Revista Cenarium – Ed. 50 - Agosto/2024

Page 1


CRIME E INEFICIÊNCIA

Com o aumento de 80% nos registros de queimadas este ano no Brasil, o País vive em meio à guerra contra os criminosos que deliberadamente atacam as florestas diante da ineficiência do Estado

AGOSTO DE 2024 • ANO 05 • N.º 50 • R$ 24,99

www.revistacenarium.com.br | Agosto de 2024

Expediente

Diretora-Geral

Paula Litaiff – MTb 793/AM paulalitaiff@revistacenarium.com.br www.paulalitaiff.com

Coordenadora de Redação

Adrisa de Góes

Gestor de Recursos Humanos

Orson Oliveira

Gestores de Conteúdo – On-line

Adrisa de Góes (1º turno)

Jadson Lima (2º turno)

Gestora de Conteúdo

Digital/Impresso

Márcia Guimarães

Projeto Gráfico e Diagramação |

Revista Digital/Impresso

Hugo Moura

Núcleo de ReportagemOn-line/Digital/TV/Impresso

Adrisa de Góes

Ana Cláudia Leocádio

Ana Pastana

Bianca Diniz

Carol Veras

Davi Vittorazzi

Fabyo Cruz

Isabella Rabelo

Jadson Lima

Marcela Leiros

Paula Litaiff

Cinegrafista/Editor de Fotografia/ Editor de Imagem

Luiz André

Arthur Hayden

Designers Gráficos

Weslley Santos (1º turno)

Luis Paulo Dutra (2º turno)

Social Medias

Ana Vitória (1º turno)

Bruno Sena (2º turno)

Revisores Textuais

Gustavo Gilona

Jesua Maia (Versão impressa/digital)

Consultora de Direitos Humanos

Luciana Santos

Consultor em Ciências e Pesquisas

Lucas Ferrante

Consultor Jurídico

Tiago Lazarini - OAB/AM 9.946

Telefone da Redação (92) 3307-4394

Tiragem

5 mil exemplares

Circulação

Manaus (AM), Belém (PA), Roraima (RR), Rondônia (RO), Brasília (DF) e São Paulo (SP)

REVISTA CENARIUM O MELHOR CONTEÚDO EM MULTIPLATAFORMA

Revista Cenarium On-line | Revista Cenarium Digital/Impressa Agência Cenarium | Canal Cenarium

ASSINE

A REVISTA CENARIUM, de responsabilidade da AGÊNCIA CENARIUM, está disponível na versão digital, disponibilizada gratuitamente em www.revistacenarium.com.br, e na versão impressa, remetida fisicamente por meio de uma assinatura mensal no valor de R$ 24,99, com frete grátis disponível apenas para Manaus (AM).

ACESSE A REVISTA CENARIUM NAS REDES SOCIAIS

Editorial

Cúmplices da tragédia

A falta de eficiência do governo federal para combater os incêndios florestais em todo o País tem cúmplices, e eles estão no Congresso Nacional. Foram os parlamentares da Câmara e do Senado que votaram, em sua maioria, pelo desmonte do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em 2023, ao aprovarem, a toque de caixa, a Medida Provisória (MP) 1.154, esvaziando a pasta que fiscaliza crimes ambientais, cuja estrutura já era precária.

Decisões do Congresso, no ano passado, fizeram o MMA sofrer um corte de 16% em seu orçamento, o equivalente a mais de R$ 700 milhões, deixando-o com R$ 3,6 bilhões ao ano. Os parlamentares também conseguiram aprovar a retirada do controle do MMA sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), atendendo a interesses da bancada do agro, além de outras medidas que contribuíram para que o ministério enfrentasse greves de servidores em meio a uma das maiores crises ambientais.

Um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2018 apontou que o maior número de focos de incêndio no Brasil ocorre em cidades com mais cabeças de gado ou com potencial de crescimento pecuário. O levantamento foi realizado a partir de dados sobre o rebanho bovino divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a quantidade de focos de incêndio registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Nos últimos dias, o Inpe apontou que é no Mato Grosso (um dos Estados brasileiros com maior rebanho bovino) que se registra o maior número de focos de incêndio no País, 21 mil; seguido por Pará, Amazonas e Mato Grosso do Sul. Já São Paulo acumula 5.300 focos de incêndio. Em todo o Brasil, o aumento no índice de queimadas foi de 80% neste ano em relação a 2023, e os mentores da destruição não vivem nas florestas.

O crime ambiental no Brasil tem autores e coautores que agem com desfaçatez. Com as florestas em chamas, o deputado federal Rodrigo Valadares (União-SE) questionou se os responsáveis pela fiscalização ambiental no Brasil não tinham solução. Valadares foi um dos que seguiu a orientação da bancada ruralista e, como a maioria dos deputados, votou por um dos maiores desmontes que uma pasta ambiental já sofreu nas últimas décadas.

Tudo de novo?

A densa camada de fumaça que encobriu Manaus nos primeiros dias de agosto trouxe, mais uma vez, mal-estar à população, acompanhado da pergunta: passaremos por tudo isso de novo? Bastaram alguns dias convivendo com a nuvem insalubre para reavivar a memória das longas semanas de tormento de 2023. Verão amazônico, altas temperaturas, baixa umidade do ar, poucas chuvas, fenômeno El Niño e queimadas criminosas são os ingredientes inflamáveis dos incêndios florestais. Nada que as autoridades, alertadas por cientistas e órgãos de controle, já não soubessem. Manaus é uma das cidades que mais sofre, mas não a única, já que os incêndios se espalharam pelo País. Assim, ao chegarmos à nossa 50ª edição, nos perguntamos: serão as medidas governamentais suficientes para enfrentar a crise?

De acordo com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), até o dia 18 de agosto, já haviam sido registrados 3.968 focos de calor em todo o Estado. A maior concentração das queimadas, segundo o Ipaam, está na região sul do Amazonas, de onde vem grande parte da nuvem de fumaça que encobre Manaus. Em toda a Amazônia, houve um aumento de 111% no número de queimadas entre janeiro e 13 de agosto, em comparação com o mesmo período de 2023, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Nos piores dias de fumaça, de acordo com programas de monitoramento, o ar em Manaus apresentou uma concentração média de partículas finas de 125 µg/m³ (microgramas por metro cúbico), 25 vezes maior que o índice recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere não ultrapassar 5 µg/m³. Esses altos níveis de poluição do ar representam um risco maior para uma série de doenças.

Manaus chegou a ser a cidade com a pior qualidade de ar do País. Mas o problema não é exclusivo da capital. Levada pelos ventos, com a ajuda dos chamados “rios voadores” da Amazônia, e somada às queimadas de outros biomas, a nuvem tóxica se espalhou pelo País, alcançando ao menos dez Estados e aumentando a preocupação.

Enquanto a população sofre as consequências, os governos estaduais e federal anunciam medidas que incluem a criação de comitês, forças-tarefas, reforço nas equipes de combate às queimadas e repasses financeiros. Aproveitam também para dividir responsabilidades. Resta saber se as medidas adotadas serão capazes de conter o fogo na floresta e a fumaça que sufoca.

&Leitora

�� Jornalismo transformador

Ao comentar a REVISTA CENARIUM me lembro, de pronto, da Revista Cadernos do Terceiro Mundo edificada com a energia revolucionária de Beatriz Bissio e Neiva Moreira, que atravessavam continentes a estudar as realidades dos países onde a pobreza dominava. Era o compromisso de um Jornalismo transformador, que denunciava as injustiças sociais onde quer que existissem. Ao que percebo, a REVISTA CENARIUM quer ocupar semelhante espaço num contexto ou noutro, de forma a apresentar as diversidades de realidades e ajudar a criar um mundo melhor.

José Ricardo Soares Telles de Souza - Veterinário, professor

São Luís – MA

Crédito: Acervo Pessoal

�� Informações da Amazônia

Tenho acompanhado a REVISTA CENARIUM há um tempo e acho muito importante o trabalho jornalístico voltado à Amazônia sendo feito por jornalistas da região. Acho também que a revista presta um bom serviço aos leitores, abordando temas importantes para os diversos Estados amazônicos, como o meu Pará, que sempre enfrenta grandes desafios para a preservação do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas.

Maura Guimarães

Santarém – PA

Crédito: Acervo Pessoal

�� Design limpo e conciso

Acompanho a CENARIUM desde o início e, como designer, gostaria de destacar que a organização do conteúdo da revista é limpa, concisa e com uma ótima pregnância visual, com os itens das páginas conversando tão bem que se combinam e geram esse prazer de olhar. Essa clareza facilita a leitura e a compreensão das informações.

Paulo Maciel Manaus – AM

�� Referência e amplitude

A REVISTA CENARIUM é referência regional e nacional por trabalhar temáticas de panorama, de ampla apuração, de alta credibilidade. Por isso, como jornalista que colabora com reportagens mesmo que esporadicamente, é uma honra fazer parte da construção de uma publicação de amplitude internacional e ter a revista como uma parceira central.

Vida longa!

Camila Simões - Jornalista de Belém Curitiba - PR

Sumário

Ar insalubre

Brasil enfrenta nova onda de fumaça de queimadas; qualidade do ar despenca e impacta diversas regiões do País – como enfrentar essa crise?

Carol Veras - Da Cenarium

MANAUS (AM) – O retorno da densa fumaça de queimadas sobre Manaus foi o sinal de alerta para uma crise que se alastra pelo País. No início do mês de agosto deste ano, a cidade chegou a ter a pior qualidade de ar do Brasil. A nuvem tóxica reacendeu preocupações sobre o aumento das queimadas e o impacto na qualidade do ar, que se tornou prejudicial à saúde, problema que se espalha pelo País. Este cenário também reafirmou debates sobre a atribuição de responsabilidades e as medidas necessárias para mitigar os efeitos nocivos ao meio ambiente e à população, antes que se chegue à mesma situação de 2023, quando a capital do Amazonas passou meses encoberta por uma forte nuvem de fumaça cinzenta irrespirável. Enquanto

órgãos de monitoramento e autoridades tentam conter o fogo principalmente na Amazônia e no Pantanal, a fumaça “viaja” para outras regiões, espalhando temores e problemas de saúde em, ao menos, dez Estados no Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere que a concentração anual média de partículas finas no ar não deve exceder 5 µg/m³ (microgramas por metro cúbico). No Amazonas, os dias cinzas voltam a apresentar a concentração média de 125 µg/m³, o que representa 25 vezes o valor recomendado. No início de agosto, Manaus chegou a ser a cidade com a pior qualidade de ar do País. De acordo com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), essa fumaça se

Manaus coberta por fumaça no dia 11 de agosto
Manaus encoberta por fumaça em 2023

Crédito:

Nos dias de pior qualidade do ar, recomenda-se o uso de máscaras ao ar livre

Imagem de satélite do Inpe mostra nuvem de fumaça de Norte a Sul do País no dia 22 de agosto

Registro de fumaça em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul
Crédito: Ricardo Oliveira
Reprodução Carol Veras | Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Fernando Oliveira | Reprodução
Crédito: Inpe
Crédito: Reprodução | Lucineia Thom

BRASIL SOB FUMAÇA

origina de queimadas no sul do Estado, entre os municípios de Autazes, Apuí e Novo Aripuanã, distantes 111, 564 e 336 quilômetros, respectivamente, da capital amazonense.

“A maioria dos incêndios são causados por ações criminosas, relacionadas à agricultura e à grilagem de terras”, afirmou o presidente do Ipaam, Juliano Valente, em 14 de agosto, durante uma coletiva de imprensa organizada para esclarecer as ações realizadas contra as queimadas. O coordenador do Programa de Educação Ambiental sobre Poluição do Ar (EducAir), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Rodrigo Souza, explicou à CENARIUM que o que acontece é uma “sobreposição de eventos”.

“O período seco apresenta menos chuva e menos ventos, e as queimadas acontecem nesse período do ano, têm acontecido diariamente na região metropolitana de Manaus, como eu tenho recebido alerta de satélites da Administração Nacional de

Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (Nasa), mas que não são tão numerosas quanto as do sul do Estado. Esses fatores saturam a atmosfera com fumaça”, relata o pesquisador.

De acordo com Souza, a concentração do ar insalubre sobre a capital se dá pela chegada da frente fria no Sul do Brasil, que resulta em ventos vindos dessa direção. Com eles, são trazidos os resquícios dos focos de incêndio no ar, que se espalham sobre a capital. O professor alerta que o fenômeno não ocorre apenas em Manaus: “Não existe preferência sobre fumaça na cidade de Manaus. Todo o Estado está prejudicado. É um problema de escala muito maior que a escala da cidade de Manaus, assim como outros municípios”, ressalta.

A dissipação da fumaça, que ocorreu semanas depois da primeira indicação da piora da qualidade, aconteceu por conta do sopro dos ventos em uma direção diferente. O monitoramento do EducAir indicou, em meados de agosto, ares vindos da região da cidade de Balbina, a 200 quilômetros da capital, leste do Estado. Esse fator evidencia que os resultados

Impactos na saúde

A assistente social Jocenir Carvalho afirma que teve o sistema respiratório prejudicado por conta do período crítico de poluição do ar no ano de 2023: “No período mais crítico, fui hospitalizada com falta de ar. Eu nunca apresentei sintomas de asma antes, mas, a partir desse período, comecei a usar bombinhas de alívio. Os médicos me alertaram sobre o perigo de ficar exposta muito tempo ao ar nessa qualidade e me recomendaram usar máscaras quando estiver fora de casa”, relata a profissional da saúde.

A funcionária pública contou ainda que os profissionais da saúde sugeriram que ela não praticasse esportes ao ar livre enquanto o ar estivesse insalubre, bem como se mantivesse em casa com as janelas fechadas. Para ajudar na umidade do ar, os profissionais também indicaram colocar um recipiente com

água e um pano molhado em áreas de convivência da residência.

Em 2023, o mês de outubro registrou o maior nível de poluição do ar em Manaus, com concentração de monóxido de carbono de 53,6 ppm (partes por milhão). Na sequência, novembro apresentou uma concentração de 39,8 ppm, de acordo com o Relatório Mundial sobre a Qualidade do Ar. A condição foi causada devido ao número de queimadas registrado no período da seca histórica no ano passado.

O Amazonas também presenciou, em 2023, quase 20 mil registros de queimadas, conforme dados do Inpe. Até novembro daquele ano, foram contabilizados 19.580 focos de calor, tornando o ano o segundo mais crítico desde o início do monitoramento pelo Instituto, em 1998. O ano mais devastador foi 2022, com 21 mil focos de queimadas.

Indicadores da qualidade do ar apresentados pelo aplicativo Selva na noite do dia 10 de agosto deste ano
Crédito: Reprodução Selva

“Não existe preferência sobre fumaça na cidade de Manaus. Todo o Estado está prejudicado. É um problema de escala muito maior que a escala da cidade de Manaus assim como outros municípios”

Rodrigo Souza, coordenador do Programa de Educação Ambiental sobre Poluição do Ar (EducAir), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

das queimadas na atmosfera ainda estão presentes, mas, dessa vez, fora de Manaus.

A fumaça das queimadas da Amazônia e de outros biomas não tem impactado apenas cidades do Amazonas. A exemplo do que já ocorreu em anos anteriores, a coluna densa, cinza e tóxica dos incêndios florestais vem sendo carregada pelos ventos e pelos chamados “rios voadores” gerados pela floresta, sendo levada para as regiões Sul e Sudeste do País. Normalmente, os “rios voadores” transportam grandes quantidades de vapor de água, umidade que vem da floresta, pela atmosfera da Bacia Amazônica para outras partes da América do Sul. É um fenômeno que ajuda a levar chuvas para o restante do Brasil, mas que com o aumento das queimadas tem contribuído como um difusor de fumaça.

“Esses ‘rios voadores’, na realidade, são correntes de vento que levam a umidade da Amazônia para a parte da região Centro-Oeste e também até para a região Sul. Essa corrente de ventos, por exemplo, age

como uma pluma. Em determinado nível da atmosfera, ela começa a sua evolução e começa a expandir, e se ela pega essas correntes de vento que ficam em altitude, ela acaba sendo transportada pelas correntes de vento, ou para o Centro-Oeste, ou também até para a região Sul, como aconteceu em Porto Alegre”, explica a meteorologista Andrea Ramos, que atua no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

De acordo com a Andrea, essas correntes de ventos, na maioria das vezes, são compostas por umidade. “Elas, na realidade, já são estudadas até um tempinho e fazem com que as pessoas os coloquem como ‘rios voadores’, como se passasse uma corrente em cima, em altitude, que transporta justamente a umidade”, explica. A meteorologista acrescenta que se trata de um corredor de vento chamado de jatos de baixos níveis e que transportam normalmente a umidade, mas que está contribuindo para transportar também

a fumaça. “Uma vez que os poluentes provenientes de uma queimada atingem esse determinado nível, eles acabam sendo transportados, saem do seu ponto focal e vão ao longo do continente passando e trazendo essas nuvens”, afirma.

