós conseguimos direcionar esses ativos até essa camada, para que eles sejam liberados de forma prolongada e atuem contra essas moléculas”, afirmou o pesquisador.

NANOTECNOLOGIA

O projeto utiliza a tecnologia do nanoencapsulamento, que consiste em envolver e proteger ativos em cápsulas de tamanho nanométrico, desenvolvidos a partir de diversos materiais, mas principalmente lipídios e polímeros naturais ou sintéticos.

A iniciativa faz parte do Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNano) rede formada por um conjunto de laboratórios direcionados à Pesquisa,

ao Desenvolvimento e à Inovação (PD&I) em nanociências e nanotecnologias. O método é aplicado no projeto em parceria com o Instituto Federal do Amazonas (Ifam).

“Agregar a nanotecnologia facilita o processo de controlar a liberação do ativo no momento do uso, para potencializar a ação do produto e manter a estabilidade e a durabilidade do extrato na emulsão”, afirmou Juliano.

PROJETO INICIAL

O projeto é uma continuação de outra proposta desenvolvida anteriormente pela professora Patrícia, que seguia a mesma linha do uso destas espécies para a obtenção de bioprodutos que apresentam alto valor de mercado, beneficiando, consequentemente, o setor produtivo do município de Maués e do Estado do Amazonas.

“Espécies vegetais amazônicas apresentam propriedades biológicas de grande interesse para a indústria de cosméticos, como o guaraná, qcujo extrato possui atividade antioxidante, e o pau-rosa, que fornece um óleo essencial rico em linalol, com conhecida atividade antimicrobiana”, explicou a professora.

Os pesquisadores apontam a pretensão de inserir a criação no mercado assim que possível, e reforçam o objetivo da pesquisa em formular um produto eficiente e sustentável, que atenda às necessidades do público-alvo, bem como as demandas ambientais.

PODER & INSTITUIÇÕES

Mulheres grávidas em decorrência de estupro ficarão impedidas de interromper a gestação após a 22ª semana, caso o PL n.º 1904/24 seja aprovado

Nossos corpos, regras deles

Projeto de Lei (PL) n.º

1.904/2024 equipara aborto legal após a 22ª semana de gravidez a homicídio e reacende debate sobre autonomia de mulheres sobre seus corpos e relativização do estupro

Adrisa de Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Aprovado para votação em regime de urgência na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) n.º 1.904/2024, que equipara o aborto legal por estupro após a 22ª semana de gravidez ao crime de homicídio, tem autoria de 33 parlamentares, dos quais 25 deles são homens, cuja maioria é do espectro político da extrema-direita. Conforme a proposta do grupo, meninas e mulheres vítimas de estupro poderão passar de seis a 20 anos na prisão, caso interrompam uma gestação indesejada, levando à possibilidade de pena maior que a máxima aplicada aos estupradores. A repercussão em torno da proposta reacendeu debates sobre a real autonomia das mulheres sobre seus corpos, considerada de menor importância por defensores da proposta, e uma possível relativização do estupro.

No País, a legislação atual (Decreto-Lei n.º 2.848, Art. 128), vigente desde 1940, permite o procedimento legalmente em três situações, sem prazo limite: por estupro; se a gravidez representa risco à vida

da mulher; em caso de anencefalia do feto. Para as gestantes que realizarem o método por qualquer outro motivo, de forma induzida, a pena é de um a três anos de reclusão.

Há 200 anos, na época do Brasil Colônia e por influência religiosa de Portugal, o aborto era visto como um crime grave. Em 2024, preceitos religiosos ainda tentam se sobrepor aos corpos das mulheres e seus direitos, dessa vez com o líder evangélico da Assembleia de Deus, deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do PL, no comando da ofensiva contra o aborto legal no País.

A proposta do parlamentar passou a ser chamada, por pessoas contrárias à ideia, de “PL do Aborto Infantil”, por atingir crianças e adolescentes. A preocupação se dá porque meninas de até 14 anos são as maiores vítimas, proporcionalmente, de violência sexual em relação a mulheres adultas, segundo o Atlas da Violência, lançado em 18 de junho deste ano.

Dados da análise mostraram que, em 2022, 30,4% dos casos de violência contra crianças de 0 a 9 anos tiveram cunho sexual. A análise mostrou, ainda, que o número cresce na faixa etária de 10 a 14 anos (49,6%). Adolescentes entre 15 e 19 anos representam 21,7% das vítimas e 10,3% são mulheres de 20 a 24 anos.

Sóstenes defende que meninas menores de idade, que fizerem o procedimento de interrupção da gravidez ocasionada por estupro após a 22ª semana, cumpram “medidas socioeducativas”. Conforme

o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), medidas socioeducativas são respostas que o Estado dá ao adolescente que pratica ato infracional, entendido como crime ou contravenção penal pela legislação brasileira.

Para a doutora em Ciências Sociais e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Iraildes Caldas, a proposta viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que veta a criminalização de crianças e adolescentes no

NÚMEROS 3,9%

Um levantamento inédito do Intercept, divulgado em 2023, revelou que das meninas de 10 a 14 anos vítimas de estupro, no período de 2015 a 2020, só 3,9% tiveram acesso ao aborto legal.

362 procedimentos

Ao todo, 362 procedimentos foram feitos em crianças e adolescentes ante mais de 132 mil casos de estupros nessa faixa etária.

Mulheres protestam contra o PL n.º 1904/24.

A proposta vem sendo criticada por diversos setores da sociedade

Brasil. “A aprovação desse PL significa a criminalização da criança, que não pode ser criminalizada, porque é considerada incapaz e tem proteção do Estado brasileiro consignado no ECA”, declarou à CENARIUM

Além disso, a especialista analisa a proposta como inconstitucional e um atentado contra os direitos humanos. “A lei fere a Constituição Federal pelo conteúdo que ela traz, uma agressão violenta aos direitos humanos das crianças”, declarou. E defendeu, ainda, que o aborto legal é uma ferramenta de proteção à criança. “O aborto legal é resultado da luta histórica dos feminismos, que tem posto na agenda das políticas para as mulheres a reivindicação pelo direito à vida de crianças e meninas”, concluiu.

Para a presidente do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM), advogada Natividade Maia, o corpo das mulheres é visto pelo legislador como um depósito no qual ele se sente no direito de depositar as próprias ideologias religiosas. Ela ressalta, ainda,

que a prática é vista como uma nova violência contra o sexo feminino.

“Infelizmente, estamos em uma situação de completo retrocesso nos direitos já adquiridos, principalmente os das mulheres, muito embora este PL atinja diretamente crianças e mulheres vítimas, ele também, de maneira transversa, atinge todos os cidadãos que professam uma religião distinta da cristã, pois foi feito com base em premissas de uma religião”, destaca a advogada.

A aprovação da tramitação do PL em regime de urgência gerou grande repercussão e críticas, levando a manifestações de personalidades e entidades de defesa dos direitos da mulher, tanto na internet quanto nas ruas de diversas cidades do País.

‘PL DA IDADE MÉDIA’

Com a repercussão da aprovação da urgência para a votação na Câmara dos Deputados, o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), composto por 81 membros, aprovou um parecer que define como inconstitucional, inconven-

cional e ilegal o PL n.º 1.904/2024. O documento considera que o PL remonta à Idade Média, cuja proposta é “atroz, degradante, retrógrada e persecutória a meninas e mulheres”.

O órgão máximo da instituição que representa a advocacia brasileira declarou que o projeto possui “absoluta desproporcionalidade e falta de razoabilidade da proposição legislativa em questão, além de perversas misoginia e racismo”. A OAB destaca, ainda, que a vítima terá somente duas opções, a de ser presa pelo crime de aborto ou de, contra a vontade dela, gerar um filho de um estuprador.

Para a Ordem, o PL não se preocupou com a possibilidade de uma descoberta tardia da gravidez, fenômeno comumente percebido nos lugares mais interioranos dos Estados brasileiros. Segundo a OAB, as dificuldades impostas pela realidade justificam a interrupção da gravidez acima da 22ª semana.

O parecer foi feito a pedido do presidente da Ordem, Beto Simonetti, que ressaltou que o documento aprovado não

Crédito: Marcelo Camargo | Ag. Brasil

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) protagoniza a recente onda de debates sobre os direitos das meninas e mulheres ao aborto legal no País. Após o colegiado restringir o procedimento acima de 22 semanas de gestação e, em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender a norma a pedido do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), foi iniciada uma mobilização pela ala conservadora no Congresso Nacional, a fim de confrontar a decisão da Corte.

O Conselho defende a proibição do método da assistolia fetal, utilizado por médicos em abortos nos casos de estupro. O procedimento consiste na injeção de substâncias na cavidade uterina da gestante, cuja ação no feto causa perda das funções vitais e evita o nascimento com

Restrição do CFM

vida. Três substâncias são utilizadas no processo: cloreto de potássio, a digoxina e a lidocaína.

A restrição do CFM dividiu opiniões e rendeu, para o presidente da instituição, José Hiran da Silva Gallo, uma série de acusações de alinhamento a grupos políticos de direita. No último dia 19 de junho, em uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), ele afirmou que a assistolia fetal é uma “crueldade” e a mulher que engravidar em decorrência de um estupro pode induzir o parto e entregar o bebê à adoção.

“A mulher vai ser induzida ao parto, uma criança com 22 semanas, com alta tecnologia, vai sobreviver. Está pronta”, afirmou o presidente do CFM ao Supremo, alegando que, por esse meio, não há

“crueldade”. A declaração aconteceu dias depois de Gallo afirmar que há limites na “autonomia da mulher” nos casos de aborto.

“A autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós, de proteger a vida de qualquer um, mesmo ser humano formado por 22 semanas”, afirmou o dirigente em uma sessão de debates no Senado Federal, no último dia 17.

Um levantamento inédito do Intercept, divulgado em 2023, revelou que das meninas de 10 a 14 anos vítimas de estupro, no período de 2015 a 2020, só 3,9% tiveram acesso ao aborto legal. Ao todo, foram 362 procedimentos em crianças e adolescentes ante mais de 132 mil estupros nessa faixa etária.

Crédito: Lula Marques Ag. Brasil

é uma mera opinião da instituição. “É uma posição da Ordem dos Advogados do Brasil, forte, firme, serena e responsável. E, a partir dele, nós continuaremos lutando no Congresso Nacional, através de diálogo, e bancando e patrocinando a nossa posição”, afirmou.

Para a defensora pública do Estado do Amazonas Carol Souza, o PL é um retrocesso, sem precedentes, quanto aos direitos conquistados até aqui. Segundo ela, as mulheres que sofrem violência

Autores do PL

► Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)

► Evair Vieira de Melo (PP-ES)

sexual são punidas duplamente, haja vista que, para além da violência, o projeto traz uma limitação ao aborto legal.

“Na prática, as mulheres já têm dificuldade para acessar o serviço que oferta o aborto legal, seja pela baixa cobertura, ou seja pelas dificuldades impostas para sua realização. A situação piora quando se trata de crianças ou adolescentes grávidas, que, na grande maioria das vezes, descobrem de maneira tardia a gestação”, disse a defensora.

► Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP)

► Gilvan da Federal (PL-ES)

► Filipe Martins (PL-TO)

► Dr. Luiz Ovando (PP-MS)

► Bibo Nunes (PL-RS)

► Mario Frias (PL-SP)

► Delegado Palumbo (MDB-SP)

► Ely Santos (Republicanos-SP) - mulher

► Simone Marquetto (MDB-SP) - mulher

► Cristiane Lopes (União Brasil-RO) - mulher

► Renilce Nicodemos (MDB-PA)

► Abilio Brunini (PL-MT)

► Franciane Bayer (Republicanos-RS) - mulher

► Carla Zambelli (PL-SP) - mulher

► Dr. Frederico (PRD-MG)

Com base na experiência que adquiriu atuando na Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), Carol Souza ressaltou, ainda, que o serviço de aborto legal ainda é ofertado de maneira baixa. De acordo com ela, somente a capital oferece esse serviço e apenas em três maternidades. “Muitas vezes, é difícil encontrar profissionais que aceitem fazer o procedimento, porque muitos médicos se utilizam da objeção de consciência, que é um direito”, afirmou à reportagem.

► Greyce Elias (Avante-MG) - mulher

► Delegado Ramagem (PL-RJ)

► Bia Kicis (PL-DF) - mulher

► Dayany Bittencourt (União Brasil-CE) - mulher

► Lêda Borges (PSDB-GO) - mulher

► Junio Amaral (PL-MG)

► Coronel Fernanda (PL-MT) - mulher

► Pastor Eurico (PL-PE)

► Capitão Alden (PL-BA)

► Cezinha de Madureira (PSD-SP)

► Eduardo Bolsonaro (PL-SP)

► Pezenti (MDB-SC)

► Julia Zanatta (PL-SC) - mulher

► Nikolas Ferreira (PL-MG)

► Eli Borges (PL-TO) (autor do requerimento de urgência)

► Fred Linhares (Republicanos-DF) (solicitou a coautoria em requerimento à parte)

Fonte: Câmara dos Deputados.

REFLEXÃO SOBRE CORPOS FEMININOS

A doutora em Educação Ligia Pereira dos Santos, autora do livro “Histórias do corpo negado: uma reflexão educacional sobre gênero e violência feminina”, cita na obra a Defesa da Mulher, por meio dos Instrumentos Internacionais, e define a expressão “violência contra a mulher” como quaisquer atos de violência, inclusive ameaças, coerção ou outra privação arbitrária de liberdade.

Ainda de acordo com Santos, as ações devem ter por base o gênero, e que resultem ou possam resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, e que se produzam na vida pública ou privada.

O autor de “A legislação patriarcal sobre o corpo feminino”, André do Amaral, escreveu, em 2015, que “os acontecimentos recentes no País demonstram que a maioria dos homens insiste em não reconhecer os privilégios herdados socialmente pela brutalidade do patriarcado”. A citação é atemporal, se aplicada atualmente.

