Revista Cenarium 11/2021

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Novembro de 2021 • Ano 02 • Nº 17 • R$ 15,99

E AGORA?

Que punição esperar contra o Governo Bolsonaro após o colapso na saúde da Amazônia com a falta de gestão da pandemia e a destruição de povos indígenas pela Covid-19



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Editor-Executivo – TV Cenarium Gabriel Abreu

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Por aqueles que poderiam estar vivos

O encerramento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que apurou, por seis meses, responsáveis e responsabilidades pela morte de mais de 600 mil pessoas na pandemia da Covid-19 deixou incógnitas que nunca deverão ser solucionadas.

608 mil. Era este o total de pessoas mortas por Covid-19 no Brasil quando este editorial foi escrito. Era 2 de novembro, Dia de Finados, quando as famílias homenageiam seus entes que partiram. Para além das estatísticas, são sonhos destruídos, amores interrompidos, famílias despedaçadas. Impossível não se perguntar: quantas dessas vidas poderiam ser salvas com medidas de isolamento no início, com hospitais mais bem preparados, sem “Kit Covid”, com vacinas chegando antes? Nunca saberemos ao certo. Mas, sabemos que é preciso honrá-las.

Com o colapso instalado no sistema de Saúde do Amazonas em meio à contaminação em massa pela nova cepa, por que não se calculou a dimensão da falta não só de oxigênio, mas também de estrutura nos hospitais públicos e particulares?

Coordenador de Redação Arnoldo Santos

Redes Sociais Gisele Coutinho Elias Mariano

Perguntas sem respostas

Nunca saberemos por que defendeu-se tanto a abertura do comércio em Manaus (AM), a primeira cidade do Brasil a passar pela segunda onda do novo coronavírus, em dezembro do ano passado, quando se tinha estudos apontando e até confirmando a letalidade da variante P.1?

Editora-Executiva – Impresso Márcia Guimarães

Fotojornalismo Ricardo Oliveira Arlesson Sicsú

Editorial

O que fez Manaus virar o celeiro de experimentos científicos do mundo, em janeiro, com promessas de “prevenção” e “combate” ao novo coronavírus, quando a Europa e a América do Norte, vizinhas geograficamente, vacinavam um mês antes contra a Covid?

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8h às 17h

Por que gestores municipais da maior capital da Amazônia, Manaus, falavam na “expectativa” de abertura de 22 mil novas covas para “abrigar” corpos das vítimas da Covid-19, durante o colapso da Saúde no Amazonas, quando o mundo já tinha o antídoto da doença? Não entendemos por qual motivo levaram cloroquina às aldeias do Amazonas para aplicarem em indígenas no lugar de vacina, entre os meses de janeiro e fevereiro, segundo investigações do Ministério Público Federal (MPF/AM). Em meio a um vírus mortal pandêmico, o que fez a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) investir somente 2,94% dos recursos destinados à saúde de indígenas para prevenir o novo coronavírus na primeira e na segunda ondas da Covid? Havia ou não um plano do governo federal em parceria com a Prefeitura de Manaus para levar lucro à indústria farmacêutica com a Covid através da inserção do “Kit Covid” nas Unidades Básicas de Saúde? A verdade é que o relatório da CPI da Pandemia perdoou amigos e puniu os adversários da conveniência e as respostas que procuramos estão enterradas junto àqueles que não tiveram tempo de fazer perguntas.

O número de mortes consta na Folha Informativa sobre Covid-19 da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que atua como Escritório Regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na publicação na internet, o Brasil estava em terceiro lugar no ranking de mortes no mundo, atrás de Estados Unidos e Índia. O mundo, aliás, já somava 5 milhões de mortos. Enquanto os números avançam, o País vive momentos de expectativa. Todos esperam o que está por vir após seis meses de investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, 1.289 páginas de relatório final e pedidos de indiciamento para 78 pessoas, incluindo o presidente da República, e duas empresas. Os crimes vão dos comuns aos de responsabilidade e contra a humanidade. As apurações, concluíram os senadores da CPI, indicaram responsáveis por atos e omissões que contribuíram para elevar os números de mortes e infectados. O próximo passo é a abertura de processos e possíveis julgamentos. O poder de decisão está agora com os órgãos de controle, como a Procuradoria Geral da República (PGR) e o Tribunal Penal Internacional, em Haia, no caso dos crimes contra a humanidade. Por esta razão, investigamos, nesta edição, os capítulos que se seguem com o fim da CPI e alertamos para que não sejam esquecidos os que perderam a vida e que não se repita no Brasil episódio tão trágico. Dedicamos nosso trabalho àqueles que poderiam estar vivos.

De segunda a sexta-feira, exceto feriados.

comercial@agenciacenarium.com.br assinatura@agenciacenarium.com.br Paula Litaiff Diretora

Márcia Guimarães Editora-Executiva


Sumário

Leitor&Leitora

Novembro de 2021 • Ano 02 • Nº 17

💬 Encantamento pela produção editorial Gostaria de parabenizar os editores da REVISTA CENARIUM pela belíssima produção editorial. Tive a oportunidade de ler a revista recentemente e fiquei encantada com os layouts da publicação e pela qualidade de suas reportagens. Os temas escolhidos são extremamente relevantes para o contexto atual e todos foram brilhantemente abordados no material e muito bem representados por meio das imagens. Parabéns a todos pela produção! Fernanda Matos Brasília-DF

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Crédito: Acervo Pessoal Crédito: Reprodução Senado Federal

Esses crimes cometidos no âmbito da Presidência da República/Ministério da Saúde não ficarão impunes. Adriano Araújo

As últimas edições da CENARIUM falando sobre o “Kit Covid”, Eles fizeram a Amazônia de Cobaia e a indicação do presidente ao Tribunal Internacional mostra o cenário que o Brasil vive com uma política negacionista e desastrosa. Parabéns por manter a sociedade bem informada.

