Revista Cenarium – Ed. 53 - Novembro/2024

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NA LINHA DE FRENTE

Indígenas e quilombolas são 70% dos brigadistas que combatem crimes ambientais. Povos originários lutam contra efeitos da crise climática e se colocam em risco na defesa do meio ambiente

www.revistacenarium.com.br | Novembro de 2024

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O exército invisibilizado e a cosmofobia

Eles representam menos de 2% da população brasileira, mas são responsáveis por 70% do contingente que luta para defender as florestas em um ano marcado por recordes de incêndios em áreas verdes e pelos impactos mais severos da crise climática no Brasil. Com uma população de 216 milhões de habitantes, são os indígenas (0,83%) e os quilombolas (0,65%) os enviados pelo Estado para proteger os biomas da devastação promovida pela selvageria capitalista.

O cenário brasileiro de guerra ambiental no século XXI remete ao período colonial, quando pretos e indígenas escravizados eram colocados na linha de frente das batalhas sob a justificativa de defesa do território, com base em um entendimento eurocêntrico de “menor valia” dessas vidas. Hoje, a justificativa do Estado para expor indígenas e quilombolas aos conflitos ambientais está na tese de que eles são “conhecedores” das florestas. Contudo, a realidade é outra.

O líder político do povo Yanomami, Davi Kopenawa, destacou em um artigo publicado em 2023 que a destruição das florestas é um rastro do “homem branco”, preocupado em produzir mercadorias para vender, comprar e manter um ciclo vicioso, no qual os biomas são vistos como sistemas de consumo “autorenováveis”.

“Vocês pensam: ‘A floresta cresceu sozinha, sem motivo. Nós somos os donos das mercadorias e vamos continuar fabricando muitas mais!’ Eles cavam seu chão, cortam suas árvores e as queimam por toda parte. Depois disso, todos vocês falam do que chamam de mudança climática. O que vocês nomearam assim não vem do nosso rastro. Toda essa destruição não é nossa marca; é a pegada dos brancos, o rastro de vocês na Terra”, afirma Kopenawa.

O pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo (1959–2023), trouxe uma visão contundente sobre o Brasil atual ao formular a teoria da “cosmofobia”, definida como a aversão aos ecossistemas. Ele defendia que os eurocristãos têm pavor da terra e, por isso, preferem viver em prédios, afastando-se cada vez mais do solo que sustenta a vida.

Nêgo Bispo argumentava que, ao ocuparem um pedaço de terra, os cosmofóbicos destroem a natureza até serem obrigados a “se mudar para outro lugar”. No entanto, a verdade é que não há “outro lugar” — e tampouco há mais tempo para delegar o risco de morte, na preservação das florestas, àqueles que já pagaram com a própria vida no passado.

Guardiões das florestas e sua luta

Imagine ver o fogo se aproximando, ameaçando destruir tudo o que você conhece como lar: sua casa, sua fonte de alimento, o território que define quem você é e faz de você parte do seu povo. A fumaça sufoca anciãos e crianças, enquanto você e os seus, sozinhos, armados apenas com baldes de água e galhos, tentam conter um paredão de chamas.

Essa cena foi retratada em dezenas de fotos de queimadas em Terras Indígenas (TIs) e territórios de outros povos tradicionais neste ano. A cada imagem, penso no desespero e no abandono desses povos, celebrados como “guardiões da floresta”, mas frequentemente esquecidos, quase sem apoio, em uma luta solitária pela preservação e pela sobrevivência, enfrentando ainda os efeitos da crise climática. É nesse cenário que encontramos a matéria-prima de nossa reportagem de capa.

De janeiro a agosto de 2024, o número de focos de queimadas em Territórios Indígenas já havia aumentado 80% em comparação ao ano passado, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Nesse período, já haviam sido queimados 3 milhões de hectares, o equivalente a 27% dos mais de 11 milhões de hectares de área queimada em todo o Brasil. Os números são alarmantes, porque, historicamente, os Territórios Indígenas funcionam como oásis de preservação. Segundo dados do MapBiomas, as Terras Indígenas haviam perdido menos de 1% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2022. Nas áreas privadas, a devastação no mesmo período foi de 17%. Esses dados confirmam que, por seu modo de vida, os povos originários garantem a existência da natureza viva em seus territórios, a exemplo do que ocorre também com os quilombolas. Mesmo assim, em muitos territórios afetados pelo fogo neste ano, os indígenas e outros povos tradicionais se viram com pouco ou nenhum suporte para combater as queimadas. Esse foi o caso da Terra Indígena Caititu, em Lábrea, no sul do Amazonas, uma das regiões com maior ocorrência de fogo. No território, há apenas uma brigada composta por 23 indígenas, que trabalham sem receber remuneração. Eles dispõem de equipamentos de segurança insuficientes, quatro bolsas de água de 20 litros, um triciclo e, acima de tudo, muita determinação e coragem. Essa realidade reflete o que ocorre em outras TIs do País. O Estado investe na formação de brigadas, formadas em sua maioria por indígenas e quilombolas, mas elas ainda são insuficientes.

Os indígenas e outros povos tradicionais têm o direito de simplesmente viver e serem livres à sua maneira, mas são forçados a lutarem pela sobrevivência. Nem consigo imaginar o peso das dores que carregam.

A eles dedicamos esta edição.

��

Espaço

democrático

Agradeço pelo espaço democrático que a CENARIUM criou. Alcançar os mais diversos grupos sociais fortalece a nossa luta e contribui para que ela seja amplamente disseminada.

Alana Manchineri

Rio Branco – AC

&Leitora

�� Pautas diversificadas

A REVISTA CENARIUM sempre traz temas relevantes e diversificados, como pautas relacionadas à cultura. Através dela, conheci artistas da Amazônia com os quais me identifico profundamente. A revista também aborda questões ligadas ao meio ambiente e aos movimentos sociais, sendo uma fonte confiável que eu acompanho para me manter atualizado.

Vicente Blow

Manaus – AM

�� Defesa do povo amazônico

A REVISTA CENARIUM exerce papel de grande relevância para a sociedade, porque possui conteúdo especial sobre ações em defesa da Amazônia, principalmente das pessoas que vivem nela.

Manuel Gomes Manaus - AM

�� Respeito ao povo de Axé

A REVISTA CENARIUM desempenha um papel essencial ao dar visibilidade a todas as comunidades de Axé, contribuindo significativamente para a luta antirracista e o combate à intolerância religiosa em nossa região amazônica. Sem a nossa ancestralidade, não existimos; não temos axé.

Mãe Flor Ty Navê Manaus – AM

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Sumário

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE AMAZÔNIA

Guardiões

Em condições precárias, indígenas do sul do Amazonas lutam contra queimadas e impactos da crise climática. Cenas semelhantes se repetem pelo País em territórios de povos tradicionais

Adrisa De Góes - Da Cenarium

Crédito:

MANAUS (AM) - Sob o sol intenso da Amazônia, indígenas caminham por horas mata adentro, até chegar a mais um foco de queimada. O calor é extremo, a fumaça sufoca, o cansaço, a sede e a fome são grandes, mas é preciso suportar para proteger os 362 mil hectares de seu território. Quando avistam o fogo, as ferramentas que têm em mãos são quatro bolsas de água de 20 litros, enxadas, facões e abafadores. O único veículo de transporte é o triciclo que leva os materiais e os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são insuficientes para todos. Esta é a realidade vivida pela brigada indígena voluntária que luta para salvar do fogo a Terra Indígena (TI) Caititu, em Lábrea, no sul do Amazonas, a 702 quilômetros de Manaus. O município figura entre os recordistas nacionais de queimadas e desmatamento, enquanto indígenas e outros povos tradicionais se desdobram para preservar a floresta, tendo que enfrentar, ainda, os demais efeitos da crise climática, como a seca extrema que impacta a região.

Dos 3.245 brigadistas que atuam no combate a incêndios florestais no Brasil, 50% pertencem a povos indígenas e 20% são povos quilombolas, segundo dados do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os números divulgados se referem a brigadistas contratados. Mas há ainda os voluntários, como é o caso da brigada da TI Caititu, que recebeu treinamento do Prevfogo, mas não foi incluída ainda entre os brigadistas oficiais. Em todo o País, esses povos tradicionais atuam também na linha de frente na mitigação dos efeitos da crise climática, como em enchentes no Sul e secas no Norte.

Temporada do fogo

A “temporada do fogo” na Amazônia ocorre na estação seca, quando a vegetação e o solo ficam mais propensos às queimadas, favorecendo a propagação do fogo. Esse período é intensificado por práticas agropecuárias e pelo desmatamento, além da baixa umidade.

Crédito:

AMAZÔNIA EM CHAMAS

“Temos o dever de preservar a natureza para podermos

ter o direito de viver nela. Hoje, se nós, que moramos nesse local, não preservarmos, quem irá fazer isso? Esse é meu apelo: preservação à natureza. Só assim teremos o direito de morar nela”

Raimundinha Apurinã, chefe da brigada de incêndio da TI da Caititu.

Em 2024, a Amazônia registrou números alarmantes de focos de incêndio, além de se consolidar como a maior emissora de gases do efeito estufa, segundo o Programa Copernicus de Observação da Terra, da União Europeia. E, nas Terras Indígenas, o aumento no número de queimadas foi de 163,6%, de 1º de janeiro a 15 de novembro deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Em todo o País, foram registrados, neste ano, 29.031 focos de queimadas em TIs nesse período, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No mesmo período do ano passado, as TIs haviam registrado 11.011 focos. O crescimento expressivo no número de queimadas torna ainda mais importante o trabalho das brigadas formadas por povos tradicionais.

O impacto das mudanças climáticas descontroladas somado às omissões do Poder Público afetam severamente a vida das populações locais, sobretudo os povos indígenas, que lidam simultaneamente com o avanço do fogo e a carência de recursos adequados para o enfrentamento.

“Muitos não querem participar porque deixam de ganhar uma diária fora para sustentar suas famílias, trocando isso por um trabalho que é voluntário. Já aconteceu de estarmos todos prontos para sair, mas não conseguirmos chegar ao local por falta de transporte. A brigada não tem veículo próprio, e isso torna o trabalho muito difícil. Quando surge uma emergência grande, carregamos o máximo de material possível no triciclo e seguimos andando”, relata a

líder da brigada, Raimundinha Rodrigues de Souza, da etnia Apurinã.

A liderança explica que os chamados para combate a incêndios chegam por mensagens instantâneas, quando há sinal de internet, ou por rádios comunicadores. Para se deslocarem entre as ocorrências, os brigadistas utilizam um triciclo motorizado – veículo de três rodas – emprestado pela

Refugiados climáticos

A Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Refugiados (Acnur) utiliza o termo “refugiados climáticos” para descrever pessoas que precisam se deslocar devido às mudanças climáticas. A definição foi criada pelo professor Essam El- Hinnawi, em 1985, no âmbito do Programa da ONU para o Meio Ambiente. O conceito diz que estes são “pessoas que foram forçadas a deixar seu habitat tradicional, temporária ou permanentemente, devido a uma perturbação ambiental acentuada, natural ou desencadeada por pessoas, que comprometeu sua existência ou afetou seriamente a qualidade de vida”.

Nuvem de fumaça encobre a região da cidade de Lábrea, no sul do Amazonas
Crédito:

Associação de Produtores Indígenas da Terra Indígena Caititu (APITC). Muitas vezes, os indígenas são obrigados a percorrerem longas distâncias a pé para os equipamentos poderem ser transportados no veículo.

De 1º janeiro a 15 de novembro, Lábrea, onde está situada a TI Caititu, registrou 4.268 focos de incêndio, segundo o Inpe. O município alcançou o sexto lugar no ranking nacional de queimadas. Embora o tema tenha perdido espaço no noticiário nacional, as queimadas seguem devastando a floresta e impactando as cidades com densas nuvens de fumaça.

Durante a “temporada do fogo” na Amazônia – período seco em que os incêndios florestais são mais frequentes –, 23 voluntários indígenas compõem a “Brigada Indígena de Incêndio da Terra Indígena Caititu”. Trabalhando na linha de frente, eles enfrentam desafios como a falta de transporte e materiais.

No mês de setembro, a CENARIUM acompanhou o trabalho dos brigadistas na Aldeia Amazônia, uma das 21 da TI Caititu. A precariedade do trabalho é evi-

dente: alguns utilizam blusas enroladas na cabeça como máscaras improvisadas, enquanto outros enfrentam o fogo sem nenhuma proteção. A maioria veste calças jeans e camisas térmicas comuns ou, em alguns casos, de manga curta. As roupas de combate, feitas de tecido grosso e resistente ao calor, são escassas, aumentando os riscos enfrentados pelo grupo.

No Brasil, a proteção aos povos indígenas é uma responsabilidade compartilhada por diversas instituições governamentais, conforme a Constituição Federal de 1988 e a Lei n.º 6.001/1973, conhecida como “Estatuto do Índio”. Políticas públicas, como o acesso à saúde, educação e proteção ambiental, são de responsabilidade primária da União. Entre os órgãos encarregados dessa tarefa estão o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ibama, especialmente em questões ambientais.

No entanto, a capacidade de ação desses órgãos tem sido gravemente comprometida. Em 2023, o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória (MP) 1.154, que enfraqueceu o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A medida,

Arco do Fogo

O Arco do Fogo é uma área, localizada no sul do Amazonas, conhecida pelo elevado número de queimadas e pela forte presença da pecuária. A região abrange seis municípios: Apuí, Lábrea, Novo Aripuanã, Manicoré, Humaitá e Boca do Acre.

aprovada apressadamente, resultou em um corte de 16% no orçamento da pasta, reduzindo os recursos anuais para R$ 3,6 bilhões – uma queda de mais de R$ 700 milhões em relação ao período anterior. Além disso, o Congresso transferiu o controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para outra instância, em uma decisão amplamente vista como um aceno à bancada ruralista, que representa interesses do agronegócio. Essa mudança enfraqueceu a capacidade do MMA de fiscalizar crimes ambientais, contribuindo para um cenário crítico. A precariedade da estrutura foi agravada por greves de servidores, que ocorreram durante um dos períodos

Brigadistas tentam conter fogo na mata na TI Caititu, em Lábrea
Crédito: Ana Jaguatirica
Cenarium

AMAZÔNIA EM CHAMAS

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

“Quando eu entro

em um combate e vejo a quantidade de árvores queimadas, me entristece

[...] Não é simplesmente a floresta que está pegando fogo, é o nosso futuro, é o futuro dos meus netos e filhos que está sendo destruído pelo fogo”

Leonilda Souza da Silva, brigadista indígena da etnia Apurinã.

mais severos de crise ambiental da história recente do País.

BRIGADA

Na Terra Indígena Caititu, a formação de brigadistas começou em 2022 visando proteger as roças tradicionais e 37 unidades de Sistemas Agroflorestais (SAFs), essenciais para a segurança alimentar e a geração de renda das comunidades indígenas, distribuídas em 21 aldeias. A primeira turma formou sete brigadistas, e, este ano,

o número cresceu para 28 combatentes, capacitados pelo Prevfogo.

De acordo com Raimundinha Rodrigues de Souza, chefe da brigada, apesar do aumento no número de capacitados, apenas 23 atuam como voluntários, sendo 14 na linha de frente. A escassez de pessoal se deve, principalmente, ao dilema enfrentado pelos combatentes: dedicar-se à proteção do território ou buscar o sustento para suas famílias. Por isso, muitas ocorrências na TI acabam não sendo atendidas.

“Este ano foi o que mais teve queimadas, a fumaça mais afetou. Ainda bem que já estávamos preparados, porque já vi crianças tentando apagar o fogo, inalando fumaça. Se não fôssemos capacitados, o que seria da TI? Talvez nem existisse mais. [...] Fazemos essa proteção, mas, para termos controle total, precisaríamos de, pelo menos, 50 pessoas”, destaca Raimundinha.

No combate aos incêndios, a brigada conta com quatro bombas costais, cada uma com capacidade para 20 litros de água, além de enxadas, facões e abafadores. No entanto, os EPIs são insuficientes para todos os membros. A maioria do material foi doada pela Associação de Produtores Indígenas da TI Caititu (APITC) e, em menor parte, pelo Prevfogo, segundo os indígenas. A APITC também passou a fornecer alimentação para os brigadistas após as extenuantes ações de combate, que chegam, muitas vezes, a durar cerca de quatro horas.

“Graças ao apoio da APITC, hoje, quando vamos para uma emergência,

Leonilda Apurinã se emociona ao falar sobre dificuldades enfrentadas pela brigada e o temor de que os indígenas percam seu território
Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium

temos alimentação. Antes, nem isso tínhamos”, afirma a chefa da brigada.

Outro grande obstáculo é a falta de transporte adequado. “Poderíamos combater melhor, mas como chegar lá? Temos materiais para levar: bombas costais, abafadores... Não tem como andar duas ou três horas carregando isso tudo, porque já estaremos desgastados quando lá chegarmos”, explica Raimundinha.

Quando conseguem atender a uma ocorrência, os brigadistas se dedicam não apenas a extinguir as chamas, mas também a garantir que o fogo não volte a se espalhar. Essa tarefa exige a permanência por longas horas no local, sob calor intenso, pouca ventilação e a fumaça densa, que coloca a saúde do grupo em risco.

“Nossa chefa de esquadrão já precisou ir ao hospital devido à dor no peito causada pela inalação de fumaça. Outros brigadistas também deixam de ir ao combate por dores ao respirar”, relata Raimundinha, evidenciando as consequências graves da precariedade enfrentada pela brigada indígena.

FOCOS NA TI

De 1º de janeiro até 15 de novembro, a TI Caititu registrou 20 focos de incêndio,

ocupando a 114ª posição no ranking nacional de queimadas entre os 573 territórios indígenas oficiais contabilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados são do Inpe.

As dez TIs com mais ocorrências estão nos Estados do Pará, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Mato Grosso: TI Kayapó-PA (3.259); TI Parque do Araguaia-TO (2.419); TI Kadiwéu-MS (1.473); TI Inawebohona-TO (1.123); TI Utiariti-MT (1.018); TI Parabubure-MT (791); TI Pimentel Barbosa-MT (770); TI Paresi-MT (731); TI Capoto/Jarina-MT (724); TI Munduruku-PA (606).

A alta expressiva no número de queimadas nas TIs representa um perigo para áreas que historicamente estão entre as mais preservadas. O mais recente levantamento do MapBiomas, divulgado em 21 de agosto deste ano pelo Observatório do Clima, trouxe dados reveladores sobre a contribuição das TIs para a preservação da vegetação nativa brasileira. O estudo, realizado entre 1985 e 2023, revelou que a perda de vegetação nativa nas TIs foi mínima, com apenas 1% de sua área original sendo comprometida durante o período analisado. Nas terras privadas, o percentual de perdas ficou acima dos 15%.

Avanço do gado

Homologada em 1991, a Terra Indígena (TI) Caititu enfrenta desafios crescentes devido à proximidade com a área urbana de Lábrea, no Amazonas. A expansão da área central do município e a presença de fazendas de gado pressionam os limites do território, intensificando os conflitos. Além disso, a proximidade com a BR-230 (Transamazônica) agrava a situação.

Segundo a Pesquisa de Produção Agropecuária Municipal (PPM) de 2023, realizada pelo IBGE, Lábrea lidera o rebanho bovino no Amazonas, com 652,3 mil animais, o equivalente a 23,3% do total estadual, que conta com 2,8 milhões de cabeças de gado.

A situação se agrava com o avanço do desmatamento. Conforme o Boletim de Desmatamento e Ilícitos Ambientais (BDI Censipam), quatro dos cinco municípios mais desmatados do Brasil, no primeiro semestre de 2023, estão no Amazonas. Entre eles está Lábrea, com 57,96% da área afetada, além de Apuí (69,54%), Manicoré (50,61%) e Novo Aripuanã (90,06%). Esses municípios formam a região conhecida como “arco do fogo”, onde a devastação ambiental tem sido mais severa.