Na obra, ele destaca, ainda, que a palavra “legislação” é utilizada não somente circunscrita ao campo jurídico, mas em seu sentido amplo, significa um conjunto de normas e leis que, se não são apenas constitucionais, mas recebem influências religiosas, culturais e dizem respeito ao modus operandi de determinado grupo. Nesse caso, os políticos da extrema-direita e conservadores, que ocupam maioria no Congresso Nacional.

ACESSE O TEXTO DO PL N.º 1904/24:

O presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, foi criticado pela aprovação do regime de urgência para a tramitação do PL n.º 1904/24

No Congresso Nacional

A repercussão negativa ao PL n.º 1904/2024 levou ao adiamento das discussões sobre a proposta no Congresso Nacional. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), informou, no dia 18 de junho, que irá criar uma comissão para debater o projeto de lei que equipara o aborto, após a 22ª semana de gestação, a homicídio. Segundo Lira, a comissão terá representantes de todos os partidos. Lira anunciou ainda que a proposta será debatida no segundo semestre, depois do recesso parlamentar.

“Reafirmar a importância do amplo debate. Isso é fundamental para exaurir todas as discussões, para se chegar a um termo que crie, para todos, segurança jurídica, humana, moral e científica sobre qualquer projeto que possa a vir a ser debatido na Câmara”, disse. “Nunca fugiremos a essa responsabilidade de fazer o debate e fazê-lo com exatidão e nunca faltar com espírito aberto e democrático para que a sociedade participe”, afirmou, segundo a Agência Câmara.

O adiamento do debate ocorre após críticas ao teor do projeto – entre elas, por equiparar o aborto a homicídio e impor uma pena maior à mulher que faz o procedimento em comparação a de um estuprador – e pelos deputa-

dos federais terem aprovado regime de urgência para a proposta, o que significa votar diretamente no plenário sem passar por discussões nas comissões da Casa.

Segundo o presidente da Câmara, a pauta e as decisões da Casa não são tomadas de forma monocrática, mas dentro do colegiado.

SENADO

Também no dia 18 de junho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que é uma “irracionalidade” e uma “inovação infeliz” a comparação entre o crime de aborto e de homicídio feita pelo PL Antiaborto por Estupro, em discussão na Câmara.

O presidente do Senado disse que o projeto de lei, da forma como foi construído, não parece ser “minimamente viável”. O senador afirmou ainda ser evidente o direito de uma mulher ou menina estuprada não querer conceber a criança. “Quando se discute a possibilidade de equiparar o aborto, em qualquer momento, a um crime de homicídio, que é definido pela lei penal como matar alguém, isso de fato é, me perdoe, uma irracionalidade. Isso não tem o menor cabimento, não tem a menor lógica”, disse.

Crédito: Pablo Valadares | Câmara dos deputados

Impacto em crianças e médicos

Entenda por que o PL n.º 1904 atinge crianças vítimas de estupro no Brasil e também os profissionais de saúde

Jadson Lima – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Especialistas afirmaram à REVISTA CENARIUM que o Projeto de Lei conhecido como PL do Aborto, que equipara o aborto ao crime de homicídio simples, atinge crianças e/ou adolescentes, além de punir os profissionais da saúde que realizarem o procedimento em vítimas de estupro. As penas variam de seis a 20 anos de reclusão e a punição ocorreria nos casos que o procedimento fosse realizado após a 22ª semana de gestação.

Para a professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e antropóloga Iraildes Caldas, a proposta viola o Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA), que veta a criminalização de crianças e adolescentes no Brasil. “A aprovação desse PL significa a criminalização da criança, que não pode ser criminalizada, porque é considerada incapaz e tem proteção do Estado brasileiro consignado no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]”, declarou.

Além disso, a especialista afirmou que a proposta é inconstitucional e um atentado contra os direitos humanos. “A lei fere a Constituição Federal pelo conteúdo que ela traz, uma agressão violenta aos direitos humanos das crianças”, declarou. Ela

Dutra | Revista

Crédito: Composição Paulo

defendeu, ainda, que o aborto legal é uma ferramenta de proteção à criança.

“A

aprovação desse PL significa a criminalização da criança, que não pode ser criminalizada, porque é considerada incapaz e tem proteção do Estado brasileiro consignado no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]”

Iraildes Caldas, antropóloga e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Já a defensora pública do Amazonas, Caroline Pereira de Souza afirmou que um dos trechos que prevê a alteração no Artigo 128 do Código Penal indica que o profissional e a grávida responderiam pelo crime de homicídio. “O projeto basicamente trouxe uma limitação para realizar o aborto nas hipóteses que ele já era permitido. Nesse caso, tanto a mulher, quanto o médico responderiam pelo crime de aborto ou provocar aborto (se médico), sendo punidos com a pena de homicídio”, afirmou.

Atualmente, a legislação diz que “não se pune aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante

Cenarium

legal”. No entanto, não há limitação de prazo para a realização do procedimento.

STF SUSPENDEU RESOLUÇÃO

Em maio de 2024, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), que proibia o procedimento para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. A decisão liminar foi concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1141).

“Ao limitar a realização de procedimento médico reconhecido e recomendado pela Organização Mundial de Saúde, inclusive para interrupções de gestações ocorridas após as primeiras 20 semanas de gestação, o Conselho Federal de Medicina,

“O projeto basicamente trouxe uma limitação para realizar o aborto nas hipóteses que ele já era permitido. Nesse caso, tanto a mulher, quanto o médico responderiam pelo crime de aborto ou

provocar aborto (se médico), sendo punidos com a pena de homicídio”

Caroline Pereira de Souza, defensora pública do Estado do Amazonas.

aparentemente, se distancia de standards científicos compartilhados pela comunidade internacional, e, considerada a normativa nacional aplicável à espécie, transborda do poder regulamentar inerente ao seu próprio regime autárquico”, diz trecho da decisão.

Ainda segundo Moraes, a resolução suspensa apontava para indícios de abuso do poder regulamentar por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM), ao limitar a realização de procedimento médico reconhecido e recomendado pela Organização Mundial de Saúde e previsto em lei.

Especialistas falam sobre projeto que dificulta aborto para vítimas de estupro

Punição a meninas violentadas

Ativistas rebatem ‘medidas socioeducativas’ para menores vítimas de estupro

MANAUS (AM) – Ativistas pelos direitos das mulheres rebateram a declaração do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do Projeto de Lei (PL) n.º 1.904/2024, que defendeu a aplicação de “medidas socioeducativas” para meninas menores de idade, vítimas de violência sexual. A proposta equipara o aborto ao crime de homicídio e aumenta a pena máxima para 20 anos para quem realizar o procedimento a partir da 22ª semana de gestação.

“Não será uma pena. Será uma medida socioeducativa. Ela pode fazer um atendimento socioeducacional para que isso não volte a acontecer. E o juiz poderá, ou não, aplicar esta pena, este atendimento, junto a um psicólogo”, afirmou o parlamentar ao vivo na GloboNews, no dia 17 de junho.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), medidas socioeducativas são respostas que o Estado dá ao adolescente que pratica ato infracional, entendido como crime ou contravenção penal pela legislação brasileira.

A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) e a presidente do Instituto

À  CENARIUM, a presidente do Instituto As Manas e especialista na defesa das mulheres, advogada Amanda Pinheiro, disse que a proposta de Sóstenes categoriza meninas como infratoras, além de destacar o papel do Estado na proteção das vítimas de violência sexual.

“Medidas socioeducativas são aplicadas contra atos de infração. Submeter as meninas a esse tipo de conduta é retirar elas do lugar de vítima e colocá-las em posição de infratoras”, afirma Pinheiro. “É mais uma falha do Estado. Falhou em proteger a vítima, falhou em aplicar a punição ao seu agressor e está falhando colocando a vítima em posição de criminosa”, destaca.

A advogada destacou, ainda, que o PL foge da previsão de direitos humanos, além de ser inconstitucional e ir contra a Carta Magna e a Carta Internacional de Direitos Humanos. Amanda Pinheiro apontou, também, que a proposta retira direitos ao aborto legal já conquistados por mulheres em alguns casos.

“Medidas

socioeducativas são aplicadas contra atos de

infração. Submeter as meninas a esse tipo de conduta é retirar elas do lugar de vítima e colocá-las em posição de infratoras”

Amanda Pinheiro, advogada especialista na defesa das mulheres e presidente do Instituto As Manas.

“Devido à morosidade do Judiciário, acaba se postergando esse procedimento [o aborto]. Há dados que a interrupção tardia é minoria nesses casos e, infelizmente, é a menina periférica que sofre”, completa a presidente do Instituto As Manas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que adolescentes são todas as pessoas com idades entre 12 e 18 anos. Nessa faixa etária, os jovens que cometem atos infracionais equivalentes a crimes ou contravenções estão sujeitos a medidas socioeducativas.

‘RETROCESSO

ABSURDO’

A deputada federal pelo Psol em São Paulo Erika Hilton, que se tornou defensora do direito das mulheres no parlamento federal, afirma que os deputados favoráveis ao PL n.º 1.904 querem um Brasil no qual crianças estupradas são “reeducadas” e punidas pelo Estado. Hilton

organizou um mutirão de manifestações contra o projeto, unindo fã-clubes de estrelas do pop e ativistas de causas sociais na internet.

“A vítima acaba sendo mais penalizada do que quem cometeu algo tão hediondo e horrível como é o estupro. Isso é um retrocesso absurdo. Desde 1940 nós temos o direito ao aborto legal assegurado (…) o Congresso Nacional não entende a preciosidade dessa política na defesa da vida das pessoas que precisam disso”, destacou a parlamentar em entrevista ao GNT, no dia 17 de junho.

Nas redes sociais, internautas protestam contra a punição para meninas que sofreram violência sexual. “Ser menina é desvio de conduta?”, questiona a escritora Rosana Hermann. “Essa gente só falta dizer que o estuprador foi ‘vítima’ da sedução de alguma menina!”, completa, em resposta a um usuário do ‘X’.

“Não será uma pena. Será uma medida socioeducativa. Ela pode fazer um atendimento socioeducacional para que isso não volte a acontecer. E o juiz poderá, ou não, aplicar esta pena, este atendimento, junto a um psicólogo”

Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), deputado federal autor do Projeto de Lei (PL) n.º 1.904/2024, ao vivo na GloboNews, no dia 17 de junho.

As Manas, Amanda Pinheiro
Crédito: Adeput

Amazônia tem deputados entre os autores

Cinco parlamentares da região estão entre os coautores da lei que pune aborto legal após 22 semanas

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Pelo menos cinco deputados federais eleitos por Estados da Amazônia foram coautores do Projeto de Lei n.º (PL) 1.904/24, conhecido como “Lei da Gravidez Infantil”, que pune meninas e mulheres que realizarem aborto após as 22 semanas de gestação, mesmo em casos permitidos por

lei. Ao todo, 33 parlamentares ajudaram a criar a proposta.

No dia 12 de junho, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em uma manobra simbólica e relâmpago do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a urgência do PL. Isso tira a necessidade de o texto passar pelas comissões temáticas antes de ser apreciado no plenário e dá agilidade à análise da proposta.

Inicialmente, foram seis parlamentares da região que assinaram a coautoria da proposta. Depois da repercussão negativa, a deputada Renilce Nicodemos (MDB-PA) retirou-se como coautora. Sem a parlamentar paraense, assinaram o documento: Filipe Martins (PL/TO); Cristiane

Lopes (União Brasil/RO); Abilio Brunini (PL/MT); Coronel Fernanda (PL/MT); e Eli Borges (PL/TO).

Renilce Nicodemos informou a retirada da assinatura ainda no dia 12, antes da votação da urgência do PL na Câmara dos Deputados. A parlamentar alegou que é a favor da vida e contra o aborto, “menos em casos quando há risco de vida para a mulher causado pela gravidez, ou quando a gravidez for resultante de um estupro”, casos em que o procedimento é legalizado pela legislação brasileira.

O projeto é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). O parlamentar chegou a afirmar que a bancada evangélica vê a proposta como um “teste” para o

presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso se confirme a aprovação do projeto de lei. Atualmente, Lula tenta ter um diálogo mais próximo com evangélicos diante da queda da popularidade entre esse público.

URGÊNCIA

Na Câmara dos Deputados, Lira pautou a matéria sem aviso e sem anunciar o número do projeto. Pediu orientação de bancada para o Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), que não respondeu, e considerou a urgência aprovada em votação simbólica – sem registro do voto de cada deputado no painel eletrônico – que durou apenas 23 segundos. Em geral, a votação simbólica ocorre quando já existe acordo entre os parlamentares sobre o tema em pauta.

O projeto de lei equipara as penas previstas para homicídio simples para abortos realizados após 22 semanas de gestação, mesmo nos três casos em que a prática é prevista legalmente. O texto também proíbe o aborto, mesmo em casos de gravidez decorrente de estupro, se houver viabilidade fetal.

No Brasil, o aborto é legalizado em casos específicos, ou seja, não é considerado crime quando há risco de vida para a mulher causado pela gravidez; quando a gravidez é resultante de um estupro; ou se o feto for anencefálico (em caso de má formação cerebral do feto).

Organizações de defesa dos direitos reprodutivos das mulheres criticaram o Projeto de Lei e a aprovação da urgência. A Campanha Nem Presa Nem Morta, que defende a descriminalização do aborto no País, chamou a postura de Lira de “covardia”. Já a Frente Nacional pela Legalização do Aborto qualificou a aprovação de urgência como “desonesta e antidemocrática”.

Deputados da Amazônia foram coautores do PL
Crédito: Composição Wesley Santos | Revista Cenarium

PODER & INSTITUIÇÕES

Mais casos de gravidez infantil

Especialistas alertam possível aumento de gravidez em crianças

Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – Entre 1º de janeiro e 13 de maio deste ano, foram feitas 7.887 denúncias de estupro de vulnerável ao serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100). A média de denúncias nos primeiros 134 dias do ano foi de cerca de 60 casos por dia, ou de dois registros por hora, conforme reportado pela Agência Brasil.

Esses números poderão ser ainda piores em eventual aprovação do Projeto de Lei n.º 1.904/2024 e poderá aumentar também o volume de casos de gravidez indesejável entre crianças e adolescentes, especialmente meninas vítimas de estupro e que vivem em situações de vulnerabilidade social. O alerta é de movimentos sociais e de instituições que vieram a público repudiar a proposta que altera o Código Penal Brasileiro.