Manaus-AM

Crédito: Ricardo Oliveira

► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

💬 Amazônia cobaia do “Kit Covid” 💬 Sem impunidade

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Vozes da Amazônia.................................................................08 Peixe raro sob ameaça no Pará..............................................10

► CENARIUM+CIÊNCIA

“Nunca mais comemos carne”..............................................46

Incentivo feminino.................................................................16

Espaço para o debate..............................................................52

Paixão por Cinema e Ciência................................................18

Violência cresce em Roraima.................................................54

💬 Futuro da economia e da humanidade

E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

A capa de Bioeconomia é linda e o conteúdo bastante rico para se debater. Precisamos de políticas públicas e de incentivo para esse mercado que será o futuro da nossa região.

Extermínio, perseguição e atos desumanos.........................20

Elizabeth Alencar

O caminho da denúncia em Haia........................................23 Sangue ‘nas mãos’ do presidente..........................................24 Rede de Maldade e Morte......................................................26 Perseguição étnica...................................................................30 Impeachment?........................................................................32 Sem genocídio indígena........................................................34 Sujeito à prisão e à perda de cargo........................................36 “Isso tem que servir de exemplo para as

💬 E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573

► ECONOMIA & SOCIEDADE

Glair Silva

Belém/PA

💬 MANDE SUA MENSAGEM

Coluna Via Brasília ................................................................44

Manaus-AM

► PODER & INSTITUIÇÕES

Willy Hagi

AM no Prêmio Innovare........................................................42

Maranhão: reconhecimento de raízes..................................50

O avanço do garimpo em Roraima......................................19

Manaus-AM

Crédito: Ricardo Oliveira

‘Garotas Espertas’....................................................................12

► ARTIGO – ANDRÉ ZOGAHIB

Acompanho a REVISTA CENARIUM desde o ano passado e acho o trabalho de vocês fantástico e necessário.

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futuras gerações”.....................................................................38 UTIs para o interior do AM....................................................40

“Não tem Brasil, se não tiver Amazônia”.............................56

► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Ciclo de destruição.................................................................58

► MUNDO E CONFLITOS INTERNACIONAIS Moscou volta à quarentena total...........................................60

► ENTRETENIMENTO & CULTURA Arte e vida na ponta da agulha..............................................62

► VIAGEM & TURISMO Turismo de Compras..............................................................64

► DIVERSIDADE Uma necessidade básica.........................................................67

► ARTIGO – ODENILDO SENA Conversas com passarinhos...................................................69


MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Amazonense é destaque entre jovens brasileiros que ganharam espaço nos debates da COP26 Victória Sales – Da Revista Cenarium

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ANAUS – Com planejamento de dar voz às questões climáticas que o Brasil passa, jovens brasileiros ganharam espaço durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26). A amazonense e ativista socioambiental Celina Maria Ferreira Pinagé, de 22 anos, foi destaque entre esses jovens que participaram do evento. Neste ano, o debate ocorreu entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. Em entrevista exclusiva à CENARIUM, Celina ressaltou que uma das principais

receber essa visão de quem realmente conhece e mostrar as necessidades que o País precisa”, explicou. Celina conta ainda que diferente dos anos anteriores, em 2021, a COP contou com a participação de diversos jovens brasileiros e também da Amazônia. “Nós temos muitas coisas para acrescentar nessa discussão. Acredito que está faltando mostrar isso de fato. Muito se fala de economia, mas falam pouco sobre a bioeconomia, estamos falando muito sobre as queimadas e pouco sobre o investimento que caiu para que esse trabalho de fiscalização e de pesquisa seja realizado”, salientou.

Estou orgulhosa de poder voltar para minha casa e dizer para o meu povo: não estamos mais sozinhos”

Alice Pataxó, ativista indígena.

não dá certo. Então, a COP é um espaço interessante por causa disso”, relatou.

TRAJETÓRIA Celina contou que para chegar até a COP, começou a fazer parte da Organização Não Governamental (ONG) EngajaMundo. “Desde 2018, eu faço parte da EngajaMundo, que é feita, exclusivamente, de jovens e dentro dela tem vários grupos, e um deles é só sobre mudanças climáticas e, desde 2018, eu estou lá. A gente está sempre debatendo pautas sobre o assunto, gerando conteúdo. E a EngajaMundo está muito próxima e relacionada à COP. Existem várias organizações que estão credenciadas para participar do evento. A ONG foi uma porta para mim, eles levam em consideração também quanto tempo a pessoa está na ONG. As que estão há mais tempo têm mais chances de chegar até lá, então o fato de eu estar desde 2018 me ajudou muito”, afirmou.

OUTROS JOVENS temáticas do evento foi a Amazônia. Ela falou ainda sobre a importância de levar esse olhar de dentro do País e, principalmente, do Amazonas. “A gente sempre encontra pessoas de outros países falando sobre a Amazônia, então é importante mostrar o potencial econômico, e o evento em si está se abrindo, cada vez mais, para 08

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A ativista explicou também que na COP existem muitos debates entre os países e todo o mundo, com experiências diferentes. “É um lugar importante para se captar as tecnologias para ver o que está funcionando, pois um grande problema do Brasil é que por muito tempo se bate na mesma tecla e muitos países já viram que

Entre os jovens brasileiros que estavam participando do evento, também estava a ativista indígena Alice Pataxó, de 20 anos. A comunicadora foi indicada pela ativista paquistanesa Malala como uma das mulheres do mundo que “levam suas vozes e experiências” a Glasgow. A jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz pediu