Brigadistas da TI Caititu caminham mata a dentro para combater queimada

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

QUEIMADAS EM 2024

REGISTROS FOCOS DE FOGO DE 1º DE JANEIRO A 15 DE NOVEMBRO

Amazonas

Total: 25.093

Janeiro 160

Fevereiro 141

Março 35

Abril 32

Maio 40

Junho 258

Julho 4.241

Agosto 10.328

Setembro 6.879

Outubro 2.557

Novembro 422

Amazônia

Total: 127.912

Janeiro 2.049

Fevereiro 3.157

Março 2.654

Abril 1.117

Maio 1.670

Junho 2.842

Julho 11.434

Agosto 38.266

Setembro 41.463

Outubro 16.169

Novembro 7.091

Brasil

Total: 245.525

Mato Grosso 49.934

Pará 48.326 Amazonas 25.093

Maranhão 17.977

Tocantins 16.764

Mato Grosso do Sul 12.951

Minas Gerais 11.579

Rondônia 10.592

Piauí 8.846

São Paulo 8.655

Acre 8.620

Bahia 8.516

Goiás 6.270

Roraima 4.993

Ceará 3.235

Paraná 2.649

Santa Catarina 1.764

Rio Grande do Sul 1.540

Pernambuco 1.445

Amapá 1.330

Rio de Janeiro 1.192

Espírito Santo 635

Paraíba 564

Rio Grande do Norte 388

Distrito Federal 346

Alagoas 205

Sergipe 116

Inpe

Os focos de incêndio são captados por satélites, que utilizam imagens em pixel para identificação. Cada pixel pode representar um ou mais focos ativos, que, dependendo da situação, podem ser interpretados como um único incêndio. Esses focos podem permanecer ativos por vários dias. Contudo, as imagens dos satélites nem sempre refletem a gravidade real dos incêndios, que, em alguns casos, podem ser mais intensos do que o registrado.

Para Raimundinha Apurinã, as ameaças às Terras Indígenas vão além das queimadas e incluem o avanço das grandes fazendas nos limites do território. “Atualmente, as maiores ameaças para nós, indígenas, são as grandes fazendas. A cada ano que passa, de pouco em pouco, eles [fazendeiros] vão se aprofundando. Nós temos medo de perder o que é nosso, a nossa terra, porque não temos como fazer vigilância o tempo todo”, destaca a líder indígena.

AMEAÇAS AO TERRITÓRIO

O temor de perder a Terra Indígena Caititu para as queimadas e invasões é constante para Leonilda Souza da Silva, chefa de um dos três esquadrões da brigada voluntária e indígena da etnia Apurinã. Moradora do território, ela relata que sua motivação para atuar na brigada vem do desejo de preservar a floresta e garantir um futuro para as próximas gerações.

“Quando entro em um combate e vejo a quantidade de árvores queimadas, me entristece, eu saio de lá triste. Não é simplesmente a floresta que está pegando fogo, é o nosso futuro, é o futuro dos meus netos e filhos que está sendo destruído pelo fogo”, afirma, emocionada. “Na natureza está a nossa farmácia, o nosso ganha-pão, o nosso alimento”, destaca a chefa de esquadrão.

Leonilda, que nasceu na TI Caititu, observa que as mudanças climáticas estão cada vez mais evidentes na região. O aumento das temperaturas, a seca dos rios e o avanço do desmatamento têm impactado diretamente a vida dos moradores. Para ela, esses problemas são agravados pela ausência de políticas efetivas e do suporte necessário por parte do governo federal.

“Não estamos vendo esse olhar para nós”, desabafa. Segundo a brigadista, as principais dificuldades enfrentadas pela

Luta sem respostas

Em julho deste ano, quando as queimadas se intensificaram em todo o País, o Ibama e a Funai renovaram o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) para a continuidade das Brigadas Federais (Brifs) em Terras Indígenas, por mais dez anos. A parceria prevê, além da formação, a contratação de brigadistas, majoritariamente indígenas, com uma remuneração de R$ 1.412, além de um adicional de insalubridade de 20% do salário. No entanto, os brigadistas da TI Caititu ficaram de fora do programa.

Em 14 de agosto, o governo federal autorizou, por meio da Portaria do Ibama n.º 114/2024, a contratação de brigadas federais temporárias para a prevenção e combate a incêndios florestais em 19 Estados e no Distrito Federal, incluindo o Amazonas. Contudo, apenas os municípios de Apuí, Autazes e Humaitá foram contemplados. No site oficial, o Ibama explicou que a seleção das áreas para a contratação de brigadistas considera fatores como as detecções de focos de calor registradas pelo Inpe, a presença de Unidades de Conservação federais, Terras Indígenas, e a cobertura de remanescente florestal.

Segundo o indigenista Valdeson Vilaça, da Operação Amazônia Nativa (Opan), Organização Não Governamental (ONG) que atua há 20 anos na região, esforços estão sendo feitos para incluir os 23 brigadistas indígenas da TI Caititu entre os brigadistas oficiais. Em parceria com

a APITC, a Funai local e a Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), a Opan tem buscado articular com o Prevfogo e a Funai em Brasília para garantir a contratação da brigada indígena. A ONG, que também apoia a gestão do território e cadeias produtivas como pirarucu, castanha e açaí, viabiliza equipamentos para a brigada, apesar das limitações.

Vilaça afirma que as mudanças climáticas têm impactado a região, com novos desafios surgindo a cada ano, exigindo um planejamento de atuação renovado. Ele destaca que, mesmo com poucos recursos e equipamentos, os brigadistas têm trabalhado de forma incansável para proteger o território.

O presidente da APITC, Raimundo Nonato “Puraca”, teme que, sem uma maior intervenção externa, os recursos naturais essenciais à subsistência dos povos indígenas da TI Caititu se tornem cada vez mais escassos, forçando os indígenas a se deslocarem, talvez se tornando “refugiados climáticos”. Ele alerta para a gravidade da situação: “Vejo um futuro, como presidente, que se não tiver uma ajuda, se não tiver uma responsabilização a quem está fazendo isso [queimadas], vai acabar com tudo. Vai secar o rio e é risco até de gente morrer de fome [...] Se o mundo enxergasse o que nós, indígenas, fazemos aqui na TI, nós teríamos mais ajuda. Nós protegemos a floresta, não a destruímos”, ressaltou Puraca.

Brigadistas tentam abafar foco de queimada
Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium

AMAZÔNIA EM CHAMAS

equipe incluem a falta de equipamentos adequados para combater incêndios com segurança e a ausência de transporte próprio. “Eu fico triste quando os moradores nos acionam e nós não conseguimos ir”, lamenta Leonilda.

Os indígenas relatam que a ajuda que recebem do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) é pouca diante do número de ocorrências para o qual são acionados diariamente. Entre os motivos está a insuficiência de conhecimento sobre o território indígena.

O CBMAM informou que atua em Lábrea com a Operação Aceiro, que intensifica as ações de combate no período do fogo. Segundo o comandante da operação no município, tenente Fabrício, a corporação presta apoio à Terra Indígena quando acionados e com o auxílio de uma pessoa que possua conhecimento e guie a equipe no território.

“No município de Lábrea, nós atuamos, sim, em Terras Indígenas, mas jamais entra-

Quilombos sob ameaça

Os 20% do total de brigadistas quilombolas contratados pelo Prevfogo representam a força de trabalho de cerca de 650 pessoas pertencentes a esses territórios tradicionais. Um levantamento inédito do Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com a Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), aponta que 98,2% dos quilombos pelo País estão sob ameaça. Entre os riscos ambientais estão, segundo o estudo, o desmatamento, os incêndios e a degradação florestal.

mos nas terras sem a autorização dos chefes indígenas. Por meio da nossa central de chamadas, eles entram em contato conosco, informam o local e dão a autorização, ou seja, ao chegarmos no ramal, para adentrarmos as aldeias indígenas, existe um staff [pessoal/equipe], um indivíduo que vai nos acompanhar”, explica o comandante.

Também representam perigo a perda de biodiversidade e a degradação de recursos hídricos causadas pela exploração mineral e atividades de agricultura e pecuária, que pressionam essas terras.

Os territórios quilombolas abrangem 3,8 milhões de hectares e representam 0,5% da área total do Brasil, segundo o MapBiomas. Esses espaços tradicionais desempenham um papel significativo na conservação ambiental, com a preservação de mais de 3,4 milhões da vegetação nativa, segundo a instituição de monitoramento.

Ainda segundo o militar do CBMAM, a corporação segue uma prioridade no atendimento das ocorrências, que está assegurada em uma norma. Primeiro são priorizadas vidas humanas, em seguida, patrimônio e, por último, o meio ambiente. “Se, por um devido chamado de emergências, estiver envolvendo casas, essa é nossa

Brigadistas abastecem “mochilas” de água para tentar combater queimadas. São apenas 20 litros por “mochila”

Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em anúncio de medidas sobre combate às queimadas

Atuação do governo federal

No último dia 18 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma Medida Provisória (MP) para destinar R$ 514 milhões a ações de combate aos incêndios florestais na Amazônia. Aproximadamente R$ 120 milhões foram alocados ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e seus órgãos vinculados, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo a medida, os recursos têm o objetivo de financiar iniciativas de prevenção e controle de incêndios em áreas federais prioritárias, além de apoiar a formulação e implementação de políticas voltadas ao controle do desmatamento e ao ordenamento ambiental territorial. Até 15 de novembro, o Inpe registrou 254.525 focos de queimadas, colocando o Brasil no topo do ranking de incêndios florestais na América do Sul.

No dia 17 de setembro, um dia antes da assinatura da MP, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, usou o termo “terrorismo climático” para descrever as causas dos incêndios em todo o Brasil, agravados pela maior seca da história do País. A ministra afirmou que as queimadas são impulsionadas por ações criminosas.

“Num contexto como esse, se as pessoas não pararem de atear fogo, estamos diante de uma situação […] de quase 5 milhões de quilômetros quadrados com matéria orgânica muito seca, em processo de combustão muito fácil devido à baixa umidade, alta temperatura e velocidade dos ventos”, disse Marina, em entrevista ao programa “Bom Dia, Ministro”, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Apesar das ações anunciadas, o Governo Lula tem enfrentado críticas,

principalmente da bancada de oposição no Congresso Nacional, de ONGs e de Ministérios Públicos Federais (MPFs) de todo o País. Movimentos sociais e organizações promoveram, em São Paulo, a “Marcha por Justiça Climática”, com o tema “Esse calor não é normal”. O protesto foi um dos 13 atos realizados em diversas partes do Brasil, entre setembro e outubro, com a liderança de grupos como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Fórum Popular da Natureza, o Greenpeace Brasil, a Coalizão pelo Clima SP e os Jovens pelo Clima.

No mesmo mês, o MPF anunciou a investigação de mais de 190 casos de queimadas e incêndios florestais no País entre 2023 e 2024. Entre as ações propostas estão pedidos para o governo federal contratar brigadistas e adquirir Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e viaturas para reforçar o combate aos incêndios.

Crédito: Governo Federal

AMAZÔNIA EM CHAMAS

“Eu
vejo um futuro que se não tiver uma ajuda, se não tiver uma responsabilização a quem está fazendo isso [queimadas], vai acabar com tudo.

[...] Se o mundo enxergasse o que nós, indígenas, fazemos aqui na TI, nós teríamos mais ajuda. Nós protegemos a floresta, não a destruímos”

Raimundo Nonato “Puraca”, presidente da APITC.

prioridade. [...] A partir do momento que esse deslocamento das chamas está próximo a residências, fazendas ou outros tipos de comunidades, o nosso trabalho é voltado a esse tipo de ação. Vidas humanas em primeiro lugar”, afirma.

NÃO É SÓ NO AMAZONAS

A situação de vulnerabilidade na Terra Indígena Caititu diante das queimadas reflete um cenário que se repete em diversas regiões do Brasil. A crise ambiental, intensificada pelo enfraquecimento da

Brigadas pelo País

Este ano, até agosto, o Prevfogo contava com 2.227 brigadistas contratados, segundo o Ibama. Em setembro, esse número subiu para 3.245, conforme o presidente do órgão federal, o que representa um aumento de cerca de 45%. As brigadas oficiais possuem contratos de seis meses e estão presentes em municípios de 19 Estados, além do Distrito Federal. A prioridade de atuação, segundo o Ibama, é em Terras Indígenas e Unidades de Conservação sob responsabilidade do governo federal, bem como áreas de assentamento.

Os profissionais que atuam nas brigadas como contratados recebem um salário mínimo, de R$ 1.412, além de benefícios como adicional de insalubridade e auxílio-alimentação. Aqueles que atuam em cargos de supervisão podem ganhar até R$ 5.280.

rede de proteção ambiental, tem deixado povos indígenas em situações dramáticas.

Em setembro deste ano, incêndios devastaram florestas na Terra Indígena Mãe Maria, em Bom Jesus do Tocantins, no sudeste do Pará, causando a morte de diversas espécies, como pacas, antas e jabutis. Assim como na TI Caititu, os indígenas enfrentaram grandes desafios para conter as chamas, devido à falta de equipamentos adequados e ao escasso suporte externo.

Kátia Gavião, liderança do povo Gavião, descreveu o cenário como desesperador: “O fogo é horrível, é uma calamidade. É caótica a situação, triste. Muitos animais morrendo, muita fumaça, muitas pessoas gripadas, crianças, adultos, todo mundo com dor de garganta, os olhos ardendo. É muito triste”, relatou à CENARIUM, na época. Outro exemplo ocorreu no mesmo mês, no Território Indígena Andirá-Marau, em Barreirinha (a 330 km de Manaus). Moradores registraram em fotos e vídeos o avanço das chamas sobre a vegetação no Igapó do Vinte Kilo, intensificado pelas altas temperaturas. As imagens mostravam galhos e folhas secas sendo consumidos pelo fogo em um processo rápido e devastador.

ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS

A reportagem da CENARIUM procurou o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o Ibama, além do Ministério dos Povos Indígenas e a Funai, para obter esclarecimentos sobre as ações e os recursos destinados aos brigadistas e indígenas da TI Caititu. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi questionado sobre a promoção da proteção,

recuperação e conservação em territórios indígenas durante a temporada do fogo. Em resposta, o MPI reconheceu que os incêndios florestais afetam “boa parte do País e muitas Terras Indígenas” e afirmou que tem buscado enviar todos os recursos possíveis para a proteção dos territórios. Até o fechamento da reportagem, o MMA e a Funai, além do ICMBio, não haviam dado retorno aos questionamentos.

O Ibama afirmou que, durante o curso ministrado pelo Prevfogo, dez bombas costais rígidas, seis enxadas, seis foices, três rastelos e dez abafadores foram cedidos como empréstimo para o combate aos incêndios, e estão sob os cuidados da Organização Não Governamental (ONG) Operação Amazônia Nativa (Opan). Além disso, o órgão afirmou que “não há obrigação, por parte do Ibama, de fornecer equipamentos ou EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para brigadas voluntárias” e que “equipamentos, ferramentas e equipamentos de combate são fornecidos para os brigadistas contratados”.

“Quanto à questão da escolha de áreas em situação de incêndios florestais, são realizados estudos onde são priorizadas áreas que contenham as seguintes características: grande quantidade de focos de calor em vegetação natural, estar localizada em região situada no Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira, Unidades de Conservação Federal, Unidades de Conservação Estadual, Terras Indígenas, áreas quilombolas e Assentamentos rurais do Incra”, diz a nota.

Sobre os critérios considerados na contratação de brigadistas remunerados, a pasta explica que o contrato tem duração de seis meses e se estabelece após publicação de editais, com cerca de “1 mil indígenas para atuação nas brigadas implantadas em territórios indígenas”.

A nota também complementa que, em 2024, foram formadas 57 Brigadas Federais do Prevfogo para atuarem em Terras Indígenas, com o apoio da Funai. O Programa Brigadas Federais em Terras Indígenas surgiu a partir de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado entre a Funai e o Prevfogo, vinculado ao Ibama.

Nota do MPI

“O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) atua conjuntamente com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e demais órgãos governamentais no monitoramento, prevenção e combate aos incêndios florestais nas Terras Indígenas. Esta atuação é coordenada pelo Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional Nacional (Ciman), que possui especialistas de várias instituições dedicados integralmente ao tema durante a temporada de estiagem.

Dentre as ações mais importantes da Funai se destaca o Programa Brigadas Federais, uma parceria de 11 anos com o Ibama que permite a contratação de mais de 1.000 brigadistas indígenas. Estes brigadistas fazem atividades de manejo integrado do fogo e têm controlado de forma eficiente a ocorrência e propagação dos incêndios florestais em diversos territórios.

Dessa forma, apesar da situação que atinge boa parte do País e muitas Terras Indígenas, também há casos de áreas que eram severamente afetadas pelos incêndios nesta época do ano e que atualmente estão preservadas, como as Terras Indígenas Bakairi, Xerente, Xingu, Tenharim-Marmelos, Kraholândia, Avá-Canoeiro, Marãiwatséde, Xacriabá, Irantxe, Menku, Arariboia, Alto Turiaçu, Krikati e Porquinhos, dentre outras.

A atual temporada de incêndios é uma das mais severas já registradas na história do País e pode se agravar, devido a ondas de calor e baixa umidade. Neste contexto, o MPI tem procurado garantir que todos os recursos disponíveis sejam enviados para a proteção dos Territórios Indígenas. Também destacamos que programas como as Brigadas Federais Indígenas, que valorizam a autogestão, o protagonismo

indígena e o conhecimento tradicional, são um dos pilares fundamentais para a proteção dos territórios contra as novas ameaças, como os incêndios florestais e outros desastres causados pelas mudanças climáticas globais.

O MPI e a FUNAI lançaram, ainda, uma campanha de combate aos incêndios em Terras Indígenas, com foco em conscientizar as comunidades indígenas sobre práticas seguras de manejo do fogo durante o período de seca e disponibilizar informações sobre ações que devem ser adotadas pelos povos em casos de incêndios dentro e próximo às Terras Indígenas, com o objetivo de garantir sua segurança e combater as queimadas. O objetivo é auxiliar as populações indígenas que vivem nas regiões afetadas pelos incêndios a se protegerem e protegerem suas terras”.

Trilha separa área queimada de área verde na TI Caititu
Crédito: Ana Jaguatirica
Cenarium

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Queimadas impactam população

Na zona rural, fogo criminoso chega próximo às casas e afeta saúde dos moradores das comunidades

Adrisa De Góes - Da Cenarium

MANAUS (AM) - “Desde o ano passado, a gente vem tendo esses problemas. Quando chega o verão, já ficamos preocupados”. A declaração é de Valdeci Souza, agricultor de 52 anos e morador do KM 26, na zona rural de Lábrea, há 14 anos. O município ocupa a sexta posição no ranking das cidades com mais focos de incêndio até 15 de novembro, com 4.268 ocorrências, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Valdeci e sua família vivem em uma pequena casa de madeira na localidade e sofrem com as queimadas e seus impactos. Sua história chegou até a reportagem após a equipe seguir um rastro de fogo que levou até o terreno localizado nos fundos da residência onde ele mora. Naquele dia, o fogo consumiu a roça cultivada por ele. O local apresentava chamas altas e muita fumaça. “Aqui, desde o ano passado, é desse jeito direto. Este ano já queimou tudo. [...] À

Queimada próxima a uma casa na zona rural de Lábrea
Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium

noite, é ruim para dormir. Tenho problemas de asma e chego a ficar quase sem ar. [...] Isso prejudica a gente, as crianças, é muito sufoco”, contou à CENARIUM, enquanto equipes do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) tentavam conter o incêndio.