O projeto de lei, assinado por 32 deputados federais, equipara aborto a homicídio; e prevê que meninas e mulheres que fizerem o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas

de estupro, terão penas de seis a vinte anos de reclusão – punição maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerável (de oito a quinze anos de reclusão). A legislação brasileira não prevê um limite máximo de semanas para interromper a gravidez de forma legal.

RETROCESSO INCONSTITUCIONAL

Segundo o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o PL é inconstitucional, viola o Estatuto da Criança e do Adolescente e contraria normas internacionais que o Brasil é signatário.

“Representa um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual”, assinala nota do Conanda.

Também em nota, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, lembra que “as principais vítimas de estupro no Brasil

Crédito: Fernando Frazão | Ag. Brasil

Mulheres protestam contra o PL n.º 1904/24

“O Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde física e psicológica”

Cida Gonçalves, ministra das Mulheres.

Audiência pública realizada no Congresso

são meninas menores de 14 anos, abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que mais precisam do serviço do aborto legal, e as que menos têm acesso a esse direito, garantido desde 1940 pela legislação brasileira”.

Em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil. Em 2022, último período disponível nos relatórios do Sistema Único de Saúde (SUS), foram mais de 14 mil gestações entre meninas com idade até 14 anos.

“O Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde física e psicológica. Ou seja, perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade, como o abandono escolar”, lembra a ministra.

“A gente está institucionalizando a barbárie. A gente está deixando com que cada um aja com a sua própria energia, na medida das suas possibilidades para lidar com uma situação criminosa e que o Estado brasileiro está se recusando a equacionar”, acrescenta a advogada Juliana Ribeiro Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo FBSP, contabiliza que 56,8% das vítimas de estupro (adultos e vulneráveis) em 2022 eram pretas ou pardas; 42,3% das vítimas eram brancas; 0,5% indígenas; e 0,4% amarelas.

A pesquisadora assinala o recorte racial e social do PL e pondera que para quem tem possibilidade de custear os procedimentos para aborto seguro, no exterior ou mesmo clandestino no Brasil, “não vai mudar nada”.

ABERRAÇÃO JURÍDICA

O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, considera o PL n.º 1.904/2024 “uma verdadeira aberração jurídica”.

de aborto previstos em lei para além da 20ª semana de gestação “por estarem submetidas, ameaçadas e constrangidas por seus agressores, e em razão da burocracia dos serviços de saúde, policiais e judiciais, e também pelas oposições morais e religiosas de alguns profissionais públicos e privados, e das próprias famílias”.

Para Jolúzia Batista, articuladora política do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), “o Projeto de Lei n.º 1.904/2024 é uma tragédia”, e ganhou status de proposição que deve tramitar com urgência, depois de votação simbólica no Plenário da Câmara dos Deputados, em razão de “um contexto político e eleitoral”, disse se referindo às eleições municipais em outubro e à sucessão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2025.

VOTAÇÃO SIMBÓLICA

A decisão de acelerar a tramitação é atribuída ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em declaração à Agência Câmara, Lira disse que a votação simbólica foi acertada por todos os líderes partidários durante reunião na quarta-feira (12). Em regime de urgência, o projeto é votado diretamente no plenário, sem passar por debates nas comissões da Casa.  “É vergonhoso e um golpe contra os direitos das mulheres, da infância e da adolescência a manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ao colocar o PL em regime de votação de urgência. Ao impedir o debate público pelas comissões pertinentes e pela sociedade, Lira desrespeita os direitos de crianças e mulheres”, critica o movimento Me Too Brasil, organização que atua contra o assédio e o abuso sexual.

Em 2022, de cada quatro estupros, três foram cometidos contra pessoas “incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência, enfermidade etc.)”, informa publicação do FBSP, em 2023.

Em sua opinião, o Brasil precisa “aprimorar o atendimento social, psicológico, policial, judicial e de saúde das mulheres e meninas gestantes em decorrência de estupros, e também gestantes que estejam em risco de vida ou grávidas de fetos anencéfalos”.

Ele acrescenta que meninas e mulheres vítimas de estupros “não demoram para a realização do procedimento por mero capricho”. As vítimas podem demorar mais a fazer os procedimentos

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são relatados à polícia. A projeção do instituto é que, de fato, ocorram 822 mil casos anuais.

Mantida a proporção de três quartos dos casos registrados nas delegacias, o Brasil teria mais de 616 mil casos de vulneráveis por ano.

(*) Com informações de Agência Brasil.

No Brasil, ainda não há dados precisos com os quantitativos da população LGBTQIAPN+

Visibilidade e acesso a direitos

Precariedade de dados e informações básicas sobre a população LGBTQIAPN+ impacta na promoção de políticas públicas para o enfrentamento das omissões, injustiças e violações dos direitos humanos no Brasil

Priscilla Peixoto - Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – No mês em que é celebrado o orgulho LGBTQIAPN+, sigla que acolhe pessoas Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Pôli, Não binárias e o símbolo +, que inclui outras identidades de gênero e orientações sexuais que não se encaixam no padrão cis-heteronormativo, a REVISTA CENARIUM debate sobre a precariedade de dados oficiais e a ausência de informações importantes a respeito da situação da comunidade no Brasil. A começar pelo impacto na proposição de políticas públicas para o enfrentamento das omissões, injustiças e violações dos direitos humanos desta parcela da população.

Único dado oficial no País, divulgado em maio de 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 2,9 milhões de adultos se autodeclaram homossexuais e bissexuais, o que corresponde a apenas 1,8% da população.

Crédito: Leo Pinheiro Fotos Públicas

Nos Estados que compõem a Região Norte, apenas 1,9% da população se reconhece como homossexual e bissexual, segundo o IBGE. Esse também é o percentual da população da Região Sul. No Sudeste, 2,1% das pessoas adultas se declaram homossexuais e bissexuais. No Centro-Oeste são 1,7%. A região com menor percentual é o Nordeste com 1,5%.

Entre os Estados, o Distrito Federal lidera o percentual de pessoas que se declaram homossexuais ou bissexuais, com 2,9%, seguido pelo Amapá com 2,8%. Completam o ranking Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas, com 2,3%, para cada Estado.

Os dados são referentes ao ano de 2019, quando o Brasil tinha 159,2 milhões de pessoas com 18 anos ou mais. Desse total, 94,8% se declararam heterossexuais; 1,2% homossexuais; 0,7% bissexuais; 1,1% não sabiam sua orientação sexual; 2,3% não quiseram responder; e 0,1% declararam outra orientação sexual, como assexual e pansexual, por exemplo. Dados

sobre a população trans, travesti e não binária não foram coletados. Os resultados são de caráter experimental, mas, desde então, não foram divulgados novos dados pelo IBGE.

Em nota técnica, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) afirma haver uma evidente ausência da participação do estado brasileiro na produção de dados acerca de determinados grupos sociais, como é o caso da população LBTQIAPN+. “Manter certos grupos invisíveis em termos estatísticos implica limitar seriamente a sua possibilidade de gozar de direitos e, portanto, exercer a plena cidadania”, diz o documento.

Segundo a associação, a falta de dados estatísticos oficiais é preocupante e prejudica o desenvolvimento de políticas públicas eficazes para essa parcela da população. “O modo como o Estado brasileiro elegeu abordar as demandas das pessoas trans é ignorar a sua existência”, ressalta a nota da Antra.

“Manter certos grupos invisíveis em termos estatísticos implica limitar seriamente a sua possibilidade de gozar de direitos e, portanto, exercer a plena cidadania”

Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em nota técnica.

Cores do arco-íris são símbolo da comunidade LGBTQIAPN+

“Quando falamos de homofobia, falamos sobre o direito de ser respeitado, mas falando em transfobia (violência contra travestis e transexuais) falamos sobre o direito de existir”

Melissa Castro, 35, da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram).

DIREITO DE EXISTIR

Para Melissa Castro, 35, da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram), a falta de informações e dados sobre a comunidade impacta de forma muito negativa o direito de existir. “Quando falamos de homofobia, falamos sobre o direito de ser respeitado, mas falando em transfobia (violência contra travestis e transexuais) falamos sobre o direito de existir, inclusive nestas pesquisas. A estrutura transfóbica da sociedade só reconhece uma possibilidade de mulher, quando a pluralidade de mulheres é indiscutivelmente real”, relata.

A cuidadora social destaca que a invisibilidade por parte do poder público direcionada às mulheres trans empurra a população para a marginalização da socie-

dade. “Não reconhecem mulheres como uma construção, e sim como um órgão genital e isso impacta nas nossas vidas de várias formas ruins, como, por exemplo, o fato de vivermos por 16 anos consecutivos no país que mais mata pessoas travestis e transexuais do mundo. Essas violências são o resultado da invisibilidade que o poder público nos trata”, completa.

INVISIBILIDADE

Crédito: Fernando Frazão | Ag. Brasil | Fotos Públicas

Em 2021, um levantamento inédito na América Latina, conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), mapeou que 2% da população adulta se autodeclara transgênero e não binária no Brasil, o que representa quase 3 milhões de indivíduos.

Em entrevista ao jornal da Unesp, o médico psiquiatra, Giancarlo Spizzirri, líder do estudo, afirma que a pesquisa reforça a urgência de políticas públicas e colabora para tirar esses grupos da invisibilidade. “Isso é relevante porque existem necessidades que são particulares desse grupo de indivíduos”, disse.

Outro levantamento da Unesp e da Universidade de São Paulo (USP) publicado na revista científica Nature Scientific Reports, em julho de 2022, mostrou que o percentual de brasileiros adultos que se declaram Assexuais, Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero (ALGBT) é de 12%, ou cerca de 19 milhões de pessoas, o que aponta para uma população bem maior que a identificada pelos dados do IBGE. Deste total, 5,76% se autodeclararam assexuais, 2,12% são bissexuais, 1,37% são gays, 0,93% são lésbicas, 0,68% são trans e 1,18% são pessoas não binárias. A pesquisa entrevistou 6 mil pessoas em 129 cidades das cinco regiões do Brasil. Para a advogada e mestra em Direitos Humanos Luciana Santos, a falta de dados efetivos dificulta a elaboração de políticas públicas inclusivas pensadas para essa parcela da população. “Isso acaba por perpetuar barreiras no acesso a direitos básicos e também dificulta a implementação de políticas já existentes”, disse ela à REVISTA CENARIUM

NÚMEROS DO IBGE SOBRE A POPULAÇÃO

Se declararam:

Heterossexuais

Homossexuais

Bissexuais

Não sabiam sua orientação sexual

Não quiseram responder

Declararam outra orientação sexual

3,6 milhões de pessoas não quiseram responder, número maior que o total das que se declararam homossexuais e bissexuais (2,9 milhões).

A população de homossexuais ou bissexuais é maior entre os que têm nível superior e maior renda.

1,5% se declarou

homossexual ou bissexual no Nordeste

2,1% se declararam

homossexual ou

bissexual no Sudeste

Entre os grupos de idade, os jovens de 18 a 29 anos (4,8%) tiveram maior percentual de pessoas que se declararam homossexuais e bissexuais. Também foi o maior grupo que não sabia sua orientação sexual (2,1%) ou não quis responder (3,2%).

A orientação sexual foi coletada pela primeira vez pelo IBGE. Resultados são divulgados em caráter experimental e acompanham experiências internacionais semelhantes.

A PNS não coletou dados sobre identidade de gênero, mas o IBGE estuda metodologia para incluir esse tema em suas pesquisas.

Fonte: IBGE.

MÊS DO ORGULHO LGBTQIAPN+

ECONOMIA & SOCIEDADE

Faltam projetos, sobram ataques

Brasil registrou avanços em leis e programas sociais voltados às pessoas LGBTQIAPN+, mas ainda há muita atuação contrária a essa população, apontam especialistas

Priscilla Peixoto – Especial para a Revista Cenarium

Somente no governo do expresidente Jair Messias Bolsonaro, foram apresentados, ao menos, 122 PLs contrários aos direitos das pessoas LGBTQIAPN+, segundo a Agência Diadorim

MANAUS (AM) – A falta de políticas públicas efetivas causa atraso quanto ao desenvolvimento da população LGBTQIAPN+ no Brasil. Enquanto faltam Projetos de Lei (PL) pró-LGBTQIAPN+, sobram proposições que violam os direitos humanos da comunidade, sobretudo durante o governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (2019-2022), onde foram apresentados, ao menos, 122 PLs, conforme aponta levantamento da Agência Diadorim.

A pesquisa, inclusive, identificou os quatro temas que mais sofrem ataques nas Assembleias Legislativas do

Brasil, sendo eles: proibição do uso da linguagem neutra, com 59 projetos apresentados; seguido pelos banheiros multigêneros com 28 PLs; a veiculação de publicidade que promova a diversidade LGBTQIAPN+ com 19 projetos e a participação de atletas trans em competições esportivas com 16.

Para a coordenadora da Casa Miga, Centro de Referência e Casa de Acolhimento para pessoas LGBTQIAPN+ do Norte e refugiadas expulsas de casa e/ou em situação de vulnerabilidade social, Karen Arruda, projetos como esses marginalizam a população LGBTQIAPN+. “Dessa forma,

nossa existência fica comprometida. Isso dá força para que nos olhem como não merecedores de um tratamento digno e humano”, relata Karen.

Sobre a falta de políticas públicas e de projetos de lei pró-LGBTQIAPN+, Karen aponta a falta de dados como o grande vilão. “Para que exista algo que contemple as necessidades da população LGBTQIAPN+ em vulnerabilidade social precisamos ter números e a gente nunca teve. Para ter noção, a gente não tem dados de quantos LGBTQIAPN+ nós temos em Manaus ou no Estado”, ressalta ela, que complementa:

“Para que haja alguma coisa precisa, primeiramente, ter esses dados. (...) Dessa forma, fica cada vez mais longe, porque é um processo burocrático, mas que a gente precisa tentar chegar o quanto antes, porque senão, a gente sempre fica nessa mesma posição”, completa.