Ativista socioambiental e estudante de Ciências Biológicas, Celina Maria Ferreira Pinagé

para que os seguidores acompanhassem o trabalho de Alice e de mais cinco representantes de lutas sociais e ambientais. A ativista indígena contou, por meio das redes sociais, que uma das principais motivações para ir até a COP é a defesa dos territórios indígenas. “A floresta não tem dono, mas tem guardião. Por isso estamos aqui, para defender esses territórios, defender a vida”, escreveu. Já em Glasgow, Alice discursou na conferência realizada por jovens sobre questões ambientais. “Essa é a primeira vez que saio do meu território, em um momento em que o Brasil vive uma forte decisão sobre as terras indígenas”, contou. “Mas eu entendo a necessidade de me unir à juventude do mundo para falar sobre isso, para lutar pelo meio ambiente e criar soluções juntos. Estou orgulhosa de poder voltar para a minha casa e dizer para meu povo: não estamos mais sozinhos”, discursou no evento. A jovem indígena que saiu de Rondônia Txai Suruí, de 24 anos, também foi à COP e discursou no primeiro dia do evento, diante de líderes mundiais. A ativista abriu a fala relembrando o pai, cacique Almir Suruí, que sofre com a perseguição do Governo Bolsonaro em suas terras. “Meu nome é Txai Suruí, eu tenho só 24 anos, mas meu povo vive, há pelo menos, 6 mil anos na floresta Amazônica. Meu pai, o grande cacique Almir Suruí, me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a Lua, o vento, os animais e as árvores. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo. Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Não é 2030 ou 2050, é agora”, discursou a jovem indígena. Txai é estudante de Direito e fundadora do Movimento da Juventude Indígena em Rondônia.

Crédito: Ricardo Oliveira

Vozes da Amazônia

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MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Quando você tem o tráfico internacional, que é uma nova pressão sobre a população desses peixes, você tem uma nova ameaça em cima daquela criada pela usina de Belo Monte”

Peixe raro sob ameaça no Pará

Rodolfo Salm, biólogo.

Tráfico internacional aumenta risco de extinção do acari-zebra, espécie que só é encontrada no Estado Rômulo D’Castro – Da Revista Cenarium

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LTAMIRA (PA) – O acari-zebra, também chamado de cascudo-zebra, é ameaçado de extinção e corre sério risco de desaparecer do único lugar onde pode ser encontrado na natureza: o Rio Xingu, no sudoeste do Pará. Ele mede, no máximo, 8 centímetros, mas, pela aparência exótica e por ser extremamente raro, pode custar US$ 2 mil (cerca de R$10 mil). O alerta é de ambientalistas que, há anos, pesquisam o comportamento da espécie, como o professor de Biologia responsável pelo Laboratório de Aquicultura de Peixes Ornamentais do Xingu (Laquax) Leandro Sousa. Em artigo publicado na revista Global Ecology and Conservation, o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e mais três pesquisadores apontam que “por vários critérios, a espécie se enquadra como criticamente ameaçada de extinção e, por consequência, é proibida sua captura e comercialização”. O estudo verificou que o acari-zebra é uma espécie peculiar dessa parte do Pará e se concentra em uma área restrita, principalmente na Volta Grande do Xingu, afetada pela construção de Belo Monte, a maior usina hidrelétrica do País. Para o biólogo Rodolfo Salm, “além de ter causado impactos ambientais, Belo Monte despertou a atenção de traficantes que voltaram os olhares para uma fauna rica e vulnerável, com espécies únicas, como é o caso do acari-zebra”. E alerta

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ainda afirmando que “quando você tem o tráfico internacional, que é uma nova pressão sobre a população desses peixes, você tem uma nova ameaça em cima daquela criada pela usina de Belo Monte”, finaliza o professor. Os números de apreensões refletem a preocupação dos pesquisadores. Segundo a Polícia Federal (PF) do Pará, apenas no mês de agosto, em duas operações foram apreendidos 734 exemplares de acari-zebra. Os peixes sairiam de Altamira, no Pará, e teriam como primeira escala Manaus, no Amazonas. Em seguida, teriam como destino outros Estados brasileiros, países da Europa e China, país em que o acari-zebra é tido como luxuoso artigo de decoração. No início de 2021, em uma grande apreensão em Altamira, a PF encontrou mais de dez pessoas que dividiam atividades de captura, armazenamento, venda nacional, além de exportação para outros países. O bando comandava a rede de comercialização direta para outros Estados brasileiros, que levava a espécie para a Ásia. A PF conseguiu identificar como os criminosos agiam. Primeiro eles faziam contato com ribeirinhos da Volta Grande do Xingu, que faziam a captura. Os próprios ribeirinhos se encarregavam de entregar a “encomenda” em uma casa onde os animais eram armazenados. Por fim, o contato com traficantes de outros Estados brasileiros permitia acesso a compradores fora do Brasil.

O acari-zebra é comercializado como artigo de luxo e pode custar US$ 2 mil Crédito: Leandro Melo de Sousa

CRIME MILIONÁRIO Não há como precisar o tamanho do impacto com a comercialização ilegal de acari-zebra, mas a Polícia Federal acredita que apenas no período de dezembro de 2020 a agosto deste ano, o tráfico internacional movimentou mais de 2 milhões de dólares (mais de R$ 10 milhões). Com as operações, foi possível observar ainda que, por causa do armazenamento inadequado, muitos acabaram morrendo antes mesmo de chegarem ao aeroporto de Altamira, por onde os criminosos tentavam embarcar.

O tráfico de animais silvestres ou ameaçados de extinção é punido com multa estipulada pela Justiça, além de prisão, mas a lei é branda e facilita a ação de traficantes, como explica o advogado Joaquim Neto. “Atualmente, a pena vai de seis meses a um ano de detenção, o que significa que se trata de um crime de menor potencial ofensivo em que, na prática, não há prisão”. Um projeto de lei, de autoria do deputado federal Alberto Neto (Republicanos-AM), pretende aumentar o tempo de prisão para três a oito anos, o que possibilitaria, por exemplo, a prisão em flagrante.