No Estado, a roça, ou roçado, é uma área de cultivo agrícola tradicional, essencial para a subsistência de famílias que vivem em comunidades, seja para consumo próprio ou como fonte de renda. Geralmente, são cultivadas plantações de mandiocabase para a produção de farinha e tucupi, feijão, banana, milho, entre outros.

O plantio ocorre após a limpeza da área, por meio do corte e queima da vegetação. Para que o fogo não se alastre, são feitas barreiras no solo, chamadas de aceiros. Os aceiros são faixas de terra, sem vegetação, que separam a plantação das áreas de mata. Embora seja uma prática comum, ela é discutida por autoridades locais, que buscam apresentar alternativas, como o projeto “Roça Sem Queima”, do Governo do Amazonas.

“A gente faz uma roça, faz um aceiro, faz o fogo ‘bom’, aí vêm outras pessoas, põem fogo em outras áreas, sem controle, e o fogo vem vindo e queimando tudo da gente. Nós vivemos da roça, mas agora temos medo de tocar fogo no roçado, por conta do tempo seco, com medo de o fogo se espalhar”, relata o agricultor.

Conforme o monitoramento do Inpe, o período mais intenso do fogo em Lábrea, quando os focos de incêndio dispararam, ocorreu entre junho e setembro deste ano. Em junho, foram registrados 4.255 focos, o correspondente a 17,2% de todo o Estado, que possui 62 municípios. Naquele mês, a cidade liderou o ranking de queimadas local.

Já em julho, esse número caiu para 983 focos, ficando atrás somente do município de Apuí, também no sul do Amazonas, com 1.451 focos. No mês seguinte, a cidade se manteve em segundo lugar em queimadas, mas os números de focos mais que dobraram, chegando a 1.959. Em setembro, Lábrea voltou a ocupar o primeiro lugar no ranking, desta vez com 858 focos. Passado o período mais crítico, nos meses de outubro e até a primeira quinzena

Repressão a delitos ambientais

No Amazonas, a repressão aos delitos ambientais, como queimadas e desmatamento no sul do Estado, é realizada por meio da Operação Tamoiotatá, do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). No período de 30 de abril a 10 de setembro, o órgão aplicou um total de R$ 109,8 milhões em multas a infratores.

Durante 140 dias, a operação percorreu sete municípios, quatro dos quais receberam multas superiores a R$ 15 milhões: Canutama (R$ 32,5 milhões), Manicoré (R$ 28 milhões), Novo Aripuanã (R$ 18 milhões) e Apuí (R$ 15 milhões). Ao todo, foram fiscalizados 298 polígonos, resultando em 146 Autos de Infração,

de novembro, a cidade contabilizou 227 e 27 registros, respectivamente, no monitoramento do Inpe. Os cinco primeiros meses de 2024 (janeiro a maio) somaram 14 focos de incêndio.

QUALIDADE DO AR

O aumento dos incêndios fora de controle em áreas de mata ocasiona, além de danos à biodiversidade, impactos à população das cidades afetadas pela fumaça. Este ano, no período mais crítico das ocorrências de incêndios, Lábrea também registrou

Crédito: Ana Jaguatirica Cenarium

287 Termos de Embargo e 39 Termos de Apreensão lavrados.

Além do Ipaam, a iniciativa reúne esforços de órgãos estaduais como a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) e a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-AM). Também integram a operação a Secretaria Executiva Adjunta de Planejamento e Gestão Integrada (Seagi) e forças de segurança, como o Batalhão de Policiamento Ambiental (BPAmb) da Polícia Militar do Amazonas (PM-AM), a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) e o Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM).

os piores índices de qualidade do ar no Amazonas, segundo o Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental (Selva), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Em 2 de setembro, o município registrou concentrações de 652 micropartículas inaláveis por metro cúbico (µg/m³), um valor acima do limite máximo da categoria “péssimo”, que vai de 125 a 160 µg/m³, o que representa risco para a população. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o nível de exposição aceitável para a saúde deve ser inferior a 50 µg/m³.

O agricultor Valdeci Souza e seus filhos sentem a saúde ser afetada pela fumaça das queimadas

AMAZÔNIA EM CHAMAS

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Sistemas de vigilância ambiental, como o Selva, PurpleAir, AccuWeather e Aiqcn. org, apontam que níveis elevados de poluição do ar podem causar efeitos imediatos à saúde. Pessoas saudáveis podem sentir dificuldades respiratórias e irritação na garganta em caso de exposição prolongada. Além disso, é recomendada a redução das atividades ao ar livre.

Devido aos altos níveis de poluição em Lábrea, o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) e a Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) emitiram uma recomendação solicitando ao Poder Público a suspensão de eventos públicos com grandes aglomerações ao ar livre, em razão da péssima qualidade do ar.

“A iniciativa conjunta foi motivada pela situação crítica vivida no sul do Amazonas, onde a qualidade do ar atingiu níveis alarmantes em decorrência das queimadas ilegais. No município de Lábrea, a poluição atmosférica resultou em um aumento

expressivo de atendimentos médicos, especialmente no Hospital Regional, com um crescimento no número de casos de doenças respiratórias agravadas pela presença constante da fumaça”, diz uma publicação no site oficial do MP-AM.

AUTORIDADES APONTAM CRIME

Segundo o comandante da Operação Aceiro em Lábrea, tenente Fabrício, do CBMAM, a maioria dos incêndios apresenta características de fogo criminoso. Iniciada em 3 de junho, a operação conta com 43 brigadistas e combatentes militares no município, dos quais 18 pertencem à corporação amazonense, e os demais, à Força Nacional e à brigada municipal.

“O desenvolvimento do fogo depende de situações climáticas. Este é um período no qual o proprietário de terras prepara o terreno para as pastagens e plantações. O fator climático não está propício para esse tipo de tratamento da terra [...] Isso

faz com que ele perca o controle e entre em um chamado de emergência. Quando chegamos a um local, é possível concluir se o fogo é criminoso pela característica de desmatamento e pelo processo de queima”, explica o comandante.

Ainda segundo o chefe da operação, uma das maiores dificuldades no combate ao fogo “é o contato com os fazendeiros, tanto os que trabalham com grandes hectares quanto os pequenos”. Isso porque, nessas áreas, há uma série de registros de queimadas.

O militar ressalta, ainda, que, durante os 20 anos em que está no serviço público, tem percebido o avanço da crise climática. “A gente vem percebendo que só piorou, só agravou. Mas a gente entende que a maioria dos processos são causados pelo homem. O homem é o maior causador do que a gente vem enfrentando hoje”, observa o tenente do Corpo de Bombeiros.

Crédito:
Ana Jaguatirica
| Cenarium
Menina tenta abafar fogo de queimada usando apenas um galho de árvore

QUEIMADAS EM LÁBREA

FOCOS DE FOGO DE 1º DE JANEIRO

DE 2024 A 15 DE NOVEMBRO DE 2024 Amazonas 25.093

maior número nos últimos sete anos

Lábrea 4.268

17% do total no Estado

Município é o sexto do País no ranking de queimadas

COLOCAÇÃO

DE LÁBREA NO RANKING DE QUEIMADAS DO AM MÊS A MÊS:

EVOLUÇÃO

DO NÚMERO DE FOCOS Janeiro

no AM

no AM

no AM

AMAZÔNIA EM CHAMAS

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

A seca severa na Amazônia, somada às queimadas, criou um cenário de crise na região

Dos incêndios à seca

Além das queimadas, moradores da região de Lábrea, no sul do Amazonas, sofrem com insegurança alimentar causada pela seca severa

Adrisa De Góes - Da Cenarium

MANAUS (AM) – As queimadas não são a única ameaça à vida enfrentada pelos moradores do município de Lábrea, no sul do Amazonas. Somadas aos incêndios criminosos, a seca na Amazônia afeta a segurança alimentar da região, causando fome e insegurança para as populações, principalmente as ribeirinhas, que vivem próximas aos rios e dependem deles para o sustento. No Amazonas, que teve 98% de seu território atingido pela

estiagem em 2024, as famílias sentem os impactos na alimentação e na renda. É o caso da agricultora Noemi Pinheiro de Vasconcelos, de 32 anos, moradora da comunidade Praia de Lábrea, localizada em frente ao Rio Purus, a 702 quilômetros de Manaus, capital do Estado. Ela é uma das 850 mil pessoas que, até novembro deste ano, sofreram os efeitos da vazante, segundo monitoramento do Governo do Estado.

“Todo o dia, você tem várias refeições: almoço, café, jantar. Às vezes, as meninas [filhas] vão até com fome para a escola, porque não tem [o que comer]”, relata a agricultora, que vive em uma casa de palafita — construção elevada sobre madeira — com seu esposo, o agricultor Raimundo Nazareno Silva de Souza, de 39 anos, e duas filhas, estudantes do Ensino Fundamental.

O Rio Purus, fonte de alimento para a família, está seco e cada vez mais escasso de peixes. Atualmente, a única fonte de

renda fixa da família vem do Bolsa Família. O tempo seco e com altas temperaturas dificulta o crescimento da mandioca — matéria-prima da farinha — e de legumes e vegetais cultivados em uma pequena roça no terreno onde vivem.

“Nessa época [da seca], a gente vai à noite para o barranco, tarrafear [pescar com rede], e o boto ainda rasga a tarrafa toda. Além de ser escasso, o rio está ruim de peixe. A gente recebeu o Bolsa Família, comprei umas coisas e a gente está vivendo. Quando não tem, não tem. A caça também é escassa, é difícil”, conta Noemi. “A nossa renda é quando começamos a fazer farinha. Vendemos uma farinha em um dia, no outro não vendemos. Aí, vendemos uma macaxeira [mandioca]”, afirma.

Para ter acesso à água, a família precisa buscar no rio e carregar até em casa. Esse trabalho é feito por Raimundo, que precisa andar cerca de 1 quilômetro, em terreno

Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium

A agricultora Vanize Freitas relata que nem todos os dias sua família consegue jantar porque há falta de alimentos

íngreme, com um galão nas costas. A família, que não possui água encanada, depende integralmente da água do rio, não tratada, para beber, cozinhar e tomar banho. O casal afirma ter percebido os efeitos mais severos da seca este ano, agravados pela onda de queimadas e, consequentemente, pela fumaça.

“É ruim ver o filho da gente com fome e não ter de onde tirar, mas a gente dá um jeito. [...] A gente não tem um emprego, mas também não passa muita fome, a

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), as comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e de áreas periféricas estão entre as mais afetadas pela estiagem. Já em situação de vulnerabilidade, esses grupos enfrentam dificuldades agravadas pela crise climática, com menos acesso a recursos e apoio para adaptação ou recuperação. A perda de terras e recursos naturais essenciais para a

Navegação afetada

A seca severa que atinge o Amazonas causa impactos profundos na vida das populações que dependem do transporte fluvial para se locomover. Com o rebaixamento dos níveis dos rios, trechos antes navegáveis tornaram-se inacessíveis, dificultando a mobilidade de comunidades ribeirinhas, indígenas e moradores de áreas remotas. Além disso, a dificuldade de navegação reflete na economia e na vida de quem trabalha no ramo.

A redução do calado dos rios tem forçado a interrupção de rotas regulares, o aumento nos custos das viagens e o prolongamento do tempo necessário para percorrer distâncias que antes eram feitas com facilidade. O conferente de embarcações de mercadorias Cleudson Silva, de 33 anos, que atua há cerca de seis anos no ramo, tem sido afetado pelos efeitos da

estiagem. Ele realiza viagens semanais no trecho Manaus-Lábrea-Manaus.

“Na seca, principalmente nesse período em que já secou muito e está na baixa dos rios, a gente gasta até sete dias de viagem. Fora os dias comuns, na viagem de sete dias, a gente ainda ficou mais nove dias parados, por conta de um trecho estar muito raso e a gente tentar passar e não conseguir”, conta.

No período da cheia, a viagem no mesmo trecho tem duração de cerca de quatro dias. Agora, com o nível do rio baixo, além da demora, é preciso cautela para navegar nos rios, devido aos bancos de areia que surgem no trecho e podem fazer com que o barco encalhe. Quando isso acontece, é necessária uma nova logística para resgatar os passageiros e mercadorias.

subsistência, somada à limitação no acesso a serviços básicos como saneamento, saúde, educação e justiça climática, intensifica os desafios dessas populações.

Segundo a chefe do escritório do Unicef em Manaus, Débora Nandja, crianças e adolescentes são os mais prejudicados. “A falta de acesso à água potável, alimentos nutritivos e condições sanitárias adequadas aumenta os riscos de desnutrição, doenças e interrupção da educação”, afirmou.

A seca na Amazônia deve persistir até dezembro de 2024, conforme previsão do Serviço Geológico Brasileiro (SGB). O Rio Negro, que corta Manaus, capital do Amazonas, apresenta “repiquetes” — fenômeno de oscilações intermitentes no nível das águas — e deve manter esse comportamento até o fim deste ano. No último dia 9 de outubro, o rio atingiu o menor nível em 122 anos de medições, com 12,11 metros. Segundo especialistas, a recuperação do nível do rio está prevista apenas para janeiro de 2025.

‘A GENTE SOFRE MUITO’

Viajar para ter acesso à saúde e a serviços básicos, como bancos e supermercados, é uma realidade para as populações que vivem em comunidades na Amazônia. Isso

“Além de todo o transtorno, do trabalho que dá em passar a mercadoria de um barco para outro, tem a questão financeira, porque um dia a mais de viagem faz diferença na despesa. Porque, além de mercadoria, a gente tem passageiros na embarcação”, explica Cleudson.

Para enfrentar esses desafios, as comunidades têm improvisado soluções, como o uso de caminhadas e motocicletas em trechos terrestres alternativos ou a construção de pequenos portos emergenciais. Já os governos e autoridades, como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), têm adotado medidas para minimizar os impactos, incluindo a flexibilização do uso de embarcações e adaptações em portos e terminais.

gente dá um jeito, tem que dar um jeito”, afirma o agricultor.
Crédito: Ana Jaguatirica | Cenarium

AMAZÔNIA EM CHAMAS

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

A agricultora Noemi Pinheiro relata haver dias em que suas filhas vão para a escola sem comer

ocorre porque, em pequenas localidades da zona rural, a infraestrutura é precária. No período da seca, o acesso a esses recursos se torna ainda mais difícil, pois os rios funcionam como estradas para essas populações. Quando os níveis de água estão mais baixos, barrancos de areia e pedras começam a aparecer, dificultando o tráfego. A navegação precisa ser mais cautelosa para evitar que as embarcações encalhem ou ocorram acidentes.

Em busca de atendimento médico, o casal de agricultores ribeirinhos Antônio Francisco Santos Fonseca Apurinã, de 52 anos, e Vanize Ventura de Freitas, de 43 anos, moradores da Comunidade do Madeirinha, precisa viajar cerca de 12 horas em um rabeta — pequena embarcação com motor acoplado — para conseguir atendimento no Hospital Regional de Lábrea. Antônio precisou procurar a unidade de saúde no final de setembro deste ano para tratar um tumor na parte posterior da perna. Com dores, ele teve que enfrentar o trajeto sob o sol escaldante e intensa fumaça.

Renda prejudicada

“A inflação, tanto dos alimentos quanto da energia, inevitavelmente corrói a renda das famílias, reduzindo o que elas conseguem adquirir com o mesmo valor. A questão da logística é, sem dúvida, um ponto fraco na região”

Lauro Brasil, economista.

Com os níveis dos rios no Amazonas em patamares críticos pelo segundo ano consecutivo, especialistas alertam para os impactos econômicos da estiagem. Entre as principais preocupações está o aumento dos preços, que pode resultar na redução do poder aquisitivo da população, afetando principalmente itens essenciais como alimentos.

Segundo o economista Lauro Brasil, a seca nos rios tem consequências diretas na logística da região, encarecendo o transporte de mercadorias e elevando os custos de produtos básicos. “A inflação, tanto dos alimentos quanto da energia, inevitavelmente corrói a renda das famílias, reduzindo o que elas conseguem adquirir com o mesmo valor. A questão da logística é, sem dúvida, um ponto fraco na região”, explica.

O cenário reforça a vulnerabilidade econômica do Estado, onde grande parte da população depende de transportes fluviais para abastecimento e circulação de mercadorias. O impacto nos preços tende a ser mais severo nas comunidades ribeirinhas e em áreas isoladas, onde os custos de transporte já são elevados. Além disso, a seca no Amazonas afeta diretamente os feirantes, que dependem do transporte fluvial para receber e distribuir mercadorias. Com os rios em níveis críticos, o custo do frete aumenta e eleva os preços de frutas, verduras e outros produtos nas feiras. À CENARIUM, feirantes da Feira Municipal do Produtor Rural em Lábrea relatam dificuldades para manter a renda.

“A gente transportava essa farinha para Manaus, para Canutama. Com o rio seco,

os recreios [barcos] não estão passando quase, aí fica difícil. A mercadoria também não vem por conta do rio seco. Diminui [a renda], não está muito bom. Antes, vendia muito, agora tá devagar”, disse o feirante Nonato da “Farinha”, como é conhecido, de 47 anos.

No local, bancas vazias e a ausência de feirantes mostram o impacto da vazante para os trabalhadores da feira, prejudicados pela colheita e pelo rio seco, principal meio para escoamento da produção.

“As vendas não ficam boas nesse período. A gente compra as coisas e estraga tudo. [...] Com essa seca, é muito difícil”, afirma a agricultora Cleiciane Cordovil da Silva, de 36 anos. “A gente vive da agricultura, ganha pouquinho, mas vai se mantendo”, complementa.

Crédito: Laryssa Gaynett | Cenarium

“A viagem, do jeito que nós viemos, que a canoa não tem cobertura, é cansativa. Eu não podia sentar, vinha sentado, só a mulher que vinha dirigindo o motor. Viemos pegando sol e, se chovesse, a gente pegava chuva. Eu vim com dor. Foram 12 horas de viagem [...] Agora, nesse período, atrasa mais a viagem, devido ao rio, aos paus [troncos de árvores], temos que vir com bastante atenção, desviando das pedras”, explica o agricultor.

Vanize, que precisou pilotar por 12 horas até a cidade, ressalta que a viagem, nesse período, acaba sendo perigosa. Além disso, em casos de urgência, como o do esposo, que estava com fortes dores, eles precisam sair às pressas em busca de atendimento e acabam não se programando para levar alimentos. Segundo ela, a alimentação da família vem da pesca e, em alguns casos, da caça.

“A viagem é muito longa, o sol é muito quente. A gente sofre muito. Às vezes não trazemos o que comer, não dá tempo, porque quando saímos assim, por causa de doença, não dá tempo de procurar alguma coisa pra comer. [...] O rio está muito seco também. A gente fica com medo da canoa dar em cima

de algum pau, de alguma pedra e alagar [...] Mas a gente, mesmo assim, arriscando a vida, tem que vir, porque ninguém pode ficar assim [doente]”, relata a agricultora.

O casal afirma que, com o passar dos anos, os impactos da mudança climática vêm afetando o cotidiano. A alimentação, que tem como base o pescado e a plantação, se torna uma incerteza diária durante o período da seca. Francisco e Vanize plantam feijão, jerimum, banana e possuem um roçado de mandioca para a produção de farinha. Os alimentos não são vendidos, apenas consumidos pela família, mas no período seco, são destruídos pelo calor.

“Este ano foi ruim para o peixe. Até para a gente comer, está difícil. Quando não tem peixe, no verão, a gente cozinha feijão. A gente encontra mais peixe à noite. A gente consegue tomar café, almoçar, jantar, mas não é todo dia que a gente janta, porque não dá tempo de ficar caçando comida todo dia”, afirma Vanize. Ela conta, ainda, que não possui geladeira e energia elétrica para armazenar comida. “Lá tem energia elétrica, mas com a fumaça que está dando, a placa não gera energia”, relata.