Em ano eleitoral, a ativista da causa LGBTQIAPN+ destaca que é importante o olhar dos políticos para a população. “Os políticos já eleitos e os que forem se eleger este ano têm que olhar para a nossa população, exigir que os órgãos públicos tenham esses dados. Dessa forma, tendo dados, a gente consegue gerar leis que

“Dessa forma, nossa existência fica comprometida. Isso dá força para que nos olhem como não merecedores de um

tratamento digno e humano”

Karen Arruda, coordenadora da Casa Miga.

Crédito: José Cruz Ag. Brasil

ECONOMIA & SOCIEDADE

Avanços na Justiça permitiram menos burocracia no direito a registros civis com alteração de nome para pessoas trans e identificação de gênero não binário

precisam ser cumpridas para que esses serviços cheguem a nós de forma digna”, conclui.

NA AMAZÔNIA

Nos Estados que compõem a Amazônia Legal, o cenário é idêntico ao das outras regiões, faltam projetos e sobram ataques à comunidade LGBTQIAPN+. Em Rondônia, o PL de autoria do deputado Eyder

Brasil (PSOL-RO) queria proibir o uso da linguagem neutra. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a lei inconstitucional.

Em Ananindeua, município do Estado do Pará, vereadores também analisaram um PL com a mesma finalidade. A matéria, de autoria do vereador Zezinho Lima, foi aprovada pelos demais vereadores. A mesma proposta foi votada em Tocantins.

O governo do Mato Grosso também proibiu o uso da linguagem neutra nas escolas. No Amazonas, foi aprovada a lei que proíbe a participação de mulheres transexuais em competições esportivas femininas. Da mesma forma, homens trans não podem participar de eventos esportivos na categoria masculina. A lei é da deputada bolsonarista Débora Menezes (PL-AM).

Ainda na área esportiva, o deputado João Luiz propôs um PL que estabelece o sexo biológico como o único critério para a definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais. Uma proposta semelhante foi aprovada pela Câmara Municipal de Boa Vista em Roraima, o projeto é do vereador Iderson Pereira (sem partido).

A Assembleia Legislativa do Maranhão aprovou o mesmo PL, de autoria do deputado Yglésio Moyses (PSB-MA). No Acre, em 2015, o deputado Jonas Lima (PT-AC) propôs o fim do repasse de verba pública para a realização da parada LGBTQIAPN+ no Estado.

REFLEXO NA SOCIEDADE

Crédito: Divulgação

A cuidadora social Melissa Castro, da Associação de Travestis, Transexuais, e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram), diz que tais projetos refletem diretamente na vida da população LGBTQIAPN+. “O reflexo disso é a falta de empregabilidade, é a falta de acesso a serviços básicos, como saúde, educação, entre outros. O reflexo é termos mais de 90% da nossa população tendo como a única possibilidade de vida a prostituição”, disse a cuidadora, ressaltando que esse não deveria ser um caminho natural, mas ocorre em decorrência da falta de políticas públicas e de apoio para as pessoas da comunidade.

“Quando a prostituição acaba sendo a única forma de vida de uma população, aí temos um problema, mas é importante enfatizar e levar esse diálogo de uma forma cuidadosa, para que não aumente a violência contra as prostitutas, que já é uma população que carrega tantos estigmas. Então, é bom saber que a prostituição

não é, e nunca foi, errada e muito menos ilegal, a prostituição matou e mata a fome da maioria das nossas, o que de fato nos mata é a violência, o preconceito”.

A violência estimulada pelo preconceito mencionada por Melissa estampa os dados do último levantamento divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), considerada a mais antiga Organização Não Governamental (ONG) LGBTQIAPN+ da América Latina. Segundo a ONG, o País foi o campeão mundial de homicídios e suicídios de pessoas LGBTQIAPN+, somando 257 mortes violentas documentadas, um caso a mais do que o ano anterior.

LUTA PELA PAUTA

Em meio aos dados alarmantes, a comunidade segue na busca por representatividade e fortalecimento. Na última década, a diversidade ganhou um pouco mais de espaço no cenário político e social do País.

Entre retrocessos e avanços lentos, há algumas conquistas que marcaram a luta da comunidade arco-íris no Brasil, como o lançamento, em 2004, do programa de combate à violência e à discriminação: “Brasil sem Homofobia”, focado em promover a integridade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, e demais integrantes.

“O reflexo disso é a falta de empregabilidade, é a falta de acesso a serviços básicos, como saúde, educação, entre outros”

Melissa Castro, cuidadora social, membro da Assotram.

A partir de então, as demandas da população LGBTQIAPN+ ganharam espaço no governo federal. A agenda, sob o mandato do então e, agora, presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi lançada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos e dialogava com as áreas da saúde, educação, segurança e trabalho promovendo a integridade da Comunidade LGBTQIAPN+.

Na ocasião, o programa resultou na formulação da Coordenação Nacional de Políticas LGBTQIAPN+, que existiu até o fim do governo da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016), e em três conferências nacionais LGBTQIAPN+.

Marcando a trajetória também vale citar o lançamento do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT e a Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos LGBT em 2009; a formulação do primeiro Relatório sobre Violência com foco na homofobia no Brasil, resultando no aumento de 116% em relação às denúncias contra violência

Tríade necessária

homofóbica somente no período de um ano em 2010; a autorização do Supremo Tribunal Federal para pessoas trans alterarem o nome no registro civil sem precisar passar por cirurgia de redesignação sexual ou decisão judicial podendo ser feita, diretamente, no cartório mais próximo.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça pela aplicabilidade da Lei Maria da Penha, de n.° 11.340, de 2006, a favor de mulheres transsexuais vítimas de violência doméstica também é um avanço. Conferida por unanimidade pela 6ª Turma do STJ, a proteção deixou de se limitar à condição biológica da mulher e marcou a linha do tempo em relação aos direitos adquiridos pela comunidade LGBTQIAPN+ no País.

Em 2023, o atual governo federal incluiu a diversidade nos programas de políticas públicas e criou a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, uma pasta inédita vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos.

Para o doutor e professor do Departamento de Serviço Social Jeffeson William Pereira, em termos de políticas públicas mais voltadas à população LGBTQIAPN+, há três pontos a serem destacados: Saúde, Educação e Assistência Social.

Na leitura do doutor em Educação e militante social, embora haja inúmeros outros pontos a serem discutidos, a demanda pelos pontos citados exige um olhar mais atento.

“A primeira, eu diria, no âmbito da saúde, um atendimento mais específico com as demandas da população da saúde

LGBT em todos os níveis do SUS. Mas, sobretudo, eu queria ressaltar o âmbito da média e alta complexidade, sobretudo no âmbito da hormonioterapia e da cirurgia de redesignação sexual. Então, essa é uma pauta muito importante, que o Amazonas precisa caminhar mais”, afirma Jeffeson, que complementa:

“No âmbito da educação, eu ressaltaria uma perspectiva pedagógica da diversidade, da diversidade de famílias, da diversidade afetivo-sexual e de uma educação do enfrentamento à violência sexual, que as crianças pudessem ter essa orientação de não acesso ao corpo, de preservação

da integridade física e sexual da criança e do adolescente. Por fim, eu destacaria o âmbito da assistência social. Eu tenho uma resolução do Conselho Nacional de Assistência Social no âmbito da vigilância socio-assistencial, que é justamente uma ação feita pelo Cras [Centro de Referência de Assistência Social] e pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), no sentido de identificar os LGBTs que passam por violência, que passam por discriminação em suas famílias, em suas comunidades. Então, essa é uma dimensão importante também de ser ressaltada”, finaliza.

MÊS

ECONOMIA & SOCIEDADE

Diversidade e saúde pública

População LGBTQIAPN+ ainda enfrenta tratamento discriminatório e tem dificuldades no acesso a atendimentos especializados

Priscilla Peixoto – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Quando se trata de saúde, integrantes da comunidade LGBTQIAPN+ também enfrentam uma série de dificuldades no Brasil. Um Relatório Técnico, publicado em maio de 2023 pela Agenda Mais SUS, iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), da Umane e do Instituto Veredas, reafirma essa realidade.

Os dados apontam diferenças, até mesmo, no acesso aos serviços de saúde, em comparação com a população heterossexual e cisgênero. Em recortes, o estudo, em âmbito nacional, aponta, por exemplo, que 40% das mulheres lésbicas que buscam atendimento na saúde não revelam sua orientação sexual. Entre as que revelam, 28% relatam maior rapidez do atendimento do médico e 17% afirmam

que foram deixados de solicitar exames considerados por elas como necessários.

Um artigo publicado em 2021 por cientistas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), intitulado “Identidade Sexual de Mulheres e o Acesso à Saúde na Atenção básica na Zona Norte de Manaus”, também evidencia o estigma. No levantamento, 33% das manauaras lésbicas ou bissexuais já sofreram algum tipo de preconceito em unidades de saúde. Sendo que 53% das entrevistadas declararam não frequentar as unidades de saúde da sua zona por receio de sofrerem preconceito decorrente do comportamento heteronormativo dos profissionais de saúde.

A contadora Isabella Torres, 32, revela a baixa frequência com que faz exames rotineiros de saúde da mulher. Segundo ela,

O Ambulatório de Diversidade Sexual e Gênero, na Policlínica Codajás, é uma das principais referências em políticas de saúde LGBTQIAPN+ da Região Norte
Crédito: Divulgação

MÊS DO ORGULHO LGBTQIAPN+

ECONOMIA & SOCIEDADE

“Ainda falta

muita coisa a ser feita. Primeiro, que essa população precisa ser reconhecida. Como você não é uma população que existe, não tem como viver ou está escondida, à margem

de uma sociedade que se diz ser melhor”

Noaldo Lucena, médico infectologista, que atua na Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD).

não há qualquer protocolo para mulheres que não são heterossexuais.

“Da minha ‘fase hétero’ nada mudou em relação aos atendimentos preventivos, eu quase nunca faço e fiz poucas vezes durante toda a minha vida adulta. Quando declaro ser bissexual ou quando digo que sou apenas sexualmente ativa com mulheres, parece que a preocupação ‘desaparece’ do consultório. Entramos e saímos com um encaminhamento para preventivo e não há nenhuma diferenciação de um atendimento para mulher hétero”, diz.

Ainda segundo a pesquisa da Ufam, nesse mesmo cenário, apenas 40% realizaram o exame preventivo em algum momento. Em contrapartida, a mamografia e testes rápidos possuem o maior índice no que tange a exames que nunca foram realizados por essas mulheres.

Por fim, a pesquisa aponta que as políticas públicas de saúde ainda se mostram insuficientes, quando pensamos nas problemáticas de sua construção e nos desafios de sua implementação para mulheres lésbicas e bissexuais.

AMPLO ESPECTRO

Diante do contexto, a psicóloga especialista em atendimento LGBTQIAPN+ Daniela Dantas acredita que a premissa básica para um bom atendimento a esta parcela da população é considerar o que

ela define como “amplo espectro da humanidade”.

“Cada indivíduo se destaca como único, possuindo histórias, identidades e formas de se relacionar. Na prática, é importante saber acolher por meio de uma escuta sem preconceitos, oferecer um espaço seguro e empático em que as subjetividades sejam fortalecidas e que o profissional além do acolhimento, possa fomentar estratégias que encorajem os pacientes ao enfrentamento”, destaca.

Segundo a profissional, nesse processo de mudança e melhoria dos serviços é importante que os profissionais estejam em constante formação sobre políticas e direitos aplicados à comunidade.

“Atualizem o conhecimento acerca de termos, e não se utilizem de entendimentos e doutrinas de caráter religioso na conduta profissional. Também considero relevante o envolvimento da rede de apoio dos pacientes e o estabelecimento de parcerias com a própria sociedade civil”, enfatiza.

Para além da saúde física, o preconceito impacta ainda a saúde mental da população LGBTQIAPN+. Até 2021, conforme a revista científica americana, Pediátrics, 62,5% daqueles que se identificavam com LGBTs já chegaram a pensar em suicídio e apresentavam seis vezes mais chances de dar fim à própria vida do que pessoas heterossexuais.

O estudo aponta também que o risco de suicídio é 20% maior quando essas pessoas vivem em ambientes de conflitos por conta da orientação sexual ou gênero.

AMBULATÓRIO DE DIVERSIDADE

Inaugurado em setembro de 2017, com pouco mais de 20 pacientes, o Ambulatório de Diversidade Sexual e Gênero é uma das principais referências em políticas de saúde LGBTQIAPN+ na Região Norte, sendo, inclusive, o primeiro nos moldes ao qual se propõe. Segundo a coordenadora do Ambulatório e ginecologista Dária Neves, o serviço surgiu justamente devido à grande demanda que existia, principalmente no Amazonas, de um não retorno sobre a Política Nacional de Saúde LGBT.

“O Amazonas não cumpria nenhuma das normas sobre essa política, não tinha implantação e aí órgãos federais vieram ao Estado cobrar sobre isso. E, a partir dessa cobrança, é que existiu [um debate] dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, onde não houve o comparecimento de nenhum deputado. Na época, as entidades convocadas foram para esse

O Ambulatório de Diversidade

Sexual e Gênero, da Policlínica Codajás, em Manaus, já realizou, até 2023, mais de 700 atendimentos (40 Não Binários; 343 Mulher Trans/Travestis e 370 atendimentos a Homens Trans).

33%

Artigo publicado em 2021, por cientistas da Ufam, mostrou que 33% das manauaras lésbicas ou bissexuais já sofreram algum tipo de preconceito em unidades de saúde. 53% das entrevistadas declararam não frequentar as unidades de saúde da sua zona, por receio de sofrerem preconceito.

evento. Eu fui pela Universidade do Estado do Amazonas e com outras entidades, tomamos a liderança de levarmos adiante a Política Nacional de Saúde LGBT no Estado. Então, com apoio da UEA e da Policlínica Codajás, em Manaus, fizemos, na policlínica, um espaço para a saúde da população LGBT, mas, principalmente, da população trans e intersexo”, relembra.