Posicionamento Em nota, a Norte Energia, empresa responsável por Belo Monte, informou que “realiza ações para monitoramento e conservação dos peixes ornamentais, dentre os quais o acari-zebra, espécie historicamente pressionada pela exploração e o comércio ilegal.” A empresa destaca que “tais ações são executadas por meio de um convênio com a Universidade Federal do Pará (UFPA)”, e garante, ainda, que financiou um projeto de reprodução do acari-zebra em cativeiro. 11


CENARIUM+CIÊNCIA

REVISTA CENARIUM

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‘Garotas Espertas’ Meninas recebem incentivo para ingressar no mundo da Ciência e Tecnologia Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

As meninas do projeto participam de 12 curtas-metragens e interpretam grandes cientistas mulheres

ANAUS (AM) – Ingressar no mundo da Ciência e Tecnologia e estar à frente de iniciativas inovadoras não é mais algo longe de ser alcançado para as meninas do projeto “Garotas Espertas”, que busca fomentar a participação do público feminino nesse universo repleto de sabedoria e revolução. O projeto foi lançado no início de outubro, em cerimônia realizada no Centro Cultural Palácio da Justiça, no Centro de Manaus, trazendo 12 curtas-metragens e imagens de jovens atrizes interpretando grandes cientistas. Promovido pelo projeto “Cunhantã Digital”, em parceria com a Casa de Artes Trilhares, o “Garotas Espertas” é estrelado por 12 atrizes mirins, com idades entre 8 e 14 anos, que interpretam cientistas mulheres, com o objetivo de divulgar as realizações das pesquisadoras e despertar o interesse de meninas pela área.

Segundo Fabíola Nakamura, coordenadora do projeto Cunhantã Digital e professora do Instituto de Computação da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), as crianças passaram por um processo de grande aprendizado para atuar nos papéis. “As meninas participaram de uma audição, onde apresentaram uma história sobre uma mulher importante e, depois que foram escolhidas para participarem do projeto, passaram a estudar a vida e as contribuições de uma cientista para a sociedade. Posteriormente a isso, representaram essas cientistas e estrelaram esses 12 curtas”, contou a educadora, em entrevista à CENARIUM. As cientistas homenageadas são: a matemática e escritora Ada Lovelace; a filósofa neoplatônica Hipácia; a cientista da computação, engenheira de software

e empresária Margaret Hamilton; a astrônoma e a primeira executiva mulher da Nasa, Nancy Roman; a analista de sistema e pioneira da Ciência da Computação Grace Hopper; a matemática Dorothy Vaughan; a criptoanalista e numismatista Joan Clarke; a química Rosalind Franklin, a matemática e engenheira espacial Mary Jackson; a atriz e inventora Hedy Lamarr; a cientista da computação, projetista de software e engenheira de redes Radia Perlman; e a matemática, física e cientista espacial Katherine Johnson, cuja história foi o tema do primeiro episódio divulgado no lançamento do projeto. “Focamos em cientistas nas áreas de Exatas e Computação, porque a gente sabe que há um número reduzido de mulheres nessas áreas, mas essas cientistas foram essenciais para o desenvolvimento da área”, destacou Fabíola Nakamura.

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Créditos: Eduardo Nakamura

Crédito: Aguilar Abecassis

As meninas do projeto caracterizadas como as cientistas homenageadas pelo “Garotas Espertas”

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CENARIUM+CIÊNCIA

REVISTA CENARIUM

SOBRE O PROJETO

Focamos em cientistas nas áreas de Exatas e Computação, porque a gente sabe que há um número reduzido de mulheres nessas áreas”

Os curtas têm participação de Rafaela Margarido na direção de produção; Ananda Guimarães, na direção e preparação de elenco; a atriz Giese Rebelo na

dramaturgia; Dávilla Hollanda, na caracterização e maquiagem; a produtora Cara de Gatos Filmes, na equipe audiovisual; e tem Eduardo Nakamura como fotógrafo. As atrizes são: Ana Rosa Carvalhosa, Aadriya Pal, Ana Aurora, Ericka Thamilly, Fernanda Jardim, Gabriela Nakamura, Jullie Eduarda, Maria Clara Pimentel, Maria Carolina Zen, Lara Farias, Lara Margarido e Milyanne Thaumaturgo. O projeto Cunhantã Digital teve início em 2015, na Ufam, com o objetivo de incentivar a presença de alunas do Ensino Médio nas áreas de Computação, Exatas e Tecnologia, fazendo com que as meninas busquem a formação necessária para uma carreira de sucesso no mercado científico e tecnológico.

Créditos: Eduardo Nakamura

Fabíola Nakamura, coordenadora do projeto Cunhantã Digital e professora do Instituto de Computação da Ufam.

O “Garotas Espertas” foi produzido dentro do projeto “Apoio para o incremento do quantitativo feminino em computação”, por meio do Programa Cunhantã Digital do Instituto de Computação da Ufam, parcialmente fomentado pelo Programa de Apoio a Projetos Financiados por Emendas Impositivas (Proemend), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), proposto pela deputada estadual Alessandra Campêlo (MDB).

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CENARIUM+CIÊNCIA

REVISTA CENARIUM

Incentivo feminino

Iniciativas como o projeto “Garotas Espertas” têm grande importância para o desenvolvimento das meninas Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – Iniciativas que visam a incentivar crianças e adolescentes a ingressar no mundo da Ciência e Tecnologia são de extrema importância para o desenvolvimento das meninas. Esta é a avaliação da pró-reitora de Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e uma das fundadoras do “Garotas Espertas”, professora Tanara Lauschner. Ela destaca que é gratificante ver a participação das jovens no projeto.

As professoras Fabíola Nakamura, Tanara Lauschner e a deputada Alessandra Campêllo, da esquerda para a direita

“Criar, ter novas ideias, ver a participação das meninas e saber que isso pode incentivar outras meninas a participarem é muito gratificante. A gente espera que com o ‘Garotas Espertas’ e outras ações que o Cunhantã Digital tem, consigamos diminuir essa diferença entre a quantidade de homens e a quantidade de mulheres que temos nas áreas de Tecnologia da Informação (TI)”, frisou a pró-reitora.

Crédito: Aguilar Abecassis

A deputada Alessandra Campêllo, que angariou fundos para o projeto por meio de emenda parlamentar, destacou que estimular o público feminino faz parte de uma luta histórica da mulher para garantir espaço na sociedade.