Andrea lembra que os “rios voadores”, por exemplo, contribuíram para as ações que ocorreram no Rio Grande do Sul, que proporcionaram a catástrofe climática no início do ano no Estado. “Estão relacionadas também com esse transporte de umidade que sai da Amazônia e vai e forma aqueles centros de baixa pressão. É claro que aconteceu também a atuação de frentes que ficaram estacionadas”.

Ainda de acordo com a meteorologista, “atualmente, estamos vivenciando um período muito quente e seco, com vários dias sem chuva no sul do Amazonas e sul do Pará”. A especialista destaca que na região Centro-Oeste, a situação também é preocupante, com avisos diários de baixa umidade, variando do amarelo (umidade

Crédito: Luiz André Nascimento Cenarium

BRASIL SOB FUMAÇA

de 30% a 20%), ao laranja (de 20% a 12%) e ao vermelho (abaixo de 12%).

“Esses avisos indicam um tempo extremamente seco. Em agosto, a incidência de seca aumenta, pois é o mês mais seco do ano, e julho é o mês menos chuvoso em comparação com os demais meses”, explica Andrea.

Como consequência do deslocamento da fumaça das queimadas, já é possível perceber cidades de outras regiões do Brasil sendo impactadas. A Defesa Civil de Santa Catarina, região Sul do Brasil, por exemplo, divulgou, em agosto, um comunicado sobre a presença da fumaça proveniente das queimadas na Amazônia. Segundo o órgão, esse fenômeno afetou a visibilidade e deteriorou a qualidade do ar, principalmente no interior.

Em Chapecó, distante 557 quilômetros de Florianópolis, o céu apresentou baixa visibilidade e clima seco pela manhã. Na capital e em outras cidades costeiras, a fumaça é mais visível em altitudes elevadas, enquanto nas áreas próximas ao solo predominam nevoeiros, causados pela diferença de temperatura entre a superfície e a atmosfera. Diversas cidades do Rio Grande do Sul também têm sido encobertas por nuvens de fumaça, como tem ocorrido na capital do Estado, Porto Alegre. Há ainda registros

Fumaça encobrindo a cidade de São Paulo

de acúmulo de fumaça em cidades do Sudeste, como São Paulo.

Imagens de satélite mostram que a fumaça já alcança, ao menos, dez Estados entre as regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Pará, Roraima, Amazonas, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Sul estão entre os mais fortemente impactados.

As ocorrências em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e em outros Estados são

recentes, mas não é de hoje que a ampliação dos impactos das queimadas e da fumaça causa preocupação. Em 19 de agosto de 2019, há cinco anos, a cidade de São Paulo viu o céu escurecer no meio da tarde, quando foi tomado por uma densa coluna de cinzas e fumaça vinda dos incêndios na Amazônia. O episódio causou espanto e ganhou repercussão no noticiário nacional e internacional. Com o passar dos anos, o que se tem visto é que incidentes como esse estão se tornando mais recorrentes.

MONITORAMENTO

Na plataforma Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental (Selva), fornecida pelo EducAir, a qualidade do ar é classificada em categorias baseadas na concentração de partículas poluentes: “boa” (0-25 µg/m³), “moderada” (25 µg/m³), “ruim” (50 µg/m³), “muito ruim” (75 µg/m³), e “péssima” a partir de 125 µg/ m³. Em 2023, os índices de Manaus oscilaram principalmente entre “muito ruim” e “péssima”, excedendo os limites seguros recomendados pela OMS.

Seguindo esse padrão, a última atualização do relatório da qualidade do ar da OMS, publicado em 2022, indica que 99% da população global está exposta

O Turismo

Além da saúde, outra área que sofre os impactos negativos das mudanças climáticas é a economia. A turismóloga doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia Susy Rodrigues Simonetti explica que, em 2007, um relatório da Organização Mundial do Turismo (OMT), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertaram que as mudanças climáticas impactariam destinos turísticos, incluindo o Amazonas, onde a viabilidade tem sido afetada pela escassez hídrica.

“Na área urbana, os atrativos turísticos ficaram parcialmente encobertos em meio à fumaça e, nas áreas rurais, muitas comunidades estão isoladas e sem água;

há esforços conjuntos das mais diversas instituições para entregar alimentos e água potável para as pessoas afetadas pela seca”, retratou a turismóloga, sobre a estiagem ocorrida em 2023, através do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (Lets).

Apesar da crise, Simonetti observa que o turismo se manteve ativo, mas enfrentou os impactos econômicos das mudanças climáticas: “Não parou como na pior época da pandemia de Covid-19, mas alguns pequenos empreendedores que vivem em comunidades cuja fonte de renda principal é o turismo, mais uma vez, e viram diante da necessidade de suspender as operações”, citou a pesquisadora.

Crédito: Roberto Casimiro

a níveis insalubres de poluentes, como material particulado fino e dióxido de nitrogênio. Esses contaminantes são capazes de provocar graves impactos na saúde, incluindo problemas cardiovasculares, cerebrovasculares e respiratórios. Na região com a maior cobertura florestal do Brasil, o Norte, a expectativa de vida é 1,2 ano reduzida, devido à elevada presença de micropartículas poluentes no ar, como as observadas no início de agosto, conforme

“A maioria

informou o professor Rodrigo Souza à reportagem.

AS QUEIMADAS

O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) divulgou que, apenas no mês de agosto, foram registrados 3.968 focos de calor em todo o Estado, com maior concentração na região sul, dado apurado até o fechamento desta edição, no dia 18. Segundo o governador

dos incêndios são causados por ações criminosas, relacionadas à agricultura e à grilagem de terras”

Juliano Valente, presidente do Ipaam

do Amazonas, Wilson Lima, grande parte dos incêndios acontece em territórios indígenas e em áreas de responsabilidade do governo federal.

Ainda de acordo com o governador, o Estado está em diálogo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para organizar ações conjuntas no combate aos incêndios. A gestão também ressaltou que será neces-

BRASIL SOB FUMAÇA

sária a utilização de aeronaves federais e mais equipamentos para combater os focos de calor.

“Em nenhum momento, o Estado vai se eximir dessa responsabilidade de combater esses incêndios, mas sozinhos nós não conseguimos. É necessário que o governo federal também comece a fazer a sua parte de forma mais incisiva”, disse Wilson Lima, durante a divulgação dos dados deste mês.

Os planejamentos do governo do Estado para o combate à estiagem no ano de 2024 envolvem decretos, como a declaração de emergência ambiental em 22

INCÊNDIOS

37.835 focos na

Amazônia

Entre 1º de janeiro e 13 de agosto, foram contabilizados 37.835 focos de incêndio na área, um aumento de 111% em relação ao mesmo intervalo de 2023, que teve 17.912 ocorrências, conforme os dados de satélite do Inpe atualizados este ano.

3.968 focos no

Amazonas

Em agosto deste ano, o Amazonas teve 3.968 mil focos de queimadas, conforme dados da plataforma BDQueimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apurados até o fechamento desta edição.

municípios das regiões sul e metropolitana do Amazonas, que respondem por 96% das queimadas no Estado. Outra medida adotada é uma frente de pesquisas relacionadas a situações de emergência climática, com apoio de instituições especializadas no processo científico, como a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

A Operação Aceiro 2024, realizada em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMam), forneceu equipamentos como máscaras de incêndio, drones, capacetes, lanternas e bússolas aos agentes que atuam no combate direto ao fogo. Além disso, foi anunciado o direcionamento de 60 militares e novas bases do Corpo de Bombeiros no sul do Amazonas, ampliando a capacidade de resposta na região.

Em resposta, o MMA informou à CENARIUM que, até o último dia 15 de agosto, não havia recebido uma solicitação específica para apoiar as ações contra as queimadas no Amazonas. De acordo com a pasta, desde julho, “foram registrados, no Amazonas, 21 incêndios, dos quais 19 foram extintos ou estão controlados (cada incêndio pode reunir diversos focos de calor)”.

A pasta informou ainda que “os institutos operam prioritariamente em áreas federais, como assentamentos, Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Além de apoiarem ainda o combate em outras áreas, as ações são responsabilidade prioritária dos Estados”.

As divulgações mais recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que os incêndios na Amazônia brasileira aumentaram duas vezes mais em 2024, e atingiram o maior nível dos últimos 20 anos. A densa fumaça provocou a recomendação de usar máscaras em Manaus. Entre 1º de janeiro e 13 de agosto, foram contabilizados 37.835 focos de incêndio na área, um aumento de 111% em relação ao mesmo intervalo de 2023, que teve 17.912 ocorrências, conforme os dados de satélite atualizados este ano.

“No

período mais crítico, fui hospitalizada com falta de ar. Eu nunca apresentei sintomas de asma antes, mas, a partir desse período, comecei a usar bombinha”

Jocenir Carvalho, assistente social.

O ambientalista e defensor do Igarapé Água Branca, Jó Fernandes Farah, afirma que apenas o combate ao incêndio não é eficaz contra a calamidade ambiental. É necessária a intensificação das fiscalizações. “O Ibama e outros órgãos podem autuar e aplicar multas, mas, frequentemente, o criminoso encontra formas de protelar o pagamento, e a efetiva punição não ocorre”, comenta o ativista à CENARIUM.

“Atualmente, mesmo sendo proibido queimar lixo, é comum ver pessoas queimando resíduos e mato de forma indiscriminada, sem consequências. A lei precisa ser cumprida e fiscalizada adequadamente, e as punições previstas para infrações devem ser aplicadas com o devido rigor. É fundamental que a lei seja tratada de forma igual, sem distinção, e que as infrações sejam devidamente cobradas, com criminosos enfrentando a justiça”, concluiu.

Além dos incêndios na Amazônia, há as queimadas no Pantanal, que também têm sido muito intensas em 2024 e contribuído para espalhar fumaça pelo País, segundo os órgãos de monitoramento. Dados de satélite do Inpe registraram de 6 a 13 de agosto deste ano 2.011 focos de calor no Mato Grosso, onde se localiza o Pantanal, o que fez com que o Estado concentrasse 17,5% das queimadas do País.

112

mil

Foram detectados mais de 112 mil focos de incêndio de janeiro até agosto deste ano, um aumento de 50 mil casos em comparação ao mesmo período do ano passado.

Queimadas aumentam 80% em todo o País

O aumento no número de incêndios florestais no Brasil foi registrado pelo Inpe Da Cenarium*

MANAUS (AM) – Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que as queimadas no Brasil cresceram 80% este ano. De janeiro até agosto, foram detectados mais de 112 mil focos de incêndio, um aumento de 50 mil casos em comparação ao mesmo período do ano passado.

Lideram a lista de focos de incêndio os Estados do Mato Grosso, com 21 mil; seguido por Pará, Amazonas e Mato Grosso do Sul. São Paulo acumula 5.300 focos de

incêndio, um aumento de 380% em relação a 2023, que registrou 1.100 casos. Além disso, essas regiões estão enfrentando, em 2024, a pior seca dos últimos 44 anos.

A estiagem chegou mais cedo e está mais intensa. Com isso, a previsão é que o início da estação chuvosa demore, especialmente nos rios da Amazônia. Para a diretora substituta do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, Regina Alvalá, os dados são preocupantes.

Em agosto, algumas cidades ficaram com o céu encoberto por fumaça de queimadas, como a capital mato-grossense, Cuiabá. A Amazônia é o bioma mais atingido, com 48% dos incêndios, seguida pelo Cerrado, com 31%. O Pantanal, por sua vez, concentra 7,7% das queimadas. A cidade de Corumbá, no sul-mato-grossense, registra o maior número de queimadas, cerca de 4.200.

(*) Com informações da Agência Brasil.

Brigadista atua no combate aos incêndios
Crédito: Divulgação | Agência Brasil

BRASIL SOB FUMAÇA

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

O que esperar?

Pesquisas do Laboratório de Modelagem do Sistema Climático Terrestre (Labclim) da UEA indicam que o El Niño é o principal responsável pela falta de chuvas na região e pela intensificação das secas. O fenômeno provoca o enfraquecimento dos ventos alísios e o aquecimento anômalo das águas no leste do Pacífico equatorial, alterando padrões de temperatura e precipitação globalmente. Essas mudanças ocorrem entre três e sete anos, afetando o clima e o transporte de umidade no mar.

O último prognóstico do Labclim, divulgado em junho deste ano, indica o início da neutralidade do evento durante o trimestre de julho a setembro de 2024. No entanto, também apresenta a probabilidade de 50% de ocorrência do fenômeno La Niña entre setembro e novembro de 2024, que pode se estender até o período de janeiro a março de 2025.

De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), “o La Niña consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental. Conforme análise do Inmet, a probabilidade é de que no trimestre junho, julho e agosto, ou seja, meados do inverno, o Brasil já esteja sob os efeitos do fenômeno”.

O órgão ainda informa que, por enquanto, não é possível determinar

com precisão a intensidade do La Niña, mas o fenômeno, geralmente, provoca chuvas acima da média nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, podendo significar o fim das secas. Em contraste, as regiões Sul, parte do Centro-Oeste e Sudeste podem enfrentar precipitações irregulares, aumentando o risco de seca ou estiagem, especialmente durante os meses de primavera e verão.

O coordenador do Labclim, professor Francis Wagner, relata à reportagem que, embora o El Niño tenha atingido a neutralidade, os efeitos ainda poderão ser sentidos pelos próximos dois meses. O La Niña, por outro lado, só poderá ser notado a partir do ano de 2025, conforme pesquisado pelo laboratório.

“Eu acredito que a estação chuvosa na Amazônia só se configura a partir de meados de outubro, se estendendo até fevereiro do ano seguinte. É a partir de novembro, com o início da estação chuvosa, que há uma expectativa de redução das queimadas. Entretanto, a influência do La Niña só deverá ser sentida a partir de janeiro em diante. Portanto, neste momento, não se deve esperar que o La Niña tenha impacto na redução das queimadas”, conclui o pesquisador, apontando para o risco de ainda haver concentração de fumaça sobre as cidades.

aérea de queimada na Amazônia em julho deste ano

O ambientalista Jó Fernandes Farah relembra que, há dez anos, já poderíamos estimar a crise ambiental que estamos enfrentando hoje. “É possível que tenhamos chegado a um ponto de não retorno, onde tudo o que for feito a partir de agora talvez não seja suficiente para restaurar o clima que tínhamos anteriormente”, alerta.

“Esse problema não é exclusivo da Amazônia; trata-se de um fenômeno global. A humanidade já causou tanta destruição, e o pior é que esse avanço continua, de forma ainda mais acelerada. Talvez já não consigamos alcançar um ponto de equilíbrio ou reverter os danos causados pelos avanços sem precedentes na exploração dos recursos naturais”, completa o ativista.

Conforme Farah, o cenário ideal para combater essa situação é a conscientização e a educação: “Se não for feito um trabalho sólido dentro das comunidades e cidades, e se o governo não investir em publicidade e propaganda voltadas para a educação ambiental em vez de propaganda política, não conseguiremos resolver o problema. Portanto, é essencial que a educação ambiental seja promovida de forma intensa e permanente nas comunidades”, propõe o defensor da causa ambiental.

Imagem

Norte sufocado

Região Norte tem a pior qualidade do ar no País, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima

Isabella Rabelo – Da Cenarium*

MANAUS (AM) – O Norte do Brasil foi classificado como a região com as piores condições de ar do País. Os dados são do “Painel Vigiar”, iniciativa do Ministério da Saúde (MS), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que monitora a poluição atmosférica e a sua relação com a saúde humana.

Segundo a ferramenta, a média anual de material particulado fino da região chega a 15,1 microgramas por metro cúbico (µg/m³). A quantidade se refere ao triplo do limite desejável de 5 µg/m³, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os Estados de Rondônia, Amazonas e Acre figuram nas três primeiras posições do ranking de pior média, com 17,9, 17,2 e 16,0, respectivamente. Logo em seguida, estão posicionados os Estados do Pará, Roraima, Tocantins e Amapá.

O Material Particulado Fino (MP2,5) é composto de micropartículas no ar, menores que 2,5 micrômetros, que são emitidas na atmosfera, principalmente por escapamentos de veículos e grandes indústrias, além de queimadas nas florestas.

Por conta de seu tamanho microscópico, as partículas MP2,5 conseguem ser inaladas facilmente, afetando diretamente os pulmões. Ao entrarem na corrente sanguínea, podem causar doenças respiratórias, problemas cardíacos e, até mesmo, câncer.