“Às vezes, as meninas [filhas] vão até com fome para a escola, porque às vezes não tem [o que comer]”
Noemi Pinheiro, agricultora.

Oferta de peixes cai

“Aqui na feira, a venda fica péssima [...] Eu tenho percebido que as coisas estão ficando cada vez mais difíceis. Antigamente, quando a gente começou a trabalhar aqui [na feira], aparecia muito peixe bom. Hoje, não aparece, os peixes que aparecem são pequenos. Agora, dá pouco, por conta de que o rio seca muito”. O relato é do vendedor de peixes Francisco Chagas, que trabalha na feira de pescado do município de Lábrea.

Com a severa estiagem que afeta o Amazonas, a Federação de Pescadores do Amazonas (Fepesca-AM) fez um alerta para os riscos de escassez de peixe nas feiras e mercados de Manaus, que recebem mercadorias, principalmente, dos municípios do interior. A redução drástica dos níveis dos rios impacta tanto os pescadores, que enfrentam dificuldades para acessar os pontos de pesca tradicionais, quanto os consumidores, que sentem os reflexos no bolso.

Segundo a Fepesca-AM, a queda na oferta de peixes no Estado é uma consequência direta da crise hídrica, que restringe a atividade pesqueira e ameaça o sustento de milhares de famílias que dependem dessa atividade econômica. A situação também elevou os preços do pescado, intensificando os desafios para quem depende desse alimento no dia a dia.

O vendedor de peixes Francisco Chagas vem sofrendo com a baixa oferta do pescado por conta da seca
Crédito:

Imagem aérea mostra área verde e área queimada no Estado do Amazonas

Devastação em queda

Desmatamento cai 30% na Amazônia e 25% no Cerrado entre agosto de 2023 e julho de 2024, aponta Prodes

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – Dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes) mostram uma redução de 30,6% no desmatamento da Amazônia Legal e de 25,8% no Cerrado, no período de agosto de 2023 a julho de 2024. Os índices foram divulgados no dia 6 de novembro, no Palácio do Planalto, pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), e pela ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), Marina Silva.

Na Amazônia, a taxa de desmatamento caiu de 9.001 km², em agosto de 2023, para 6.288 km², até julho de 2024, considerada a maior queda percentual em nove anos. No caso do Cerrado, que vinha em uma escala de crescimento há quatro anos, foi a primeira vez que registrou redução, caindo de 11.002 km² para 8.174 km².

Segundo a ministra Marina Silva, se considerados os dois anos de análise, a queda no desmatamento é de 45,7%, com uma redução para 9.064 km² de agosto de

2022 a julho de 2023. O período inclui cinco meses do governo de Jair Bolsonaro e sete meses da atual gestão.

AMAZÔNIA

Rondônia foi o Estado que registrou a maior redução no desmatamento (62,5%), com queda de 867 km² para 325 km² no período, seguido de Mato Grosso, que reduziu em 45,1% o desmate (de 2.048 km² para 1.124 km²). A queda no Amazonas foi de 29% (de 1.610 km² para 1.143 km²). Já no Pará houve redução de 28,4%, saindo de 2.299 km² para 2.362 km². Dos 70 municípios prioritários da Amazônia Legal, em 78% houve queda no desmatamento, enquanto em 23% houve aumento.

O Estado de Roraima foi o único a registrar aumento de áreas desmatadas no período de um ano, com crescimento de 53,5%, saindo de 284 km² desmatados em 2023 para 436 km² este ano.

Segundo o coordenador-geral de Ciências da Terra e diretor substituto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilvan Sampaio, entre os fatores que explicam esse crescimento em Roraima estão os dois anos de seca expressiva e os incêndios descontrolados na região. Aliado às características da vegetação do Estado, mais suscetível ao fogo, também há o acréscimo da degradação progressiva da vegetação que, somada, contribui para elevar o desmatamento. “Basicamente, é o aumento da degradação progressiva”, afirmou.

Para a ministra Marina Silva, o resultado apresentado é fruto de um trabalho conjunto de 19 ministérios, dos Estados e municípios, e de um conjunto de políticas públicas montadas para enfrentar a nova realidade das mudanças climáticas, que refletem no desmatamento. “Os resultados aqui alcançados não são apenas do governo federal, é também uma ação integrada com o governo dos Estados, sem o que

45,7%

Se considerados os dois anos de análise, a queda no desmatamento é de 45,7%, com uma redução para 9.064 km² de agosto de 2022 a julho de 2023.

Da esquerda para a direita, durante apresentação dos dados, os ministros: Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Geraldo Alckmin (Vice-Presidência e Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima)

essa política não teria sustentabilidade”, afirmou a ministra.

Segundo Marina, o Brasil segue firme em alcançar a meta de desmatamento zero até 2030 e, para isso, está implantando uma série de medidas em conjunto com Estados e municípios para melhorar a fiscalização, investigação e punição dos responsáveis pela destruição das florestas. Dentre as medidas, estão o aumento dos aportes do Fundo Amazônia (que tem disponíveis R$ 1,4 bilhão); a elevação do monitoramento e controle ambiental, como autos de infração e embargos de áreas; ingresso de 73 ações civis públicas para reparação de danos ambientais e terras da Amazônia, além do combate ao garimpo, desintrusão em Terras Indígenas, entre outras ações.

O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima,

André Rodolfo de Lima, explicou que, embora houvesse, em 2023, uma tendência de aumento do desmatamento no Cerrado, as estratégias empregadas conseguiram reverter o cenário, registrando, após quatro anos, uma redução de 25,8%.

Houve uma redução de 76,4% do desmatamento em uma região conhecida como Matopiba, que compreende os Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e que concentrou, até julho deste ano, 76,4% do desmatamento do bioma.

Entre agosto de 2023 e julho de 2024, na comparação com o período imediatamente anterior, a Bahia registrou uma redução de 63,3%, seguida pelo Maranhão, com 15,1%, o Piauí, com 10,1%, e Tocantins, com uma queda de 9,6%.

Como estratégia para preservar o bioma Cerrado, foi assinado, ao final da divulgação dos resultados, um pacto entre o governo federal e os governadores do Matopiba “para reforçar a ação conjunta

Prodes e Deter

O Inpe dispõe de dois sistemas de monitoramento: o Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter-B), que faz alertas diários para melhorar a fiscalização contra o corte de árvores e queimadas; e o Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), cujo relatório é anual e fixa a taxa oficial do desmatamento do País.

Enquanto o Prodes entrou em operação em 1988, o Deter começou a funcionar em 2004, na sua versão A, passando a operar na versão B desde 2015. O coordenador-geral de Ciências da Terra e diretor substituto do Inpe, Gilvan Sampaio, explicou que o Prodes agora possui uma resolução de dez metros, podendo utilizar também imagens de radar que cobrem 100% das áreas não cobertas pelo satélite Sentinel.

na prevenção e combate ao desmatamento e aos incêndios no Estado da região, resultado de um trabalho iniciado em março, com reunião liderada pelo ministro Rui Costa no Palácio do Planalto”.

Segundo o MMA, entre outros objetivos, a parceria visa aumentar a atuação coletiva para identificar e aplicar sanções ao desmatamento ilegal em imóveis rurais da região, além de aprimorar as regras e processos para garantir transparência, compartilhamento de informações e formulação de estratégias para a conservação da água e dos ativos florestais de vegetação nativa nos diferentes ecossistemas do Cerrado no Matopiba.

DESMATAMENTO E DEGRADAÇÃO

Especialistas consideram desmatamento quando a vegetação é suprimida e a floresta deixa de ser floresta. Já na degradação, a vegetação permanece na área, mas em diferentes estágios, com perda de biodiversidade e impacto negativo na provisão dos serviços ambientais.

Em setembro, aumento de 1.402%

Letícia Misna – Da Cenarium

MANAUS (AM) – A degradação florestal da Amazônia chegou a 20.238 quilômetros quadrados em setembro de 2024, a maior marca de dano ambiental dos últimos 15 anos. Os índices representam um aumento de 1.402% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando a degradação florestal foi de 1.347 quilômetros quadrados.

Os dados são do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e foram divulgados no dia 25 de outubro. Segundo o estudo Sistema de Alerta de Desmatamento, essa área equivale a 13 vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

“Setembro costuma ser um mês marcado pelo aumento dessas práticas na Amazônia, devido ao período mais seco. Porém, os números registrados em 2024

são muito mais elevados do que os vistos anteriormente. A maioria dos alertas ocorreu devido à intensificação dos incêndios florestais”, disse Larissa Amorim, pesquisadora do Imazon.

Antes dessa marca, a floresta acumulava 6.869 quilômetros quadrados de degradação desde o início do monitoramento, em 2008. Agora, a área total afetada por desmatamento e queimadas é de 26.246 quilômetros quadrados.

POR ESTADO

Dos nove Estados brasileiros que compõem a Amazônia Legal, o Pará possui a maior porcentagem de degradação florestal, com 57% da área atingida. Em setembro de 2023, 196 quilômetros quadrados da floresta foram degradados na região. Já em setembro de 2024, essa quilometragem subiu 60 vezes, chegando a 11.558 quilômetros.

Entre os demais Estados, Mato Grosso ocupa o segundo lugar, com 25%, seguido por Rondônia, com 10%. O Amazonas ocupa a quarta posição no ranking (7%), e Tocantins aparece na sequência com 1%. Os outros Estados não são citados na lista de degradação, mas aparecem na lista de desmatamento.

Conforme o Instituto, os números do Pará surpreenderam, uma vez que, historicamente, em setembro, Mato Grosso costuma liderar o ranking.

TERRAS INDÍGENAS

Entre as Terras Indígenas (TIs), a mais degradada foi a Kayapó, localizada no Pará. A região concentrou 17% da área atingida no mês de referência, o equivalente a 3.438 quilômetros quadrados. Completando a lista das cinco primeiras, aparecem Xikrin do Cateté (PA), Menkragnoti (PA/MT), Aripuanã (RO/MT) e Capoto/Jarina (MT).

Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil
Área de floresta na Amazônia

Conhecimento compartilhado

E-books produzidos por professores quilombolas e indígenas são lançados no AM

Ana Pastana – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Três livros digitais e um físico, produzidos por professores do Amazonas, foram lançados no dia 11 de novembro, em cerimônia realizada no Auditório da Escola Superior de Tecnologia (EST) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). O material é fruto do trabalho de conclusão de curso dos professores da especialização “Saberes

e práticas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa e Matemática”, incluindo docentes indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

Os livros começaram a ser produzidos em 2022, após a assinatura de um convênio entre a UEA e a Secretaria de Estado de Educação (Seduc). O objetivo do projeto é apresentar, de forma didática, os planos

Livros foram lançados no dia 11 de novembro deste ano
Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium

de ensino desenvolvidos por professores das redes estadual e municipal de educação do Amazonas.

O material, dividido em quatro edições, inclui cartilhas, manuais didáticos, planejamentos de aula, videoaulas, entre outros. As publicações abordam temas como Língua Portuguesa, Matemática e Pedagogia.

O vice-reitor da UEA, professor doutor Roberto Mubarac, destacou a riqueza cultural e regional do material, ressaltando a contribuição de professores de povos tradicionais. “Os livros foram produzidos por professores da região. Isso é muito importante porque, quando falamos em pesquisa, frequentemente utilizamos referências externas, que nem sempre refletem a nossa realidade. Nesse caso, temos materiais de professores indígenas, quilombolas, ribeirinhos, de áreas alagadas e de embarcações, o que demonstra a diversidade e a riqueza do Amazonas”, explicou.

Os volumes digitais incluem os títulos: “A Língua Portuguesa e os desafios para as práticas docentes nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental”; “Ressignificando a Matemática nas práticas docentes nos

Da esquerda à direita: Kelly Cristiane Silva de Souza, Roberto Mubarac, Arlete Ferreira Mendonça e Maria Estela Barbosa

“Nesses

livros, tem materiais de professores indígenas, quilombolas, de áreas ribeirinhas, áreas alegadas e professores de embarcações. Isso demonstra a riqueza que o Amazonas tem e foi isso que a gente quis fazer”

Professor doutor Roberto Mubarac, vice-reitor da UEA.

Anos Iniciais do Ensino Fundamental”; e “O fazer docente na relação com as Práticas Pedagógicas inovadoras nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental”. O livro físico, por sua vez, é intitulado “Saberes e Práticas de Docentes em Formação nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental”.

Além do formato digital, os e-books também estarão disponíveis em versão física nas bibliotecas das redes estaduais e municipais de ensino, bem como na

biblioteca da UEA. O formato digital visa ampliar o alcance do material, visando beneficiar os 25 mil professores distribuídos por toda a região amazonense.

O material também servirá de apoio para professores em formação, funcionando como uma ferramenta de pesquisa que demonstra a aplicação prática de teorias educacionais. Os e-books podem ser baixados diretamente pelo site da UEA.

Crédito: Luiz André | Cenarium

PODER & INSTITUIÇÕES

da PF aponta que ele sabia da trama para matar Lula, Alckmin e Moraes

Queda doʻmito’?

Indiciamento de Bolsonaro deixa vácuo para extremadireita na Amazônia, apontam especialistas

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela Polícia Federal (PF) por tentativa de golpe de Estado, além de mais dois crimes, juntamente com outras 36 pessoas, abre espaço para uma disputa político-ideológica sobre quem ocupará a lacuna deixada pelo líder da extrema-direita, tanto na Amazônia, onde seu apoio vinha crescendo, quanto no restante do País. Essa é a conclusão de analistas políticos ouvidos pela CENARIUM, ao avaliarem os impactos das investigações da PF, que duraram quase dois anos e apuraram a existência de uma organização criminosa que atuou de

forma coordenada em 2022 na tentativa de manutenção do então presidente da República no poder.

Além de Bolsonaro, foram indiciadas outras 36 pessoas pelos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa, incluindo 24 militares das Forças Armadas. Entre os indiciados estão ex-colaboradores de seu governo, como o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, e candidato a vice na chapa derrotada nas eleições de 2022, general Braga Netto; o ex-presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; e o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto.

Para o sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Marcelo Seráfico, “é preciso reconhecer que o papel de liderança da extrema-direita nacional

de Bolsonaro começou a erodir com sua derrota nas eleições”, já que foi o único presidente em exercício que não conseguiu se reeleger, apesar de toda a mobilização da máquina pública a seu favor.

Segundo a análise de Seráfico, o cenário na Amazônia é mais complexo. Mesmo nas duas maiores capitais da região, Manaus (AM) e Belém (PA), em nenhuma delas os candidatos apoiados por Bolsonaro venceram a eleição para prefeito. Em Manaus, o atual prefeito David Almeida (Avante), que no início do seu mandato se identificava abertamente com o bolsonarismo, venceu o candidato apoiado por Bolsonaro, Capitão Alberto Neto (PL). Em Belém, o candidato Igor Normando (MDB) derrotou o indicado do ex-presidente, Éder Mauro (PL).

“Em ambas as cidades foram eleitos candidatos de uma direita relativamente moderada, no concernente ao respeito pelas frágeis instituições da democracia liberal. Objetivamente, os candidatos à

O ex-presidente Jair Bolsonaro. Relatório
Crédito: Composição de Weslley Santos | Cenarium

direita venceram as eleições municipais, mas parte deles já o fez distanciando-se de Bolsonaro e aproximando-se da base eleitoral mais moderada”, afirma Seráfico.

Esse distanciamento com as ideias da extrema-direita representada por Bolsonaro, desde 2018, será um desafio para essa nova geração de políticos, que terá que lidar com a inelegibilidade e uma possível condenação de Bolsonaro, caso a Procuradoria Geral da República (PGR) decida formalizar a denúncia e a Justiça aceite. “Parte do eleitorado bolsonarista se manterá fiel aos ideais de seu líder. Porém, mesmo esses eleitores terão que encontrar outro representante para seus ideais reacionários”, analisa o sociólogo.

Nas demais capitais amazônicas, os prefeitos escolhidos pelos eleitores são ligados à direita ou à extrema direita. Em Rio Branco, capital do Acre, o PL de Bolsonaro reelegeu Tião Bocalom já no primeiro turno, e em Cuiabá, capital do Mato Grosso, Abílio Brunini, também do PL, venceu no segundo turno. No contexto geral, as capitais da Amazônia têm prefeitos de perfil conservador, alinhados mais à direita, o que reflete também as preferências de grande parte do eleitorado na região.

“A

inelegibilidade e eventual condenação do ex-presidente já desencadearam uma luta dentro dos setores de direita e extrema-direita pelo espólio eleitoral de Bolsonaro. Alguns nomes já ensaiam abertamente ocupar o espaço que era dele, dentre os quais destaco Tarcísio de Freitas, Nicolas Júnior, Ronaldo Caiado e Pablo Marçal”

Marcelo Seráfico, sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

A professora Carolina Botelho, doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurociência Social e Afetiva (INCT/Sani), tem uma visão diferente sobre os resultados das últimas eleições. Segundo ela, embora tenha ocorrido uma vitória da direita, essa direita vem de um espectro político conhecido desde a Nova República, com partidos ligados ao

“Centrão” que costumam compor a base de apoio aos governos no poder.

“Não vimos evidências de que a extrema-direita tenha ganho as eleições; ao contrário, em alguns municípios, onde Bolsonaro era o principal cabo eleitoral, houve bastante fracasso”, afirma a professora.

Em relação à Amazônia, que abrange nove Estados, Botelho destaca que, há anos, partidos de direita já têm forte presença na região, mas a extrema-direita não. Ela se diz curiosa para entender como áreas

Helio Ferreira Lima, ex-comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais do Comando Militar da Amazônia (CMA), em Manaus, foi preso no dia 19 de novembro, por envolvimento na trama para matar Lula, Alckmin e Moraes

tão degradadas pelo governo Bolsonaro mantiveram apoio a ele.

“A

gente não viu evidências de que a extrema-direita tenha ganhado as eleições, pelo contrário, em alguns municípios, e quando a gente pensa nos principais, cuja liderança e o cabo eleitoral principal era o Bolsonaro, ele teve bastante fracasso”

Carolina Botelho, professora doutora em Ciência Política pelo ESP/UERJ e pesquisadora do INCT/ Sani.

“A região amazônica tem uma forte presença de grileiros, militares, pessoas ligadas ao tráfico de drogas e à depredação do meio ambiente. Esses grupos ‘gostariam muito de ter uma nova liderança no comando do País, liberando as práticas ilegais que lá exercem’”, analisa Botelho. “Uma vez que Bolsonaro abriu a porteira, essas pessoas e esses grupos se sentiram mais à vontade para defender a ilegalidade e praticá-la.” Isso pode explicar a crescente conquista de apoio à extrema-direita na região. Se Bolsonaro for condenado, esses grupos precisarão buscar novas alternativas.

“DEMOCRACIA É UM VALOR INEGOCIÁVEL”

Para o cientista político e coordenador do Mestrado e Doutorado em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV/Eaesp), Marco Antônio Teixeira, os fatos revelados pelas investigações da Polícia Federal e o emaranhado de conexões descritos dificilmente habilitarão Bolsonaro para um novo processo eleitoral. Como consequência, acredita ele, haverá uma quebra de apoios em torno do ex-presidente.

“Assim como acredito que o entorno dele vai diminuir bastante, pois, em sua maioria, os políticos não vão querer estar vinculados a um grupo que tentou interromper a trajetória democrática do País”, afirma Teixeira. Para ele, essa ruptura se aplica a todas as regiões, incluindo a Amazônia, já que a aliança se rompe quando os fatos “ultrapassam o limite da racionalidade”.