Com o passar dos anos, o ambulatório, que tem como objetivo inserir e dar acesso a populações vulneráveis no sentido biopsicossocial, principalmente em transsexuais, não binários e intersexos, já realizou, até 2023, mais de 700 atendimentos (40 Não Binários; 343 Mulher Trans/Travestis e 370 atendimentos a Homem Trans), que geram dados científicos, integridade entre serviço e saúde, instituição de ensino e sociedade civil, contribuindo para novas pesquisas e políticas públicas.

“Muitas políticas foram implantadas ali e desenvolvemos a questão do atendimento na saúde integral, a hormonização das pessoas trans e também o acompanhamento psicológico. A questão das disforias de gêneros junto com toda a equipe de psicologia. Temos tido muito êxito nesse acompanhamento, porque tiramos muitas pessoas do sofrimento. Também na questão das ISTs, criamos um local, um atendimento de Prep e o CTA, que é a investigação com as sorologias e tudo. Ampliamos também a questão de laudos

Saúde Integral

Lançada em 2011, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, veio com foco em promover melhorias na rede pública de saúde para o público LGBTQIAPN+. Ainda que o documento seja parte de uma iniciativa que propõe uma construção de mais equidade na rede de saúde pública, o caminho para a igualdade no sistema ainda é longo para a comunidade.

A operacionalização do tema requer planos estratégicos e compromissos das secretarias estaduais e municipais de saúde, dos conselhos de saúde e de todas as áreas do Ministério da Saúde. No Amazonas, a Secretaria de Saúde do Amazonas

(SES-AM) tem histórico de ações desenvolvidas para o alcance de um cenário efetivamente positivo sobre o assunto. Em 2021, segundo a SES, o Estado foi um dos pioneiros do País a aprovar a Política de Saúde a essa população, tornando-se o primeiro na Região Norte.

Mas, na leitura do médico infectologista Noaldo Lucena, que atua na Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), unidade vinculada à SES-AM, projetos e políticas públicas ainda são carentes de especificidades para a população LGBTQIAPN+ do Estado.

“Ainda falta muita coisa a ser feita. Primeiro que essa população precisa ser

reconhecida. Como você não é uma população que existe, não tem como viver ou está escondida à margem de uma sociedade que se diz ser melhor”, dispara o médico, que complementa:

“Isso ainda é tratado em segundo plano, infelizmente. No atendimento público de saúde, as pessoas se sentem pouco acolhidas. A gente ainda tem, por exemplo, no tratamento de HIV, uma quantidade enorme de pessoas que têm dificuldade de falar sobre seu diagnóstico, dificuldade de buscar seus remédios, dificuldade de ir às consultas, justamente porque têm medo do julgamento das pessoas”.

A ginecologista Daria Neves coordena o Ambulatório da Diversidade
“Como

alguém que se assumiu gay aos 20 anos e que passou por um susto após a exposição por conta de uma relação desprevenida, hoje vejo que o serviço é de extrema importância, embora seja estigmatizado”

Lucas Brito, 28, ativista e educador em saúde com foco na população LGBTQIAPN+.

para essas pessoas terem direito às cirurgias fora do Estado, porque aqui nós ainda não oferecemos, ou também em instituições privadas, hospitais particulares”, explicou Dária Neves.

ATENDIMENTOS E AVANÇOS

Com uma equipe multidisciplinar formada por psicólogos, ginecologistas, endocrinologistas, técnicos e enfermeiros, e assistentes sociais, o local funciona com fluxo contínuo das 8 da manhã até as 16 horas. Pessoas trans ou intersexo que buscam o local passam por toda uma escala de atendimento que acontece na Policlínica Codajás, no setor ambulatorial.

“Trans ou intersexo que nos procuram têm um acolhimento da equipe de enfermagem, logo em seguida, um acolhimento do serviço social, onde vai ser explicada a importância do nome social nos documentos e o direito de utilizar o nome social em todos os laudos dos exames que vão ser solicitados quando há necessidade. Logo em seguida, vai ocorrer o acolhimento da equipe de psicologia e da equipe médica”, destaca a médica, que reforça a necessidade de um olhar atento às políticas de saúde para a comunidade.

“A política pública assim deve existir e continuar. Através disso, nós criamos, na Secretaria de Saúde, o Comitê de Saúde

LGBT, fazemos parte também do Conselho Estadual de Saúde, justamente para o avanço dessa política. É importante que os outros municípios avancem também. Nós já temos municípios que avançaram muito, como Parintins, Manacapuru, Tabatinga, porém ainda faltam bastante”.

PROJETOS

A coordenadora relembra que o ambulatório referência, vinculado à Universidade do Estado do Amazonas (UEA), já realizou inúmeros projetos, justamente como reeducação, educação dos serviços de saúde, promovendo o acesso e a qualidade no atendimento às pessoas trans e

Lucas Brito, ativista e educador em saúde com foco na população LGBTQIAPN+
Crédito: Divulgação

intersexo. A exemplo, ela cita a telemedicina da UEA, que possibilita atendimentos à distância em algumas comunidades.

O “Transodara” também é citado pela médica. O projeto trazia a questão da saúde da mulher trans realizando atendimento em plena pandemia, trazendo muitos benefícios, principalmente em relação aos diagnósticos das ISTs, em geral, para essa população.

“Temos ainda o projeto de harmonização facial, em parceria com a doutora Cíntia Cardoso, que trabalha a questão da harmonização de face nas mulheres trans e homens trans. Os projetos de saúde bucal em parceria com a Faculdade de Odontologia da Ufam, onde levamos essa qualidade de saúde bucal à população trans, e outros projetos vinculados com a Liga de Saúde LGBT, que são o atendimento e a formação

Por falar em HIV, ações relacionadas ao tema HIV/Aids são uma das mais debatidas em relação à saúde dessa população. Assuntos como Profilaxia Pré-Exposição (Prep) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) são mais falados atualmente, embora seja necessário ressaltar que a redução da comunidade à temática focada à prática sexual é uma das grandes críticas do movimento LGBTQIAPN+ à abordagem da saúde pública voltada a esse público.

Em Manaus, é possível encontrar o medicamento de profilaxia em algumas Unidades Básicas de Saúde de cada zona da cidade, mas a Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) é uma das mais conhecidas, por também dispor da medicação gratuitamente, como explica o infectologista Noaldo Lucena.

Segundo o especialista, a Prep serve para reduzir a probabilidade de infecção pelo vírus, indicada, conforme o Ministério da Saúde, para populações mais vulneráveis ao HIV – gays e outros homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, trabalhadores/as do sexo e casais sorodiferentes (casos em que um dos parceiros vive com HIV e o outro não ), já a PEP é voltada para pessoas que têm uma exposição sexual de risco, acidente ocupacional com objeto perfurocortante

“É importante que os outros municípios avancem também. Nós já temos municípios que avançaram muito, como Parintins, Manacapuru, Tabatinga, porém ainda faltam bastante”

Dária Neves, ginecologista coordenadora do Laboratório da Diversidade.

dos estudantes de Medicina da Ufam, da UEA, da Fametro e da Nilton Lins, e outras inúmeras palestras que promovemos”.

Além disso, conforme a doutora Dária, em agosto deste ano, será realizada a primeira jornada de cirurgias de afirmação de gênero para a população trans e inter-

Prep e PEP

ou profissionais da saúde, que trabalham na limpeza e recolhem lixo hospitalar.

“Uma é uma urgência médica, que é a PEP, e a outra é algo que pode ser planejado, que é a Prep. No caso da segunda, serve para indivíduos que têm vários parceiros, muitas relações sexuais ou adeptas de ampla liberdade sexual. É importante lembrar que quando se tem uma relação sexual com alguém, também nos relacionamos com o passado sexual desta pessoa. Então, é importante a gente lembrar que não existe só o risco do HIV, não podemos esquecer das outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), que são também extremamente relevantes na nossa região”, explica.

Há sete anos fazendo uso da Prep, o ativista e educador em saúde com foco na população LGBTQIAPN+ Lucas Brito, 28, considera o medicamento revolucionário, mas ainda estigmatizado e envolto por inúmeros tabus.

“Como alguém que se assumiu gay aos 20 anos e que passou por um susto após a exposição por conta de uma relação desprevenida, hoje vejo que o serviço é de extrema importância, embora seja estigmatizado. Como pessoa LGBT, percebo que a Prep, principalmente, é revolucionária. O número de Aids diminui também por conta da existência dela, mas não há

sexo. “Esse é um projeto enorme. Um projeto junto com a Universidade Federal do Amazonas e o Hospital HUGV, onde serão realizadas cirurgias justamente nessas pessoas que têm acompanhamento no Ambulatório de Diversidade Sexual e Gênero”, finaliza.

um engajamento correto sobre o assunto ainda, porque tudo que fala sobre sexo ou HIV é rodeado de um gigante tabu, fora que a pessoa LGBT é, automaticamente, condicionada às infecções sexualmente transmissíveis, só por buscar qualquer serviço de saúde. Até mesmo quando é só autocuidado e prevenção”.

VIVÊNCIA

O educador ressalta que em outros Estados as informações são mais abrangentes e que em Manaus, apesar do fácil acesso, ainda há a falta de preparo dos que atuam na área da saúde, resultando em constrangimento.

“Eu trabalhei com direcionamento da Prep, e sei que ainda temos uma equipe que precisa de melhorias diversas. Eu mesmo já passei e presenciei situações de violência, de não ser informado direito, de ser olhado com preconceito por só falar sobre o assunto. Continuo buscando atendimento, acredito que como enfermeiro e por possuir acesso às informações tudo sobre o assunto flui mais fácil, mas se eu fosse alguém por fora do tema, seria difícil por todas as violências que já vivenciei. Não há uma escuta qualificada. É um desconforto do contexto histórico que faz com que o preconceito esteja sobre nossos corpos, e não deveria ser assim”.

Projeto Empregay nasceu visando criar em Manaus uma feira de economia criativa acolhedora para a comunidade LGBTQIAPN+, com foco especial em mulheres cis e trans, que vivem do empreendedorismo

Mercado de trabalho: enfrentando preconceitos, vencendo barreiras

Discriminação pela orientação sexual e identidade de gênero ainda é barreira para a ocupação de espaços

Priscilla Peixoto – Especial para a Revista Cenarium

Crédito: Divulgação

MANAUS (AM) – Por conta da orientação sexual e identidade de gênero, boa parte da população LGBTQIAPN+ também sofre intensos desgastes quando o assunto é conseguir a inserção no mercado de trabalho e a garantia mínima de um ambiente que proporcione relações saudáveis e respeitosas nas organizações.

Conforme uma pesquisa do Center for Talent Innovation, até o ano de 2022, 33% das empresas situadas no Brasil não contratariam pessoas LGBTQIAPN+ para cargos de chefia e 41% dos funcionários LGBTQIAPN+ declararam ter sofrido algum tipo de discriminação, em razão da orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho.

Embora seja cada vez mais perceptível o aumento da conscientização social, as manobras feitas para evitar constrangimento são uma realidade no dia a dia daqueles que precisam, até mesmo, fingir

Thalyne Adrielle na ‘Dona Bicha’, onde comercializa camisas, buttons, bandeiras, pulseiras e demais acessórios e adereços que trazem representatividade ao público LGBTQIAPN+

ser quem não são para garantir respeito e não perder o emprego. Como no caso de Thalyne Adrielle, 31.

Por ser uma mulher bissexual, além de enfrentar as barreiras sociais, limitação de oportunidade e discriminação, ela também integrou o time que remete aos tristes dados da pesquisa feita em 2016, também pela Center for Talent Innovation, que informava que 61% dos funcionários LGBT no Brasil dizem que escondiam sua sexualidade de colegas e gestores. Estudo, inclusive, que ainda reflete a atualidade.

“Consegui evitar episódios de constrangimento porque, na época, eu escondia minha sexualidade, justamente por saber que o ambiente em que eu trabalhava era um tanto machista e, na época, eu tinha medo disso ser motivo para alguma retaliação”, relembra Thalyne.

“Conheci colegas que agiam do mesmo modo que eu, até pior, fazendo o possível

para que ninguém descobrisse nada sobre a vida pessoal, para não sofrer, perder o emprego e ter que voltar a passar por toda aquela dificuldade de passar por outro processo de seleção, em que, muitas vezes, o LGBT já entra em desvantagem. Hoje, de certa forma, consigo enxergar um pequeno movimento de conscientização do mercado, mas, por outro lado, sinto que nem todos os movimentos, principalmente de algumas empresas, estão sendo feitos de forma efetiva, e sim somente para cumprir tabela e em datas específicas”, critica.

OUTRAS BARREIRAS

Para além da já conhecida discriminação, um estudo intitulado “Censo de Produção Inclusiva LGBTQIAPN+”, apresentado em março deste ano pela Pacto Global, assinala que a dificuldade de pessoas LGBT entrarem no mercado de trabalho também se dá por conta de “barreiras invisíveis”, dentre elas, o déficit

“A comunidade LGBT de Manaus precisa começar a ser reconhecida como potência econômica para a nossa região, afinal, nós estamos no empreendedorismo, na arte e em todos os eixos da cultura”

Thalyne Adrielle, 31, empreendedora.

Pouco tempo depois da aposta vista como oportunidade de quebrar barreiras para obter renda, Thalyne fundou o Empregay. Projeto desenvolvido com a proposta de criar em Manaus uma feira de economia criativa segura e acolhedora para a comunidade LGBTQIAPN+, com foco especial para mulheres cis e trans, que vivem do empreendedorismo como única fonte de renda ou como complementação de renda.

Segundo a empreendedora, a ideia surgiu após perceber que, nas feiras de economia criativa de Manaus, havia uma carência de espaços específicos ocupados exclusivamente por empreendedores LGBTQIAPN+ que fossem seguros e acolhedores.

“A comunidade LGBT de Manaus precisa começar a ser reconhecida como

Iniciativa que deu certo

potência econômica para a nossa região, afinal, nós estamos no empreendedorismo, na arte e em todos os eixos da cultura e foi nela que nos agarramos, quando o mercado tradicional nos fechava a porta”, destaca.