Segundo a última atualização do banco de dados, todas as regiões do Brasil respiram níveis insalubres de material particulado fino, em quantidades extremamente acima do recomendado, o que pode causar impactos cardiovasculares, cerebrovasculares e respiratórios.

QUEIMADAS

O especialista em sensoriamento remoto da Divisão de Observação da Terra

e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Guilherme Mataveli, falou à Agência Brasil sobre a relação entre a qualidade do ar e os incêndios florestais.

Segundo o profissional, a cidade de Manaus é uma das mais afetadas pelas queimadas nas florestas da Amazônia, principalmente quando se tratam de árvores mais antigas, chamadas de “maduras”, que possuem maior potencial de estoque de carbono.

“Além da gravidade dos incêndios em áreas de florestas maduras contribuir para o aumento do impacto das mudanças climáticas, há o prejuízo para as populações locais. Manaus é um desses casos, que foi a segunda cidade com a pior qualidade do ar no mundo em outubro do ano passado”, explicou.

(*) Com informações da Agência Brasil.

Crédito: Reprodução Painel Vigiar
Crédito: Reprodução/Painel Vigiar

BRASIL SOB FUMAÇA

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Carcaça de jacaré vítima das queimadas no Pantanal

SOS Pantanal

ONG pede intervenção para salvar animais atingidos por incêndios no Pantanal

Davi Vittorazzi — Da Cenarium

CUIABÁ (MT) – A Organização Não Governamental (ONG) Grupo de Resposta a Animais em Desastres (Grad) encaminhou um ofício à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, solicitando intervenção federal para salvar animais atingidos pelas queimadas e a seca do Pantanal.

O pedido foi feito após o Grad ter realizado um estudo, em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), para constatar quais os efeitos do baixo nível d’água nas bacias ao longo da Transpantaneira, em Mato Grosso. O monitoramento usou armadilhas fotográficas em pontos estratégicos e a busca ativa por rastros, pegadas e animais. O resultado mostrou impactos

críticos do baixo nível de água sobre a fauna da região.

Conforme o relatório, há urgência de intervenções direcionadas nesses locais para mitigar os efeitos da seca, atender às espécies vulneráveis e preservar a biodiversidade do Pantanal. Por isso, é necessária a atuação do governo federal, já que o Estado não tem atendido à demanda.

O grupo atua com profissionais especializados e capacitados, no entanto, avalia que os animais estão expostos à vulnerabilidade na região. Segundo o Grad, as precipitações e níveis dos rios abaixo do esperado e o crescimento das queimadas prejudicam a busca de água, causando desnutrição e desidratação nos animais. A ONG também destaca que os animais,

Crédito: Mario Habelferd | SOS Pantanal

ao buscar por focos de água, ficam atolados na lama e, como estão machucados e desidratados, não têm força para sair sozinhos dos pontos.

SECA NO RIO PARAGUAI

O monitoramento às estações pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul mostrou que os níveis dos rios da Bacia do Rio Paraguai seguem em processo de descida acentuada. A região está com chuvas abaixo da média na região do Pantanal.

Conforme o SGB, as projeções indicam que, neste ano, podem ser registradas cotas negativas em Ladário (MS) a partir deste mês de agosto, conforme explica o pesquisador em Geociências do SGB Marcus Suassuna.

“Mesmo que até setembro chova a média para o período, o ano hidroló-

gico (outubro/2023 a setembro/2024) vai acumular menos chuva do que em 2021, quando aconteceu a segunda pior seca do histórico e o rio chegou à cota de -60 cm. Em 1964, o Rio Paraguai chegou à cota de -61 cm”, disse.

Segundo o Laboratório de Aplicação de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ), a região do Pantanal em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul teve 906.950 hectares de áreas queimadas, de janeiro até 31 de julho. A quantia equivale a cerca de 6% de todo bioma.

Já em agosto, entre os dias 6 e 13, satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) registraram 2.011 focos de calor no Mato Grosso, onde se localiza o Pantanal, o que fez com que o Estado concentrasse 17,5% das queimadas do País.

DEVASTAÇÃO

906.950 hectares

Segundo o Laboratório de Aplicação de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ), a região do Pantanal no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul teve 906.950 hectares de áreas queimadas, de janeiro até 31 de julho.

Imagem aérea de queimada no Pantanal
Crédito: Agência Brasil

BRASIL SOB FUMAÇA

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Incêndios em São Paulo

Seca e altas temperaturas intensificam queimadas criminosas em SP; 46 cidades chegaram a ficar em alerta e suspeitos foram presos Da Cenarium*

Queimadas

em São Paulo deixaram cidades em alerta e causaram nuvem de fumaça e fuligem

SÃO PAULO (SP) – O Estado de São Paulo também sofre com os incêndios florestais criminosos, que deixaram diversas cidades encobertas por fumaça e fuligem. Até o dia 25 de agosto, foram registrados 46 municípios com alerta máximo para queimadas e 21 com focos ativos de incêndio. O número é maior do que o registrado um dia antes, quando eram 36 cidades em alerta e 17 com incêndios ativos. Segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências da Defesa Civil, essas localidades sofrem com baixa umidade do ar e elevado risco, devido à onda de calor.

Com o agravamento da situação, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) viajou para Ribeirão Preto, uma das áreas mais atingidas pelos incêndios no interior do Estado. O governador anunciou um plano emergencial na Saúde, para garantir o reforço nos atendimentos a casos respiratórios em decorrência da fumaça e da baixa umidade do ar.

O plano emergencial prevê a ampliação dos serviços de telemedicina para consultas de triagem e acompanhamento de condições respiratórias, diminuindo a sobrecarga nas unidades de saúde.

Será montado na cidade também um posto avançado de combate ao fogo. A operação é feita em parceria com o governo federal, por meio das Forças Armadas.

veículos pesados, caminhões do Corpo de Bombeiros, foram destinados à cidade.

A ação conta ainda com cinco drones da Fundação Florestal, seis do Corpo de Bombeiros e uma aeronave de asa fixa para debelar os incêndios na Área de Proteção Ambiental de Ibitinga.

O setor canavieiro também está apoiando o Estado com carros-pipa e brigadistas, e ainda há suporte das empresas de construção com contratos com o Departamento de Estradas de Rodagem e que operam para as concessionárias de rodovias nos contratos geridos pela Artesp. O Centro de Triagem e Recuperação de Animais Silvestres (Cetras) também atua na operação.

Até o dia 25 de agosto, havia 21 municípios com incêndios ativos em SP.

Além de três helicópteros da Polícia Militar que já atuam na operação, a Força Aérea Brasileira enviou uma aeronave KC-390 e dois helicópteros para ajudar no combate às queimadas. Outros 28

A Defesa Civil e o Fundo Social do Estado informaram o envio de ajuda humanitária para a cidade de Pradópolis, localizada na região de Ribeirão Preto. Os caminhões transportam colchões, cestas básicas e água.

(*) Com informações da Folhapress

Polícia prende suspeitos

Ana Pastana – Da Cenarium*

MANAUS (AM) – Dois homens foram presos sob suspeita de causarem incêndios florestais no interior de São Paulo no fim de semana de maior ocorrência dos focos de calor. De acordo com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), um suspeito foi preso na região de São José do Rio Preto (SP), no dia 24 de agosto, e outro foi detido, no dia 25, em Batatais (SP).

Crédito: Fotos Públicas

O homem detido no dia 25, um mecânico de 41 anos que não teve o nome revelado, foi flagrado por um morador próximo ao bairro Jardim Celeste colocando fogo em uma mata que estava muito seca devido à estiagem prolongada. Já o homem preso no dia 24 tem 76 anos. O idoso foi detido sob suspeita

de atear fogo em lixo em uma área de mata no bairro Jardim Maracanã.

Com um dos homens foram apreendidos uma garrafa com gasolina, um isqueiro e um celular. De acordo com informações, no aparelho telefônico do suspeito havia vídeos dele comemorando incêndios de grandes proporções na região.

A operação no Estado foi iniciada após o governo decretar situação de emergência por 180 dias em 45 municípios paulistas. Um gabinete de crise foi criado diante da situação de emergência climática.

Além disso, o Governo de São Paulo confirmou um plano emergencial para aumentar os atendimentos de saúde após reunião com representantes de 26 municípios da região de Ribeirão Preto.

(*) Com informações da Folhapress.

BRASIL SOB FUMAÇA

‘Tem gente colocando fogo’, diz Lula

Presidente anuncia investigação de responsáveis por incêndios em todo o País

Ana Cláudia Leocádio - Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – O presidente Luiz

Inácio Lula da Silva anunciou, no dia 25 de agosto, que a Polícia Federal (PF) vai investigar quem está ateando fogo de maneira ilegal no País, uma vez que os Estados já proibiram o uso de fogo de manejo. O anúncio foi feito após visita de emergência à sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Brasília (DF), onde funciona o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), que monitora os focos de incêndios em todo o território nacional.

A visita de Lula e da ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, ao Ibama, ocorre após o aumento de queimadas no Estado de São Paulo, de onde o presidente retornou após visita. A situação paulista fez o governo federal mobilizar as Forças Armadas, que disponibilizaram o avião KC-390 Millennium, operado pelo Primeiro Grupo de Transporte de Tropa (1º GTT) para auxiliar no combate às queimadas no interior do Estado.

Em uma mensagem na rede social X, Lula disse que o presidente do Ibama

afirmou não haver, até agora, nenhum incêndio detectado por causas naturais. “Significa que tem gente colocando fogo de maneira ilegal, uma vez que todos os Estados do País já estão avisados e proibiram o uso de fogo de manejo. Já são cerca de 3 mil brigadistas em todo o Brasil trabalhando para combater os focos de fogo. A Polícia Federal vai investigar e o governo vai trabalhar com os Estados no combate aos incêndios”, disse o presidente.

Lula reproduziu uma declaração da ministra Marina em que afirma: “mesmo que o governo federal e os governos dos Estados coloquem todo o seu efetivo no combate aos incêndios, é necessário que as pessoas parem de colocar fogo, senão vão prejudicar a saúde e a vida das pessoas e dos animais. É um apelo que fazemos”.

No dia 21 de agosto, governadores da Amazônia Legal e do Mato Grosso do Sul se reuniram com vários ministros na Casa Civil, em Brasília, para discutir e definir ações de combate aos incêndios na região. Ao final, Marina também anunciou que a PF e as polícias estaduais iriam começar a investigar os responsáveis pelos incêndios ilegais na Região Amazônica, como já está ocorrendo no Pantanal. A ministra

informou que já foram abertos 31 inquéritos entre Amazônia e Pantanal e dois no Estado de São Paulo.

“Em todas as situações em que há suspeita de incêndio criminoso, o que está acontecendo no Pantanal, na Amazônia e, possivelmente, esse processo que se desencadeou em São Paulo, está sendo feita uma investigação”, afirmou a ministra, na sede do Ibama.

Marina Silva também falou do desafio de se combater fogo na Região Amazônica. “No caso da Amazônia, os esforços são enormes que estão colocados. Diferentemente do Pantanal, que é uma área aberta, como o senhor viu, na Amazônia são árvores de 30, 40 metros de altura com até três metros de diâmetro. Imagine o que é fazer o combate numa região como essa. No caso de São Paulo, a mesma coisa, propagação rápida, porque são áreas abertas com cana”, explicou a ministra.

A ministra suspeita que esteja ocorrendo no interior paulista o mesmo movimento de 2019, conhecido como o “Dia do Fogo”, no qual fazendeiros combinaram, por meio de mensagens de aplicativo, de atear fogo em áreas da Amazônia ao mesmo tempo. A dinâmica no

interior paulista é diferente do que ocorre na Amazônia e Pantanal. “Em São Paulo não é natural, em hipótese alguma, que, em poucos dias, tenham tantas frentes de incêndio envolvendo vários municípios. Mas obviamente que isso as investigações vão dizer”, ressaltou, acrescentando que toda a ação criminosa será punida com o rigor que a lei oferece.

O diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, disse que espera concluir no menor período de tempo os inquéritos, tanto de São Paulo, quanto do Pantanal e da Amazônia, para trazer esclarecimentos sobre as situações em que ocorreram os incêndios. Rodrigues informou que incêndio é dano ambiental, que dever ser apurado pela PF, usando imagens de satélite do Ministério da Justiça para ajudar nas investigações.

MULTIAGÊNCIAS NA AMAZÔNIA

Para o combate aos incêndios na Amazônia, as medidas apresentadas após a reunião com os governadores foram a instalação de três multiagências, que vão reunir todos os órgãos federais e estaduais

para atuarem em conjunto no combate às queimadas. Uma será instalada entre Porto Velho e Humaitá, no Amazonas; a segunda em Apuí, no sul do Amazonas, e a outra em Novo Progresso, no Pará.

O MMA constatou que 21 municípios concentram 50% dos incêndios, a maioria localizados nessa área sul do bioma. De janeiro a agosto, esse grupo registrou mais de 22 mil focos de incêndio. A maior parte ocorre no entorno das BRs 163, 230 e 319, segundo a ministra.

O secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, André Rodolfo de Lima, explicou que um terço desse fogo na Amazônia ocorre em área de pasto, outro terço em área de agricultura e, o último terço, em área de floresta, o que eleva mais a preocupação. “Nessas três regiões nós vamos intensificar as ações sobre esses focos de incêndio, muito provavelmente a maioria deles, senão a totalidade deles, sem autorização”, completou.

de medidas contra as queimadas em todo o País

“Significa que tem gente colocando fogo de maneira ilegal, uma vez que todos os Estados do País já estão avisados e proibiram o uso de fogo de manejo”

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil.

Presidente Lula e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na sede do Ibama, durante o anúncio
Crédito: Governo Federal

BR-319: indígenas cobram respeito

Povos indígenas defendem o direito à consulta e à tomada de decisão sobre a rodovia

Lucas Ferrante – Especial para a Cenarium**

MANAUS (AM) – Nos dias 30 de julho e 5 de agosto, os povos indígenas das etnias Mura e Munduruku entregaram formalmente ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em Brasília (DF) e em Manaus (AM), respectivamente, os protocolos de como desejam ser consultados sobre a rodovia BR-319. De acordo com o cacique da Terra Indígena Palmeira, no Lago do Capanã Grande, em Manicoré, o protocolo informa como os indígenas

deverão ser consultados pelo Dnit sobre o empreendimento da rodovia BR-319.

O direito de consulta é estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e por um decreto presidencial de 2019. As consultas aos povos tradicionais, como estabelece a Convenção 169 da OIT, defendem que povos tradicionais que tenham seus territórios afetados por grandes empreendimentos têm direito a uma consulta prévia, livre e informada. A

consulta é prévia porque deve ser realizada antes do empreendimento; informada, pois as comunidades precisam estar cientes de todo o dano que os empreendimentos podem causar nos territórios afetados; e livre, pois os povos não podem ser consultados contra sua vontade ou forçados a aceitar o empreendimento. Atualmente, o Dnit estabeleceu que apenas seis comunidades seriam consultadas, conforme a Convenção 169 da OIT. Entretanto, não é o Dnit quem define quais serão as comunidades consultadas, tendo direito à consulta qualquer comunidade que se sinta impactada.

Em estudo publicado no periódico científico Land Use Policy, foi apontado que a rodovia BR-319, que liga Porto Velho, em Rondônia, a Manaus, no Amazonas, impacta direta e indiretamente 63 terras indígenas oficialmente reconhecidas, cinco comunidades fora de áreas oficialmente reconhecidas e uma população de indígenas isolados. A população de indígenas isolados se encontra no município de Tapauá, em uma área sob extrema pressão de madeireiros e grileiros, como apontou

Vista
Aérea da BR-319
Crédito: Divulgação | Idesam

um segundo estudo publicado na Land Use Policy.

Ainda de acordo com o estudo, ramais ilegais estão sendo abertos por grileiros dentro de terras indígenas, onde a principal motriz para o fluxo de invasores nas áreas é a trafegabilidade e a acessibilidade fornecida pela rodovia BR-319. Segundo as lideranças indígenas que entregaram o protocolo, todas as comunidades impactadas deverão ser consultadas e da forma que desejarem. Ambos os estudos da Land Use Policy também apontam essa necessidade, respaldando o direito dos indígenas.

Preocupantemente, o Dnit tem violado esses direitos, ao avançar na tentativa de pavimentar o “Lote C” da rodovia BR-319, também conhecido como “Lote Charlie”, que não possui nem estudos ambientais nem as consultas aos povos indígenas impactados, como apontado pela revista científica Science. De acordo com um estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, editado pelo renomado grupo Springer Nature, o aumento do desmatamento no trecho do meio da rodovia, devido à pavimentação, já fez aumentar em mais de 400% os casos de malária na região. O mesmo estudo aponta que as audiências públicas realizadas pelo Dnit referentes ao licenciamento do “trecho do meio” ocorreram de forma ilegal, pois não contaram com a presença dos povos tradicionais impactados. O estudo ainda aponta que o aumento de casos de malária na região é um proxy do risco de aumento de saltos zoonóticos que podem causar uma nova pandemia global e aumento de epidemias. Esses resulta-

dos foram corroborados em um estudo publicado na semana passada no Lancet Planetary Health, periódico científico do grupo Lancet, um dos grupos de revistas médicas mais conceituados do mundo.