Na avaliação de Teixeira, houve um crime contra o Estado Democrático de Direito, cometido dentro do próprio Estado, que poderia ser caracterizado como “terrorismo de Estado”. No entanto, ele acredita que é necessário aprender algumas lições com esses episódios.

“Qual é o primeiro aprendizado? É que a democracia é um valor inegociável. Quem entra numa competição política, entra para ganhar ou para perder; se perder, tem quatro anos de mandato do vencedor e volta a competir novamente. Pensar a democracia apenas a partir do resultado que interessa é um péssimo indicador para avaliar um político com características democráticas”, afirma o cientista político.

“Fica a lição de que a democracia precisa de democratas. Então, é bom que o eleitor, daqui para frente, preste atenção

General de brigada Nilton Diniz Rodrigues, comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, no Amazonas, é um dos 37 indiciados pela PF pela tentativa de golpe de Estado
Crédito: Reprodução

no perfil. Importam menos as diferenças políticas, se é de esquerda ou de direita, e importa mais se o político tem ou não cultura democrática”, ressalta.

NOMES PARA OCUPAR O VÁCUO

O sociólogo Marcelo Seráfico acrescentou que, particularmente, o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro revela “a erosão da força político-eleitoral de Bolsonaro e a reiteração do compromisso dele e de seus apoiadores com práticas políticas autoritárias e violentas”.

Além do impacto em sua base de apoio, que atualmente se vê órfã de um líder capaz de concorrer e vencer uma eleição presidencial – mesmo porque Bolsonaro já está inelegível pela Justiça Eleitoral –, as implicações desse indiciamento e possível condenação já desencadearam uma corrida interna na extrema-direita.

“A inelegibilidade e eventual condenação do ex-presidente já deram início a uma luta dentro dos setores de direita e extrema-direita pelo espólio eleitoral de Bolsonaro. Alguns nomes já começam a se posicionar abertamente para ocupar o espaço que antes era dele, dentre os quais destaco Tarcísio de Freitas, Nicolas Júnior, Ronaldo Caiado e Pablo Marçal”, avalia Seráfico.

Neste caso, indica o sociólogo, surgem dois possíveis cenários político-eleitorais: “De um lado, o que já se verificou nas eleições municipais, a fragmentação da extrema-direita; de outro, o improvável, mas não impossível, reagrupamento das forças de direita e extrema-direita em torno de um nome”.

“Há de se esperar que parte do eleitorado bolsonarista se mantenha fiel às visões de mundo e práticas políticas de seu líder. Mesmo eles, porém, terão que encontrar outro representante para seus ideais reacionários”

Marcelo Seráfico, sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

“Do ponto de vista eleitoral, portanto, o indiciamento do ex-presidente e sua inelegibilidade abrem um espaço excepcional para a disputa político-ideológica. Interessa saber quem dela participará e com que pautas e perspectivas”, afirma.

Cinco oficiais do Exército indiciados atuaram no AM

Entre os 37 indiciados no dia 21 de novembro pela Polícia Federal (PF), cinco são oficiais do Exército que atuaram ou atuam no Amazonas. O primeiro é o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, ex-comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais do Comando Militar da Amazônia (CMA), em Manaus. Ele foi preso na “Operação Contragolpe”, deflagrada pela PF no dia 19, suspeito de participação no plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

O segundo indiciado é o general de brigada Nilton Diniz Rodrigues, comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, no Amazonas. Como a PF não

divulgou o motivo dos indiciamentos de cada um, não se sabe, até o momento, o motivo de seu indiciamento.

Segundo informações do Portal Metrópoles, a PF ouviu o general no dia 6 deste mês porque ele trabalhou como assistente do general Freire Gomes, que comandou o Exército entre março e dezembro de 2022, no fim do governo Bolsonaro. Ainda conforme o portal, Rodrigues foi chamado a depor somente agora “porque seu nome apareceu em novas mensagens obtidas recentemente pelos investigadores, após nova perícia em equipamentos apreendidos na apuração”.

O terceiro da lista é o general de Exército Augusto Heleno Ribeiro Pereira, hoje na reserva, que chefiou o Comando Militar da Amazônia (CMA), com sede em Manaus,

entre setembro de 2007 e abril de 2009. Heleno é ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro.

O quarto indiciado é outro ex-comandante do CMA, o general da reserva do Exército Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, que chefiou o Comando Militar da Amazônia entre janeiro de 2020 e setembro de 2021. Quando saiu de Manaus, Oliveira assumiu o Comando de Operações Terrestres (Coter).

O quinto oficial que trabalhou no Amazonas e que foi indiciado pela PF é o ex-ministro da Defesa e ex-comandante da Força Terrestre, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Ele comandou a Brigada de Tefé entre 2012 e 2014.

PODER & INSTITUIÇÕES

TETO DE VOTO REDUZIDO

Conforme o professor Marco Antônio Teixeira, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é atualmente a alternativa viável, pois lançar qualquer um dos filhos de Bolsonaro significaria “reduzir o teto de voo”.

“O Tarcísio, antes desse fato, teria que fazer uma escolha entre Bolsonaro e Kassab, e ele estava sinalizando que se distanciaria do bolsonarismo e marcharia com Gilberto Kassab. Ao que tudo indica, daqui para frente, Gilberto Kassab, que é uma raposa política, será o principal guru político do Tarcísio de Freitas e colocará o PSD e os partidos do Centrão, porventura sob sua influência, a serviço do projeto Tarcísio. Ele terá que moderar, de todo modo”, afirma Teixeira.

Na avaliação da professora Carolina Botelho, o mérito de Jair Bolsonaro foi organizar a extrema-direita no País, o que o consolidou como líder desse movimento. No entanto, esse poder vem se enfraquecendo a cada novo fato revelado pela Polícia Federal. Em caso de condenação, essa massa de apoiadores terá que se reorganizar em torno de um novo nome.

“Com a provável prisão ou condenação e a quase certeza de inelegibilidade, ele acabará deixando esse eleitorado órfão. E na política não há orfandade; rapidamente, alguém ocupará esse espaço político”, conclui.

“Acho também que o entorno dele vai diminuir bastante porque os políticos, em sua maioria, não vão querer estar vinculados a um grupo político que tentou interromper a trajetória democrática do País”

Marco Antônio Teixeira, cientista político e coordenador do Mestrado e Doutorado em Gestão e Políticas Públicas da FGV/Eaesp.

Trama para assassinar Lula, Alckmin e Moraes

As investigações da Polícia Federal (PF) também apontam indícios de que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha conhecimento da trama para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Com mais de 800 páginas, o relatório foi entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 21 de novembro e encaminhado à Procuradoria Geral da República, que decidirá se denunciará ou não os indiciados, pedirá o arquivamento ou solicitará mais diligências.

O inquérito abrange o envolvimento dos indiciados nos atos de 8 de janeiro de 2023, quando ocorreu a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes; as tramas golpistas durante as eleições presidenciais de 2022; e o plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes.

Segundo informações do jornal O Globo, o relatório da PF concluiu também que Bolsonaro sabia do plano para assassinar as três autoridades, que foi revelado após a deflagração da “Operação Contragolpe”, no dia 19 de novembro, quando foram presos o general Mário Fernandes, três militares conhecidos como “kids pretos” (os soldados Rafael Martins

de Oliveira, Hélio Ferreira Lima e Rodrigo Bezerra de Azevedo), além do policial federal Wladimir Matos Soares.

Conversas interceptadas entre os militares, durante o mês de dezembro de 2023, mostram que o ex-presidente estava a par de todo o planejamento em curso para matar as três autoridades.

Conforme apurações do O Globo, há “dados que comprovam” que Bolsonaro participou ativamente do processo de elaboração e tentativa de execução do golpe, inclusive alterando uma minuta que embasaria a consumação do golpe de Estado.

ATAQUE À DEMOCRACIA

Crimes e penas previstas

• Golpe de Estado

4 a 12 anos de prisão

• Abolição violenta do Estado Democrático de Direito

4 a 8 anos de prisão

• Integrar organização criminosa

3 a 8 anos de prisão

Grupos envolvidos

a. Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;

b. Núcleo Responsável por Incitar Militares a aderirem ao Golpe de Estado;

c. Núcleo Jurídico;

d. Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;

e. Núcleo de Inteligência Paralela;

f. Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas.

Lista dos indiciados:

► Ailton Gonçalves Moraes Barros

► Alexandre Castilho Bitencourt da Silva

► Alexandre Rodrigues Ramagem

► Almir Garnier Santos

► Amauri Feres Saad

► Anderson Gustavo Torres

► Anderson Lima de Moura

► Angelo Martins Denicoli

► Augusto Heleno Ribeiro Pereira

► Bernardo Romão Correa Netto

► Carlos Cesar Moretzsohn Rocha

► Carlos Giovani Delevati Pasini

► Cleverson Ney Magalhães

► Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira

► Fabrício Moreira de Bastos

► Filipe Garcia Martins

► Fernando Cerimedo

► Giancarlo Gomes Rodrigues

► Guilherme Marques De Almeida

► Hélio Ferreira Lima

► Jair Messias Bolsonaro

► José Eduardo de Oliveira e Silva

► Laércio Vergílio

► Marcelo Bormevet

► Marcelo Costa Câmara

► Mario Fernandes

► Mauro Cesar Barbosa Cid

► Nilton Diniz Rodrigues

► Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho

► Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira

► Rafael Martins de Oliveira

VEJA QUEM SÃO

OS INDICIADOS:

► Onald Ferreira de Araújo Júnior

► Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros

► Tércio Arnaud Tomaz

► Valdemar Costa Neto

► Walter Souza Braga Netto

► Wladimir Matos Soares

Fonte: PF.

Da esquerda para a direita: Mauro Cid, José Eduardo, Jair Bolsonaro e Valdemar da Costa Neto, alguns dos indiciados pela PF pela tentativa de golpe de Estado

PODER & INSTITUIÇÕES

Apelo à COP30

Lula encerra o G20 convidando todos a fazerem de Belém a “COP da virada”

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) - Ao encerrar a Cúpula de Líderes do G20, no dia 19 de novembro, no Rio de Janeiro (RJ), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convidou todos os presentes a fazerem de Belém “a COP da virada”, em referência à realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá na capital paraense, em novembro de 2025.

O Brasil se despediu da presidência rotativa do maior fórum de cooperação econômica do mundo e transmitiu o posto à África do Sul. As declarações do presidente foram dadas durante o último dia do encontro, em discurso de abertura da sessão para discutir o desenvolvimento sustentável, as transições energéticas e a ação climática.

“Não podemos adiar para Belém a tarefa de Baku. A COP30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático. Conto com todos para fazer de Belém a COP da virada”, disse Lula, ao se referir também à capital do Azerbaidjão, onde foi realizada a COP29, com a participação de mais de 190 países.

O presidente falou da necessidade “de uma governança climática mais forte”, porque “não faz sentido negociar novos compromissos se não temos um mecanismo eficaz para acelerar a implementação do Acordo de Paris”. Neste acordo, aprovado em 2015, foi firmado o compromisso de manter o aumento da temperatura média global em menos de 2 °C e limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.

“Não podemos adiar para Belém a tarefa de Baku. A COP30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático. Conto com todos para fazer de Belém a COP da virada”

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil.

Crédito:

Lula e líderes do G20 no encerramento do encontro

Foto oficial dos líderes do G20 no dia do encerramento do encontro

Crédito: Ricardo Stuckert PR

G20

“O

mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicar a fome. Coletivamente, não nos faltam conhecimentos nem recursos para combater a pobreza e derrotar a fome. O que precisamos é de vontade política para criar as condições para expandir o acesso a alimentos”

Trecho da Consolidação dos conceitos da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

Lula cobrou uma maior responsabilidade com os temas em discussão no G20 por parte dos países desenvolvidos, e colocou o reconhecimento dos povos indígenas e comunidades tradicionais como parte importante no trabalho de proteção das florestas. O presidente brasileiro também propôs a criação de um Conselho de

Mudança do Clima na Organização das Nações Unidas (ONU), capaz de articular diferentes atores, processos e mecanismos, que atualmente estão fragmentados.

“Nossa bússola continua sendo o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Esse é um imperativo da justiça climática. Mesmo que não caminhemos

na mesma velocidade, todos podemos dar um passo a mais. Aos membros desenvolvidos do G20, proponho que antecipem suas metas de neutralidade climática de 2050 para 2040, ou até 2045. Sem assumir suas responsabilidades históricas, as nações ricas não terão credibilidade para exigir ambição dos demais”, disse o presidente.

Ao reconhecer que as florestas fornecem serviços ecossistêmicos essenciais, os líderes assumiram o compromisso de reunir todos os esforços para deter o desmatamento e a degradação florestal até 2030. “Incentivamos mecanismos inovadores que buscam mobilizar novas e diversas fontes de financiamento para pagar por serviços ecossistêmicos. Como tal, tomamos nota dos planos para estabelecer o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF) e reconhecemos o fundo como uma ferramenta inovadora para a conservação florestal”.

DECLARAÇÃO FINAL TEVE CONSENSO

A reunião do G20, fórum que reúne as 20 maiores economias do mundo e ainda

Imagem da 3ª Sessão da Reunião de Líderes do G20
Crédito: Ricardo Stuckert | PR

várias organizações internacionais, começou no dia 18 de novembro, no Museu de Arte Moderna da cidade do Rio de Janeiro. O primeiro dia foi dedicado a discutir a inclusão social e o combate à fome e à pobreza, e a reforma das instituições de governança global.

As negociações que antecederam ao encontro resultaram em uma carta aprovada por consenso entre 19 países, além da União Europeia e União Africana. A Declaração de Líderes do G20, divulgada na noite do dia 18 de novembro, contém 85 pontos, que incluem as principais prioridades da presidência do Brasil à frente do grupo e reconhece que a desigualdade nos países, e entre eles, está na raiz da maioria dos desafios globais.

Embora o documento não tenha caráter vinculante para os países, os três principais pontos aprovados significaram uma vitória para a diplomacia brasileira, ao escolher os temas para o debate: inclusão social e combate à fome e à pobreza; desenvolvimento sustentável, transições energéticas e ação climática; e a reforma das instituições de governança global.

A Consolidação dos Conceitos da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza tem 148 membros-fundadores, sendo que 82 são países, 24 são organizações internacionais, nove instituições financeiras internacionais e 31 organizações filantrópicas e não governamentais, além da União Africana e da União Europeia.

Segundo o documento, a epidemia da Covid-19 afetou os avanços na redução da pobreza e erradicação da fome, tanto que, em 2023, aproximadamente 733 milhões de pessoas enfrentavam a fome, sendo as crianças e as mulheres as mais afetadas. A meta do Brasil é erradicar o problema até 2030.

“O mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicar a fome. Coletivamente, não nos faltam conhecimentos nem recursos para combater a pobreza e derrotar a fome. O que precisamos é de vontade política para criar as condições para expandir o acesso a alimentos”, afirmam no documento.

Os líderes também reafirmaram o papel do G20 como fórum de cooperação para apoiar países em desenvolvimento e auxi-

liá-los a atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030.

“Com apenas seis anos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, há progresso efetivo em apenas 17% das metas dos ODS, ao passo que quase metade está mostrando progresso mínimo ou moderado, e em mais de um terço o progresso estagnou ou até mesmo regrediu”, diz a declaração assinada pelos líderes.

Outros pontos destacados foram a ênfase na transição energética e na premência de ações ambientais, a sustentabilidade e o enfrentamento às mudanças climáticas; a reforma da governança global, com mais representatividade de países emergentes em órgãos internacionais – como a Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo.

A declaração final também pede o fim das guerras na Ucrânia e Faixa de Gaza, condena a escalada do conflito no Líbano. Houve também a concordância com a taxação dos “ultrarricos”, que no texto final foram nomeados como “indivíduos

com patrimônio líquido ultra-alto”. Outra preocupação levantada é com a Inteligência Artificial, considerando que ela “pode gerar oportunidades econômicas, mas também gera preocupações de ordem ética e riscos aos direitos e ao bem-estar dos cidadãos”.

Ainda que houvesse o temor de que o presidente da Argentina, Javier Milei, pudesse não aceitar as propostas, o argentino aderiu à declaração final, mas divulgou uma lista de ressalvas.

DECLARAÇÃO FINAL DOS LÍDERES DO G20

Encerramento do fórum

Ao todo, 55 delegações participaram da Cúpula de Líderes do G20. Entre as autoridades presentes estavam os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, da China, Xi Jinping, que no dia 20 de novembro fez uma visita de Estado ao Brasil e foi recebido por Lula em Brasília (DF), assim como o primeiro-ministro da Índia, Nerendra Modi.

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, também participou da Cúpula e recebeu a presidência do próximo fórum de 2026 repassada pelo presidente Lula. Ao transmitir o posto a Ramaphosa, Lula destacou também a realização do G20 Social, realizado na semana anterior, uma iniciativa nova, que permitiu a participação de diversos movimentos que puderam contribuir com as discussões do fórum.

De acordo com Lula, neste ano, foram realizadas mais de 140 reuniões em 15 cidades brasileiras, em preparação para o G20. “Deixamos a lição de que, quanto maior for a interação entre as Trilhas de Sherpas e de Finanças, maiores e mais

significativos serão os resultados dos nossos trabalhos. Trabalhamos com afinco, mesmo cientes de que apenas arranhamos a superfície dos profundos desafios que o mundo tem a enfrentar”, disse, sobre a presidência do fórum no Brasil.

O presidente destacou, ainda, os debates sobre África e a dívida externa, a instalação do Grupo de Trabalho Empoderamento das Mulheres e a inclusão do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 18 (ODS) sobre igualdade étnico-racial.

A Cúpula de Líderes do G20 teve o registro de duas fotos oficiais, uma feita no dia 18 e a outra, no dia 19, porque na primeira faltou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, que estavam em reunião. Biden, então, pediu para repetirem a fotografia. Mas desta vez, faltou o presidente da Argentina, Javier Milei.

Segundo o portal UOL, o evento contou com o empenho de R$ 140,4 milhões do governo federal. Do total, R$ 77,6 milhões, já foram pagos, segundo o Ministério do Planejamento.

Foco no bem-estar social

Declaração do G20 em Belém prioriza redução de desigualdades Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – No dia 1º de novembro, os ministros Waldez Góes, da Integração e Desenvolvimento Regional, e Jader Filho, das Cidades, conduziram a apresentação e adoção da Declaração Ministerial para a Redução de Risco de Desastres. O encontro, parte do Grupo de Trabalho de Redução de Risco de Desastres (DRRWG) do G20, reuniu representantes de 25 países e 11 organismos internacionais no Hangar – Centro de Convenções da Amazônia, em Belém (PA). O evento marcou o fechamento de um ano de negociações e colaboração multilateral, culminando em um documento que visa orientar esforços globais para a mitigação de riscos de desastres.

A Declaração Ministerial, resultado de um ano de trabalho conjunto entre os países-membros e convidados, reflete o compromisso com o combate às desigualdades como forma de reduzir vulnerabilidades diante de desastres. Segundo o ministro Waldez Góes, a declaração “reflete nosso compromisso com o combate às desigualdades e a redução das vulnerabilidades. Ela se preocupa com as pessoas e as consequências dos desastres para suas vidas, culturas, histórias e economias”.

O ministro das Cidades, Jader Filho, reforçou a importância do encontro para o fortalecimento de políticas inclusivas de Redução de Risco de Desastres (RRD). “Este documento reafirma nosso compromisso

em criar métodos inclusivos para a redução de riscos, fortalecer a resiliência e proteger aqueles que são mais afetados pelas mudanças climáticas, especialmente nos países em desenvolvimento”, afirmou o ministro.