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“A nossa emenda contribuiu para a realização do projeto ‘Garotas Espertas’ e faz parte de toda uma estratégia e luta das mulheres para garantir a nossa participação. A nossa vida é uma luta. Um dia nós lutamos contra a violência doméstica, feminicídio, no outro, lutamos por espaço no mercado de trabalho, na Academia, para incentivar as mulheres a participarem dos cursos de Tecnologia e Exatas. E esse projeto coloca, de forma didática, a participação das mulheres nas Ciências e Tecnologia”, afirmou.

gia dos curtas, declarou à CENARIUM que buscou elaborar um texto poético para a produção dos filmes de forma que fossem de fácil interpretação para as atrizes mirins e para o público, principalmente, por se tratar de crianças e adolescentes. “A Fabíola trouxe essa proposta de mulheres que fizeram história, e ela queria algo mais poético. Dessa forma, tentei trazer algo mais poético e fazendo com que a escrita não fosse inalcançável para as meninas que lessem. Eu queria que elas se identificassem ao máximo e trouxessem características delas, coisas que elas se identificam”, enfatizou a dramaturga.

Criar, ter novas ideias, ver a participação das meninas e saber que isso pode incentivar outras meninas a participarem é muito gratificante”

Tanara Lauschner, pró-reitora de Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e uma das fundadoras do “Garotas Espertas”.

A atriz, dramaturga e diretora de teatro Giese Rebelo, responsável pela dramatur17


CENARIUM+CIÊNCIA

ARTIGO – ANDRÉ ZOGAHIB

O avanço do garimpo em Roraima

Milyanne Thaumaturgo, de 12 anos, que interpreta a cientista espacial Katherine Johnson no primeiro episódio de “Garotas Espertas”

É Crédito: Eduardo Nakamura

Não tínhamos ideia do quanto seria grandioso. É um projeto maravilhoso. São 12 garotas que se inspiram em mulheres cientistas brilhantes”

Rejane de Oliveira, comerciante.

Paixão por Cinema e Ciência Projeto aproxima meninas da realização de sonhos, como se tornar cientista e atriz Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

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ANAUS (AM) - A comerciante Rejane de Oliveira, mãe de Milyanne Thaumaturgo, de 12 anos, que interpreta a cientista espacial Katherine Johnson no primeiro episódio de “Garotas Espertas”, contou que a filha sempre teve o sonho de ser atriz. Emocionada, Rejane falou à CENARIUM que é uma alegria ver Milyanne participando do projeto. Ela conta ainda que não imaginava quão grandiosa era esta iniciativa.

ver ela evoluindo, estudando textos para atuar e, hoje, chorei muito, porque o curta dela foi o da estreia. Estou muito emocionada e grata pela oportunidade”, relatou.

“Não tínhamos ideia do quanto seria grandioso. É um projeto maravilhoso! São 12 garotas que se inspiram em mulheres cientistas brilhantes. Tem sido uma experiência muito boa acompanhar o processo,

“Gravar o curta-metragem foi uma experiência maravilhosa e que eu nunca tinha passado na minha vida. Posso dizer que foi a melhor experiência da minha vida e que eu nunca vou esquecer”, contou.

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Já Milyanne, que pretende continuar estudando teatro e cursar faculdade de Cinema no futuro, conta que fazer parte do projeto e gravar os curtas-metragens foi a melhor experiência da vida dela e que nunca vai esquecer.

inegável o avanço sistemático e agressivo da atividade de garimpo ilegal no Estado de Roraima, mais precisamente em terras Yanomami. A disputa por terra põe em risco a vida de muitos indígenas e trabalhadores que lutam para se sustentar em condições, muitas vezes, precárias. Semelhante ao Serra Pelada, maior garimpo a céu aberto da década de 1980, o nível de destruição ambiental no primeiro trimestre de 2021 chegou a 200 hectares, que é equivalente a 10% de desmatamento registrado nos últimos 10 anos. Atualmente, a atividade ocupa cerca de 240 campos de futebol em terra indígena. O que antes era feito de forma sucinta, hoje em dia, já mobiliza uma estrutura organizada de financiamento e produção de matéria-prima. Com máquinas tecnológicas, garimpeiros realizam atividades de extração em leitos de rios, causando, principalmente, danos ambientais graves.

A autônoma Keize Farias é mãe da atriz mirim Lara Maria Farias, de 8 anos, que interpreta a astrônoma Hipácia, em “Garotas Espertas”. Ela conta que a filha costumava fazer vídeos espontâneos em casa e viu que a menina também sonhava em ser atriz. Quando surgiu o projeto “Garotas Espertas”, Keize decidiu inscrever Lara para participar do projeto e mergulhar na vontade da filha.

Com estimativa de 20 mil garimpeiros vivendo em terras indígenas, segundo a Hutukara Associação Yanomami (HAY), a invasão também traz riscos à saúde dos povos tradicionais, que acabam sendo expostos a inúmeras doenças. Durante o ápice da pandemia da Covid-19, muitos foram contaminados por conta do contato próximo aos infectados, gerando mais um problema a ser resolvido.

“Ela fala que o sonho dela é fazer novela, continuar sendo atriz. Eu e o pai dela apoiamos ela em tudo. Tudo o que ela faz, estamos sempre acompanhando. Como mãe, estou só orgulho, pois ela é uma criança sempre carismática, educada e muito elogiada por onde passa”, disse Keize.