Políticos, como o senador Plínio Valério, têm apontado que, devido à seca, a rodovia BR-319 precisaria ser pavimentada. O estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities desmentiu o senador, apontando que os municípios afetados pela seca não são beneficiados pela pavimentação da rodovia, além de a pavimentação agravar a seca em toda a região amazônica, devido ao aumento da degradação florestal e do desmatamento causados pela maior trafegabilidade da rodovia. Todos esses resultados foram corroborados por uma publicação no periódico Nature, considerado um dos periódicos científicos mais importantes do

mundo. Segundo a publicação, a pavimentação levaria a Amazônia além do limiar de desmatamento e degradação florestal suportados pela floresta, desencadeando o colapso climático do bioma e abrindo um dos maiores reservatórios de patógenos do mundo, o que afetaria toda a população.

*Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestrado e doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde, em sua tese, avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

Terras e comunidades indígenas impactadas pela BR-319 de acordo com estudo publicado na Land Use Policy

63 terras indígenas

Em estudo publicado no periódico científico Land Use Policy consta que a rodovia BR-319, que liga Porto Velho, em Rondônia, a Manaus, no Amazonas, impacta direta e indiretamente 63 terras indígenas oficialmente reconhecidas, cinco comunidades fora de áreas oficialmente reconhecidas e uma população de indígenas isolados.

Mergulhadores

fazem pesquisa na

Pesquisadores exploram cavernas subaquáticas de dolina em Mato Grosso

Davi Vittorazzi — Da Cenarium

Conhecimento debaixo d’água

Dolina de Nobres
Crédito: Reprodução | CBMMT

CUIABÁ (MT) – Pesquisadores brasileiros realizam o mapeamento de cavernas subaquáticas da Dolina do Pai João, localizada no município de Nobres (MT), distante 122 quilômetros de Cuiabá. A pesquisa é feita pela Global Underwater Explorer (GUE), uma comunidade internacional de mergulhadores profissionais, em conjunto com a Universidade de São Paulo (USP).

Os estudos começaram em 2023 e contam com a participação de mergulhadores, arqueólogos, geólogos, um cineasta e outros profissionais de apoio. Além da Dolina do Pai João, os pesquisadores também fazem o mapeamento da Dolina do João Terêncio, também em Nobres (MT). As duas dolinas ficam no Parque Estadual da Gruta Azul.

O que torna a Dolina do Pai João diferente na região de Nobres é que ela já registrou mais de 100 metros de profundidade e conserva vários ambientes subaquáticos. A real extensão do relevo não é conhecida, o que justifica a exploração científica. Os trabalhos dos pesquisadores têm o apoio do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso (CBMMT).

Segundo o tenente-coronel BM Heitor Souza, especialista em mergulho autônomo, a colaboração dos militares

tem gerado resultados positivos para o mapeamento das cavernas subaquáticas e do lençol freático da Dolina. “Junto com mergulhadores internacionais, os militares realizaram mergulhos a mais de 100 metros de profundidade. É uma operação que busca mapear as cavernas e o lençol freático da Dolina. Representa uma importante pesquisa acadêmica com a qual temos a possibilidade de colaborar”, afirmou.

Os primeiros dias de mergulho serviram para aproximar o equipamento da entrada da caverna. Esses mergulhos foram longos, seguidos de muitas horas de descompressão e constataram a existência de condutos profundos com grande movimentação de água.

Entre outras atividades realizadas no local, além do mergulho, a equipe implementou um sistema de ancoragem para içar materiais e realizou simulações. Todos os resultados obtidos serão mapeados e analisados pelos pesquisadores.

Na análise inicial dos pesquisadores, eles acreditam que, devido à configuração da Dolina Pai João e Dolina do João Terêncio, as cavernas possam fazer parte do mesmo sistema, mesmo elas estando separadas por uma distância de sete quilômetros.

“É uma operação que busca mapear as cavernas e o lençol freático da dolina. Representa uma importante pesquisa acadêmica com a qual temos a possibilidade de colaborar”

Tenente-coronel BM Heitor Souza, especialista em mergulho autônomo, que colabora com a pesquisa.

Pesquisadores em campo exploram área de estudo

Igarapés de Manaus: ‘a vida é resistente’

Pesquisador da UEA que coordena o monitoramento da qualidade das águas aponta que é possível recuperar bacias hidrográficas do São Raimundo e Educandos, mas falta prioridade da gestão pública

Marcela Leiros – Da Cenarium

Professor titular do curso de Engenharia Química da UEA
Sergio Duvoisin coordena o ProQAS/AM há 10 anos
Crédito: Luiz André Nascimento | Cenarium

MANAUS (AM) – As bacias hidrográficas do São Raimundo e do Puraquequara, que cortam Manaus com águas extremamente degradadas, podem ser recuperadas e se tornarem banháveis novamente, mas sua recuperação depende prioritariamente da gestão pública, capaz de tomar as medidas incisivas necessárias à revitalização. É o que aponta o coordenador do Programa de Monitoramento de Água, Ar e Solos do Estado do Amazonas (ProQAS/AM), pesquisador cientista Sergio Duvoisin Junior.

O programa, mantido com recursos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), tem o objetivo de acompanhar a qualidade das águas, do ar e dos solos no Amazonas e se estabelecer como referência global nesse campo, ao mesmo tempo em que promove a proteção e a preservação dos recursos naturais da região amazônica.

Diante de mais de cinco anos de monitoramento e a partir das análises de parâmetros das águas, o pesquisador é taxativo em dizer que as bacias do São Raimundo e Educandos estão extremamente degradadas. Já a bacia do Tarumã-Açu, envolta na polêmica dos flutuantes, está sob risco. Para o professor, é possível reverter essas situações.

Referente às bacias do São Raimundo e Educandos, Sergio Duvoisin destaca que são necessárias medidas extremas para a recuperação dos cursos d’água. Ele cita que, mesmo diante de toda a poluição na cidade, existe vida nos igarapés e isso representa a resiliência de todo o ecossistema.

“Se existisse uma maneira de pegar todo o esgoto, todo, absolutamente todo o esgoto, e não jogar na bacia do São Raimundo, eu acredito que em dois, três anos a gente já está tomando banho de novo. Porque, pelo regime de águas que a gente tem aqui ser muito vigoroso, a gente conseguiria fazer essa bacia ser limpa de novo”, enfatiza. “Tem vida na bacia, é inacreditável. Quando você vai à bacia e olha, não consegue nem respirar por causa do odor, mas, se prestar atenção, a vida é resistente”.

No caso das bacias do Tarumã-Mirim e Puraquequara, explica o pesquisador, estas são, em geral, saudáveis. “As bacias do Tarumã-Mirim e Puraquequara são

extremamente saudáveis, com seus pontinhos de problemas. Por exemplo, ali em Puraquequara, tem um matador. É um local muito específico que está com problema. A gestão pública poderia, vendo o problema, se adiantar em resolver isso. É um problema pontual dentro de uma bacia que está extremamente saudável”, explica.

FALTA GESTÃO

Duvoisin analisa que falta prioridade dos entes públicos, nas esferas estaduais e municipais, em avançar nas questões ambientais, especialmente referente à situação dos rios e igarapés em Manaus. Ele cita a expectativa pela criação de uma agência amazônica de águas, que já tem minuta de lei pronta, mas ainda não entrou em discussão nas casas legislativas.

“Eu acho que não é uma prioridade ainda. Não está sendo uma prioridade. Eu vejo muito o mundo cobrando a gente por fazer, cuidar da Amazônia. Mas, eu não vejo como uma prioridade”, menciona. “A agência seria um passo fundamental para mostrar para o mundo que a gente está fazendo o nosso papel. Que tem pessoas que estão cuidando da Amazônia”.

Para subsidiar os dados para a gestão pública dos recursos hídricos, o pesquisador destaca a importância do trabalho realizado pelo ProQAS. Hoje, são sete laboratórios localizados na Escola Superior de Tecnologia (EST), com alunos

“Se existisse uma maneira de pegar todo o esgoto,

todo, absolutamente todo o esgoto, e não jogar na bacia do São Raimundo, eu acredito

que em dois, três anos a gente já está tomando banho de novo. [...] Tem vida na bacia. A vida é resistente”

Sergio Duvoisin Junior, coordenador do Programa de Monitoramento de Água, Ar e Solos do Estado do Amazonas (ProQAS/AM).

Barco de pesquisa ‘Roberto dos Santos Vieira’, inaugurado em 2022
Crédito: UEA | Divulgação

e técnicos coletando dados e fazendo análises periodicamente. O trabalho já rendeu parcerias com instituições de educação internacionais renomadas, como a Harvard University, por meio do programa Harvard-Amazon Rainforest Immersion.

“Não se faz gestão de recursos hídricos, por exemplo, sem monitoramento. Não dá para tentar arrumar o Igarapé do Mindu se não sabe qual é o problema. Como é que vai resolver um problema, se não sabe nem qual é? O monitoramento sempre vem antes. Então, hoje, nós temos dados dessas bacias que já servem de base para fazer a gestão”, adiciona.

TARUMÃ-AÇU

A briga judicial em torno da bacia do Tarumã-Açu, na Zona Centro-Oeste de Manaus, é antiga. Em 2004, quando havia “apenas” 74 casas flutuantes na localidade, a Justiça do Amazonas determinou a retirada das habitações, devido ao risco de danos ambientais. Em 20 anos, nada foi feito e esse número disparou: foram contabilizadas 900 unidades, entre restaurantes, flutuantes para lazer, garagens e píeres.

Em 2022, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) determinou que os entes públicos e órgãos de fiscalização apresentassem um plano de ação para a retirada dos flutuantes do Tarumã-Açu, o

que só começou a ser feito em fevereiro deste ano, dois anos depois, com a retirada de unidades abandonadas. Após essa primeira ação, a Justiça do Amazonas suspendeu, novamente, a retirada dos flutuantes, seguindo pedido da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM).

“O Tarumã-Açu ainda está com todos os parâmetros dentro do que o Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] 357 nos fala. Mesmo estando dentro de todos os parâmetros, olhando cinco anos atrás, a gente vê que a bacia está piorando. Então, os parâmetros ainda estão dentro do que se aceita, mas a bacia está dando sinais de piora”, observa Sergio Duvoisin Junior. “Esta é a hora de fazer alguma coisa”.

Monitoramento
das bacias do São Raimundo e Educandos

Natural de Porto Alegre (RS), Duvoisin se mudou para a capital amazonense ao ser aprovado no primeiro concurso público da instituição, há quase 20 anos. Hoje, atua como professor titular do curso de Engenharia Química da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e está à frente do ProQAS/AM, grupo que ajudou a fundar há dez anos.

O programa surgiu a partir do grupo Química Aplicada à Tecnologia (GP-QAT) e compreende, atualmente, 15 projetos de monitoramento ambiental na região central de Manaus e localidades como São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, no Rio Solimões e Rio Negro, respectivamente. São 100 pessoas, entre professores doutores, técnicos e alunos de pós-graduação e mestrado que monitoram a situação das águas, solo e ar do Estado.

Os recursos advêm da própria UEA, por meio do financiamento de projetos e de outras instituições públicas como a Fundação de Amparo à Pesquisa do

O programa

Estado do Amazonas (Fapeam), Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Ministério Público do Amazonas (MP-AM) — a partir de multas de ações ambientais — e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). Foi deste último, inclusive, os recursos para o barco de pesquisa “Roberto dos Santos Vieira”, inaugurado em março de 2022.

À reportagem, Sergio Duvoisin Junior explica a logística empregada para o monitoramento e a realização das campanhas. O professor detalha que cada grande bacia tem um projeto, no qual são feitas análises de 163 parâmetros de qualidade de água, entre eles o mercúrio, a cada dois meses. Na capital amazonense, as principais bacias, como Tarumã-Mirim, Tarumã-Açu, São Raimundo, Educandos, Puraquequara, são monitoradas pelo grupo há mais de cinco anos.

“Nossa proposta é que, com um determinado intervalo de tempo, normalmente de dois em dois meses, se faça o moni-

toramento com os mesmos 163 parâmetros, nos mesmos locais onde fizemos o georreferenciamento. Então todos os pontos são georreferenciados e a gente procura analisar os mesmos pontos, com os mesmos parâmetros, porque depois de uns três, quatro, cinco anos olhamos para trás e conseguimos ver como aquele corpo hídrico se comporta”, detalha.

O ProQAS também monitora a situação do Rio Negro e do Rio Madeira — de Nova Olinda do Norte até Humaitá, a 135 e 590 quilômetros de Manaus, respectivamente — com expectativa de iniciar uma campanha pelo Rio Solimões.

As viagens podem durar até 20 dias em campo, como é o caso dos rios, ou poucas horas, no caso das bacias na capital amazonense. Os relatórios das campanhas e suas respectivas análises são produzidos em até um mês, com as conclusões acerca do trabalho, que podem ser acessadas no site do programa.

Sergio Duvoisin fazendo uma análise em laboratório do ProQAS/AM

Eleições: indígenas buscam espaços

Número de candidaturas indígenas cresce quase 12% em 2024, segundo TSE; AM lidera ranking

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – O número de candidaturas indígenas cresceu quase 12% nas eleições deste ano em comparação às eleições municipais de 2020, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há quatro anos, foram 2.216 (0,40%) registros, que passaram a 2.483 neste ano, o que abrange 0,55% do total de candidatos registrados no Brasil, totalizando 455.493.

Entre as etnias mais declaradas estão a Baré (65), Atikum (38), Baniwa (18) e Apurinã (17), mas há outras como Apinayé, Anacé, Bakairí, Banawa, Arara do Pará, Arapiun e Amanaié. Quando se considera o gênero, 1.573 são do masculino (63,2%) e 916 do feminino (36,8%).

Em termos numéricos, o Amazonas apresentou o maior número de candidaturas, em 2024, com 558 registros, um aumento de 12% em relação a 2020, quando tinha 498. O Estado é o mais indígena do País, com 490,9 mil pessoas declaradas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados abertos do TSE, as etnias Baré (64), Kokama (63), Baniwa (18) e Kambeba (11) são as mais competitivas no pleito deste ano, seguidas dos Kulina Madija, Kanamari e Desana.

Proporcionalmente ao número total de registros no Estado, Roraima segue a tendência das eleições municipais de 2020, quando foi a campeã de candida-

Indígena ao lado de urnas eletrônicas
Crédito: Composição de Paulo Dutra | Cenarium

turas indígenas, com 176 candidatos, ou 13,22% do total. Quase 60% são da etnia Makuxi (104), depois vêm os Wapixana (37), Wai Wai e demais povos. Em 2020, o Estado também registrou o maior número proporcional de candidaturas indígenas, com 148 postulantes.

O Acre apresenta 74 candidaturas indígenas, o que abrange 3,26% do total de candidatos registrados no Estado nas eleições municipais, a maior parte da etnia Kaxinawá.

O Pará elevou de 108 para 122, neste ano, o número de candidatos e candidatas indígenas, que corresponde a 0,69% do total de concorrentes. Os Munduruku (47) e os Kayapó (17) lideram os registros.

Em comparação a 2020, o Amapá reduziu o número de candidaturas indígenas nas eleições deste ano, caindo de 24 para 19, distribuídas entre as etnias

Galibi Marworno, Karipuna, Karipuna do Amapá, Palikur e Waiãpi.

O Estado de Rondônia teve o mesmo número de registros de 2020, 36 no total, sendo que metade não informou a etnia. A maioria que concorre são os Suruí de Rondônia, Pakaa Nova e Cinta Larga.

O Mato Grosso do Sul aparece com 232 candidaturas indígenas, ou 3,21% do total de 7,2 mil registros no estado. A maioria são candidatos da etnia Terena (89), seguidos dos Guarani-Kaiowá (75), Guarani (30) e Guarani Nhandeva (10).

Na Bahia, serão 161 candidatos, que não chegam ainda a 1% do total dos 34,6 mil registros. Os Pataxó lideram as candidaturas, com 39 registros, ao lado dos Tupinambá (19) e dos Pataxó Hã Hã Hãe (12). Em 56 pedidos de registros de candidaturas como indígenas, não foi informada a etnia.

Perfil do eleitorado por cor e raça

O número de candidaturas gerais nas eleições municipais de 2024 caiu 22,65% em comparação com as eleições municipais de 2020, saindo de 557.678 para 454.689 registros, segundo os dados consolidados pelo TSE.