Conforme a fundadora, o Empregay apresenta três vertentes: Feira da Empregay: promovida pelo próprio coletivo por meio de recursos de editais e parcerias; Empregay itinerante: realizada quando algum parceiro precisa fazer um evento. No local da atividade é possível ter um espaço para uma feira de economia criativa, a partir daí todos os detalhes são acertados, conforme a demanda; Capacitações: realizadas com temáticas que fortaleçam o empreendedor e o crescimento do seu negócio. Empreendedores que se dedicam para estudar têm prioridade nas vagas de eventos que surgem.

curricular, oriundo da falta de apoio da família e da escola, reforçando a discriminação e levando essas pessoas a não conclusão do estudo, o que os exclui, logo no início, da vida profissional, uma vez que o currículo não é considerado para vagas disponíveis no mercado.

“As barreiras invisíveis são paradigmas que a sociedade cria. Por exemplo, muitas pessoas acham que sou uma prostituta [por ser uma mulher trans]. A partir do pressuposto que a sociedade tem dessas garotas de programa, eu estou muito mais distante de ser uma liderança no mercado do que um homem branco, que as pessoas logo imaginam que deva ser o chefe”, afirma a CEO da Startup Nhaí que também participou do estudo, Raquel Virgínia, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.

EMPREENDER COMO ALTERNATIVA

Nesse contexto, o empreendedorismo se torna um caminho alternativo para alguns, e foi justamente o que Thalyne escolheu. Há pelo menos quatro anos, a

Até o momento, a iniciativa, que tem como missão se tornar referência de empreendedorismo e cultura LGBTQIAPN+ no Norte do País já mapeou um total de 126 empreendedores LGBTQIAPN+ em Manaus, com 100 pessoas beneficiadas de forma direta e 400 indiretamente.

“Em meio à difícil realidade, vamos seguindo e nos reinventando. O mercado é feroz para todos, mas sabemos que há uma parcela da população que é devorada antes mesmo de tentar. Ficamos felizes ao ver o saldo positivo que já é o próprio objetivo sendo atingido em cada atividade, que é a promoção da geração de emprego e renda para empreendedores LGBT+ em Manaus, o fomento da economia criativa local, além do combate ao preconceito e ao conservadorismo na cidade”, celebra Thalyne.

manauara apostou em um nicho voltado para a diversidade na capital e fundou a “Dona Bicha”, local onde é possível encontrar camisas, buttons, bandeiras, pulseiras e demais acessórios e adereços que tragam representatividade ao público LGBTQIAPN+.

Com uma proposta inicial em formato on-line, o negócio migrou também para a versão física. Desde então, a administradora tem se dedicado participando de cursos, oficinas e eventos que melhorem, de forma contínua, os serviços ofertados pelo empreendimento.

Mesmo com a loja fluindo e com uma média de quase 200 clientes atendidos por mês, Thalyne conta que o preconceito é uma realidade constante. “Tenho recebido muito apoio, acolhimento, mas é fato que o preconceito e o olhar de desdém sempre se fazem presentes, principalmente, nas participações em feiras. Mas eu não recuo. Acredito que tem uma parte da história do empreendedorismo aqui em Manaus que precisamos começar a escrever, agora, ou então sempre seremos deixados de lado”.

Produtos vendidos na ‘Dona Bicha’

A psicóloga Cintia Lima, mentora em liderança, aponta evoluções na percepção do mercado de trabalho quanto à diversidade

Organização Plural

Em números tímidos, conforme a plataforma Vagas.com, o quantitativo de vagas anunciadas ao público LGBTQIAPN+ apresentou um aumento de 2%, passando de 487, no primeiro semestre de 2021, para 496, no mesmo período de 2023.

O percentual não tão expressivo, ainda assim denota, segundo a psicóloga e mentora em liderança, Cintia Lima uma percepção do mercado quanto à importância da diversidade e da promoção de uma cultura organizacional mais inclusiva.

“Uma organização plural e inclusiva é um caminho positivo rumo ao crescimento organizacional. A diversidade pode contribuir para o aumento da produtividade, justamente por conta da interação, por essa soma de competências, de pontos de vista, de perspectivas. De amplitudes de cultura. Quando a empresa entende e atende efetivamente as necessidades

e competências individuais de seus colaboradores”, ressalta.

Profissional com mais de 20 anos atuando como especialista em gestão de pessoas e líderes em ambientes de trabalho, Cíntia aponta um dos principais passos aos que desejam tornar a empresa, de fato, diversa e inclusiva.

Segundo a psicóloga, a primeira ação está no processo de recrutamento e seleção. Um RH disposto a contratar pessoas com mentes abertas, dando espaços para que estas pessoas cresçam dentro da empresa e alcancem cargos de lideranças é um dos pontos-chaves. Além da adaptação no processo de recrutamento e seleção, é necessário também mapear e revisar a cultura organizacional, treinar lideranças e respeitar as diferenças.

“As empresas que prezam pela diversidade, conseguem ter pessoas que estabelecem relações de mais respeito,

de entendimento sobre as diferenças, e usufruem dos benefícios disso, porque aí nós temos mais conflitos positivos no sentido de ideias, de opiniões, de sugestões, que ampliam as perspectivas sobre determinados problemas, mobilizando a inovação, a criatividade, a melhoria contínua, no ambiente diverso com líderes que são mais que cargos, são líderes de verdade, conseguem conduzir as pessoas para um diálogo muito mais aberto, muito mais coeso como equipe”, detalha Cintia que complementa;

“Precisamos lembrar que quando falamos do mercado que abraça a diversidade e também a inclusão, falamos de um local de trabalho que acolha diferentes perfis, idades, raças, gêneros, especificidades, formações, tudo isso promovendo oportunidades e condições de crescimento e aperfeiçoamento para todos”, finaliza.

Crédito: Acervo Pessoal

Indígenas também lutam por espaços

‘Miriã Mahsã’: coletivo do Amazonas aborda sexualidade e identidade LGBTQIAPN+ de indígenas

Carol Veras – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A sexualidade e as questões sobre identidade de gênero são pautas que começaram a ser dialogadas há pouco tempo entre os indígenas, analisa o coordenador do Miriã Mahsã, coletivo que organiza oficinas e rodas de conversa voltadas para esse público, Pedro Tukano. Nesta matéria especial sobre o Dia Internacional Contra

a LGBTfobia, a REVISTA CENARIUM conversou com o ativista sobre a representatividade dentro da própria comunidade. O coletivo surgiu com o apoio do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi. Em nível nacional, existem diversos grupos que representam essa comunidade, como, por exemplo, o coletivo Tybyra, pioneiro no Brasil envolvendo indígenas

Coletivo Miriã Mahsã no ATL, em Brasília (DF)
Crédito: Indiara Bessa

da comunidade LGBTQIAPN+, sigla que abrange pessoas que são Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/ Pôli, Não binárias e mais.

No Amazonas, Miriã Mahsã busca trabalhar essas questões, mas não é o único tema debatido. “Apesar de nos denominarmos como um coletivo indígena LGBT, nossas pautas não se limitam a questões de sexualidade, mas também a outros assuntos que nos perpassam como indígenas”, comenta o coordenador do coletivo, composto por artistas de etnias diferentes, que expressam a luta indígena por representatividade na arte, política e, até mesmo, no meio acadêmico.

O coletivo questiona as construções de gênero e sexualidade definidas pela sociedade contemporânea. “Essas deno-

minações ou a construção de diálogo e gênero e sexualidade estão muito coloniais”, pontua o indígena sobre a construção de identidade no Brasil. “Em algum momento, essa construção não faz sentido para os indígenas, que não performam a heteronormatividade”.

Tukano comenta que falta representatividade indígena dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+ no Amazonas. Por isso, o coletivo visa criar o próprio espaço na construção de produção cultural feita por indígenas para os indígenas. Para o coordenador do coletivo, os povos originários “não estão incluídos em eventos da comunidade no Estado”, devido à “centralização da branquitude”.

“Pessoas LGBTs são pessoas que estão tentando sobreviver em uma sociedade que, infelizmente, tem essa herança colo-

nial cristã. Quando a gente busca combater a homofobia, a gente começa a combater diversas outras intolerâncias. Eu digo que quando dialogamos sobre isso, estamos indo contra uma colonização que já foi implementada e fixada a partir dessa visão cristã, que demonizou não só questões de gênero e sexualidade, mas também a cultura indígena, nossa língua e nossas crenças”, discorre o ativista.

Por fim, Pedro Tukano observa que os indígenas LGBTQIAPN+ continuarão lutando contra a colonização dos corpos e buscando ocupar mais espaços. “Somos um ato vivo contra essa colonização existente e viemos deixar um recado falando que somos contra essa construção. Nossas cosmologias não se limitam à limitação da doutrina cristã, que gera violência contra corpos indígenas e LGBTs”, conclui.

“Apesar de nos denominarmos como um coletivo indígena LGBT, nossas pautas não se limitam a questões de sexualidade, mas também a outros assuntos que nos perpassam como indígenas”

Pedro Tukano, coordenador do coletivo.

LGBTQIAPN+ no ATL

Questões de sexualidade e gênero foram pautadas no 18° Acampamento Terra Livre 2022 (ATL), quando ocorreu a primeira plenária LGBTQIAPN+ indígena. Erisvan Guajajara, um homem gay, jornalista e um dos fundadores do coletivo Mídia Indígena, liderou a mesa, que contou com representantes de coletivos indígenas LGBTQIAPN+ de todo o Brasil. No discurso, ele proclamou: “Afaste seu preconceito do meu caminho, pois eu passarei com meu cocar”, pediu.

Ainda não há levantamentos sobre a sexualidade indígena, mas, segundo os primeiros resultados do Censo de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há uma diversidade de 305 grupos étnicos reconhecidos no território brasileiro, cada um com sua própria identidade cultural.

Pedro Tukano, coordenador do coletivo Miriã Mahsã
Crédito: Pedro
Tukano

A cetamina ou ketamina é um anestésico utilizado para fins veterinários

Cetamina: perigo letal

Especialistas alertam que uso indiscriminado de anestésico causa a morte

Jadson Lima – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A cetamina ou ketamina, um tipo de anestésico, ganhou destaque no noticiário depois que a ex-item do Boi Garantido e empresária Dilemar Cardoso, conhecida como Djidja, foi encontrada morta em sua residência no final do mês de maio deste ano, em Manaus. As investigações apontaram que o irmão e a mãe da empresária, Ademar Farias e Cleusimar Cardoso, respectivamente, administravam uma seita religiosa que fazia o abuso da substância em sua forma destinada ao uso veterinário, em animais de grande porte, como cavalos.

Crédito: Bruno Figueiredo | Arquivo Pessoal

A CENARIUM ouviu especialistas, que explicaram os mecanismos de funcionamento da droga e alertaram para os efeitos e danos à saúde. A presidente da Associação de Anestesiologistas do Amazonas (Assaeam), médica anestesiologista Gisela Stehling, afirmou que a cetamina tem duas composições diferentes para o uso clínico e uso veterinário. “A medicação usada em humanos tem a estrutura química diferente da medicação anestésica usada na área veterinária”, frisou.

A especialista também destacou que a cetamina vem sendo utilizada como anestésico há mais de 60 anos e foi criada, inicialmente, para uso veterinário. Stehling falou, ainda, que a substância só pode ser utilizada em local apropriado. Para ela, além do sistema nervoso, a droga possui diversas ações sobre vários outros órgãos do corpo humano.

“O uso indiscriminado e, principalmente, o uso de substâncias não aprovadas para aplicação em humanos pode levar a graves consequências para a saúde do indivíduo, como um grande risco de dependência física, química, levando ao vício, disfunção cardiocirculatória, depressão respiratória, rigidez muscular, delírios, confusão mental e, até mesmo, levar a pessoa à morte”, disse a especialista.

À CENARIUM, o médico veterinário Bruno Figueiredo afirmou que a cetamina é um anestésico dissociativo aplicado na medicina veterinária e humana, que tem efeito tranquilizador e sedativo. No entanto, o especialista alertou que a substância causa alterações cerebrais graves, quando aplicada de forma irregular. “Esse fármaco, utilizado da forma como

foi, causa alucinações e tira a pessoa da realidade, ao causar alterações no cérebro e também em outros órgãos do corpo humano”, frisou.

Para o especialista, os efeitos adversos da droga causam lesões significativas no cérebro, coração e pulmão. Figueiredo declarou que o uso da substância em humanos, sem qualquer intervenção profissional e por um longo período, pode levar à morte. “Os efeitos adversos da cetamina podem causar a morte de usuários que fazem o uso indiscriminado da substância, como aparentemente foi o caso da moça [Djidja Cardoso], vítima de edema cerebral, como apontou um laudo preliminar do IML”, pontuou.

O médico veterinário afirmou, ainda, que a cetamina causa dependência psicológica e efeitos adversos. Conforme o especialista, as pessoas que fazem o uso indiscriminado da substância relataram se sentirem ótimas. “A cetamina causa dependência, porque as pessoas que uti-

lizam se sentem ótimas, segundo relatos de usuários”, relembrou.

A doutora Alessandra Pereira, médica psiquiatra e especializada Psicofarmacologia, detalhou os efeitos do uso indiscriminado da substância. Para ela, neurologicamente a droga pode afetar a memória, prejudicar as habilidades motoras e causar mudanças na personalidade, como ansiedade e depressão.

“Com o uso contínuo, surgem problemas de memória e dificuldade para se concentrar. Além disso, a droga pode aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca, levando a problemas cardíacos graves, como arritmia e infarto”, explicou.

Para a psiquiatra, a cetamina é altamente viciante porque afeta diretamente o sistema de recompensa do cérebro, que aumenta os níveis de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e ao bem-estar. Isso faz com que os usuários sintam uma forte euforia e bem-estar, levando-os a buscar repetidamente esses efeitos.

“O

uso indiscriminado e, principalmente, o uso de substâncias não aprovadas para aplicação em humanos pode levar a graves consequências para a saúde do indivíduo”

Gisela Stehling Chaves Praia, médica anestesiologista e presidente da Assaeam.