Resistindo da maneira que podem, as lideranças indígenas procuram formas de proteger seu povo da atividade ilegal, como pontua o vice-presidente da HAY, Dario Yanomami. ‘’Os garimpeiros continuam sujando os rios, se organizando e ameaçando nossos parentes. Está do

mesmo jeito. Já fizemos muito barulho sobre os invasores e a retirada deles e, agora, estamos esperando que essas operações façam a diferença no território, porque os indígenas estão vivendo limitados”, comenta Dario. Recorrendo ao Ministério Público Federal, os indígenas se mobilizam através de ações para chamar a atenção para a pauta que já se arrasta por anos. “Essa movimentação é para que o governo federal retire os garimpeiros da terra Yanomami. Estamos até mesmo fazendo articulações internacionais para que outros países também pressionem o Brasil para isso ser resolvido’’, destaca o vice-presidente da HAY. Buscando dar apoio aos povos tradicionais, a Polícia Federal tem realizado constantes vistorias das terras indígenas para proteger e verificar o movimento dos invasores. Durante uma revista, foram localizados pontos de residências e comércios. Basicamente, uma cidade em construção. As constantes guerras por território ganham manchetes de jornais e vídeos ganham visualizações, por conta da violência exercida. Em maio de 2021, garimpeiros invadiram uma aldeia indígena portando armas e atirando contra mulheres e crianças; posteriormente, o ataque foi revidado e o embate ainda se encontra em situação conturbada. A descoberta de infiltrações de integrantes de uma facção bastante conhecida no Brasil demonstrou a dimensão do problema que estamos enfrentando. A terra, agora, atrai todo e qualquer tipo de público, que busca formas de aumentar sua fonte de renda. Esses integrantes

Crédito: Divulgação

* André Zogahib

chegaram a trocar tiros com a PF, o que não era comum na região. Através de vídeos publicados em redes sociais, garimpeiros se orgulham do trabalho que exercem, como o desvio de rios. A atividade gera dinheiro e emprego, mas, ao mesmo tempo, impactos irreversíveis são causados à fauna local. Ainda que o exercício ganhe força em debates, precisamos colocar em equilíbrio os prós e contras que são oferecidos a nós como população brasileira. Recentemente, vimos a notícia de que o Ministério Público Federal investiga a morte de crianças que morreram próximas a maquinas de garimpo. A atividade, se não acompanhada, pode aumentar o número de mortos por acidentes, pois é difícil o acesso médico a essas áreas. Mudanças drásticas e rápidas precisam ser tomadas para, no mínimo, proteger a comunidade indígena de ataques. Tanto a terra quanto quem originalmente vive no lugar precisam ser resguardados, pois as consequências podem ser difíceis de reverter. Enquanto isso, a atividade de garimpo em Roraima caminha por águas turvas e constante conflito. (*) O autor é diretor-presidente do Sistema Previdenciário do Amazonas (Amazonprev) e professor na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), tem doutorado em Administração Pública, é graduado em Administração de Empresas e em Direito. 19


PODER & INSTITUIÇÕES

PODER & INSTITUIÇÕES

Extermínio, perseguição e atos desumanos

O relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros, lê o relatório final da comissão

Crédito: Edilson Rodrigues Pozzebom | Ag. Senado | Fotos Públicas

E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

CPI da Pandemia pede indiciamento de Bolsonaro por crimes contra a humanidade. Mas, qual é o caminho até o possível julgamento no Tribunal de Haia? Wesley Diego - Da Revista Cenarium

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ÃO PAULO (SP) – Considerado o Estado que mais registrou morte por milhão de habitantes no colapso do sistema de Saúde no primeiro bimestre deste ano, o Amazonas, que concentra a maior população indígena do Brasil, foi o mais negligenciado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. O pedido de indiciamento do presidente feito pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid pelos crimes de extermínio, perseguição e atos desumanos reforça, ainda mais, a necessidade de julgamento desses delitos no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. Passados seis meses de investigações da CPI, fica o questionamento: haverá punições no Brasil? O poder de decisão cabe, agora, aos órgãos de controle. Durante toda a CPI da Pandemia se alardeou que o presidente fosse denunciado por crime de genocídio contra os povos indígenas. O crime chegou a ser incluído no relatório preliminar do senador Renan Calheiros (MBD-AL), mas foi retirado por não haver consenso entre os integrantes da comissão sobre sua configuração. No lugar de genocídio, os parlamentares decidiram usar o termo crime contra a humanidade, abarcando ações não só contra os povos indígenas, mas também contra toda a população.

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O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), que falou com exclusividade para a REVISTA CENARIUM, confirma que a comissão denunciará o presidente no Tribunal Penal Internacional. “Nós vamos oferecer a denúncia, sim, para o Tribunal Internacional e, se Bolsonaro for julgado e condenado, pode chegar até a prisão perpétua. É a maior pena que pode existir. Coisa que já aconteceu com outros líderes políticos de outros países”, falou Aziz. Jair Bolsonaro é acusado de cometer crime de extermínio caracterizado por ataques sistemáticos à população civil. “Podemos começar a vislumbrar a maior pertinência do enquadramento de crimes contra a humanidade se considerarmos que a população inteira foi, deliberadamente, submetida aos efeitos da pandemia, com a intenção de atingir a imunidade de rebanho por contágio e poupar a economia, o que configura um ataque generalizado e sistemático no qual o governo tentou, conscientemente, espalhar a doença”, cita um trecho do relatório final da CPI. Para Aziz, não há como a CPI “acabar em pizza”, sem resultados efetivos. “Muita gente diz: ‘isso aí pode segurar, engatar’. Não tem como engavetar 600 mil vidas perdidas e eu quero saber como alguém vai contestar o que estamos entregando para o Ministério e à PGR [Procuradoria-Geral da

República]? Porque as testemunhas nossas são mais de 50, 60 milhões de brasileiros que também viram o presidente provocar aglomeração, defender tratamento precoce que matou gente, defender imunização de rebanho que matou muita gente, tirar máscara de uma criança em evento. Se isso não é crime, não me diga o que é mais... Isso não é uma narrativa nossa, isso são fatos e a imprensa acompanhou”, avalia. A CPI tem poderes limitados. Pode investigar e pedir o indiciamento de acusados, mas cabe aos órgãos de controle, como a PGR, Ministérios Públicos nos Estados, Tribunais de Contas dos Estados e da União e ao Tribunal Penal Internacional levar a cabo o que foi apurado na comissão e dar seguimento a processos e julgamentos relativos aos crimes que forem de suas competências. Até o fechamento desta edição, os senadores da CPI haviam entregue o relatório final à PGR, ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O novo coronavírus matou 2 mil pessoas por milhão de habitantes no Amazonas, de acordo com os números divulgados pelo Ministério da Saúde em fevereiro, pior fase da pandemia no Brasil. A taxa ficou superior à da Bélgica, país onde a Covid mais matou em relação ao tamanho da população. No país europeu, foram, até agora, 1.818 vítimas por milhão de habitantes. 21