Os autodeclarados brancos são 207.527, ou 45,64% do total. Em seguida, estão os pardos, 188.027, que abrangem 41,35% dos registros de candidatura. Os autodeclarados pretos correspondem a 11,38% das candidaturas, ou 51.762, seguidos dos amarelos, com 1.755 registros (0.39%). Um total de 3.138 pessoas não informaram cor ou raça no pedido ao TSE.

Mulheres indígenas no Acampamento
Terra Livre, em Brasília
“Nós precisamos avançar nas próximas eleições e a base para que a gente possa crescer mais em 2026 está neste ano de eleições municipais"

Sonia Guajajara, ministra dos Povos

Indígenas.

META DE PROJETAR INDÍGENAS

NA POLÍTICA

O aumento das candidaturas dos povos indígenas foi um dos chamamentos no encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL), em maio deste ano, em Brasília, para aumentar a representatividade nas várias esferas de poder. Na ocasião, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, destacou a importância de mais parentes se lançarem na política nas eleições deste ano.

“Nós precisamos avançar nas próximas eleições e a base para que a gente possa crescer mais em 2026 está neste ano de

eleições municipais. Precisamos eleger vereadores, vereadoras. Precisamos de prefeitos e prefeitas. Precisamos fazer a nossa base eleitoral para 2026. Eleger deputados estaduais e aumentar a nossa bancada do cocar no Congresso Nacional”, disse Guajajara.

Em fevereiro, deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que partidos e federações partidárias com candidaturas indígenas registradas vão ter direito à distribuição proporcional de recursos financeiros do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), bem como de tempo gratuito de rádio e televisão.

No ATL, em maio deste ano, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara e a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) estimularam mais candidaturas indígenas
Crédito: Diogo Zacarias | MPI

Os candidatos ou candidatas indígenas poderão utilizar cocar na foto da urna eletrônica, nas eleições municipais deste ano no Amazonas, desde que não escondam o rosto ou dificultem o reconhecimento pelo eleitorado. Foi o que decidiu o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), no dia 15 de agosto, ao responder a uma consulta apresentada pela Federação PSOL-Rede Sustentabilidade no Amazonas.

A Consulta apresentada pela Federação partidária buscava dirimir uma dúvida constante na Resolução n.º 23.609/2019, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que trata do registro de candidaturas. A norma, ao mesmo tempo que permite “a utilização de indumentária e pintura corporal étnicas ou religiosas”, também proíbe “a utilização de elementos cênicos e de outros adornos, especialmente os que tenham conotação de propaganda eleitoral ou que induzam ou dificultem o reconhecimento do candidato pelo eleitorado”. Foram formuladas quatro perguntas ao TRE-AM sobre a permissão de colares, adornos, acessórios e similares.

Como a resolução define todos os detalhes necessários para a candidatura, inclusive quanto à foto de urna,

REPRESENTATIVIDADE

► 2.483 CANDIDATURAS INDÍGENAS

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram registradas 2.483 candidaturas de indígenas neste ano, o que abrange 0,55% do total de candidatos registrados no Brasil, totalizando 455.493.

► 558 REGISTROS NO AM

Em termos numéricos, o Amazonas apresentou o maior número de candidaturas indígenas, em 2024, com 558 registros, de acordo com dados do TSE.

► 490,9 MIL

No Amazonas, o Estado mais indígena do País, há 490,9 mil pessoas que se declaram como indígenas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De cocar na urna

como dimensões, tamanho, trajes, entre outros, o receio da Federação era que seus pedidos com candidatos indígenas fossem indeferidos, caso as fotos fossem apresentadas com os adornos étnicos.

O procurador eleitoral Edmilson Barreiros se manifestou pelo recebimento da consulta positivamente. “O Ministério Público Eleitoral entende que o texto da norma é claro ao assegurar a representatividade étnica e religiosa, permitindo a utilização da indumentária e pinturas, que representem ambos os fatores culturais, desde que não tenham conotação de propaganda eleitoral, que induzam ou dificultem o reconhecimento do candidato pelo eleitorado”, afirmou.

Segundo Barreiros, há julgados na Justiça Eleitoral que permitem o uso de candidatos com fotos de boné e chapéu de boiadeiro na urna, como forma de identificação com seus eleitorados.

O relator da consulta, juiz Cássio Borges, votou pelo conhecimento, em parte, da matéria e foi acompanhado, por unanimidade, pelos demais juízes. A ementa aprovada, além do uso do cocar, também cita a utilização pelos candidatos e candidatas de colares artesanais e indumentárias ou adornos com vinculações étnicas

ou religiosas, sempre ressalvando que estes não escondam o rosto ou dificultem o reconhecimento pelo eleitorado. Os postulantes precisam, ainda, apresentar pertinência com o respectivo grupo étnico.

O último item da consulta foi aprovado com uma modificação sugerida pelo juiz federal Érico Rodrigo Pinheiro. “O texto normativo é expresso quanto à permissividade do uso concomitante de indumentária e pintura étnica. Deve haver pertinência da candidata ou do candidato com o respectivo grupo étnico ou cultural, para que seja feita essa diferenciação da indumentária e da pintura étnica dos simples adornos”. Nesse ponto, Pinheiro sugeriu que seja inserida como parâmetro a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Povos Indígenas e Tribais, que define os critérios de reconhecimento e pertinência. O relator acatou a indicação.

Para a Federação PSOL-Rede Sustentabilidade, o cocar representa muito mais que um acessório. A depender do entendimento de cada comunidade indígena, os significados são sagrados. O eleitor que observar o uso na foto oficial da urna e tiver conexões indígenas se sentirá muito mais representado pela imagem.

Transparência ‘nebulosa’

Região Norte tem pior desempenho em disponibilidade de dados públicos; veja ranking

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – A Região Norte recebeu a classificação mais baixa no mapa de disponibilidade de dados abertos sobre as políticas públicas do Brasil, segundo o Índice de Dados Abertos para Cidades (ODI Cidades) 2023, produzido

pela organização nacional apartidária Open Knowledge Brasil. A entidade avalia que a disponibilidade de dados é fundamental para poder discutir propostas que sejam pautadas por evidências durante as campanhas eleitorais de 2024.

A organização apontou que as sete capitais nortistas praticamente não disponibilizam informações à sociedade em formato aberto. O ODI Cidades 2023 parte da avaliação de 111 conjuntos de dados em 14 áreas de políticas públicas das 26 capitais brasileiras, como Administração, Saúde, Educação, Finanças Públicas, Meio Ambiente e Infraestrutura Urbana, além de

um 15º eixo que avalia instrumentos específicos da própria governança de dados.

A pontuação do índice, apresentada em uma escala de 0 a 100%, é classificada em cinco níveis de abertura: “Opaco” (0 a 20%), “Baixo” (21% a 40%), “Médio” (41% a 60%), “Bom” (61% a 80%) e “Alto” (81% a 100%). O Norte está enquadrado no nível mais baixo do índice, ou seja, “Opaco”.

REGIÃO NORTE

A coordenadora de Advocacy e Pesquisa da Open Knowledge Brasil, Danielle

Cidadão realiza consulta em ambiente virtual de transparência
Crédito: Composição de Paulo Dutra | Cenarium

Cenário nacional

São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG), empatadas tecnicamente nas primeiras colocações, não atingem 50% da pontuação do Índice, apresentando nível “Médio” de abertura na escala da avaliação. A capital paulista pontua em 65 dos 92 conjuntos possíveis, mas apenas oito deles são “estrelados” como referências na avaliação.

Já a capital mineira, que tem 52 conjuntos pontuados, recebe 19 estrelas. Recife (PE), Curitiba (PR) e Fortaleza (CE), que ocupam as próximas posições do ranking, alcançaram apenas um nível de abertura “Baixo”. Com isso, 21 capitais ficam na classificação “Opaco”. Boa Vista (RR) pontua em apenas dois conjuntos avaliados, o que não é suficiente para totalizar “1” na pontuação final.

Bello, explica à CENARIUM que a Região Norte tem um dos piores desempenhos em dados abertos, assim como a Região Centro-Oeste, devido à ausência ou baixa qualidade dos dados disponíveis. Ela destaca que a Lei de Acesso à Informação (LAI) exige a publicação de dados em formato aberto, porém essas regiões falham em atender a esses critérios.

“Esses aspectos relacionados aos padrões e aos princípios de dados abertos são padrões consolidados internacionalmente, mas que também estão refletidos, de alguma forma, na nossa legislação brasileira, a citar aqui a LAI, que, apesar de não falar nomeadamente ali em dados abertos, traz parâmetros de publicação de dados em formato aberto no artigo 8º. Por isso que a região Norte vai tão mal, porque ela nem tem dados disponíveis e os poucos dados que têm não atendem a esses critérios mínimos”, ressalta Bello.

MEIO AMBIENTE E

INFRAESTRUTURA URBANA

De acordo com a Open Knowledge Brasil, todas as sete capitais da Região Norte aparecem com um nível “Opaco” de abertura de dados de meio ambiente.

Seis delas têm pontuação zerada, o que significa que o poder público não disponibiliza nenhuma dessas informações como dados abertos.

Quando se trata de infraestrutura urbana, a opacidade também é regra. Fora alguns casos pontuais de dados disponíveis

sobre obras públicas nas sete capitais, não há nada sobre a estrutura pública de acesso à internet ou de iluminação nas cidades. Também não há dados sobre quais são os serviços e espaços públicos disponíveis para a população, como parques e praças, muito menos sobre a acessibilidade nesses locais.

Seca na Amazônia já preocupa

Governo federal cria sala de situação para tratar de estiagem na região

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

Crédito: Agência Brasil

BRASÍLIA (DF) – O governo federal criou uma Sala de Situação, em nível interministerial, para definir providências em relação à estiagem e seca na Amazônia, nos moldes do que já acontece para tratar das queimadas no Pantanal, segundo informações do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR).

A Sala de Situação é coordenada pela Casa Civil e reúne 14 ministérios que deverão atuar em conjunto para atender às necessidades dos Estados e municípios, durante o período de seca na região. Até então, todas as atenções estão voltadas ao Pantanal, devido à emergência das queimadas, mas, no dia 23 de julho, foi realizada a primeira reunião para discutir as providências sobre a estiagem na Amazônia.

De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), as experiências da grande estiagem do ano passado, na região ama-

“Para

o enfrentamento à estiagem severa prevista para o ano de 2024, a partir das lições aprendidas no ano anterior, fatores importantes estão sendo observados, como a logística, a comunicação, o fornecimento de cestas básicas e água potável”

Ministério dos Povos Indígenas (MPI), em nota.

Seca no Amazonas em 2023 foi a maior em 121 anos

“Nós tivemos, no ano passado, mais de 2 mil municípios em situação de emergência por conta da falta ou excesso de água. Neste ano, já chegamos a mais de 1.600, então é desafiador”.

Waldez Góes, ministro da Integração Nacional, em visita ao Pantanal.

zônica, servirão para balizar as ações preventivas para este ano, na gestão de riscos e desastres.

“Para o enfrentamento à estiagem severa prevista para o ano de 2024, a partir das lições aprendidas no ano anterior, fatores importantes estão sendo observados, como a logística, a comunicação, o fornecimento de cestas básicas e água potável e os dados cadastrais das populações indígenas dessa região. Assim como a antecipação da transferência de benefícios sociais e o monitoramento da saúde ambiental e da população são fatores importantes para o planejamento de enfrentamento dos próximos eventos de seca severa”, informou o MPI.

Além do MPI e MIDR, os trabalhos envolvem outros ministérios como o Ministério do Desenvolvimento e Assis-

OMonitor de Secas da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), divulgado em 24 de julho, mostrou que o fenômeno se intensificou em oito Estados, entre eles, Acre, Amazonas e Mato Grosso do Sul, entre maio e junho.

O Amazonas apresentou o maior agravamento, com o aumento da área com seca grave de 28% para 37%. “Essa é a condição mais severa no Estado desde março deste ano, quando houve seca grave em 40% do Amazonas. O Estado teve ainda a condição de seca mais severa do Brasil, em junho, devido aos 5% de seca extrema no território amazonense”, destaca o Monitor da agência.

tência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Ministério da Saúde (MS), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ministério de Minas e Energia (MME), Ministério da Igualdade Racial (MIR), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério do Trabalho (MT), Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR), Ministério da Defesa (MD), Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Instituto Brasileiro do Meio

Seca se agrava no Amazonas

Em relação à área, esta diminuiu de 100% para 95% de seu território, entre maio e junho, considerada a menor com seca no Estado, desde setembro de 2023, quando o fenômeno foi identificado em 92% de seu território.

No Acre, a intensificação, entre maio e junho, foi de 44%. “É a condição mais severa desde janeiro deste ano, quando houve seca extrema em 1% do Acre”. No período, a área com seca atingiu todo o território do Estado. “É a primeira vez que o Estado registra seca em 100% de seu território por dois meses consecutivos, desde o período entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024”, ressaltou o relatório da ANA.

Em Mato Grosso do Sul, de acordo com a agência, o Estado registrou seca grave em 11% de seu território, desde fevereiro de 2023, quando houve o fenômeno em 21% do Estado. Em relação à área com seca, esta seguiu no patamar de 85%, entre maio e junho. “É a maior área com seca em Mato Grosso do Sul desde setembro de 2022, quando houve seca em 88% do Estado”.

Pará, Roraima e Mato Grosso apresentaram abrandamento nos registros de seca, enquanto Amapá, Rondônia e Tocantins ficaram estáveis em termos de severidade, segundo o Monitor da ANA.

Crédito: Reprodução Redes Sociais

Rio durante o período de estiagem em 2023

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), dentre outros.

Para a logística, por exemplo, foi publicado, no final de julho, pelo Ministério da Saúde o chamamento público para a contratação de empresa especializada em fretamento de aeronaves, asas rotativas, para enfrentamento da situação de emergência da estiagem, para atender ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Médio Rio Purus.

De acordo com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, cidades com o reconhecimento federal de situação de emergência ou de estado de calamidade pública podem solicitar ao ministério recursos para ações de defesa civil. A solicitação pelos municípios em situação de emergência deve ser feita por meio do

Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD). Com base nas informações enviadas nos planos de trabalho, a equipe técnica da Defesa Civil Nacional avalia as metas e os valores solicitados. Com a aprovação, é publicada portaria no Diário Oficial da União (DOU) com o valor a ser liberado.

O ministro da Integração Nacional, Waldez Góes, declarou que o governo tem agido desde a primeira hora no monitoramento da situação, informando as comunidades locais dos problemas, que passaram a ser mais intensos por causa dos fenômenos El Niño e La Niña, que têm ocorrido com mais frequência e intensidade. “Nós tivemos, no ano passado, mais de 2 mil municípios em situação de emergência por conta da falta ou excesso

de água. Neste ano, já chegamos a mais de 1.600, então é desafiador”, disse, em visita ao Pantanal.

FORMULÁRIO PARA IDENTIFICAR NECESSIDADES

No MMA, o Gabinete da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável (SNPCT) criou um formulário para identificar os povos e comunidades tradicionais impactados pela seca na Amazônia este ano, bem como as suas necessidades prioritárias nos Estados do Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá e Mato Grosso. Será uma forma de identificar as localidades e demandas prioritárias a serem atendidas e agir em conjunto com os demais ministérios.

Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium

Mulheres promovem empreendedorismo sustentável no Pará

Força feminina

Empreendedorismo de mulheres de comunidades do Pará contribui para a justiça climática

Raisa de Araújo – Da Cenarium

BELÉM (PA) – É verão no Pará, no Norte do Brasil. Nesse período, que começa em junho, os dias quase sempre iniciam com um sol forte e brilhante que promete esquentar o suficiente até chegar no ápice da “quentura”. Cada ano que passa, os comentários de quem vive aqui são os mesmos: “O verão será pior este ano”, “Esse ano está mais quente”. O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu, entre os cenários estudados, que há mais de 50% de chance de a temperatura global atingir ou ultrapassar 1,5°C até 2040, e já é possível sentir isso.

Para frear esse aquecimento, o IPCC sugere que a transição energética seja urgente e que o mundo pare de usar combustíveis fósseis, a principal causa da crise climática, ampliando fontes de energia renováveis. Por outro lado, embora a redução rápida das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) originadas pela queima de combustíveis fósseis seja essencial no combate à crise climática, descarbonizar todos os sistemas e construir resiliência não será suficiente para atingir as metas climáticas. É preciso ir além, removendo carbono e aumentando o financiamento climático, tanto para a mitigação quanto para a adaptação.