DIREITOS E INCLUSÃO SOCIAL

A declaração ressalta a importância de um sistema de alerta precoce acessível e inclusivo, infraestrutura resiliente, financiamento para RRD e soluções baseadas na natureza. Além disso, prioriza o enfrentamento das desigualdades por meio de iniciativas que respeitam a diversidade cultural e as necessidades das populações vulneráveis. Reafirmando a Agenda 2030 da ONU e o Marco de Sendai para a Redução

Encontro do G20 realizado em Belém, no início de novembro
Crédito: Fabyo Cruz | Cenarium

de Riscos de Desastres, o G20 pretende reforçar o papel de sistemas de governança que incluem comunidades locais, mulheres, jovens, idosos e povos indígenas no desenvolvimento de políticas de resiliência.

Os ministros brasileiros também destacaram o papel dos investimentos privados e de parcerias internacionais, chamando a atenção para a urgência de destinar mais recursos para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias focadas na resiliência climática e na redução de desastres.

MOBILIZAÇÃO INTERNACIONAL

Outro ponto essencial da Declaração Ministerial é a ênfase em uma recuperação inclusiva e sustentável. A Declaração visa integrar a RRD nos processos de reconstrução pós-desastre, garantindo que as políticas de reconstrução não deixem ninguém

“A

declaração reflete nosso compromisso com o combate às desigualdades e a redução das vulnerabilidades. Ela se preocupa com as pessoas e as consequências dos desastres para suas vidas, culturas, histórias e economias”

Waldez Góes, ministro da Integração e Desenvolvimento Regional.

para trás e promovam uma recuperação com base na “build back better” (reconstrução melhor), ideal estabelecido no Marco de Sendai.

O G20 também reconhece o papel das soluções baseadas na natureza e os benefícios da cooperação com bancos multilaterais, que oferecem apoio financeiro e

técnico para viabilizar políticas de resiliência em infraestrutura.

CÚPULA DO G20 NO BRASIL

A Declaração Ministerial foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 19ª Cúpula do G20, realizada entre os dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro (RJ).

Grupo de Trabalho de Redução de Risco de Desastres (DRRWG) do G20

Sem cobrança aos milionários

MANAUS (AM) – A Câmara dos Deputados concluiu, no dia 30 de outubro, a votação que trata da regulamentação da reforma tributária no Brasil. Durante as discussões do Projeto de Lei Complementar n.º 108/24, uma emenda que criava o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) a partir de R$ 10 milhões, apresentada pelo PSOL, foi rejeitada por 262 votos a 136.

A maioria dos parlamentares do Amazonas votou pela rejeição da medida que havia sido incluída no PL do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS). A alíquota proposta seria progressiva, de 1% a 3% nos primeiros cinco anos de vigência e de 0,5% a 1,5% após esse período, conforme o valor do patrimônio.

Cinco dos oito deputados amazonenses votaram “NÃO” à proposta, conforme o painel de votação da Casa Legislativa. São eles: Adail Filho (Republicanos); Alberto Neto (PL); Sidney Leite (PSD); Silas Câmara (Republicanos); e Pauderney Avelino (União Brasil). Já os deputados Átila Lins (PSD) e Saullo Vianna (União Brasil) não participaram da votação, porque estavam ausentes. Amom Mandel (Cidadania) votou a favor da medida.

Do Pará, dez deputados se posicionaram contra a taxação, enquanto quatro defenderam a medida e dois estavam ausentes na votação. Entre os que votaram contra a medida, destaque para Éder Mauro (PL), candidato à Prefeitura de Belém, derrotado nas eleições de 2024. Além dele, a rejeição da proposta contou com o apoio de Antônio Doido (MDB); Delegado Caveira (PL); Henderson Pinto (MDB); Joaquim Passarinho (PL); José Priante (MDB); Júnior Ferrari (PSD); Keniston Braga (MDB); Raimundo Santos (PSD); e Olival Marques (MDB).

Já os parlamentares do Estado que defenderam a medida são: Airton Faleiro (PT); Dilvanda Fato (PT); Dra. Alessandra H (MDB); e Elcione Barbalho (MDB). Outros três deputados estavam ausentes: Andreia Siqueira (MDB); Hélio Leite (União Brasil); e Renilce Nicodemos (MDB).

COMITÊ GESTOR

Segundo o texto aprovado, o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) reunirá representantes de todos os entes federados para coordenar a arrecadação, a fiscalização, a cobrança e a distribuição desse imposto aos entes federados, elaborar a metodologia e o cálculo da alíquota; entre outras atribuições.

Saiba como votaram os deputados da Amazônia Legal sobre taxar grandes fortunas

Jadson Lima – Da Cenarium

O CG-IBS será uma entidade pública sob regime especial, dotada de independência orçamentária, técnica e financeira, sem vinculação a nenhum outro órgão público. Embora a coordenação fique a cargo do comitê gestor, as atividades efetivas de fiscalização, lançamento, cobrança e inscrição em dívida ativa do IBS continuarão a ser realizadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.

CONSELHO SUPERIOR

A instância máxima de decisões do CG-IBS será o Conselho Superior, a ser criado 120 dias após a sanção da lei complementar com 54 membros remunerados e respectivos suplentes (27 indicados pelos governos dos Estados e do Distrito Federal, e outros 27 eleitos para representarem os municípios e o DF).

Com sede em Brasília, o Conselho Superior vai tomar decisões por maioria absoluta dos representantes dos entes. No caso dos Estados e do DF, além da maioria absoluta será necessário o voto de conselheiros que, somados, representem mais de 50% da população do País.

(*) Com informações da Agência Câmara.

O plenário da Câmara dos Deputados
Crédito: Divulgação

Como votaram os parlamentares de todos os Estados da Amazônia Legal:

ACRE

Antônia Lúcia (Republicanos) NÃO

Coronel Ulysses (União Brasil) NÃO

Eduardo Velloso (União Brasil) NÃO

Gerlen Diniz (PP) SIM

Roberto Duarte (Republicanos) NÃO

Socorro Neri (PP) NÃO

AMAPÁ

Augusto Puppio (MDB) NÃO

Dorinaldo Malafaia (PDT) SIM

Josenildo (PDT) SIM

Professora Goreth (PDT) SIM

Silvia Waiãpi (PL) NÃO

Sonize Barbosa (PL) NÃO

Vinicius Gurgel (PL) NÃO

AMAZONAS

Adail Filho (Republicanos) NÃO

Amom Mandel (Cidadania) SIM

Átila Lins (PSD) AUSENTE

Alberto Neto (PL) NÃO

Saullo Vianna (União Brasil) AUSENTE

Sidney Leite (PSD) NÃO

Silas Câmara (Republicanos) NÃO

Pauderney Avelino (União Brasil) NÃO

MATO GROSSO

Abilio Brunini (PL) NÃO

Coronel Assis (União Brasil) NÃO

Coronel Fernanda (PL) NÃO

Emanuel Pinheiro Neto (MDB) NÃO

Gisela Simona (União Brasil) SIM

José Medeiros (PL) NÃO

Juarez Costa (MDB) NÃO

Nelson Barbudo (PL) NÃO

PARÁ

Airton Faleiro (PT)

SIM

Andreia Siqueira (MDB) AUSENTE

Antônio Doido (MDB) NÃO

Éder Mauro (PL) NÃO

Delegado Caveira (PL) NÃO

Dilvanda Fato (PT) SIM

Dra. Alessandra H (MDB) SIM

Elcione Barbalho (MDB) SIM

Hélio Leite (União Brasil) AUSENTE

Henderson Pinto (MDB) NÃO

Joaquim Passarinho (PL) NÃO

José Priante (MDB) NÃO

Júnior Ferrari (PSD) NÃO

Keniston Braga (MDB) NÃO

Raimundo Santos (PSD) NÃO

Renilce Nicodemos (MDB) AUSENTE

Olival Marques (MDB) NÃO

RONDÔNIA

Coronel Chrisóstomo (PL) NÃO

Cristiane Lopes (União Brasil) NÃO

Lebrão (União Brasil) NÃO

Lucio Mosquini (MDB) NÃO

Silvia Cristina (PP) NÃO

Thiago Flores (Republicanos) NÃO

RORAIMA

Albuquerque (Republicanos) NÃO

Defensor Stélio Dener (Republicanos) NÃO

Gabriel Mota (Republicanos) NÃO

Helena Lima (MDB) SIM

Nicoletti (União Brasil) NÃO

Pastor Diniz (União Brasil) NÃO

Zé Haroldo Cathedral (PSD) NÃO

TOCANTINS

Antonio Andrade (Republicanos) NÃO

Carlos Henrique Gaguim (União Brasil) NÃO

Filipe Martins (PL) NÃO

Lázaro Botelho (PP) NÃO

Ricardo Ayres (Republicanos) SIM

Vicentinho Júnior (PP) NÃO

MARANHÃO

Allan Garcês (PP) NÃO

Amanda Gentil (PP) NÃO

Cleber Verde (MDB) NÃO

Dr. Benjamim (União Brasil) NÃO

Duarte Jr. (PSB) NÃO

Josivaldo JP (PSD) NÃO

Márcio Honaiser (PDT) NÃO

Márcio Jerry (PCdoB) NÃO

Pastor Gil (PL) NÃO

Pedro Lucas Fernandes (União Brasil) NÃO

Rubens Pereira Júnior (PT) SIM

Fonte: Câmara dos Deputados

Crédito: Composição Élio Lima | Cenarium

O texto da PEC propõe alterar o Artigo 7 da Constituição, no Inciso 8, que trata sobre a jornada de trabalho

Vida além do trabalho

Fim da escala 6×1 pode prejudicar economia? Especialistas analisam

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O fim da escala de trabalho 6×1 tem sido debatido nas redes sociais, com divergências entre apoiadores e críticos à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). Um dos pontos principais dos contrários à proposta é de que, se aprovada no Congresso, a PEC possa trazer impactos negativos à economia brasileira. À CENARIUM, economistas analisaram a PEC, observando prós e contras.

O texto da PEC propõe alterar o Artigo 7 da Constituição, no Inciso 8, que trata sobre a jornada de trabalho. A sugestão é que a jornada de trabalho seja de quatro dias semanais e não mais de “6 X 1”, na qual o descanso remunerado ocorre

apenas aos domingos, ou em um dia da semana. Com a mudança, trabalhadores passam a ter direito a mais dias de descanso por mês.

A economista Denise Kassama observa que há uma preocupação de setores, como o comércio e de alimentação, que funcionam de segunda a sábado e, portanto, precisariam realocar a equipe para cobrir todos os dias da semana.

“Os empreendimentos que funcionam sete dias, eu não vejo problema de realocar a equipe de trabalho para cobrir todos os dias da semana. Mas, os que trabalham seis, questiono aqui se isso vai acarretar em aumento de custos, e é possível que sim. Estou falando que funciona até cinco dias da semana, então vou ter que promover

uma nova escala de trabalho para poder cobrir o sétimo dia”, acrescenta.

Por outro lado, ela analisa que a redução nos dias de trabalho pode levar os trabalhadores a movimentarem a economia por meio do aumento de consumo. “A gente não pode esquecer que o trabalhador que trabalha seis dias por semana, ele vai ter um dia a mais, que é o dia que ele vai poder usar para consumir. Então, ele vai consumir no comércio, vai consumir no setor de restaurantes, vai fazer o rancho dele, vai comprar as coisas que precisa, esse dia a mais pode movimentar mais ainda a economia”, analisa.

O vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas (Corecon-AM), Altamir Cordeiro, observa

que uma mudança de escala de trabalho, ou redução na jornada de trabalho exige mudanças em certas atividades econômicas e isso impacta na economia.

“A maioria dos empregos são de atividades laborais sem muitas qualificações e que exigem continuidade das atividades. As principais atividades econômicas que utilizam a escala 6×1 são as indústrias, comércios e serviços. Acredito que ainda não seja possível aprovar esse projeto no momento. A CLT permite alguma flexibilização de escala de trabalho, desde que não ultrapassem as 44 horas semanais”, acrescenta.

ENTENDA O PROJETO

Para ser debatida no Congresso, a PEC precisa de, no mínimo, 171 assinaturas dos 513 deputados. No dia 11 de novembro, a deputada Erika Hilton, autora da proposta, afirmou ter 134 assinaturas e acreditava que poderia conseguir o total. No dia 13 de novembro, após pressão popular, principalmente nas redes sociais, o número de assinaturas saltou para 194, segundo a assessoria da parlamentar e, assim, já poderia tramitar.

O trecho passaria a vigorar da seguinte forma: “Duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho

“A gente não pode esquecer que o trabalhador que trabalha seis dias por semana, ele vai ter um dia a mais, que é o dia que ele vai poder usar para consumir”
Denise Kassama, economista.

Deputados da Amazônia Legal

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium BRASÍLIA (DF) – Até o dia 12 de novembro, dos 92 parlamentares que formam a bancada da Amazônia Legal, na Câmara dos Deputados, 21 haviam assinado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe a redução da jornada de trabalho de seis para quatro dias por semana, o 4×3 no lugar do 6×1, segundo parcial de assinaturas divulgada pela autora da matéria, deputada Érika Hilton (PSOL-SP).

Dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal, seis têm uma bancada parlamentar com oito integrantes (Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins), enquanto Mato Grosso tem nove, Maranhão, 18, e o Pará, 17 representantes.

Os Estados do Acre e Amapá tinham três parlamentares assinando a proposta, cada um. Dos oito representantes acrianos, apenas as deputadas haviam subscrito a proposta: Meire Serafim (União), Socorro Neri (PP) e Antônia Lúcia (Republicanos). Do Amapá, haviam assinado os deputados Dorinaldo Malafaia (PDT), Josenildo (PDT) e P rofessora Goreth (PDT).

Da bancada do Mato Grosso somente um parlamentar havia assinado, o deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB). O Amazonas havia registrado a assinatura do deputado Saullo Vianna (União), Fausto Santos Junior (União), Amom Mandel (Cidadania) e Sidney Leite (PSD). No dia 13 de novembro, os deputados da bancada amazonense Átila Lins (PSD)

e Adail Filho (Republicanos) também assinaram a proposta.

Do Estado do Maranhão, que tem uma bancada de 18 deputados, quatro parlamentares já haviam assinado: Rubens Pereira Junior (PT), Márcio Jerry (PCdoB), Duarte Jr. (PSB) e Pedro Lucas Fernandes (União). Quatro deputados do Pará, de uma bancada de 17, subscreveram a matéria até 12 de novembro: Airton Faleiro (PT), Dilvanda Faro (PT), Keniston Braga (MDB) e Elcione Barbalho (MDB).

Entre os deputados do Tocantins, já haviam assinado a proposta Carlos Henrique Gaguim (União) e Ricardo Ayres (Republicanos).

Nenhum dos 16 parlamentares dos Estados de Rondônia e Roraima assinou a PEC da redução de jornada de trabalho.

A economista Denise Kassama

O vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM), Altamir Cordeiro

de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

Hoje, a Constituição determina jornada de trabalho limitada a “oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

A jornada de quatro dias semanais já é uma medida adotada em alguns países do mundo e chegou a ser testada no Brasil por algumas empresas. Para Hilton, a redução é possível e pode alavancar a economia.

“Essa escala e jornada são possíveis, deu certo onde foram aplicadas, e representariam um salto em qualidade de vida da população nunca visto em um país em desenvolvimento. Isso, conforme os estudos e exemplos disponíveis, sem causar danos à economia, inclusive podendo potencializá-la, gerando mais empregos e

Crédito: Divulgação Corecon AM

“A maioria dos empregos são de atividades laborais sem muitas qualificações e que exigem continuidade das atividades. As principais atividades econômicas que utilizam a escala 6×1 são as indústrias, comércios e serviços”

Altamir Cordeiro, vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas (Corecon-AM).

O que propõe a PEC 4×3

A PEC dá nova redação ao inciso XIII, do artigo 7 da Constituição Federal (CF) para dispor sobre a redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana no Brasil. A proposta mexe com uma regra que existe no País desde 1943, instituída pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), segundo a qual se trabalha por seis dias seguidos com um dia de descanso, numa jornada semanal de 44 horas.

O artigo 7 da Constituição trata dos “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Caso a PEC seja aprovada, o inciso XIII da CF entrará em vigor 360 dias após sua promulgação, da seguinte forma: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a

redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

Na justificativa, Érika Hilton afirma que a PEC surgiu a partir das demandas do Movimento “Vida além do Trabalho”, organizado pelo vereador eleito pela cidade do Rio de Janeiro Ricardo Azevedo. Ele promoveu uma petição on-line, com mais de 800 mil participações, em que se cobra do Congresso Nacional o fim da jornada 6×1 e a adoção da jornada de trabalho de quatro dias na semana.

“A alteração proposta à Constituição Federal reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”, afirma.

reduzindo a desigualdade”, declarou, na rede social X.

REPERCUSSÃO

O ministro do Trabalho e Emprego do Governo Lula, Luiz Marinho, declarou, também no X, que a questão da escala de trabalho 6×1 deve ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho, e que a pasta considera que a redução da jornada para 40 horas semanais é “plenamente possível e saudável”.

“O Ministério do Trabalho e Emprego tem acompanhado de perto o debate e entende que esse é um tema que exige o envolvimento de todos os setores em uma discussão aprofundada e detalhada, considerando as necessidades específicas de cada área”, acrescentou.

Outra PEC

Outra Proposta de Emenda à Constituição (PEC n.º 221/2019), com o mesmo teor, tramita na Câmara desde 2019. De autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), a matéria se diferencia porque propõe a redução da jornada de trabalho de 44 para 33 horas, com a entrada em vigor após dez anos de sua aprovação.

Chama atenção alguns deputados que assinaram essa matéria, na época, agora sequer apresentarem qualquer movimento em relação a esta nova proposta. Da bancada do Amazonas, por exemplo, assinaram a proposta de Lopes os deputados Capitão Alberto Neto (PL), Átila Lins (PSD) e Silas Câmara (REP), que, até agora, não assinaram a atual.

E Alberto Neto, depois de assinar, fez diversos movimentos nas comissões para retirar a matéria de pauta.

No caso do Maranhão, Márcio Jerry e Pedro Lucas Fernandes assinaram a antiga e atual proposta, enquanto Junior Lourenço só assinou a anterior. O deputado Lúcio Mosquini, do MDB de Rondônia, assinou a proposta de Lopes, mas, até agora, não subscreveu a de Érika Hilton.

Entre os parlamentares paraenses, o deputado Airton Faleiro (PT) assinou as duas propostas, enquanto o Delegado Éder Mauro assinou apenas a mais antiga. Do Mato Grosso, Juarez Costa (MDB) também só assinou a anterior, assim como Eli Borges (PL), do Tocantins.

“Essa escala e jornada são possíveis, deu certo onde foram aplicadas, e representariam um salto em qualidade de vida da população nunca visto em um país em desenvolvimento”

Erika Hilton, deputada federal que propõe a PEC do fim da escala 6x1.

Infâncias ‘secas’

Estiagem extrema na região amazônica já afeta 420 mil crianças, diz Unicef

Ana Cláudia Leocádio* - Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – A seca extrema que atinge os rios amazônicos desde o ano passado já afeta mais de 420 mil crianças e comunidades ribeirinhas e indígenas no Brasil, Colômbia e Peru, segundo alerta do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em nota divulgada no dia 7 de novembro.

Segundo o órgão internacional, os choques climáticos “estão deixando crianças sem acesso à educação, suprimentos de alimentos e outros serviços vitais à medida que os rios atingem níveis devastadores”.

O problema ocorre porque a grande seca, que desde o ano passado tem se intensificado na bacia amazônica, deixa os níveis dos rios baixos, pois estes são as fontes de suprimento para as famílias, que delas dependem para o transporte de suprimentos, alimentos, água, combustível, medicamentos e acesso à escola.