E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

PODER & INSTITUIÇÕES

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia foi aprovado pelos senadores no dia 26 de outubro, por 7 votos a 4, após seis meses de investigações. Com 1.289 páginas, o relatório do senador Renan Calheiros pede o indiciamento de 78 pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro e integrantes do governo dele e de duas empresas. Na leitura do relatório final da CPI, o relator Renan Calheiros afirmou que o trabalho da comissão é histórico e disse que quem for omisso ou covarde, não será perdoado. “Para que nunca se esqueça neste país dos inocentes que pagaram com a vida pelo comportamento do governo federal na condução da pandemia. Nós nunca esqueceremos. Essa CPI, presidente Omar Aziz, é histórica, exemplar. A História não perdoa os omissos e condenará os covardes”, disse. 22

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Omar Aziz, senador presidente da CPI da Pandemia.

O advogado criminalista Rodrigo Faucz, habilitado para advogar na Corte internacional (no Brasil existem apenas três), explica que uma investigação como a de crime contra a humanidade, como o que está sendo atribuído a Bolsonaro, pode ser longa: “Não há prazo para a conclusão desta análise preliminar que deve ser feita pela

Na época, Randolfe afirmou, durante sessão da CPI, que os responsáveis serão levados ao Tribunal Penal Internacional. “A partir da análise fria dos fatos que ocorreram nessa Comissão Parlamentar de Inquérito, nós imaginávamos que o único aspecto de crime de lesa-humanidade que tinha ocorrido era o que tinha acontecido na vossa cidade de Manaus. Esse já está caracterizado, esse, inclusive, levará os responsáveis ao Tribunal Penal Internacional”, defendeu.

Não há prazo para a conclusão desta análise preliminar que deve ser feita pela promotoria, sobre iniciar uma investigação formal ou não contra o presidente” Crédito: Cleia Viana | Câmara dos Deputados

Relatório final aprovado

Nós vamos oferecer a denúncia, sim, para o Tribunal Internacional e, se Bolsonaro for julgado e condenado, pode chegar até a prisão perpétua”

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ÃO PAULO (SP) – Criado em 2002, o Tribunal Penal Internacional localizado em Haia é regido pelo Estatuto de Roma, assinado por 122 países, incluindo o Brasil. A disposição do Estatuto diz que qualquer indivíduo, grupo ou Estado pode submeter ou informar à Corte sobre determinado crime de sua competência. Uma triagem é feita pela promotoria de Haia para analisar se há evidências suficientes e gravidade na denúncia. Se os promotores entenderem que há base razoável, tem início uma investigação formal.

O advogado criminalista Rodrigo Faucz é um dos três brasileiros habilitados para advogar na Corte internacional

No mesmo dia, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), publicou em uma rede social: “A CPI está propondo que Bolsonaro seja indiciado por 9 crimes, entre eles crime contra a humanidade, nos casos Prevent Senior, Manaus e povos indígenas, nas modalidades extermínio, perseguição e atos desumanos de acordo com o Tratado de Roma!”. Ele já havia se manifestado nesse sentido, quando da divulgação do parecer do grupo de juristas que auxiliou a CPI na configuração dos crimes identificados nas investigações. O parecer serviu de base para o relatório final, como adiantou a REVISTA CENARIUM, na edição de outubro deste ano.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz, acredita em punições a partir das conclusões da comissão

Crédito: Edilson Rodrigues | Ag. Senado

Crédito: Waldemir Rodrigues | Ag. Senado

O senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI da Pandemia

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O caminho da denúncia em Haia Tribunal Penal Internacional é regido pelo Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário Wesley Diego - Da Revista Cenarium

Rodrigo Faucz, advogado criminalista, habilitado para advogar no Tribunal Penal Internacional.

promotoria, sobre iniciar uma investigação formal ou não contra o presidente. Esta análise ou a investigação podem levar até anos”. Os outros advogados habilitados são Fernando Fragoso e Ricardo Franco Pinto. Após a investigação, os magistrados decidem se o inquérito merece ser julgado. “Nesta fase, são três juízes responsáveis pelo julgamento. A acusação precisa comprovar, além da dúvida razoável a responsabilidade do acusado. A pena pode chegar a 30 anos ou, em situações excepcionais, prisão perpétua”, complementa Rodrigo Faucz. Desde a sua fundação, o Tribunal de Haia realizou o julgamento de vários líderes mundiais, dentre eles Bosco Ntaganda, ex-general do exército da República Democrática do Congo, que foi acusado de crimes contra a humanidade cometidos entre 2002 e 2003. Ao todo, ele foi condenado em 2019 a 30 anos de prisão. Entre investigação e condenação foram 15 anos. 23


E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

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De acordo com as conclusões da CPI da Pandemia, atos do presidente Bolsonaro contribuíram para o grande número de mortes no Brasil e o sofrimento da população

que varia de 10 a 15 anos de reclusão, é aumentada em dobro. Mas, são as práticas de extermínio, perseguição e atos desumanos, ambos listados como crimes contra a humanidade pelo Estatuto de Roma, que ameaçam o futuro do chefe do Executivo “mais negligente e negacionista da história do País”, segundo especialistas. O Estatuto de Roma criou o Tribunal Penal Internacional em 1998, do qual o Brasil é signatário, e é aceito pela legislação brasileira desde 2002, por meio do Decreto Nº 4.388.

Crédito: Wilson Dias | Ag. Brasil | Arte: Hugo Moura

O advogado, sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Helso Ribeiro, diz que nenhum outro governante fez tanta piada sobre a pandemia quanto fez Bolsonaro. “Eu te convido a fazer uma pesquisa nos 195 países filiados à ONU [Organização das Nações Unidas]. Você não vai encontrar, nenhum país que em, aproximadamente, 12 meses de pandemia, teve quatro minis-

tros da saúde diferentes”, disse. “Teve alguns que caminharam em um direcionamento negacionista, mas, ainda os que caminharam, eles não desdenharam da vida, não fingiram que estavam com falta de ar. Não, isso não se faz. Isso é cruel”, repudiou.