Em um evento promovido pelo Ministério das Mulheres, em 2023, em Brasília (DF), a secretária nacional Carmem Foro fez o seguinte comentário: “A solução dos problemas climáticos será feita pelas mãos das mulheres”. Isso porque, apesar dos desafios, as mulheres são agentes de mudança, capazes de contribuir para a justiça climática. As experiências dessas mulheres e, especialmente, o conhecimento local das comunidades em que vivem, são valiosas para políticas eficazes de adaptação. Elas lideram iniciativas de conservação ambiental e promoção de energias renováveis.

Crédito: Composição Paulo Dutra | Cenarium

E é assim, em meio ao verão amazônico, que essa viagem pelo interior do Pará começa. A reportagem conversou com mulheres dos municípios de Abaetetuba, Parauapebas e Irituia, cada um em uma região diferente do Estado, contando as histórias de quem vive de atividades econômicas sustentáveis e como essas histórias se entrelaçam e dão novas perspectivas para a justiça climática.

MARIA PAIXÃO – LICEU COM ELAS

Em Abaetetuba, distante 73 quilômetros de Belém, capital do Pará, vive a empreendedora Maria Paixão. Filha de ribeirinhos de Curuçá e Bragança, ela mora no município há 33 anos, onde construiu família e trilhou uma carreira de empreendedorismo importante na comunidade, dedicando-se há mais de 50 anos ao ofício de confecção de joias.

Em 2021, em meio à pandemia do coronavírus, Maria e o esposo inauguraram o Liceu de Artes e Ofícios Mestre José Raimundo, um instituto, sem fins lucrativos, que capacita alunos de escolas públicas, por meio da atividade de ourivesaria, com fibras, sementes, madeira e outros materiais oriundos da floresta e dos rios, em parceria com instituições públicas e privadas, de forma inovadora, com qualidade e desenvolvimento humano.

Com o sucesso do instituto, Maria foi além e viu uma oportunidade de se aproximar de mulheres que viviam em comunidades marginalizadas, por meio da capacitação, empoderamento econômico e a autoestima das participantes. Foi assim que, dentro do Instituto, Maria Paixão fundou o projeto “Liceu com Elas”, levando o conhecimento de ourives para dentro das comunidades e incentivando o reaproveitamento de materiais naturais na criação de joias.

Ela explica que, durante o trabalho desenvolvido no liceu, identificam-se mulheres que necessitam de mais tempo e atenção e, aquelas que se destacam, são convidadas a aprimorar seus conhecimentos na sede do Instituto Liceu, para que possam levar esse aprendizado de volta às suas comunidades. O Instituto também auxilia na escoação da mão de obra dessas mulheres, conectando-as com artesãos que precisam de suporte. O objetivo é a

“Nosso

foco no liceu é voltado principalmente para as mulheres. Ao entrar nas comunidades, apresentamos o que a natureza ao redor delas tem a oferecer, incentivando o reaproveitamento de materiais naturais na criação de joias”

Maria Paixão, empreendedora.

Maria Paixão (sorrindo) integra o “Liceu com Elas”
Crédito:
“A educação patrimonial

é

um

processo cultural educativo que repassa para a comunidade toda a informação recolhida no sítio arqueológico. Tudo que é uma referência, os grafismos que representam o modo de vida dos povos originários que habitaram essa região há cerca de 6 mil anos, nos é repassado”

formação de mão de obra e geração de renda, para que essas mulheres se tornem protagonistas de suas próprias histórias, alcançando independência e autoestima, desenvolvendo habilidades que possam estar atreladas à natureza que vivem.

“Nosso foco no liceu é voltado principalmente para as mulheres. Ao entrar nas comunidades, apresentamos o que a natureza ao redor delas tem a oferecer, incentivando o reaproveitamento de materiais naturais na criação de joias. A alegria e o brilho nos olhos dessas mulheres ao verem suas obras-primas não têm preço. Muitas dizem que nunca imaginaram conseguir criar algo tão belo”, afirma Maria.

A empreendedora é mais do que uma empresária ou uma líder comunitária, ela

Arenice Oliveira, do projeto Mulheres de Barro.
Mulheres em atividades do “Liceu com Elas”

Reprodução

é uma força de mudança, dedicando sua vida a melhorar as condições de vida de mulheres vulnerabilizadas e a promover a igualdade e a dignidade por meio da arte e da capacitação profissional.

AURENICE OLIVEIRA – MULHERES DE BARRO

Distante cerca de 650 quilômetros de Belém, em Parauapebas, um município ao sudeste do Pará, vive Aurenice Oliveira, figura central no projeto das Mulheres de Barro, desempenhando atividades de coordenação e gestão financeira do projeto que existe há mais de dez anos na cidade.

O projeto Mulheres de Barro nasceu em 2003, da iniciativa de um grupo de mulheres artesãs que buscavam uma fonte de renda para sustentar suas famílias.

Neste ano, o grupo, que fazia parte da fundação da cooperativa, viajou a Belém para participar de uma feira de artesanato, que acabou definida por elas como “um fracasso” em termos de vendas. À época, o maior obstáculo foi a falta de uma identidade que as caracterizasse como artesãs de Parauapebas.

O momento de virada no projeto ocorreu quando as participantes começaram a utilizar as informações históricas dos achados arqueológicos para criar a identidade única de suas cerâmicas. Durante um curso, financiado pela Vale através da Lei de Incentivo à Cultura, realizado entre 2005 e 2011, elas estudaram artefatos cerâmicos encontrados na área de mineração. Esses artefatos, datados de cerca de 6 mil anos atrás, continham grafismos representando animais como tatu, cobra e peixes.

A partir desses estudos, as artesãs aprenderam a aplicar esses desenhos ancestrais nas próprias criações de cerâmicas, criando uma identidade distinta e culturalmente rica para os produtos das Mulheres de Barro. Esse processo de educação patrimonial durou seis anos e foi fundamental para a formação do estilo e da marca do grupo, que, agora, reflete a herança cultural indígena da região. Com o dinheiro arrecadado, foi possível criar o Centro de Treinamento em Jovens (CNTJ) e formalizar a Cooperativa Mulheres de Barro em 2013. O projeto não apenas proporcionou uma fonte de renda para as mulheres, mas também promoveu a preservação da cultura local, o empoderamento das mulheres e o desenvolvimento sustentável da comunidade. A principal matéria-prima para a produção, as argilas coloridas e

Peças em cerâmica produzidas pelas Mulheres de Barro
Crédito:
| Arquivo Pessoal

minérios, é fornecida tanto pela natureza local quanto por doações da principal financiadora do projeto.

“A educação patrimonial é um processo cultural educativo que repassa para a comunidade toda a informação recolhida no sítio arqueológico. Tudo que é uma referência, os grafismos, que representam o modo de vida dos povos originários que habitaram essa região há cerca de 6 mil anos, nos é repassado. Então, durante a formação, elas aprenderam a fazer a utilização desses desenhos para conferir identidade à cerâmica das Mulheres de Barro”, explicou, Aurenice.

Por fim, Aurenice explicou que ao longo desses mais de dez anos de projeto, dificuldades foram enfrentadas e o curso chegou a ter apenas seis mulheres, que resistiram, se formaram e, hoje, reverberam os aprendizados. E, assim, mediante uma oficina de construção de identidade, elas ressignificam os desafios e tornaram as mulheres em uma ciranda, a representatividade e a força das Mulheres de Barro.

MARIA FERNANDA – COOPERATIVA D’IRITUIA

O último destino é a Cooperativa Agrícola D’Irituia, no município de Irituia, no nordeste paraense, a 160 quilômetros saindo de Belém. Depois de percorrer uma estrada de terra batida, é possível conhecer a história de Maria Fernanda e das mulheres que fazem parte da cooperativa, que foi responsável pela mudança de vida de dezenas de famílias da região.

Crédito: Reprodução Redes Sociais

A Cooperativa D’Irituia é a principal responsável pelo fornecimento de tucumã para uma empresa de cosméticos multinacional, a Natura, que, em parceria com as comunidades, descobriu um potencial inovador na espécie típica do Pará, o ácido hialurônico presente no óleo da polpa do fruto e o poder de mitigação da perda da hidratação através do uso da manteiga do caroço.

Diferente da culinária dos amazonenses, no Pará, o consumo do tucumã é baixo, porque a espécie encontrada na região é muito mais oleosa e sua árvore ter muitos espinhos. Por muito tempo, o tucumãnzeiro foi considerado uma praga do mato nesta região da Amazônia. Mas, a

Aurenice Oliveira integra o projeto Mulheres de Barro

procura do fruto para a produção de cosméticos mudou a realidade da Cooperativa d’Irituia e de diversos outros cooperados, além de ajudar a manter a floresta em pé, valorizando a biodiversidade.

A safra do tucumã, no Pará, ocorre entre março e abril. No período, em que o açaí, principal atividade econômica da maioria das comunidades extrativistas, está em período de entressafra, produzir outro insumo com potencial grande de venda se torna uma fonte de renda extra para a cooperativa. Ou seja, a partir do momento em que os insumos da árvore passam a ter valor comercial para a comunidade, aquela árvore passa a ser mantida em pé para continuar gerando rendas.

O sistema de trabalho entre os cooperados foi organizado de forma justa, e

cada cooperado contribui da forma como acha melhor. Alguns cooperados apenas fornecem insumos, outros já entregam pré-beneficiados, e todo o trabalho que sobra, o time de mulheres que comanda a cooperativa, atualmente, toma a frente. Durante a pandemia, elas se organizaram e passaram na casa dos cooperados para ensinar técnicas de secagem dos caroços e compartilhar outros conhecimentos importantes para continuar a produção do material.

A partir da percepção do valor desta palmeira tão poderosa, as mulheres da comunidade tomaram a frente da cooperativa. Elas conduziram e se dedicaram a compreender todos os processos, desde o pré-beneficiamento dos insumos, até quanto cobrar por toneladas de tucumã e demais produtos que elas vendiam.

“A educação patrimonial é um processo cultural educativo que repassa para a comunidade toda a informação recolhida no sítio arqueológico”

Aurenice Oliveira, do projeto Mulheres de Barro.

Fruto do tucumã é matéria-prima em atividade empreendedora
Crédito: Reprodução Redes Sociais

Renda abaixo da média

Rendimento domiciliar per capita de moradores do Norte foi, em média, de R$ 1.314 em 2023, segundo o IBGE

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O rendimento domiciliar per capita da Região Norte – a renda de cada indivíduo dentro de uma determinada população, neste caso, em residências –, foi de R$ 1.314 para cada morador de um lar em 2023, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em levantamento divulgado no final de maio. A média nacional é de R$ 1.893.

O levantamento dos valores de Rendimento nominal mensal Domiciliar Per Capita (RDPC) do instituto abrange três regiões: Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A segunda região teve rendimento de R$ 1.155 e a última, de R$ 2.264.

Os coeficientes são calculados com base nos valores de rendimentos regionais em comparação com a média nacional e a população residente apurados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).

RENDA PER CAPITA

A renda per capita é um indicador econômico utilizado para avaliar a situação econômica de um País. Ela corresponde à renda média da população de uma determinada localidade, em um determinado ano ou período, e é calculada por meio da divisão da Renda Nacional (ou o PNB) de um País pelo número de habitantes.

No Brasil, a renda per capita do brasileiro aumentou nos últimos anos. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostrou que, em 2021, a média de renda mensal para cada membro de uma família era de R$ 1.484. Mas, em 2022, houve um aumento de 6,9%, levando o valor ao patamar de R$ 1.586.

Esses dados são usados para comparar o grau de desenvolvimento entre os países, mas o resultado é considerado “um número frio”, que não considera diversos aspectos econômicos e sociais. Assim, países com uma renda por pessoa muito alta podem transmitir a sensação de que todos os habitantes vivem em excelentes condições. Entretanto, essas riquezas nunca estão distribuídas igualmente, na prática.

DESEQUILÍBRIOS REGIONAIS

O IBGE indicou ainda os Coeficientes de Desequilíbrio Regional (CDR) referentes a 2023 para as três regiões. No ano passado, o Centro-Oeste tinha CDR igual a 1,00; o Nordeste teve CDR de 0,61; e o Norte de 0,69.

Os valores foram obtidos a partir dos rendimentos brutos de trabalho e de outras fontes efetivamente recebidos no mês de referência da pesquisa, acumulando as informações das primeiras entrevistas do 1º, 2º, 3º e 4º trimestres da Pnad Contínua.

RENDIMENTO POR REGIÃO

► R$ 1.314 foi a média de rendimento domiciliar per capita da Região Norte em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

► R$ 1.155 foi a média do rendimento domiciliar da Região Nordeste em 2023.

► R$ 2.264 foi a média do rendimento domiciliar da Região Centro-Oeste em 2023.

► R$ 1.893 foi a média nacional de rendimento domiciliar per capita em 2023, segundo o IBGE.

Detalhe de mão segurando moeda de R$ 1

Preservação sabor chocolate

Produção artesanal feita com chocolate amazônico ajuda a manter a floresta em pé no Pará

Raisa de Araújo – Da Cenarium

BELÉM (PA) – Quando o assunto é chocolate, o Brasil é campeão, mas nem todos os brasileiros conhecem seus craques. Em quantidade, o País é o sexto maior produtor mundial de cacau, conforme a International Cocoa Organization (ICCO). Em qualidade, algumas das variedades produzidas no Pará – atualmente o maior produtor nacional do fruto – são reconhecidas internacionalmente pelo Cocoa of Excellence dentre as melhores amêndoas do planeta.

A empreendedora Izete dos Santos Costa, mais conhecida como “Dona Nena”, é uma representante da grande popularidade do chocolate da Amazônia e de como os novos negócios têm explorado possibilidades de misturar o fruto a outros ingredientes locais, como o cupuaçu, o açaí

Izete dos Santos Costa é conhecida como “Dona Nena”
Crédito: Raisa de Araújo | Cenarium

e a castanha, produzindo chocolates únicos e com enorme potencial de mercado.

Nativa da Ilha do Combu, em Belém do Pará, Dona Nena é a mulher que abriu a porta de casa para receber o presidente da França, Emmanuel Macron, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março deste ano. Ela sempre trabalhou com cacau, seguindo uma tradição familiar.

No início, a produção de amêndoas de cacau era vendida para atravessadores, que as repassavam para as indústrias de chocolate, mas somente em 2005, quando Dona Nena participou de uma feira de chocolates, ela se viu estimulada a desenvolver o chocolate artesanal.

“Em 2011, eu tive o prazer de conhecer o chefe de cozinha Thiago Castanho, que se apaixonou pelo nosso trabalho. Ele se tornou nosso parceiro, começou a trabalhar com o nosso produto no restaurante dele, indicou o nosso produto para vários chefes famosos, e o restaurante dele passou a ser uma vitrine para a gente. As pessoas iam lá, viam, tinham curiosidade, e vinham aqui me conhecer”, explicou Dona Nena à CENARIUM

O sucesso foi imediato e a empreendedora começou a atrair a atenção de chefes de cozinha e profissionais de festivais gastronômicos de todo o Brasil. Com o crescimento, foi preciso melhorar o espaço para receber os turistas, fortalecer a administração do local e se especializar na produção formal de chocolate.

A partir de 2018, Dona Nena passou a contar com a ajuda de Mário Carvalho, que se tornou seu administrador. Eles construíram a primeira loja e uma cozinha de manipulação. No mesmo ano, ela foi para Canela, no Rio Grande do Sul, para aprender a fazer chocolate, e participou de um curso intensivo de chocolataria durante um ano. Em 2019, formou-se na categoria “tree-to-bar”.

Depois disso, a empreendedora da Ilha do Combu começou a produzir seu próprio chocolate, utilizando apenas cacau e açúcar, dentro do padrão orgânico, atendendo, especialmente, o público vegano, vegetariano e pessoas com alergias alimentares. Hoje, Dona Nena tem sua própria linha de chocolates, uma loja na cidade

e parcerias com restaurantes locais, vendendo seus produtos em todo o Brasil.

RECONHECIMENTO

Tudo isso culminou em um dos momentos mais marcantes para Dona Nena: a visita dos presidentes Lula e Emmanuel Macron. Ela considera essa visita um grande reconhecimento para o seu trabalho e para a Ilha do Combu. Foi a primeira vez que Macron veio ao Brasil e que Lula visitou seu espaço, tornando-se um marco importante.

“Então, para mim foi, assim, o maior reconhecimento que eu pude ter […] Foi bem legal, eles foram muito atenciosos, levaram nossas cartas de pedidos da comunidade, bateram foto com todo mundo dentro da loja, visitaram nossas áreas de produção”, comentou Dona Nena.