Além disso, pontua o Unicef, serviços essenciais, incluindo saúde, educação e proteção infantil, bem como meios de subsistência agrícolas e pesqueiros, também estão severamente afetados na região, colocando vidas em risco.

“Durante séculos, a Amazônia foi o lar de preciosos recursos naturais. Estamos testemunhando a devastação de um ecossistema essencial do qual as famílias dependem, deixando muitas crianças sem acesso a alimentos, água, cuidados de saúde e escolas adequados”, disse a diretora-executiva do Unicef, Catherine Russell, em nota.

“Devemos mitigar os efeitos das crises climáticas extremas para proteger as crianças hoje e as gerações futuras. A saúde da Amazônia afeta a saúde de todos nós”, completou.

ESCOLAS E CENTROS DE SAÚDE FECHADOS

O Unicef ressalta que a Amazônia abrange nove países da América do Sul e, somente na região amazônica brasileira, mais de 1.700 escolas e mais de 760 cen-

tros de saúde foram fechados ou ficaram inacessíveis, devido aos baixos níveis de água. Na última avaliação de campo do Unicef, em 14 comunidades no sul da Amazônia brasileira, metade das famílias informou que seus filhos estão fora da escola devido à seca.

Ainda segundo o levantamento do Unicef, na região amazônica colombiana, houve queda de 80% nos níveis de água dos rios, restringindo o acesso à água potável e ao abastecimento de alimentos, e levando à suspensão das aulas presenciais para crianças em mais de 130 escolas. A consequência desse quadro é o aumento do risco de recrutamento, uso e exploração dessas crianças por grupos armados e não estatais. Também há aumento de infecções respiratórias, doenças diarreicas, malária e má nutrição aguda entre crianças menores de cinco anos.

No Peru, a região de Loreto, no nordeste do país, é a mais afetada pela seca deste ano, isolando comunidades remotas – a maioria indígenas e já vulneráveis. “Mais de 50 centros de saúde tornaram-se inacessíveis, enquanto os incêndios florestais – muitas

Mãe e filhos caminham por área de rio durante vazante no Amazonas
Crédito: Arquivo Ricardo Oliveira | Cenarium

NOVAS GERAÇÕES EM FOCO

Demandas do Unicef para colocar crianças e jovens no centro dos debates sobre a crise climática:

vezes causados pelo homem, mas cuja propagação foi facilitada pelas secas dos últimos dois meses – também estão causando devastação sem precedentes e perda de biodiversidade em 22 das 26 regiões do país, e aumentando a poluição do ar local e regionalmente”, informou o Unicef.

“A insegurança alimentar causada pela seca aumenta o risco de má nutrição, atraso no crescimento e perda de peso e morte em crianças, principalmente nas menores de 5 anos, enquanto a escassez de água agravada

Seca severa no Pará também impacta crianças de comunidades isoladas

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Garantir que as decisões da COP29 respondam ao impacto único e desproporcional das mudanças climáticas nas crianças;

Garantir que todas as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) 3.0 sejam sensíveis às crianças e respondam ao impacto desproporcional das mudanças climáticas nas crianças;

pelas secas pode levar a um menor acesso à água potável e ao aumento de doenças infecciosas. A pesquisa também descobriu que as mulheres grávidas que enfrentam secas, provavelmente, terão filhos com menor peso ao nascer”, constatou o órgão internacional.

A estimativa do Unicef é de que sejam necessários US$ 10 milhões nos próximos meses para atender às necessidades mais urgentes das comunidades afetadas pelas secas no Brasil, Colômbia e Peru,

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Garantir um aumento dramático no financiamento climático para crianças, incluindo financiamento para adaptação e perdas e danos.

Capacitar crianças e jovens a estarem presentes e participarem significativamente da tomada de decisões climáticas em todos os níveis.

incluindo a distribuição de água e outros suprimentos essenciais, mobilização de brigadas de saúde e fortalecimento da resiliência dos sistemas comunitários e serviços públicos locais nas comunidades indígenas afetadas.

Catherine Rudell salienta que em todas as partes do mundo as crianças enfrentam consequências devastadoras das crises climáticas e devem estar no centro das negociações sobre o tema.

(*) Com informações do Unicef.

“Devemos

Crédito: Registro feito por moradores da localidade

mitigar os efeitos das crises climáticas extremas para proteger as crianças hoje e as gerações futuras. A saúde da Amazônia afeta a saúde de todos nós”

Catherine Russell, diretora-executiva do Unicef, em nota.

Novo normal climático

Por subsistência em meio à seca, comunidade indígena no AM luta para adaptar rotina à escassez

Carol Veras – Da Cenarium

MANAUS (AM) – A seca extrema que assola o Amazonas desde julho de 2024 já reduziu o nível do Rio Negro, que banha a capital amazonense, em até 12,23 metros, impondo desafios às comunidades ribeirinhas e indígenas da região. Com o acesso à água e a alimentos cada vez mais limitado, as populações locais se esforçam para adaptar a rotina e garantir o mínimo necessário para a sobrevivência.

Uma dessas localidades afetadas pela estiagem severa é a Comunidade Nossa Senhora do Livramento, banhada pelo Rio Tarumã. O transporte, que antes era feito em cerca de 20 a 30 minutos saindo de Manaus, agora demora quase uma hora,

pois o único meio de navegação disponível são as rabetas — pequenas embarcações movidas a motor de popa.

Em outubro deste ano, a equipe de reportagem da  CENARIUM recebeu um convite feito pelo cacique Astério Baré para conhecer a comunidade. No local, vivem indígenas das etnias Baré, Tikuna, Mura e Miranha, que têm acesso à água potável por meio de um programa do Poder Público.

“Sem essa assistência, estaríamos completamente desamparados”, ressalta o cacique, destacando a precariedade que a seca trouxe para a comunidade. O programa mencionado é o “Água Boa”, idealizado em 2019, com unidades de fornecimento de água potável implantadas pela Defesa

Cacique caminha pela comunidade
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium

“Eu tenho 64 anos, mas nunca vi isso acontecer. A gente se alimenta de peixe, a gente tira água do rio. A gente sofreu muito ano passado, e, hoje, o sofrimento está do mesmo jeito. Não temos alimentação, não temos medicamento”

Astério Baré, cacique.

Criança da etnia Baré, da Comunidade Nossa Senhora do Livramento
“A situação é de total abandono, e precisamos unir forças para enfrentar essa fase”

Jaguar Mura, cacica.

Civil do Amazonas e pela Companhia de Saneamento do Estado (Cosama).

A fome ainda é uma preocupação para a população indígena. Segundo o relato do líder comunitário, as cestas básicas fornecidas pelo governo já não são suficientes para o sustento de toda a vila.

“Eu tenho 64 anos, mas nunca vi isso acontecer. A gente se alimenta de peixe, a gente tira água do rio. A gente sofreu muito ano passado e, hoje, o sofrimento está do mesmo jeito. Não temos alimentação, não temos medicamento”, afirma o líder.

A cacica Jaguar Mura, outra liderança indígena, está em Manaus integrando discussões sobre a participação indígena na política e as necessidades urgentes das comunidades afetadas. Ela, que pertence à comunidade Capanã Grande, próxima a Manicoré (a 331 quilômetros de Manaus), não consegue retornar ao seu território devido ao baixo nível do Rio Madeira, que

chegou a 9,07 metros de profundidade, no dia 8 de novembro.

Na comunidade do Livramento, Jaguar reforça a importância de condições mínimas de subsistência para os povos indígenas durante esse período crítico. “A situação é de total abandono, e precisamos unir forças para enfrentar essa fase,” afirma.

A cacica conta que, além da comunidade do livramento, Capanã sofre com a escassez de recursos, mas não somente devido à seca histórica, mas também por conta do garimpo ilegal. “Lá não temos acesso à água potável, águas foram contaminadas devido à presença dos garimpeiros. Algumas aldeias não têm nem condições de cavar um poço. Na nossa reserva morreram muitos peixes por conta da seca e do calor”, denuncia a também pajé.

“Para conseguirmos algo, precisamos fazer um abaixo-assinado, participar de muitas assembleias para obter êxito e,

muitas vezes, aguardamos anos. Para conseguirmos, precisamos fazer movimento. Nós temos que ir pra guerra e partir pra luta”, completa a líder Mura.

Com quase três décadas de atuação na defesa dos direitos indígenas, Jaguar Mura, cacica e ativista, relembra as raízes e os desafios do movimento indígena no Amazonas. Segundo ela, o movimento foi iniciado por seu tio, o cacique Cláudio Mura, e é marcado por perdas e lutas intensas. “Meu primo faleceu lutando por medicações e morreu de tuberculose. Hoje, nossa grande dificuldade é que o movimento indígena enfraqueceu, talvez por conta de tantas promessas sem êxito”, lamenta.

Em 2012, Jaguar participou da Marcha das Mulheres Indígenas, onde ficou acampada por mais de 30 dias em Brasília (DF) e enfrentou repressão policial, incluindo golpes e spray de pimenta. Ela recorda que os grandes líderes indígenas de hierarquia,

Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium

que mantinham a resistência ativa, já não estão mais presentes. “Nosso movimento ficou enfraquecido, e estamos tentando levantá-lo de novo”, afirma, demonstrando a urgência de revitalizar a luta indígena.

Diante da seca e da degradação ambiental que impactam diretamente os povos da floresta, Jaguar Mura expressa sua preocupação com as consequências das ações humanas. “Estamos vivendo uma calamidade. Os peixes estão morrendo, as aves desaparecendo, e isso é uma grande tristeza para nós”, reflete. Para ela, a destruição é resultado da ação humana, com queimadas e caça irresponsável, muitas vezes sem propósito de subsistência. “Pai Tupã deve estar com muita raiva do ser humano”, conclui.

TRADIÇÕES E RITUAIS DE RESISTÊNCIA

Apesar das dificuldades, a cacica Jaguar mantém viva a ancestralidade de seu povo. A pajelança, um ritual de purificação realizado pelos povos Mura, ganha um novo significado em meio à crise. O ritual, que utiliza ervas, cânticos e elementos naturais, é uma prática para afastar os maus espíritos e proteger a comunidade das adversidades, sendo agora um símbolo de resiliência frente à estiagem histórica. “Este ritual fortalece a nossa união e nos conecta com a natureza, nos dando forças para enfrentar esses tempos difíceis”, explica a cacica.

Perspectivas para a seca e a necessidade de ajuda

Segundo o Serviço Geológico Brasileiro (SGB), a seca na Amazônia deve se estender até dezembro de 2024, com o Rio Negro mantendo uma característica de “repiquetes” (subidas e descidas intermitentes do nível das águas) até o final do ano. A previsão é de que o rio só comece a subir novamente em janeiro de 2025. Até lá, a comunidade do Livramento e outras áreas indígenas seguem dependendo de doações e lutando para obter visibilidade e assistência do poder público.

Comunidade do Livramento no período da seca
Crédito:
Luiz
André Nascimento
Cenarium

7,5 milhões de desempregados

Desemprego no Brasil atinge 6,9%, no segundo trimestre de 2024

Carol Veras – Da Cenarium

Homem segura Carteira de Trabalho
Crédito: Reprodução | Freepik

MANAUS (AM) – No segundo trimestre de 2024, o desemprego no Brasil atingiu 6,9%, alcançando 7,5 milhões de pessoas, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 31 de outubro, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). A taxa de subutilização da força de trabalho, que inclui desocupados, pessoas que trabalham menos do que gostariam e aqueles fora do mercado formal, foi de 16,4% no mesmo período.

No gráfico, a Região Nordeste apresenta a maior taxa de desocupação entre as regiões brasileiras, acima de 8%. Isso indica que o Nordeste enfrenta os maiores desafios em termos de emprego no País, superando outras regiões como o Sul e o Centro-Oeste, que apresentam taxas de desocupação mais baixas. A Região Norte apresenta uma taxa de desocupação próxima a 7%, posicionando-se acima da média nacional. O Sul registra a menor, abaixo de 6%.

Além dos desocupados, o número de desalentados, pessoas que desistiram de

procurar emprego, alcançou 3,3 milhões. Esse contingente, mesmo fora do cálculo oficial de desemprego, evidencia um cenário de dificuldades persistentes no mercado de trabalho. Na análise do IBGE, a definição de “desocupado” abrange pessoas com mais de 14 anos que buscam e estão disponíveis para trabalhar. Apenas estar sem emprego não é suficiente para ser incluído nesta categoria; é necessário procurar ativamente por uma colocação no mercado.

Exemplos de pessoas fora do cálculo de desocupação incluem estudantes dedicados

O gráfico de setores apresenta a divisão da população brasileira em quatro categorias:

► Ocupados: 101.830 mil pessoas, representando a maior fatia da população no gráfico.

► Fora da força de trabalho: 66.709 mil pessoas, o segundo maior grupo, composto por pessoas que não estão buscando emprego.

► Abaixo da idade de trabalhar: 40.744 mil pessoas, crianças e jovens fora da idade legal para o trabalho.

► Desocupados: 7.541 mil pessoas, aqueles que estão buscando trabalho, mas ainda não encontraram.

40.744 mil pessoas

101.830 mil pessoas

66.709 mil pessoas

7.541 mil pessoas

Ocupados

Desocupados

Fora da força de trabalho

Abaixo da idade de trabalhar

exclusivamente aos estudos, donas de casa que optam por não trabalharem fora e empreendedores que gerenciam negócios próprios — esses últimos são classificados como “ocupados” na PNAD Contínua.

PROGRAMAS SOCIAIS E O MERCADO DE TRABALHO

O levantamento do IBGE indica que o recebimento de benefícios sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), não impacta diretamente o status ocupacional dos beneficiários. Pessoas que recebem o seguro-desemprego, por exemplo, podem estar classificados como “ocupados” caso trabalhem informalmente, como motoristas de aplicativo ou ambulantes. Da mesma forma, aqueles que não buscam trabalho ativamente são considerados “fora da força de trabalho”.

GRÁFICO MOSTRA TAXA DE

DESOCUPAÇÃO

ORGANOGRAMA MOSTRA CATEGORIAS DE DESOCUPAÇÃO

População total

Ocupados que trabalham horas suficientes

População abaixo da idade de trabalhar menores de 14 anos

Pessoas na força de trabalho

Subocupados por insuficiência de horas trabalhadas

Subutilização da força de trabalho

População em idade de trabalhar 14 anos ou mais

Pessoas fora da força de trabalho

Força de trabalho potencial

Buscaram trabalho, mas não estavam disponíveis

Fora de força de trabalho potencial

Não buscaram trabalho, mas estavam disponíveis

Desalentados Não desalentados

Norte Nordeste Sudeste
Taxa de desocupação (%)
Sul Centro-Oeste

Os Invisíveis do Amazonas: Onde Estão os Verdadeiros Guardiões da Floresta?

Inory Kanamari - Especial para a Cenarium

Vivemos em um Estado democrático de direito, regido por uma Constituição garantista, que assegura a qualquer pessoa o respeito à dignidade, o direito à vida e à liberdade. A promulgação da Constituição de 1988 trouxe uma inovação histórica, ao incluir os artigos 231 e 232, que pela primeira vez reconheceram a existência dos povos indígenas, assegurando seus direitos ao território e à preservação de sua identidade cultural. Contudo, de seus 250 artigos, apenas dois mencionam os povos originários. Isso nos leva a questionar: quem estava aqui antes da chegada dos portugueses? A história que nos foi ensinada insiste que os colonizadores trouxeram progresso e civilização ao Brasil, uma narrativa que ignora os horrores vividos pelos povos indígenas.

A partir de 1500, com a chegada dos portugueses, inicia-se um pesadelo que persiste há 524 anos. Desde então, os povos indígenas lutam por sua sobrevivência. Ao longo dos séculos, adaptaram-se à cultura imposta pelos invasores, sendo expulsos de suas terras e forçados a se refugiarem na floresta para escapar de um verdadeiro genocídio. Para os colonizadores, os indígenas eram considerados seres sem alma, selvagens e indignos de habitarem suas próprias terras. Foram escravizados, perseguidos e exterminados em uma tentativa deliberada de apagá-los da história.

O Brasil de hoje, no entanto, é fruto dessa violência. A colonização portuguesa, especialmente na Amazônia, foi marcada pela exploração e pela brutalidade. Em 1637, quando os portugueses adentraram a região amazônica em busca de rique-

zas naturais, como a borracha, madeira e minérios, muitos vieram sem mulheres. As indígenas foram vistas como objetos para saciarem seus desejos.

Não houve respeito ou cortesia; as mulheres indígenas foram caçadas, estupradas e, muitas vezes, assassinadas. Aquelas que sobreviveram foram forçadas à escravidão sexual e, quando engravidavam, seus filhos eram roubados e elas, abandonadas à própria sorte na floresta.

A história da Amazônia é uma história de sangue e exploração. Durante o governo Vargas, entre 1930 e 1945, houve uma nova onda de migração para o Amazonas, com a chegada de nordestinos e acrianos. Novamente, o ciclo de violência contra as mulheres indígenas se repetiu. Nasceram os primeiros mestiços, frutos de estupros e abusos sistemáticos. Até hoje, os descendentes dessa miscigenação carregam o estigma de serem considerados “misturados” ou “não puros”, em uma sociedade que se recusa a reconhecer a sua herança indígena.

O Amazonas, o Estado com a maior população indígena do Brasil, paradoxalmente, carrega uma história de exclusão e racismo contra os povos originários. Muitos amazonenses preferem se identificar como descendentes de europeus, negando suas raízes indígenas. Em cidades do interior, como Itamarati, os indígenas são praticamente invisíveis, exceto durante o período eleitoral, quando seus votos são cobiçados em troca de migalhas.

Ser indígena no Amazonas, ou aparentar traços indígenas, pode ser uma sentença de morte. O racismo contra os povos indígenas

persiste, silencioso e letal. Os indígenas são tratados como cidadãos de segunda classe, marginalizados e excluídos dos espaços de poder. Manaus, uma das cidades com maior população indígena, segundo o último censo do IBGE, não reflete essa realidade. Em nenhum espaço de visibilidade, seja no Judiciário, Legislativo ou Executivo, vemos a presença indígena. Nas ruas, nos bairros periféricos, as línguas indígenas ainda são faladas, mas quase exclusivamente dentro das comunidades étnicas.

A cultura indígena é explorada como mercadoria barata, como na famosa festa de Parintins, onde a riqueza cultural dos povos originários é usada para entreter e gerar lucro. No entanto, os próprios indígenas são excluídos dessas festividades, sendo representados por pessoas que, muitas vezes, desconhecem ou até desprezam sua verdadeira existência.

Precisamos nos perguntar: onde estão os indígenas do Amazonas? Porque nos espaços de poder, eles não estão.

(*) Inory Kanamari é a primeira advogada indígena do povo Kanamari. Está como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/ AM e vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB. Atuou como consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. É ativista, poetisa e membra da Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia (Alcama).

(*) Esse conteúdo é de responsabilidade do autor.

‘Rio de sangue’

Ibama flagra frigorífico despejando resíduos em rio do AM

Jadson Lima – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) flagrou um frigorífico despejando resíduos de gado abatido que formou um “rio de sangue” no município de Boca do Acre (AM), distante 1.028 quilômetros de Manaus. A CENARIUM apurou que se trata do empreendimento Frizam, cujo proprietário é o empresário e pecuarista José Lopes.

Segundo o Ibama, o frigorífico foi multado em R$ 2,8 milhões por crimes ambientais. O flagrante foi registrado por um drone da instituição, durante o cumprimento da Operação “Carne Fria 2”, voltada ao combate ao desmatamento na Amazônia e à criação e comercialização de gado procedente de áreas desmatadas de forma ilegal na região.