“Os danos podem afetar a função cerebral. Além disso, a capacidade da cetamina de induzir alucinações e uma sensação de dissociação da realidade também aumenta seu potencial de abuso, pois os usuários procuram escapar da realidade e encontrar alívio temporário dos problemas psicológicos”, concluiu a especialista.

DROGA E PERSONALIDADES

A droga que causa efeitos alucinógenos já havia ganhado destaque em manchetes por conta do uso feito por figuras públicas, como o bilionário Elon Musk, dono da Space X e do X (ex-Twitter). Musk reconheceu que faz uso da substância para “sair do estado de espírito negativo”. O empresário faz parte de um grupo crescente de indivíduos que buscam a ketamina por suas propriedades antidepressivas e potencial para aumentar a criatividade e o pensamento divergente.

Outra personalidade famosa que fazia o uso da substância com acompanhamento médico era o ator de “Friends”, Matthew Perry, ele foi encontrado morto em sua residência nos Estados Unidos. Autoridades locais encontraram na casa de Perry frascos da droga. Na época, o laudo que apontou a causa da morte do astro concluiu que “altos níveis de cetamina” foram encontrados nas amostras de sangue do ator.

Gisela Stehling Chaves Praia, médica anestesiologista e presidente da Assaeam

Polo de Duas Rodas do AM protegido

‘Mover’: Senado retira emenda que prejudica setor de bicicletas da Zona Franca de Manaus

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Uma emenda ao Projeto de Lei (PL) do programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que prevê incentivos tributários à produção de bicicletas e prejudica consideravelmente a Zona Franca de Manaus (ZFM), foi retirada do texto pelo relator Rodrigo Cunha (Podemos-AL). Senadores aprovaram, por 67 votos a favor e nenhum contra, no dia 5 de junho, o texto-base do PL que cria incentivos para a indústria automobilística.

A emenda virou alvo de preocupação da bancada do Amazonas após Cunha afirmar a aliados, segundo reportagem do Estadão, que o projeto, da forma que estava, afe-

Linha de produção de motocicletas em empresa instalada na Zona Franca de Manaus
Crédito: Ricardo Oliveira

taria o Polo Industrial de Manaus (PIM). Sobre o tema, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou uma nova emenda para que esse benefício à indústria de bicicletas seja válido apenas para a Zona Franca de Manaus.

Ainda segundo a reportagem, Rodrigo Cunha era pressionado pelo governo federal para suprimir o destaque das bicicletas, proposto pelo deputado Jilmar Tatto (PT), e também um “jabuti” — termo que se refere a temas sem relação com o texto original — que exige conteúdo local para a exploração de petróleo e gás.

O relator ouviu a bancada do Amazonas para fechar o parecer. Ao Estadão, Jilmar Tatto afirmou que sua proposta não tem o intuito de prejudicar a Zona Franca de Manaus.

“Precisamos beneficiar o setor de bicicletas, que precisa de incentivos e não polui. Se for o caso, podemos pensar em uma compensação para a Zona Franca”, declarou o deputado também secretário de Comunicação do PT.

2 milhões de motos e bicicletas

A Abraciclo apontou que, em 2023, o Polo de Duas Rodas da Zona Franca de Manaus (ZFM) produziu 2 milhões de motos e bicicletas.

R$ 31 bilhões

O faturamento do Polo de Duas Rodas da ZFM, segundo a Abraciclo, foi de R$ 31 bilhões, com mais de 150 mil empregos diretos e indiretos ofertados. Somente no PIM foram 16,8 mil postos de trabalho.

O Projeto de Lei n.º 914/2024, conhecido como “Mover”, institui o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover) e aumenta as exigências de descarbonização da frota automotiva brasileira. A matéria foi enviada ao Congresso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março deste ano, e seguiu para o Senado.

PRODUÇÃO DO SETOR DE DUAS RODAS

As empresas do setor de Duas Rodas instaladas na ZFM recebem incentivos fiscais para a produção dos bens, o que garante a competitividade com as indústrias de outras regiões do País. A concessão de incentivos tributários à produção de bicicletas em outras localidades pode reduzir drasticamente a demanda pelos produtos do PIM.

A Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) apontou que, em 2023, o Polo de Duas Rodas da Zona Franca de Manaus (ZFM) pro-

duziu 2 milhões de motos e bicicletas. O faturamento foi de R$ 31 bilhões, com mais de 150 mil empregos diretos e indiretos ofertados. Somente no PIM foram 16,8 mil postos de trabalho.

Segundo a entidade, somente as indústrias de motocicletas fecharam o ano com 11,3% de crescimento. As empresas fabricantes de motos instaladas no Polo Industrial de Manaus produziram 1.573.221 unidades, em 2023. Em relação às bicicletas, foram fabricadas 456, 9 mil unidades no ano passado.

Nos primeiros meses de 2024, segundo a Abraciclo, 120.380 bicicletas saíram das linhas de montagem do PIM no primeiro quadrimestre. O volume é 31% menor ao registrado no mesmo período do ano passado, ainda que em conformidade com a produção esperada para 2024. Com 57,6% do volume total, a região Sudeste foi a que recebeu mais bicicletas produzidas no PIM no primeiro quadrimestre. Em segundo lugar ficou o Nordeste, com 14,1% da produção, seguido pelo Sul (14%), Centro-Oeste (7,8%) e Norte (6,5%).

Parlamentares da bancada do Amazonas

Fogo na floresta

Queimadas na Amazônia aumentam 107% em 2024, diz estudo

Isabella Rabelo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Os índices de queimadas na Amazônia tiveram um aumento considerável de 107% nos cinco primeiros meses de 2024, em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O avanço das queimadas reforça o alerta feito por especialistas de que a seca poderia aumentar o número de incêndios de grande escala.

No bioma, em 2024, já foram registrados 10.647 focos de queimadas entre 1° de janeiro e 31 de maio, um aumento de 107% e um número 131% superior à média dos três anos anteriores nesse período.

Os Estados de Roraima (RR) e Mato Grosso (MT) concentram as queimadas na Amazônia este ano. Do total de incidentes registrados entre janeiro e maio, 43% ocorreram em Roraima e 36% no Mato Grosso. O Pará (PA) responde por 12%. Somente em maio, foram contabilizados 1.670 focos, sendo quase 78% no Mato Grosso.

CERRADO E PANTANAL

Além do bioma amazônico, o estudo também mostrou dados sobre o índice de queimadas no Pantanal e no Cerrado. Os registros aumentaram 898% e 42%, respectivamente, nessas regiões. O avanço das queimadas reforça os alertas feitos

por especialistas de que a seca severa nos biomas poderia aumentar o número de incêndios de grande escala, comparáveis aos que devastaram 30% de suas áreas naturais em 2020.

A Organização Não Governamental (ONG) World Wide Fund for Nature (WWF Brasil, em inglês, e Fundo Mundial para a Natureza, em português), realizou uma análise dos dados visando combater as queimadas nos biomas brasileiros através da sensibilização e educação ambiental.

Segundo o especialista em conservação do WWF-Brasil, Daniel Silva, os biomas brasileiros estão conectados, por exemplo, pela água e são interdependentes quando se trata das consequências da crise climática.

“O desmatamento em um deles gera desequilíbrios para os outros. Afeta a disponibilidade hídrica em outros ecossistemas, contribui para secas, aumento das queimadas, ondas de calor e até tempestades, como as que afetaram o Rio Grande do Sul”, disse o especialista.

Daniel Silva acrescenta que não adianta conservar só um bioma, é preciso ter políticas consistentes para diferentes áreas do País. No Brasil, barrar o desmatamento é o ponto mais importante para evitar efeitos ainda mais severos da crise climática”, complementou Daniel.

10.647 focos de queimadas

Na Amazônia, em 2024, já foram registrados 10.647 focos de queimadas, entre 1° de janeiro e 31 de maio.

43%

Do total de focos de incêndio registrados na Amazônia, entre janeiro e maio, 43% ocorreram em Roraima.

36%

Do total de queimadas ocorridas na Amazônia neste ano, 36% ocorreram no Mato Grosso.

Incêndio em floresta no Mato Grosso
Crédito: Joédson Alves Ag. Brasil

Liberdade à imprensa

Queda na violência contra jornalistas encoraja, mas luta à censura continua

Isabella Rabelo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Após um crescimento sem precedentes nos últimos anos, o número de casos de violência contra jornalistas voltou a cair em 2023, segundo o relatório Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), divulgado neste ano. Mas, apesar da redução, os casos relatados ainda preocupam, como mostrou a  REVISTA

CENARIUM no último Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, celebrado no dia 7 de junho.

Segundo a entidade representante da categoria, no ano passado, foram registrados 181 casos, demonstrando uma queda de 51,86% em comparação ao 376 de 2022. Conforme a pesquisa realizada pela organização Repórteres Sem Fron-

Dia Nacional da Liberdade de Imprensa é celebrado no dia 7 de junho
Crédito: Reprodução | Fenaj

teiras, o Brasil se encontra, atualmente, na 82ª posição no ranking de liberdade de imprensa, que reúne um total de 180 países, com nota 58,59 de 100.

A presidenta da entidade, Samira de Castro, destacou que a realidade cotidiana do trabalho dos jornalistas no Brasil permanece preocupante. “As agressões à categoria e ao Jornalismo continuam e, em determinadas categorias de violência, até cresceram significativamente em 2023, quando comparadas ao ano anterior”, destacou durante o lançamento do relatório.

Uma das profissionais que sentiu na pele uma dessas violências foi a jornalista amazonense Rhyvia Araújo. No dia 12 de dezembro de 2023, ela foi intimidada por uma deputada estadual do Amazonas durante uma pauta, quando tentou questionar uma atitude da figura política.

Conforme a vítima, ao realizar sua pergunta, teve seus equipamentos de tra-

balho confiscados, além de ser criticada e descredibilizada por sua forma de exercer a profissão.

“Já fazia um tempo que eu queria falar com dois parlamentares que tinham sido vistos na Expoagro [feira agropecuária do Amazonas] e que defendem a causa animal. Achei contraditório eles estarem nesse lugar e foi justamente isso que questionei à deputada em questão. Não tinha a intenção de ofendê-la, mas sim entender por que estava ali, uma vez que se diz defensora dos animais”, relatou.

“Quando ela me recebeu, avistou o microfone nas minhas mãos e o celular do portal. Em seguida, ela simplesmente os tomou das minhas mãos. Enquanto eu a escutava, ela me dizia que eu jamais teria o respeito dos políticos, se continuasse com esse tipo de pergunta. Disse que era por isso que ela selecionava os jornalistas para entrevistá-la”, continuou Rhyvia.

“Liberdade de imprensa não é um direito de profissionais de jornalismo,

é um direito da sociedade. Toda vez que uma matéria, uma reportagem, é censurada, a população deixa de ser informada”

Kátia Brembatti, presidenta da Abraji.

A jornalista Rhyvia Araújo

CASOS DE VIOLAÇÕES À LIBERDADE DE IMPRENSA E DE EXPRESSÃO NO

BRASIL

VIOLÊNCIA NÃO LETAL 2023

Atentados 3 (3 vítimas)

Agressões 45 (80 vítimas)

Ameças 19 (27 vítimas)

Intimidações 11 (16 vítimas)

Ofensas 9 (9 vítimas)

Ataques/Vandalismos 3 (3 vítimas)

Roubos/furtos 7 (9 vítimas)

Injúria 9 (11 vítimas)

Importunação Sexual 3 (3 vítimas)

Censura 2 (2 vítimas)

Dia Nacional da Liberdade de Imprensa

No dia 7 de junho de 1977 foi assinado, por quase 3 mil jornalistas, um manifesto contra a censura da Ditadura Militar. Em razão deste evento, foi instituído o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, visando celebrar a importância da liberdade de expressão para a sociedade, além de combater e denunciar os problemas enfrentados pelos profissionais da comunicação no Brasil.

A Constituição Federal de 1988 garante o direito à liberdade de imprensa em diversas leis e artigos. Segundo a Lei n.º 5.250/1967, é livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer.

Ainda, segundo o texto, é livre a publicação e a circulação, no território nacional, de livros e de jornais e outros periódicos, além da exploração de empresas que tenham por objeto o agenciamento de notícias e os serviços de radiodifusão.

Fonte: Abert

Mais recentemente, outro caso chamou a atenção na mídia amazonense. Dessa vez envolvendo o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante). Em uma coletiva de imprensa realizada durante o lançamento de sua pré-candidatura, no bairro Morro da Liberdade, Zona Sul de Manaus, no dia 3 de junho, o mandatário municipal hostilizou um jornalista do Grupo Diário de Comunicação (GDC), além de impedir outra profissional da empresa de comunicação de fazer uma pergunta.

Ao ser questionado pelo profissional sobre o motivo de realizar o evento de lançamento de pré-candidatura em um bairro da Zona Sul, sendo que reside no bairro Ponta Negra, um dos endereços mais nobres da capital amazonense, David Almeida disse que ia “dar oportunidade para alguém de mais Q.I fazer pergunta”.

DADOS

Segundo o Relatório de Violações à Liberdade de Expressão, realizado anualmente pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), há registros de violência envolvendo, pelo menos, 163 jornalistas no País, no ano de 2023, além de diversos casos de censura e um assassinato.

No cenário virtual, a imprensa brasileira recebeu o equivalente a um ataque a cada dois minutos, onde foram lançadas ofensas, ameaças, diversas formas de assédio e tentativas de intimidação.

A presidenta da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Kátia Brembatti, lembrou que o trabalho da imprensa é fundamental para a sociedade se manter bem informada e a censura impacta nesse direito.

“Liberdade de imprensa não é um direito de profissionais de jornalismo, é um direito da sociedade. Toda vez que uma matéria, uma reportagem, é censurada, a população deixa de ser informada. Toda vez que um profissional deixa de fazer uma pergunta, essa informação deixa de chegar à sociedade. Por isso que hoje a gente deve comemorar o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, porque é um direito constitucional que a gente lutou muito para conseguir depois da Ditadura”, destaca.

“As

agressões à categoria e ao Jornalismo continuam e, em determinadas categorias de violência, até cresceram significativamente em 2023, quando comparadas ao ano anterior”

Samira de Castro, presidenta da Fenaj.