O VALOR DA FLORESTA EM PÉ

Preocupada com o crescimento e a popularidade de seus produtos, Dona Nena iniciou um plano de manejo para a produção de cacau, que envolveu outros produtores de cacau na ilha. Atualmente, 15 famílias são beneficiadas diretamente

“Hoje, a gente se sente feliz em poder fazer e mostrar isso, que trabalhar com a floresta em pé é mais importante para todo mundo”

Izete dos Santos Costa, “Dona Nena”, empreendedora.

Pedaços de chocolate produzido na Ilha do Combu, no Pará
Crédito: Raisa de Araújo | Cenarium

com a produção do cacau, e o restante da comunidade é beneficiado indiretamente com o aumento do fluxo turístico na ilha.

“Como a nossa produção não é de uma fazenda de cacau, é tudo na nossa propriedade, e nela tem as árvores nativas da floresta, o nosso cacau se mistura com elas e, com isso, nós não temos uma grande produção. Mas a partir daí, eu comecei a trabalhar com o cacau da minha família, com o meu, e também comecei a procurar os produtores locais para eu poder estar dando conta da demanda, que cada dia crescia mais”, explica Dona Nena.

Dona Nena, além da produção de chocolate, desempenha um importante papel em sua comunidade. Ela fortalece o empoderamento das mulheres da ilha, mostrando como a floresta pode gerar renda através da extração do óleo de andiroba, treinamento para manipulação de frutas, produção de licores e geleias, além de cursos de criação de abelhas e hortas. Este esforço mostra o potencial econômico da floresta em pé. “Hoje, a gente se sente feliz em poder fazer e mostrar isso, que trabalhar com a floresta em pé é mais importante para todo mundo”, explicou.

Bioeconomia na Amazônia

Nativo da floresta, o cacau é um dos carros-chefes da bioeconomia amazônica. O Pará é o maior produtor nacional do fruto. O IBGE estima que, em 2024, o Estado produza mais de 152 mil toneladas de cacau, empregando cerca de 30 mil produtores. Boa parte dessa produção vai para grandes multinacionais, já que o cacau é considerado uma commodity agrícola e o mercado de chocolate é dominado por grandes multinacionais, como Kraft, Nestlé, Mars, Hershey, Ferrero etc.

O diretor-superintendente do Sebrae no Pará, Rubens Magno, explica que “ao capacitar os produtores a alcançarem outros mercados dentro e fora do Brasil, bem como atender clientes estrangeiros que virão ao Pará, especialmente no ano que vem, durante a conferência do clima, contribuímos tanto para o fortalecimento do empreendedorismo quanto do próprio mercado de chocolate, que se torna mais diverso e inclusivo”.

A capacitação de pequenos produtores autorais fortalece um nicho de mercado cada vez mais valorizado pelo consumidor, dos chocolates de alta qualidade, e favorece a inserção dos empreendedores nesse setor, que, atualmente, estão se beneficiando de um ciclo de alta na cotação do cacau. Segundo a ICCO, o cacau é a commodity agrícola que mais se valorizou em 2024, com pico de 191% registrado em abril.

“A Amazônia tem o clima ideal para o cacaueiro e pode conquistar cada vez mais destaque no mercado nacional e internacional, se apostarmos em formas sustentáveis e inclusivas de produção”, finaliza Rubens Magno.

Cacau é plantado na Ilha do Combu Crédito: Raisa de Araújo
Cenarium

Marco do genocídio

Há quase um mês, o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, tem sido vítima dos grileiros de suas terras, no município de Douradina. Capangas dos invasores retomaram as agressões com armas de fogo. Onze pessoas, entre indígenas e agressores, foram feridas. O embate foi provocado após a decisão dos guarani-kaiowá de retomar suas terras, delimitadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas em 2011. A área é de 12.195 hectares, mas a demarcação foi judicializada — como sempre ocorre. A morosidade do Judiciário, nesses casos, é expressiva contribuição aos conflitos entre produtores rurais e indígenas.

Durante 500 anos, o Brasil não alcançou a condição de nação desenvolvida — segue na marcha como emergente ou em desenvolvimento. Mas, diante do comportamento da maioria dos parlamentares, o país está bem próximo da barbárie, no que se refere aos povos originários (indígenas) e tradicionais (quilombolas).

Para os políticos da ultradireita, dominantes no Congresso, a existência dos povos originários e tradicionais é empecilho ao

desenvolvimento do País — sofisma descabido, que sustenta e tenta justificar a matança desses brasileiros, de acordo com a política do governo passado. A Amazônia Legal abriga a maioria de mais de 1 milhão dos indígenas e mais de 80% dos quilombolas — remanescentes dos negros sequestrados em países do continente africano, para serem escravizados e remunerados com tortura e morte.

A lógica dos políticos de alma colonialista e retrógrada é extremamente perversa. Se em mais de 500 anos o Brasil não conseguiu ser um país desenvolvido, não serão os 12% dos 8,547 milhões de km² do território brasileiro, ocupados pelos povos indígenas, o maior obstáculo para que se alcance a condição de nação desenvolvida.

A aprovação do Marco Temporal, pelo Congresso, estabelece que os povos indígenas têm direito ao território ocupado até 1988, ano da proclamação da Constituição Cidadã, após o fim da ditadura militar. O entendimento é tão infame quanto o genocídio dos primeiros ocupantes do País, que seguem aviltados em seus direitos desde o início da colonização.

Essa violência contínua contra os povos indígenas decorre da inércia dos sucessivos governos. A Constituição elaborada na ditadura militar e promulgada em 1988 estabelece prazo para a demarcação das terras desses povos, que vivem, há séculos, oprimidos pelos colonizadores, ruralistas e grileiros. O cumprimento do ditame constitucional sempre foi postergado. O Estado brasileiro desprezou a determinação da Carta Magna. Cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar a emenda à Constituição que criou o marco temporal, um artifício jurídico voltado à opressão dos povos originários e que, provavelmente, em breve, se estenderá às populações tradicionais. Nenhuma decisão contrária ao direito à terra dos povos originários e tradicionais será compatível com a Constituição Cidadão nem justa. O Marco Temporal é a porteira escancarada para o genocídio.

(*) Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas residindo em Brasília há 62 anos, é jornalista há 42 anos. Trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil e, atualmente, ocupa o cargo de subeditora de Opinião, no Correio Braziliense.

Rosane Garcia
Crédito: Divulgação

Ataques aos Guarani-Kaiowá

Indígenas têm sido sucessivamente atacados por grupos armados no Mato Grosso do Sul

Isabella Rabelo – Da Cenarium*

Crédito: Divulgação MPI

MANAUS (AM) – Indígenas da etnia Guarani-Kaiowá, da região próxima ao município de Douradina, no Mato Grosso do Sul (MS), têm sofrido sucessivos ataques de grupos armados. No dia 3 de agosto, houve novo ataque por parte de pistoleiros. Os indígenas, que já haviam tentado alertar as autoridades sobre as investidas, vêm sofrendo ataques desde o dia 22 de julho, por fazendeiros e jagunços que afirmam ter direito aos territórios ocupados pela etnia indígena.

Pelo menos dez pessoas foram feridas, duas ficaram em estado grave. Um indígena levou um tiro na cabeça e um outro no pescoço. Os feridos foram encaminhados para o Hospital da Vida, em Dourados. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), relatos de indígenas acusam a Força Nacional de ser conivente com o crime.

A área em conflito é chamada de Panambi-Lagoa Rica e já foi delimitada e reconhecida pela União como território ancestral dos povos originários. Os produtores rurais alegam serem os proprietários legais da área utilizada para a produção de commodities no ramo da agricultura.

Segundo o Cimi, relatos de indígenas acusam a Força Nacional de ser conivente com o crime. Um disse ter ouvido de um

“Queremos saber a razão da Força Nacional ter saído daqui. Os agentes saíram e o ataque aconteceu. Parece que foi combinado. Queremos entender”

Relato de indígena Guarani-Kaiowá, ao Cimi. Ambulâncias

agente a frase: “Pega teu povo e sai daqui ou vocês vão morrer”, pouco antes do ataque.

Outro indígena foi mais incisivo: “Queremos saber a razão da Força Nacional ter saído daqui. Os agentes saíram e o ataque aconteceu. Parece que foi combinado. Queremos entender”, disse ao Cimi.

O Ministério dos Povos Indígenas disse ter recebido as denúncias e enviado uma equipe da pasta e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para o território. O grupo foi acompanhado do Ministério Público Federal para prestar atendimento aos Guarani-Kaiowá. A Secretaria de Saúde Indígena foi acionada para lidar com os feridos com menos gravidade. Um dos feridos segue em estado grave.

O secretário executivo do MPI, Eloy Terena, acionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública e pediu explicações sobre a retirada da Força Nacional do local. Também pediu que fosse garantida a permanência do efetivo no território, para evitar outros casos de violência. O MPI informou ainda que emitiu ofício para o diretor-geral da Polícia Federal solicitando investigação imediata sobre o ocorrido. O comandante do 3º Batalhão

da Polícia Militar também foi acionado e disse ter reforçado o policiamento.

Segundo o Cimi, o ataque ocorreu mais precisamente na retomada Pikyxyin, uma das sete na Terra Indígena Lagoa Panambi, identificada e delimitada desde 2011. Um ataque já havia ocorrido no local no dia 2 de agosto, sem ferir os indígenas.

No dia 1º de agosto, um ruralista armado foi detido pela Força Nacional no local. O Cimi disse ter sido informado pela Defensoria Pública da União (DPU) que entrará com representação para destituir o comando da Força Nacional em Mato Grosso do Sul.

OUTRO ATAQUE

Já na madrugada do dia 4 de agosto, o acampamento Esperança, onde vivem cerca de 300 famílias, em Dourados, a poucos quilômetros de Douradina, foi atacado e incendiado. Mantido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), integrantes do Esperança estiveram na Terra Indígena no dia 29 de julho, para prestar solidariedade e levar mantimentos aos Guarani-Kaiowá.

(*) Com informações da Agência Brasil.

Medidas de proteção

Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium

BRASÍLIA (DF) – O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) anunciou uma série de medidas em atendimento às reivindicações dos indígenas Guarani-Kaiowá que, no início de agosto, fecharam uma das vias da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para pedir o fim da violência na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, no município de Douradina (MS), distante 195 quilômetros de Campo Grande. Dentre as medidas, está a determinação para que a Polícia Federal (PF) investigue os ataques sofridos.

O protesto na capital federal foi o último recurso dos indígenas para pressionar o ministério a recebê-los e relatar os ataques que vêm ocorrendo na área de retomada, que está em disputa com fazendeiros da região. O pedido do povo Guarani-Kaiowá é pelo reforço da segurança, além da retirada dos homens armados que ficam no entorno do local.

Em nota enviada à  CENARIUM, em 12 de agosto, o ministério informou que o secretário Nacional de Segurança Pública, Mario Luiz Sarrubbo, e a secretária nacional de Acesso à Justiça, Sheila de Carvalho, que receberam a comitiva, anunciaram uma série de medidas para ampliar a segurança na região da Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS), durante uma reunião com lideranças da etnia Guarani-Kaiowá, no dia 8 de agosto, na sede do MJSP.

“Nos últimos dias, a atuação da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) em Mato Grosso do Sul foi intensificada, o que incluiu o aumento do efetivo destacado e o reforço de viaturas e de equipamentos de menor potencial ofensivo. Além disso, o MJSP determinou o início de investigações pela Polícia Federal (PF) e a criação de uma Sala de Situação para atuar nas demandas de segurança pública”, informou.

Ainda segundo o ministério, a Sala de Situação “será composta por representantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Secretaria de Acesso à Justiça (Saju), Assessoria Especial do Ministro, PF e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Outros ministérios também serão convidados a participar”.

No dia do último ataque, os indígenas reclamaram que os agentes da Força Nacional saíram do local e, em seguida, os homens armados começaram a atirar contra eles, o que os deixou bastante desprotegidos e revoltados.

De acordo com a nota do MJSP, “a presença e as operações da Força Nacional são cuidadosamente planejadas e ajustadas conforme as avaliações de risco e necessidade operacional, sendo continuamente realizadas em colaboração com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Polícia Federal”.

Indígenas protestam em Brasília após ataques em Terra Indígena em MS

“Nos

últimos dias, a atuação da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) em Mato Grosso do Sul foi intensificada, o que incluiu o aumento do efetivo destacado”

Ministério da Justiça e Segurança Pública, em nota.

Lula recebe indígenas

Criticado por manter-se em silêncio em meio à violência aos indígenas de Douradina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu uma comitiva de indígenas Guarani-Kaiowá, no dia 10 de agosto, em Brasília. A foto do encontro foi publicada no perfil do presidente na rede social X, onde ele escreveu: “Ao lado dos ministros Sonia Guajajara, Marcio Macedo, Paulo Pimenta e da presidenta da Funai Joenia Wapichana, recebi uma comitiva de lideranças Guarani-Kaiowá para tratar do conflito no Mato Grosso do Sul, que se intensificou nos últimos dias”.

Ao lado do presidente, também estava a antropóloga Valdelice Veron, da Grande Assembleia Guarani-Kaiowá (Atyguasu), integrante da comitiva que foi recebida no Ministério da Justiça.

Segundo a Funai, a TI Panambi-Lagoa Rica foi delimitada pela autarquia em 2011. Possui 12.196 hectares, porém a demarcação foi impedida por ações judiciais que estão no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que fica em Dourados, município de Mato Grosso do Sul.

Crédito: Ana Cláudia Leocádio | Cenarium

Resgate da dignidade

Brasil resgatou mais de 3 mil trabalhadores de condições análogas à escravidão em 2023

Da Cenarium*

MANAUS (AM) – O Brasil resgatou, em 2023, 3.151 trabalhadores em condições análogas à escravidão. O número é o maior desde 2009, quando 3.765 pessoas foram resgatadas. Apesar dessa alta, o dado mostra como o País regrediu no período recente, porque o número

de auditores fiscais do trabalho está no menor nível em 30 anos.

Com esses dados, subiu para 63,4 mil o número de trabalhadores flagrados em situação análoga à escravidão desde que foram criados os grupos de fiscalização móvel, em 1995.

O trabalho no campo ainda lidera o número de resgates. A atividade com maior número de trabalhadores libertados foi o cultivo de café (300 pessoas), seguido pelo plantio de cana-de-açúcar (258 pessoas). Entre os Estados, Goiás teve o maior número de resgatados (735), seguido por

Trabalhador em carvoaria em situação análoga à escravidão

Minas Gerais (643), São Paulo (387) e Rio Grande do Sul (333).

Por trás das estatísticas, restam histórias de abuso nos campos e nas cidades que mostram como o trabalho análogo à escravidão ainda é recorrente no Brasil. Em fábricas improvisadas, em casas de alto padrão, nas plantações, crimes continuam a ser cometidos.

“Foram 30 anos sem ganhar salário. Até chegou um ponto de ela não querer deixar mais que eu comesse, que eu tomasse café. Eu só podia ir para meu quarto tarde da noite, não podia conversar com mais ninguém”, contou uma trabalhadora idosa resgatada, entrevistada pela TV Brasil em março do ano passado. A vítima acabou morrendo de uma parada cardiorrespiratória antes de receber qualquer indenização da Justiça.

“Acordava de manhã e só ia dormir quase meia-noite. Sem contar que eles me xingavam muito, ficavam falando palavrão. Ficavam xingando minha raça, me chamando de negra e aquelas coisas todas. Quando foi um belo dia, apareceu a Polícia Federal e aí ocorreu tudo”, conta outra trabalhadora entrevistada pela TV Brasil, que ainda aguarda indenização. Essas duas mulheres foram resgatadas do trabalho doméstico.

PROBLEMAS

Um dos desafios para que o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão continue crescendo é a falta de auditores fiscais.

“Era esperado até [esse problema] porque, nos últimos quatro ou cinco anos, não tivemos ações diretas de combate ao trabalho escravo. Então, foram represando muitos pedidos de ajuda por parte de trabalhadores que estavam em situação

63,4 mil

Desde que foram criados os grupos de fiscalização móvel, em 1995, o número de trabalhadores flagrados em situação análoga à escravidão soma 63,4 mil.

análoga à de trabalho escravo. Por isso, a gente não vê como surpresa, mas sim, vê ainda como uma carência. Porque temos poucos auditores do Ministério do Trabalho fazendo as fiscalizações”, diz Roque Renato Pattussi, coordenador de projetos no Centro de Apoio Pastoral do Migrante.

O Ministério do Trabalho e Emprego reconhece a falta de pessoal. O órgão, no entanto, afirma que o governo conseguiu aumentar o número de resgates, mesmo com o número de auditores fiscais do trabalho no menor nível da história.

“É uma prioridade da Secretaria de Inspeção do Trabalho fiscalizar, num sentido amplo, o trabalho doméstico e, especificamente, casos de trabalho escravo doméstico. Temos menos de 2 mil auditores fiscais do trabalho na ativa. Esse é o menor número desde a criação da carreira, em 1994. Mesmo assim, conseguimos entregar, em 2023, o maior número de ações fiscais”, destaca.