“A Operação Carne Fria é mais uma operação nacional do Ibama com o

rebatimento do Estado do Amazonas, onde foram apreendidas 18 mil cabeças de gado criadas em 26 mil hectares de áreas previamente embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal”, disse Joel Araújo, superintendente do Ibama no Amazonas.

A operação foi realizada em 12 municípios do Pará e em duas cidades do Amazonas. São eles: Novo Progresso (PA), Santarém (PA), Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA), Igarapé-Açu (PA), Portel (PA), Anapu (PA), Pacajá (PA), Novo Repartimento (PA), Ipixuna (PA), Tomé-Açu (PA), Bom Jesus do Tocantins (PA), Boca do Acre (AM) e Lábrea (AM).

O Ibama realizou as ações após investigações apontarem que 69 propriedades rurais criavam e comercializavam, aproximadamente, 18 mil cabeças de gado em áreas embargadas por desmatamento ilegal. Segundo a instituição, os 23 frigoríficos

R$ 2,8 milhões

O frigorífico Frizam, de propriedade de José Lopes, foi multado em R$ 2,8 milhões por crimes ambientais, conforme o Ibama.

R$ 364,5 milhões

Segundo o Ibama, até o dia 2 de novembro, foram realizados 154 autos de infração, totalizando R$ 364,5 milhões em multas na operação ‘Carne Fria 2’.

‘Rio de sangue’ foi flagrado em Boca do Acre, no sul do Amazonas
Crédito: Reprodução

que adquiriram os animais tornaram-se infratores ambientais.

Os frigoríficos foram autuados por adquirirem produto de área embargada. Já os responsáveis pelas propriedades foram autuados por descumprimento de embargo, impedimento da regeneração natural e venda de produto de área embargada. Todos foram notificados para fazerem a retirada do rebanho bovino das áreas interditadas.

OPERAÇÃO

Segundo a instituição, até o dia 2 de novembro, haviam sido lavrados 154 autos de infração, totalizando R$ 364,5 milhões em multas. A operação apreendeu 8.854 cabeças de gado produzidas nas áreas embargadas e suspendeu as atividades de três frigoríficos por estarem funcionando sem a licença ambiental ou estarem em desacordo com a concedida. O embargo

é aplicado quando constatada infração ambiental para impedir a continuidade das irregularidades.

NO AMAZONAS

No Amazonas, conforme o Ibama, foram lavrados 84 autos de infração para atos como o descumprimento de embargo e o funcionamento de atividades poluidoras nos frigoríficos sem licenças. A soma dos autos de infração ultrapassa R$ 96 milhões. Ao todo, foram embargados 12.643,40 hectares de áreas de desmatamento. Em Manacapuru (AM), município distante 69 quilômetros de Manaus, um frigorífico foi autuado e embargado por adquirir 387 cabeças de gado de área com atividades suspensas e por funcionar sem licença.

“As áreas embargadas por desmatamento ilegal têm por objetivo a regeneração natural. O desrespeito ao embargo causa sérios

prejuízos à floresta e à biodiversidade. Assim também frigoríficos e consumidores que compram carne de área embargada”, frisou Joel Araújo.

A Operação Carne Fria 2 também contou com o apoio da Força Nacional e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e integra uma das linhas de ação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Outra operação contra o desmatamento

Em maio de 2020, uma operação foi realizada visando reprimir e apurar crimes de invasão de terras públicas, desmatamento ilegal e posse ilegal de armas de fogo nas proximidades do município de Boca do Acre (AM). A ação, intitulada Amazônia Legal, cumpriu 27 mandados de busca e apreensão em sedes rurais, em seis dias de atuação, no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, no sul do município.

Na ocasião, 13 pessoas foram presas em flagrante e foram apreendidas 14 armas de fogo, 14 motosserras e outros instrumentos que dão suporte aos crimes investigados. A operação foi resultado da articulação de diversos órgãos, entre eles o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF), o Exército Brasileiro, a Polícia Militar (PM), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Desde 2015, o MPF vem recebendo relatos sobre desmatamento na região da Reserva Extrativista (Resex) Arapixi e do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, atingindo castanhais de uso tradicional de extrativistas. A atuação, por meio de inquérito civil, foi intensificada a partir de 2018, com a criação da Força-Tarefa Amazônia (FT Amazônia). O sul do Amazonas, em especial os municípios de Lábrea e Boca do Acre, foram considerados prioritários pela força-tarefa, que concentra esforços na região.

Agente do Ibama na operação ‘Carne Fria 2’
Área embargada onde havia criação de gado
Crédito: Divulgação

Líder em degradação

Pará concentrou 57% das áreas de florestas degradadas na Amazônia, em setembro

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – O Estado do Pará registrou um aumento significativo na degradação de suas florestas, concentrando 57% das áreas degradadas da Amazônia em setembro de 2024, segundo dados divulgados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O levantamento aponta um crescimento alarmante: a degradação no Pará passou de 196 km², em setembro de 2023, para 11.558 km² no mesmo período deste ano – um aumento de quase 60 vezes.

Entre os dez municípios que mais degradaram florestas na Amazônia, sete estão no Pará. Os maiores destaques negativos incluem os municípios de São Félix do Xingu, que, sozinho, foi responsável por 3.966 km² de áreas degradadas, Ourilândia do Norte (1.547 km²) e Novo Progresso (1.301 km²).

Esses números colocam o Pará à frente de Estados que, historicamente, apresentam altos índices de degradação, como Mato Grosso, que representou 25% das áreas degradadas em setembro, Rondônia com 10% e Amazonas com 7%.

Larissa Amorim, pesquisadora do Imazon, explicou à  CENARIUM que o panorama é particularmente preocupante, devido ao período seco de setembro. “Este mês geralmente apresenta maiores números de degradação, pois a baixa umidade do ar facilita a propagação de incêndios florestais”, disse Amorim.

Ela destacou que o Pará vinha mantendo uma posição mais controlada em relação ao

11.558 km²

Levantamento do Imazon revela que a degradação no Pará saltou de 196 km², em setembro de 2023, para 11.558 km² no mesmo período deste ano.

desmatamento nos últimos meses, ficando atrás de Mato Grosso e Amazonas. No entanto, em agosto e setembro, o Estado surpreendeu ao registrar os maiores índices de degradação e desmatamento na região.

A pesquisadora ressaltou que, com o cenário atual, os próximos meses serão cruciais para observar se o Pará continuará liderando o índice de degradação na Amazônia.

ALTA EM RONDÔNIA

Outro Estado que merece destaque é Rondônia, onde a degradação passou de 50 km² em setembro de 2023 para 1.907 km² no mesmo mês de 2024, um aumento de 38 vezes. A situação reforça um cenário

preocupante para a Amazônia, com diversos Estados apresentando altas consideráveis de áreas degradadas.

DESAFIOS

Para Amorim, o aumento das queimadas e da exploração madeireira intensifica os impactos ambientais e sociais na região. “É urgente que os órgãos de fiscalização intensifiquem as ações, tanto para conter as queimadas como para mitigar os danos causados”, afirmou.

Medidas de fiscalização, segundo ela, são indispensáveis para tentar frear o avanço da degradação e permitir que as florestas tenham uma chance de recuperação.

Degradação e desmatamento

É importante distinguir degradação de desmatamento, frisou a pesquisadora Larissa Amorim. A degradação ocorre quando há danos causados por atividades como exploração madeireira ou queimadas, mas sem a remoção total da cobertura florestal.

Em contraste, o desmatamento implica o corte raso da floresta, removendo completamente a vegetação. A degradação, apesar de causar sérios prejuízos, permite que a floresta se recupere mais rapidamente, desde que as áreas afetadas não sofram alterações contínuas.

Área degradada na Amazônia
Crédito: Imazon

Bonecaria amazônica

Artesã se inspira na mulher amazonense para criar bonecas de pano

Carol Veras – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Na loja colaborativa ReciproLab, localizada no Centro de Manaus, a bonequeira Vanda Amaral produz e comercializa bonecas que contrariam o padrão de beleza eurocentrista. As bonecas “Flor de Tucumã” evidenciam traços das meninas e mulheres amazonenses, como cabelos longos e escuros. Nas confecções, a artesã de 47 anos celebra a ancestralidade local e destaca a diversidade cultural e a representatividade na Amazônia.

Natural de Manaus, Vanda reside atualmente em Iranduba, a 20 quilômetros da capital. A jornada dela na bonecaria começou em 2013, quando fez uma boneca para sua sobrinha e se apaixonou pela arte. Até 2022, ela produzia bonecas convencionais, mas foi ao ingressar na universidade e desenvolver um projeto para a especialização em Negócios da Floresta que se identificou com a arte de reproduzir a figura feminina do Amazonas.

À  CENARIUM, Vanda conta que, na infância, não via a própria imagem projetada em brinquedos. “Eu não me via nas bonecas. Eram todas loiras, com olhos claros, tive um problema em me identificar com o que era vendido por aí”, comenta. Segundo ela, a bonecaria a ajudou a enfren-

tar um período de depressão, no qual ela estava de luto pela morte do marido. Em 2023, Vanda criou a primeira “Flor de Tucumã”.

“A minha obra-prima carrega nossa ancestralidade em seus traços físicos, e isso me orgulha grandemente. Ela representa a criança que eu fui nos anos 80, que se sentia perdida ao ver bonecas estereotipadas”, ressalta a bonequeira.

Com a fundação da Bonecaria da Amazônia, Vanda produz as bonecas manualmente, desde o corpo até os detalhes, como acessórios e biojoias. As encomendas e vendas são feitas por meio das redes sociais. Atualmente, a empreendedora oferece uma variedade de temáticas, incluindo as guerreiras cunhã-porangas e bonecas inspiradas

A artesã Vanda Amaral exibe as bonecas de pano “Flor de Tucumã”
Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium

em lendas como a Iara. Em junho, Vanda realizou o aniversário de 1 ano da boneca Flor de Tucumã. “Celebrei com pompas e circunstâncias porque para mim foi um momento inesquecível”, destaca.

OUTRAS BONECAS

Vanda também é autora de mais outras quatro linhas de bonecas para meninas amazônidas: a Flor de Açaí, que é uma ver-

são menor, voltada para o público infantil; Flor de Jabuticaba, Flor de Castanha, com representatividade às meninas com cabelos cacheados; Flor de Buriti, que representa um corpo fora do padrão. Além das flores, as lendas amazônicas também fazem parte da produção da Bonecaria da Amazônia, com representações do boto cor-de-rosa, mapinguari, Iara, boitatá e curupira.

Boto cor-de-rosa, mapinguari e Iara

Onde encontrar

| Redes Sociais

As bonecas de Vanda estão disponíveis sob encomenda on-line ou em eventos ocasionais, e também expostas na loja ReciproLab, na Rua Barroso, n.º 279, no Centro Histórico de Manaus. Embora ainda não disponibilize a Flor de Tucumã em tamanho original (50 centímetros) no espaço físico da loja, a artesã oferece miniaturas de 35 centímetros e outros modelos recentes. No Instagram (@bonecariadaamazonia), a artesã apresenta a Flor de Tucumã como “uma beleza nortista, com pele morena, cabelos escuros e todo o encanto da ancestralidade”, ressaltando que essa boneca é um símbolo de representatividade.

Bonecas Flor de Tucumã
Vanda e a boneca Flor de Tucumã
Crédito: Reprodução
Crédito: Luiz
André Nascimento | Cenarium
Crédito: Reprodução | Arquivo Pessoal

O tema da redação do Enem “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”

Debate social

Tema da redação do Enem

traz oportunidade para reflexão, avaliam ativistas do movimento negro

Marcela Leiros* - Da Cenarium

MANAUS (AM) – O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano — “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” — traz uma oportunidade para reflexão e lança luz sobre uma população comumente invisibilizada, avaliaram ativistas do movimento negro à CENARIUM

Outro ponto citado pelos ativistas é que o tema considerou o mês de novembro, conhecido como “Novembro Negro” e dedicado à luta antirracista. No dia 20 deste mês, celebra-se o Dia da Consciência Negra.

O historiador e ativista do Amazonas Juarez Silva avaliou que o tema não deve ter sido difícil para a maioria dos participantes, uma vez que tem sido explorado

anualmente nas escolas desde 2003 e é recorrente na mídia e nas redes sociais. Ele destaca a oportunidade para reflexão e consideração de um grupo invisibilizado.

“O tema, como esperado, não foge da já ‘tradição’ de temas reflexivos de relevância, considerando grupos socialmente minoritários e que desviam de um viés hegemônico. Também não deveria ser surpresa, sendo novembro, que o tema rondaria a questão afro-brasileira”, mencionou.

Quanto à abordagem, ele vê um “leque” de opções a serem exploradas. “É possível trabalhar [o tema] a partir de variadas facetas, como artística/cultural, preconceito e discriminação, racismo religioso, ações afirmativas, enfim. O ponto-chave está no enunciado, ‘desafios’; quem entendeu como desenvolver a partir dessa premissa não terá problemas”, analisou.

A cientista social e secretária-geral do Movimento Negro Unificado (MNU) do Tocantins, Ana Cleia Kika, também destacou o fato de o mês de novembro ser dedicado à luta racial, acrescentando a

oportunidade de reflexão sobre a resistência da população negra e a necessidade de ocupar os espaços que também lhes são de direito, especialmente nas universidades públicas.

“Quando se inicia o mês, a gente já começa a trazer várias reflexões, trazendo justamente os desafios que ainda precisamos enfrentar para que a população negra, de fato, venha ocupar todos os espaços que são de direito, sem essa desigualdade que ainda sabemos que existe. Somos a maioria da população, mas ainda somos a minoria em determinados espaços da sociedade”, refletiu.

Ana Cleia Kika também mencionou, como algo a ser abordado neste tema, a Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que incluiu no currículo oficial da rede de ensino brasileira a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

“É muito importante a gente pensar hoje sobre a importância da Lei n.º 10.639, que vem justamente para a valorização da cultura afrodescendente. O que se tinha no

Crédito: Composição Weslley Santos | Cenarium e Midjourney

caso negro era muito da desvalorização. Eu vi nos livros de História, quando fiz o Ensino Médio, que havia textos extremamente racistas, preconceituosos (…) isso aí era natural ver nos livros, a gente não tinha uma lei que justamente traz esse debate

“Quando

se inicia o mês, a gente já começa a trazer várias reflexões, trazendo justamente os desafios que ainda precisamos enfrentar para que a população negra, de fato, venha ocupar todos os espaços que são de direito”

Ana Cleia Kika, cientista social e secretária-geral do Movimento Negro Unificado (MNU) do Tocantins.

da valorização da cultura afro-brasileira”, avaliou.

Para a vice-presidente da União de Negras e Negros pela Igualdade do Amazonas (Unegro Amazonas), Regina de Benguela, o tema da redação do Enem é necessário justamente para mostrar, aos jovens, o que foi, o que é e o que ainda será a luta do povo negro.

“É uma luta diária de muita resistência, de muita resiliência. Tentam nos silenciar, invisibilizar. Aqui mesmo na Amazônia dizem que não tem negro. Como não tem negro? E os afro-indígenas? Então, é muito importante quando nós pensamos que o Enem, que abrange o território nacional, traga essa discussão. Eles nos levam a uma reflexão de toda uma sociedade, seja o povo negro, seja o povo branco, mas a reflexão precisa ser feita, porque precisamos de respeito, dignidade, é isso que o povo negro quer”, concluiu.

QUANTO VALE A REDAÇÃO NO ENEM?

A redação representa 20% da nota final. É a única área do exame, por exemplo, em que é possível chegar à nota mil, o que resulta em um peso relevante na média final do candidato.

Veja quais foram os últimos temas da redação do Enem: 2023

Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil

2022

2021

2020

2019

2018

2017

2016

2015

Fonte: Folhapress.

Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil

Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil

O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira

Democratização do acesso ao cinema no Brasil

Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet

Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil

Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil

A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira

O texto da redação é corrigido a partir de cinco competências, com valor de 200 pontos cada uma: domínio do português, compreensão do tema e aplicação de conceitos, articulação de informações, coesão e proposta de intervenção. Esta última competência é uma inovação do Enem e não costuma ser cobrada em outros vestibulares.

(*) Com informações da Folhapress.

A ativista Ana Cleia Kika
A vice-presidente da Unegro Amazonas, Regina de Benguela

A herança negra persiste

Otema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) — Desafios para a valorização da herança africana no Brasil — suponho que surpreendeu professores e estudantes nesta edição de 2024. Onze anos atrás, a Lei n.º 10.639/2003 tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira, mas, 71% dos municípios brasileiros não inseriram essa disciplina na grade curricular das escolas públicas, nem cobraram dos colégios privados o cumprimento da lei

Imaginei que muitos estudantes teriam dificuldades de elaborar um bom texto, uma vez que a lei foi ignorada desde a sua edição. Ao mesmo tempo, achei muito interessante a provocação do tema para mais de 4 milhões de estudantes inscritos no exame para acesso ao ensino superior. Coincidência pensada, ou não, este será o primeiro ano em que o 20 de novembro, Dia de Zumbi e da Consciência Negra, será feriado nacional.

Exalta-se Zumbi, pela sua resistência e coragem de fazer o enfrentamento com os escravocratas. Outros personagens que combateram a escravidão são esquecidos. Um deles foi o rábula Luiz Gonzaga Pinto da Gama, abolicionista, poeta e jornalista, que herdou a coragem da sua mãe, Luísa Mahin. Luiz Gama destacou-se por

conseguir, na Justiça, a libertação de mais de 500 escravos. Seus valores como advogado foram publicamente reconhecidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2015, 133 anos após sua morte, em 1882. Mahin foi uma das líderes da Revolta dos Malês, em 1835, na Bahia, que reuniu mais de 600 negros contra a opressão dos seus algozes. Ela pertencia à tribo Mahi, da nação africana Nagô, e foi, como milhares de outros, sequestrada pelos traficantes de negros e trazida ao País.

Em um dos volumes da trilogia Escravidão, o jornalista e escritor Laurentino Gomes destaca que “a própria tecnologia de mineração de Minas Gerais, aparentemente, veio da África e não da Europa. Os portugueses sabiam fazer açúcar, mas não sabiam garimpar ouro e diamante. Quem sabiam eram os africanos, que conheciam essas tecnologias muito bem”.

Na literatura, antes da edição da Lei Áurea, negros e negras escreviam sobre o obscuro período da história do País. Entre eles, Maria Firmina dos Reis (1822 – 1917). Ela fez de seu primeiro romance, Úrsula (1859), algo até então impensável: um instrumento de crítica ao modelo escravocrata. A professora Régia Agostinho da Silva, da Universidade Federal do

Maranhão, afirmou: “Em sua literatura, os escravos são nobres e generosos. Estão em pé de igualdade com os brancos e, quando a autora dá voz a eles, deixa que eles mesmos contem suas tragédias. O que já é um salto imenso em relação a outros textos abolicionistas”.

Os desafios, em pleno século XXI, são muitos para que os negros sejam reconhecidos como humanos que deram enorme contribuição ao desenvolvimento do País. Hoje, na ciência, na tecnologia, na literatura e em tantos outros setores, eles, como a maioria da população, seguem sendo capazes de deixar muitas outras heranças positivas às novas gerações. O não reconhecimento dessa possibilidade é sustentado e alimentado pelo racismo com toda perversidade nele entranhada. A verdadeira abolição só existirá quando houver a erradicação do trabalho análogo ao da escravidão e do preconceito. Para isso, educação e justiça são essenciais, a fim de que prevaleça o respeito e a equidade, independentemente da cor da pele. (*) Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas residindo em Brasília há 62 anos, é jornalista há 42 anos. Ela trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil e, atualmente, ocupa o cargo de subeditora de Opinião, no Correio Braziliense.

Rosane Garcia
Crédito: Divulgação

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