A FENAJ CLASSIFICA A VIOLÊNCIA A JORNALISTAS DA

SEGUINTE FORMA:

Fonte: Fenaj

Cerceamento à liberdade de imprensa por meio de ações judiciais; Violência contra os sindicatos e os sindicalistas; LGBTfobia/transfobia; Perseguição;

Ameaças/hostilizações/intimidações;

Agressões físicas;

Agressões verbais/ataques virtuais; Detenções, prisões e condução coercitiva;

Injúria racial/racismo; Ataque cibernético;

Impedimentos ao exercício profissional;

Descredibilização da imprensa; Censura; Atentado.

Traços originários

Exposição ‘Bancos Indígenas do Brasil — Grafismos’ é inaugurada em Belém (PA)

Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) — A exposição ‘Bancos Indígenas do Brasil — Grafismos’ está aberta ao público no Museu do Estado do Pará, reunindo 142 peças de 40 povos indígenas oriundos da Amazônia, com a curadoria de Marisa Moreira Salles, Tomas Alvis e Danilo Garcia. A mostra foi aberta no dia 15 de março e segue até o mês de julho.

Na abertura da exposição, também ocorreu um bate-papo entre os organizadores e os artistas indígenas que fazem parte da exposição, além da venda de produtos.

Alegria é a palavra escolhida pelo artista Kurupira Asurini do Xingu, para definir o sentimento de ver o trabalho de seu povo exposto no museu.

“Para mim, é muito gratificante estar aqui representando o povo Asurini para falar um pouco do banco. Também sou um dos artistas que fazem os bancos Asurini. Então, nós ficamos muito felizes de ver nosso banco sendo visto no museu. Muito bom que a cultura indígena está sendo valorizada. Ela não está só na aldeia, mas sendo vista no mundo inteiro, porque os bancos já foram para outros países”, ressalta o artista.

A exposição integra a Coleção BEI, que abrange mais de 1,3 mil peças esculpidas em madeira, sendo a maioria em formato de animais, que revelam a beleza das formas, cores e grafismos da arte indígena.

A exibição itinerante é uma amostra do amplo acervo com a representação dos povos Asurini do Xingu, Araweté, Kalapalo, Kawaiwete, Kayabi, Trumai,

Wajãpi, Tukano, Ye’kwana e outros. Além dos bancos, a mostra inclui fotografias e vídeos de Rafael Costa.

A comunicação da exposição foi o que mais chamou a atenção da visitante. “É uma exposição bem comunicativa, apesar de não ter coisas para a gente ler, mas a gente consegue ler através das obras, através das fotos, principalmente. A forma que eles estão mostrando os indígenas é bem legal. Cada escultura aqui mostra um novo animal que é bem legal para a gente poder conhecer”, explica.

A visitação segue no Museu do Estado do Pará, até o dia 30 de julho, de terça a domingo, das 9h às 17h, com entrada gratuita.

(*) Com informações da Agência Pará.

“Para mim, é muito gratificante estar aqui representando o povo Asurini para falar um pouco do banco. Também sou um dos artistas que fazem os bancos Asurini”

Kurupira Asurini do Xingu, artista.

Crédito: Divulgação

reúne 142 peças de 40

A mostra
povos indígenas oriundos da Amazônia, com a curadoria de Marisa Moreira Salles, Tomas Alvis e Danilo Garcia

Grafismo ancestral

PARINTINS (AM) – Em meio à diversidade cultural do Brasil, artistas indígenas estão emergindo como guardiões de uma tradição milenar por meio do grafismo de seus povos. Em diferentes partes do País, esses artistas mantêm viva essa forma de expressão artística que não só embeleza, mas também conta histórias e preserva a identidade de seus povos.

O artista indígena do povo Sateré Mawé Adolfo Oliver, também conhecido como Adolfo Tapaiuna, 20 anos, é um deles. Universitário do curso de Designer Digital da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), ele cresceu na comunidade indígena Inhã-bé, localizada no Rio Tarumã-Açú, Zona Rural de Manaus, e começou a trabalhar com grafismo ainda na infância por influência da avó e dos tios.

Artistas

indígenas preservam tradição por meio de traços que remetem às suas origens

Emilli Marolix – Da Revista Cenarium

“Quando eu era criança, eu via os meus tios pintando, a minha avó pintando, então, essa arte foi transmitida a partir disso. Eu também sou de uma família de artesãos, então, a questão de se manter a oralidade é a partir dessa perspectiva. Depois de me entender, acabei me enxergando no ramo do grafismo”, diz Adolfo.

Cada comunidade indígena possui sua própria linguagem visual única, e o grafismo indígena é uma celebração da diversidade cultural e da riqueza artística dos povos originários do Brasil. As técnicas tradicionais de pintura, como o uso de pigmentos naturais e a aplicação manual, continuam a ser valorizadas e transmitidas de geração em geração.

Adolfo compartilha os significados de seus grafismos para o seu povo, tendo em vista que cada etnia possui suas histórias

e seus significados. “O grafismo vem com um significado de força, resistência, luta e proteção. Quando o guerreiro vai para o Ritual da Tucandeira, com o grafismo para o ritual, ele é uma proteção. Quando a gente vai para a luta, ele vem como resistência”, ressalta.

O ritual da Tucandeira é um rito de passagem tradicional dos homens indígenas Sateré Mawé que marca a transição da infância para a idade adulta. Nele, meninos da aldeia têm que vestir uma luva feita de palha cheia de formigas tucandeiras e resistir por, pelo menos, 15 minutos às doloridas ferroadas do inseto.

Após a primeira experiência com as formigas, os meninos, agora “homens”, podem se casar e começar uma família, mas espera-se que passem pelo ritual ao menos 20 vezes durante a vida.

Os artistas Adolfo Tapaiuna e Tuniel Mura são referências na arte
Crédito: Composição
Weslley Santos a partir de Arquivo
Pessoal

Exemplos de grafismos indígenas

Resistência

Além da beleza estética, o grafismo indígena é uma forma de resistência cultural. Cada linha, forma e cor carrega histórias, mitos e conhecimentos ancestrais. A pintura dura cerca de dez a 15 dias no corpo, e a tinta é feita a partir de materiais encontrados na natureza. Um dos mais usados é o sumo da fruta do jenipapo.

Esse material é usado por Adolfo Oliver e também pelo jovem indígena Tuniel Mura, que reside na Aldeia Murutinga, em Autazes, município a 113 quilômetros de distância de Manaus. Ele é professor, artista visual, desenhista de grafismo corporal indígena, estilista de moda e líder da comunidade, onde atua como conselheiro local de saúde indígena.

Tuniel enfatiza a importância de conhecer os significados para valori-

zar o grafismo. “É importante valorizar esse universo de significados, mostrar para quem não conhece é uma forma de orgulho. As pessoas não indígenas fazem alguns grafismos no corpo só porque acham bonito. Depois de ficarem contentes ao verem a pintura em seu corpo, muitas vezes não sabem que sentimento pode significar, como tristezas, luto ou passagem. Essas pinturas são importantes para os povos indígenas que, por meio delas, veem a identidade de um povo”, ressalta.

Nas redes sociais, o artista fala sobre o cotidiano, cultura, lugar onde vive e a vida profissional. O artista usa a internet como forma de trazer mais visibilidade à arte e contribuir para o reconhecimento e reavivamento da cultura do povo Mura.

Adolfo Oliver faz a pintura corporal
Tuniel Mura mora na aldeia Murutinga, em Autazes. Na imagem, ele faz pintura corporal
Crédito: Acervo Pessoal
Crédito: Divulgação
Crédito: Acervo Pessoal
Crédito: Divulgação

Mulheres ganham menos

Trabalhadoras recebem 31,4% a menos que homens em Mato Grosso

Davi Vittorazzi – Da Revista Cenarium

CUIABÁ (MT) – O Relatório de Transparência Salarial, elaborado pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego, mostra que a diferença salarial entre homens e mulheres é de 31,4% em Mato Grosso. No comparativo com outras Unidades da Federação, o Estado é o quarto com maior desigualdade salarial no País.

O relatório foi constituído a partir de informações preenchidas no eSocial pelas próprias empresas, que é o sistema federal de coleta de informações trabalhistas, previdenciárias e tributárias. Em Mato Grosso, 837 empresas preencheram os dados, que representam mais de 229 mil trabalhadores.

Segundo o documento, as empresas têm políticas de incentivo para a contratação de mulheres, como flexibilidade no horário de trabalho para apoio à parentalidade, entre outros critérios. Em Mato Grosso, a maioria das empresas possui planos de cargos e salários, porém, mulheres negras carecem de incentivos específicos.

NEGROS GANHAM MENOS

O relatório indica ainda que, apesar de serem a maioria no mercado de trabalho em Mato Grosso, as mulheres negras recebem salários inferiores em comparação com as mulheres brancas. Essa disparidade também é observada entre os homens.

Mato Grosso é o quarto Estado com maior diferença salarial no País

DIFERENÇA SALARIAL NO PAÍS

No Brasil, as trabalhadoras mulheres ganham 19,4% a menos que os trabalhadores homens. Embora as mulheres recebam quase 20% a menos que os homens, essa disparidade salarial pode variar significativamente dependendo do grupo ocupacional. Por exemplo, em cargos de dirigentes e gerentes, a diferença na remuneração pode chegar a 25,2%.

As empresas do relatório apresentam 100 ou mais funcionários. A exigência do envio de dados atende à Lei n.º 14.611, sancionada pelo presidente Lula, em julho de 2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e os critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

NÚMEROS

R$ 2.497,20

Remuneração média da mulher negra

R$ 3.180,62

Remuneração média da mulher não negra

R$ 3.891,02

Remuneração média dos homens negros

R$ 4.218,34

Remuneração média dos homens não negros

Crédito: Istockphoto

Crônicas do Cotidiano: Viva Luana Piovani!

“Omar quando quebra na praia,/ é bonito, é bonito!”. Ah, Dorival Caymmi, você nem imagina como as coisas estão por aqui! Pois não é que uma “gangue” está conspirando para roubar um direito que o bom Deus nos deu e, se isso passar da forma que está, adeus à rede atada entre dois coqueiros, à brisa, à zoada das ondas quebrando na praia, às jangadas saindo e chegando, e ao horizonte bem longe, longe da formação de corais! Como seres humanos podem apoderar-se do que não é seu de uma forma tão descarada, tão vil e, por cima de tudo, ainda dar um ar de legalidade à usurpação, desonrando o voto recebido e o Parlamento? E, ainda, macular a Constituição, onde está expresso o nosso inviolável “direito de ir e vir”, seja nas praias, nos rios ou nas ruas. Vilania e sordidez são os qualificativos para a ação desses atores vorazes por lucro, vorazes por tudo. Definitivamente, agem como canalhas e na contramão dos interesses coletivos nacionais e universais.

Mas tudo aconteceu à sorrelfa, como toda safadeza que encontra um bom caminho para prosperar. Passou caladinha na Câmara e seguiu seu caminho. Foi numa semana plácida, com feriadão e tudo que emergiu no Senado. Todos estavam muito cansados da luta da semana anterior, quando houve um esforço concentrado da nossa “valorosa imprensa” para tocar o terror sobre o futuro da economia. Os grandes jornais e os conglomerados de telecomunicação abriram as suas comportas para os “bocudos do mercado” fazerem as suas sombrias “previsões”. O presidente

do Banco Central inaugurou o discurso de fracasso das metas do governo e o fez da forma mais imprópria possível, em fóruns internacionais.

Um batalhão de economistas a serviço da elite financeira encarregou-se por todos os meios de desmoralizar as ações da equipe econômica, tudo porque há dois objetivos bem claros: impedir que o governo, fortalecido por bons resultados, indique um nome que desagrade ao mercado para dirigir o Banco Central, com o fim do mandato do atual gestor; de mais imediato, precisam criar as condições de desconfiança junto aos investidores para que a Selic, que indica a taxa dos juros, permaneça alta atendendo aos banqueiros que se locupletam com os juros na rolagem da dívida pública.

A catástrofe climática no Rio Grande do Sul e a politização dos seus efeitos; as derrotas da base governista no Congresso Nacional na derrubada de vetos; e pesquisas de opinião com perguntas ardilosamente fabricadas para confirmar verdades desejadas e propaladas ad nauseam na mídia formavam um cenário perfeito para o xeque-mate. Falava-se até numa desejável mudança ministerial para aproximar o governo do mercado. Tudo parecia perfeito, mas os resultados dos órgãos de Estado foram saindo e desmentindo os falaciosos áulicos do mercado: os empregos com carteira assinada aumentaram, a inflação não rompeu os níveis da meta e o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu! E agora? Correndo atrás do prejuízo, meteram a viola no saco e foram programar nova investida. Enquanto isso…

Os meninos do mal, quase na surdina, conseguiram pautar a votação, no Senado, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pode abrir caminho à “privatização” das áreas de marinha, que abrangem toda a costa marítima, que, hoje, pertencem à união, e atribuídas à Marinha Brasileira para guarda, proteção e gestão, passando-as para os municípios e Estados, que darão a destinação que lhes aprouver.

Coube à atriz Luana Piovani denunciar nas redes sociais os agentes por trás das artimanhas para a “privatização” das praias brasileiras e as negociatas das Arábias e outros fundos soberanos, empreiteiros nacionais, banqueiros, políticos e a máquina da jogatina, que espera ansiosa para tirar os panos que cobrem as roletas dos cassinos, ainda não permitidos no Brasil. Brava Piovani! Mesmo ameaçada de ter a “boca fechada com um sapato”, alertou o povo brasileiro para o golpe iminente. E, de quebra, mostrou a face cruel de seus detratores: machistas, misóginos, pessoas sem nenhum sentimento pelo país que dizem defender.  A notícia correu toda a costa do Brasil, o beiradão dos grandes rios internacionais e dizem que até em Minas Gerais, onde não há praias, a indignação ganhou força e o “bagulho”, na forma de PEC, virou um problema para os pais da ideia, que tem cara, voz e origem bem conhecidas!

(*) Jornalista profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

Walmir de Albuquerque Barbosa
Crédito: Acervo Pessoal

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