(*) Com informações de Ana Graziela Aguiar, repórter da TV Brasil.

(*) Com informações da Agência Brasil.

Crédito: Ricardo Oliveira Cenarium

Ação conjunta pela preservação

Força-tarefa mira rede de garimpo ilegal e crimes ambientais no Pará

Fabyo Cruz – Da Cenarium

Crédito: Divulgação

Agentes empregados na operação destruíram equipamentos usados por garimpeiros

BELÉM (PA) – Uma força-tarefa composta pela Polícia Federal (PF), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Força Nacional realizou operação de combate ao garimpo ilegal e ao desmatamento na região de Itaituba (PA), distante 888 quilômetros de Belém. As ações que duraram cerca de duas semanas foram realizadas pelos agentes federais entre os dias 24 de julho e 9 de agosto.

A operação contra as atividades ilícitas na Amazônia resultou na apreensão e inutilização de diversos equipamentos e materiais utilizados na prática desses crimes ambientais. Entre os equipamentos apreendidos e inutilizados durante a operação estão 50 motores estacionários, 24 escavadeiras hidráulicas (conhecidas como PCs), 15 dragas e um trator. Também foram apreendidos uma caminhonete, sete motocicletas, três embarcações, 7.500 litros de combustível, quatro armas de fogo e 70 munições.

Além disso, estruturas de apoio às atividades ilícitas, como acampamentos e depósitos, também foram destruídas. A

ação resultou na lavratura de diversos autos de infração. A PF estima que os prejuízos causados aos grupos criminosos com a destruição dos equipamentos e materiais ultrapassam R$ 14 milhões.

As ações conjuntas da PF, ICMBio e Força Nacional, segundo a própria instituição, representam um avanço importante na luta contra o garimpo ilegal e na proteção do meio ambiente no oeste do Pará. Essa operação “evidencia a importância da cooperação entre diferentes órgãos e instituições na preservação da Amazônia e no enfrentamento dos desafios ambientais que o Brasil enfrenta”, disse em nota. O objetivo é conter a devastação ambiental e combater as redes criminosas que lucram com a destruição da floresta.

Um dos principais focos de garimpo ilegal no País, a região de Itaituba vem sendo alvo de uma série de operações de fiscalização. As ações são consideradas cruciais para a dissuasão de atividades ilícitas e a proteção dos recursos naturais da região, importantes para o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade do planeta.

“[Essa operação] evidencia a importância da cooperação entre diferentes órgãos e instituições na preservação da Amazônia e no enfrentamento dos desafios ambientais que o Brasil enfrenta”

Polícia Federal, em nota.

APREENSÕES

50 motores

Entre os equipamentos apreendidos e inutilizados durante a operação estão 50 motores estacionários, 24 escavadeiras hidráulicas (conhecidas como PCs), 15 dragas e um trator.

7.500 litros de combustível

Crédito: Divulgação

Também foram apreendidos uma caminhonete, sete motocicletas, três embarcações, 7.500 litros de combustível, quatro armas de fogo e 70 munições.

Equipamentos apreendidos em operação da PF

Amazônia, um lar

‘Casa Amazônia Vive’ investe em acolhimento a nortistas e difusão cultural em São Paulo

Alessandra Leite – Especial para a Cenarium

SÃO PAULO (SP) – Os nortistas moradores de São Paulo – a “selva de pedra”, amplamente reconhecida como um grande polo de oportunidades para todos que chegam de diversos cantos do Brasil – agora contam com a Casa Amazônia Vive, um local inédito na capital paulistana, criado com o intuito de reunir a cultura do Norte do País em um só lugar.

O local é abrigo para os amazônidas saudosos do aconchego de casa, além de ser um espaço de acolhimento e incentivo a artistas do Norte em busca de oportunidades. “Aqui, o artista poderá fazer seu show, ter o cachê e a devida valorização. Estamos trabalhando para ser esse espaço que antes não tinha”, destaca a sócio-fundadora e produtora cultural Lucy Almeida.

Casa Amazônia Vive exalta cultura amazônica em São Paulo
Crédito: Alessandra Leite | Cenarium
“Aqui,

o artista poderá fazer seu show, ter o cachê e a devida valorização. Estamos trabalhando pra ser esse espaço que antes não tinha”

Lucy Almeida, sócio-fundadora e produtora cultural.

Espaço em São Paulo exalta cultura nortista
“Estamos sempre convidando a todos para virem conosco explorar a diversidade dos nossos povos”

Lucy Almeida, sócio-fundadora e produtora cultural.

Recém-inaugurada e localizada na Zona Oeste de São Paulo, a Casa Amazônia Vive, segundo a idealizadora, é um espaço sonhado para trazer o gostinho e o aconchego dos lares amazônicos para os moradores da megalópole, oriundos do Norte do País.

“É uma casa tanto para os nortistas saudosos de sua cultura quanto para pessoas de todos os lugares que são apaixonados pela riqueza cultural do Norte do Brasil. Elas são muitas e eu venho descobrindo isso ao longo dos anos em que produzo eventos com caráter regional, aqui em São Paulo. A saudade é grande, da música, da culinária e, principalmente, de se sentir em casa ao encontrar conterrâneos e compartilhar momentos de conexão”, explica a idealizadora do espaço.

Junto com o sócio e amigo de longa data, o músico paraense Marcelo

“É

uma casa tanto para os nortistas saudosos de sua cultura quanto para pessoas de todos os lugares que são apaixonados pela riqueza cultural do Norte do Brasil"

Lucy Almeida, sócio-fundadora e produtora cultural.

Nakamura, Lucy Almeida reuniu sua experiência de quase duas décadas como produtora cultural em Manaus e a arte de Nakamura, artista conhecido também no Amazonas por seu trabalho com o carimbó, marabaixo e outros ritmos como o do beiradão, para conectar as pessoas em torno do sonho de criar a casa dos amazônidas em São Paulo.

“A ideia surgiu quando vim morar em São Paulo e trouxe os bois de Parintins (AM) para fazer eventos aqui. Eu me surpreendi com a quantidade de apaixonados pela cultura do Amazonas e depois fui descobrindo uma legião de apaixonados pela Amazônia inteira. Descobri que temos muitos conterrâneos aqui e foi uma grande surpresa, pois não imaginava que fôssemos tantos”, relata Almeida.

Lucy conta que o amigo, e agora sócio, veio morar em São Paulo três anos depois de sua chegada na capital, no ano de 2019, e as conversas sobre ter um local fixo para a difusão da cultura do norte sempre estavam em pauta, especialmente porque ambos conseguem flutuar entre Amazonas e Pará com muita facilidade. A empreendedora afirma que percebia uma grande carência da própria cultura, cada vez que fazia um evento temático da Amazônia.

“Quando eu fazia eventos de boi-bumbá, uma vez por ano, a gente conseguia arrastar multidões. E aí comecei a pensar em ter uma casa onde pudesse realizar eventos assim de forma contínua. Foi difícil porque não havia esse espaço e ninguém entendia qual era a proposta”, relembra.

CASA COM ʻCARA DE AMAZÔNIA’

A decisão de empreender veio com a gravidez de Lucy, em 2024. Foi quando a procura pela casa começou com mais

afinco. “Era só concreto e a gente se perguntava como iria falar de Amazônia sem ter uma planta na casa. Era meu sonho ter um espaço como esse, com essa conexão. Tem árvores, tem quintal, tem a terra e o teatro também. Um espaço montado para tudo o que a gente sempre desejou”, comemora, Lucy, hoje grávida de seis meses.

No espaço do teatro, a Casa Amazônia Vive irá oferecer cursos de carimbó, boi-bumbá e outros ritmos amazônicos, além de oficinas diversas, sendo que as primeiras serão voltadas para contos e lendas do folclore amazônico, pintura e teatro.

Os empreendedores ressaltam a importância das exposições, eventos e demais atividades na casa para todos os que desejam ter um ponto de encontro em São Paulo, bem como almejam agir em prol da Amazônia. “Aqui nós estamos sempre convidando a todos para virem conosco explorar a diversidade dos nossos povos, compartilhar os saberes que habitam nesse bioma único, que é a Amazônia”, enfatizam os idealizadores.

FORMAÇÕES E EXPERIÊNCIAS GASTRONÔMICAS

Um diferencial para quem for frequentar as oficinas da Casa é a comida adequada para o horário da atividade. Por não ser um restaurante, mas oferecer alguns itens da culinária amazônica, quem fizer uma oficina de manhã poderá contar com um cardápio com itens da região, como tapioca com tucumã, castanha, banana, dentre outras opções. Já quem participar dos cursos no horário próximo ao almoço terá alternativas como vatapá, caldinho de peixe, bolinho de pirarucu, arroz paraense, dentre outros.

“A ideia é ter no cardápio as opções de acordo com o horário das nossas oficinas e demais programações. A comida, para nós, é um complemento. Trata-se mais de uma experiência gastronômica. A pessoa vem e terá toda aquela imersão de ouvir a música do Norte e comer a comida do Norte”, explica a proprietária.

Produtos regionais
Crédito: Alessandra Leite Cenarium

O adeus a Márcio Souza

Morre escritor, mestre das palavras, cenas e páginas

Carol Veras – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O jornalista, escritor e dramaturgo Márcio Souza faleceu, na manhã do dia 12 de agosto, aos 78 anos, em Manaus, deixando um legado de grandes obras que ficam para a posteridade e marcando a história cultural da Amazônia e do Brasil. Na literatura, destacam-se “Galvez, o Imperador do Acre”, “Mad Maria”, “Operação Silêncio” e “O Fim do Terceiro Mundo”. No teatro, foi um dos diretores do Teatro Experimental do Sesc, na década de 1970, e autor de peças marcantes como “A Paixão de Ajuricaba” e “As Folias do Látex”. No cinema, atuou como cineasta, tendo como principal destaque o filme “A Selva”, que dirigiu.

O autor sofreu um infarto e, apesar de ter sido atendido no Serviço de Pronto-Atendimento do São Raimundo, Zona Oeste de Manaus, não resistiu e veio a óbito. A informação foi confirmada pelo Governo do Amazonas.

LUTO

A Academia Amazonense de Letras (AAL) lamentou a morte do escritor e dramaturgo: “Que nesse momento de tristeza e luto haja paz, conforto, coragem e amor”, redigiu o presidente da Academia, Aristóteles Comte de Alencar Filho.

O Governo do Amazonas também lamentou publicamente o falecimento do artista e decretou oficialmente três dias de luto no Estado. “Márcio Souza deixa

um imenso e rico legado para a literatura brasileira, sendo um dos grandes nomes da Cultura do Amazonas e do Brasil”, afirma em nota.

CONFIRA NOTA NA ÍNTEGRA:

“Nascido em Manaus em 1946, estudou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) e escreveu grandes obras literárias como Galvez, O Imperador do Acre; A Caligrafia de Deus; Lealdade, pelo qual recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1997; e Mad Maria, seu livro de maior destaque e que deu origem à minissérie de mesmo nome, de Benedito Ruy Barbosa, produzida pela TV Globo, em 2005.

Márcio Souza também teve destaque como cineasta e dirigiu o filme “A Selva”. Ele foi, ainda, professor assistente na Universidade de Berkeley e escritor residente nas universidades de Stanford, Austin e Dartmouth, além de ter sido diretor da Biblioteca Nacional e presidente da Funarte. Atualmente, atuava como diretor da Biblioteca Pública do Amazonas e ocupava a cadeira de nº 25 da Academia Amazonense de Letras.

O governador Wilson Lima se solidariza à família e amigos do escritor e ressalta a importância que Márcio Souza teve para o Estado, contando a história do Amazonas e da Amazônia para o mundo com imenso e singular brilhantismo”.

“Márcio

Souza deixa um imenso e rico legado para a literatura brasileira, sendo um dos grandes nomes da Cultura do Amazonas e do Brasil”

Governo do Amazonas, em nota.

Márcio Souza, jornalista, escritor, dramaturgo e cineasta
Crédito: Divulgação | Reprodução

Democratizar a ciência

Projeto ‘Afrocientista’ incentiva estudantes negros na área da ciência

Isabella Rabelo – Da Cenarium

Os coordenadores do projeto e estudantes contemplados

MANAUS (AM) – A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) lançou a quinta edição do Projeto Afrocientista, que visa incentivar a entrada na área da ciência para estudantes negros matriculados em instituições públicas de ensino médio e superior. Um objetivo da iniciativa é integrar as pesquisas realizadas pelos cientistas negros às práticas, políticas, teorias e ao currículo da educação básica e universitária, tra-

zendo mais visibilidade para esse grupo de pessoas e suas produções.

O projeto baseia-se na tríade ensino, pesquisa e extensão, e é sustentado por três pilares fundamentais: a iniciação científica, a instrumentalização sobre o fazer ciências e a formação para a cidadania e mobilização social.

Durante seis a oito meses, os estudantes bolsistas realizam atividades em parceria com núcleos de pesquisa em escolas públi-

cas, com base em produções científicas de pessoas negras. Uma novidade da quinta edição do projeto é a criação de uma revista com as produções dos contemplados.

OBJETIVOS

Para a professora, coordenadora do projeto e secretária executiva da ABPN, Silvani Valentim, o projeto Afrocientista tem como foco despertar a vocação científica e incentivar o talento entre os estudantes de escolas e universidades públicas.

“A formação para a cidadania, protagonismo político e social e a iniciação científica constituem elementos muito importantes para a instrumentalização sobre fazer ciências”

Silvani Valentim, professora, coordenadora do projeto e secretária executiva da ABPN.

“A formação para a cidadania, protagonismo político e social e a iniciação científica constituem elementos muito importantes para a instrumentalização sobre fazer ciências”, declarou em evento da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

“Sobretudo, objetos referenciados na cultura popular, indígena, negra, nos saberes e fazeres das populações negras brasileiras, nas africanidades. A partir dessas áreas se articula o projeto Afrocientista”, pontuou a professora.

IMPACTO LEGAL

Segundo a Lei n.º 10.639/03, é obrigatório o ensino sobre a história e a cultura afro-brasileira nas disciplinas das grades dos ensinos fundamental e médio, visando resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, além da luta negra no Brasil.

O projeto Afrocientista possui impacto na gestão escolar e nas instituições de educação básica que está inserido, contribuindo para aproximar a gestão escolar do debate sobre o racismo na escola, além de garantir o cumprimento da legislação.

PARTICIPAÇÃO

Nesta edição, serão selecionados 377 jovens negros para receber bolsas de pesquisa em 29 núcleos de todos os Estados do Brasil. Desde sua criação em 2019, o projeto já beneficiou 464 bolsistas da educação básica, 36 bolsistas da graduação e contou com 159 participações voluntárias.

Crédito: Divulgação

A seleção dos estudantes que serão contemplados com as bolsas acontece por intermédio das respectivas instituições de ensino fundamental, médio ou superior, na qual estiverem matriculados.

Réquiem para Márcio Souza

Tenório Telles

A manhã cinzenta e silenciosa emudeceu os pássaros não cantaram o sol fechou os olhos em deferência ao senhor da memória da terra: dos refolhos do tempo ouvem-se os cantos dos silenciados dos mortos sem sepultura dos heróis anônimos dos beiradões: dos que lutaram pela terra dos que lutaram pela fé dos que lutaram pelos seus deuses dos que lutaram por suas histórias milenares – por seus amores martirizados onde o canto guerreiro de Ajuricaba: quem celebrará seu amor por Inhambu quem cantará o canto de sua gente quem lembrará sua causa e seu amor pela liberdade quem tecerá a poranduba perdida dos povos esquecidos: tarumãs, passés, Manaus

todas as gentes desterradas –  órfãs da grande utopia ameríndia do sonho de Buopé do sonho de Conory do sonho de Maruaga do sonho da grande rainha Amurians e suas mulheres guerreiras de dentro da noite da memória Yeba Buró entoa um canto triste lamentoso pela partida daquele que deu voz aos mortos e proscritos da pátria das águas dos martirizados da floresta a grande senhora do céu a grande avó do tempo a grande criadora do mundo Yeba Buró celebra este filho da terra – senhor da palavra e da memória – que feito pássaro partiu para a terra sem males.

(*) Tenório Telles é escritor, doutorando em Literatura e Crítica Literária (PUC/SP) e autor de Estudos de Literatura do Amazonas, Prelúdio coral e Viver.

Crédito: Divulgação | Acervo Pessoal

EDIÇÃO

CENARIUM 50

COMPROMISSO COM O JORNALISMO TRANSFORMADOR

EQUIDADE E DIVERSIDADE

Contribuindo para a construção do futuro na Amazônia

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.