CRIMES CONTRA A HUMANIDADE Atitudes criminosas contra a humanidade são tipificadas como ataques generalizados a qualquer segmento da população civil, sendo praticados de maneira armada ou não. Jair Bolsonaro, segundo a CPI, utilizou algumas, tais como a omissão e a negação da letalidade do novo coronavírus, causador da pandemia mais severa dos últimos tempos. A CPI terminou com o pedido de indiciamento do chefe maior do Brasil por extermínio (art. 7º, parágrafo 1, b); perseguição (art. 7º, parágrafo 1, h); e atos desumanos para causar sofrimento

intencional (art. 7º, parágrafo 1, k), todos previstos no Decreto Nº 4.388.

OS CRIMES SÃO DESCRITOS DA SEGUINTE FORMA: Extermínio: sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população; Perseguição: privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa; Atos desumanos: causa intencional de grande sofrimento, ou grave afetação à integridade física ou à saúde física ou mental. Nestes casos específicos, a punição depende muito da gravidade, podendo resultar em pena de reclusão de até 30 anos ou prisão perpétua. No Brasil, não há previsão de prisão perpétua.

DEMAIS CRIMES IDENTIFICADOS CRIME

Sangue ‘nas mãos’ do presidente CPI da Pandemia aponta três crimes contra a humanidade cometidos por Bolsonaro: extermínio, perseguição e outros atos desumanos Iury Lima - Da Revista Cenarium 24

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ILHENA (RO) - O total de 1.289 páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, aprovado por 7 votos a 4, escancarou nove crimes cometidos pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que podem levá-lo desde à Justiça brasileira, à instauração do pedido de impeachment, além de apreciação e julgamento dos seus crimes pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, na Holanda. Entre os crimes comuns considerados mais graves cometidos durante a pandemia e previstos no Código Penal Brasileiro (CP), apontados pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), está a conduta de epidemia. Para tal crime, quando resulta em mortes, como é o caso, a pena,

CONDUTA

PREVISÃO LEGAL

PENA

Crime de epidemia resultando em morte

Propagar germes patogênicos

Art. 267, CP

Reclusão de 10 a 15 anos

Infração a medidas sanitárias preventivas

Por desrespeito à determinação do poder público de impedir a propagação de doença contagiosa

Art. 268, CP

Detenção de um mês a um ano e multa

Por incentivar a cura por meio de tratamentos sem comprovação científica

Art. 283, CP

Detenção de três meses a um ano e multa

Prevaricação

Pelo não cumprimento da obrigação ou omissão de cumpri-la

Art. 319, CP

Detenção de três meses a um ano e multa

Emprego irregular da verba pública

Por aplicação do orçamento público para fins distintos do previsto

Art. 315, CP

Detenção de um a três meses ou multa

Incitação ao crime

Por estimulação pública ao cometimento de delitos

Art. 286, CP

Detenção de três a seis meses ou multa

Falsificação de documentos particulares

Um consultor do Tribunal de Contas da União (TCU) produziu estudo divulgado pelo presidente como se fosse documento oficial do órgão

Art. 298, CP

Reclusão de um a cinco anos e multa

Crime de responsabilidade

Por violar direitos sociais e por agir de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo

Lei Nº 1.079/1950

Perda do cargo e suspensão dos direitos políticos

Charlatanismo

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Crédito: Agência Senado

Crédito: Evaristo Sá | Afp

E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo está na lista de pedidos de indiciamento

Rede de Maldade e Morte

Bolsonaro não agiu sozinho: ministros, ex-ministros, médicos e empresários também tramaram contra a humanidade, segundo relatório final da CPI da Covid Iury Lima - Da Revista Cenarium

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ILHENA (RO) - Jair Bolsonaro não foi o único a tomar decisões contraditórias à contenção do novo coronavírus. O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid pediu, ao todo, 80 indiciamentos pela prática de 22 crimes apurados pelo Senado Federal, cometidos durante a pandemia. São 78 pessoas, além de duas empresas:

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Precisa Medicamentos e VTCLOG, ambas suspeitas de corrupção na venda de imunizantes (Covaxin) e de fraudar contratos com o Ministério da Saúde. O número de sugestões para indiciamento subiu após a inclusão de mais 12 pedidos no texto final, em 26 de outubro, incluindo os nomes do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e do

ex-secretário estadual de Saúde, Marcellus Campêlo, que se juntam ao grupo dos apontados como responsáveis por crimes contra a humanidade. O desfecho de mais de seis meses de sessões é resultado de 520 pedidos de informação e 251 quebras de sigilo, reunidos em 9 terabytes de arquivos. Na avaliação do cientista político Carlos Santiago, a CPI constatou uma “rede da

maldade, da morte, articulada por inúmeros brasileiros, de governantes, empresários a líderes religiosos, que causaram muito mal à sociedade”. “Quem incentivava o tratamento precoce sem eficácia científica, quem disseminava notícias falsas contra vacinas, alimentava dificuldades para aquisição de imunizantes ou ainda o lobby para consegui-los a preços absurdos (...) hospitais particulares utilizando métodos não científicos para bajular governantes e também para obter mais lucros, líderes de instituições religiosas agindo contra medidas de contenção da pandemia e, ao mesmo tempo, vendendo facilidades,

vendendo cura nas redes sociais, além dos empresários que lucraram com a pandemia (...) essa rede contribuiu e muito para o alto índice de mortes por Covid no Brasil”, completou o especialista.

Santiago enfatiza que um dos principais atores “dessa rede” e, consequentemente, “dessa tragédia brasileira’’, é o presidente da República que, agora, poderá responder pelos crimes indicados. “A CPI pede

Governador do AM cita motivação política O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), declarou que a inclusão de seu nome entre os pedidos de indiciamento tem motivação eleitoral e política. “A inclusão do meu nome no relatório final da CPI tem total motivação político-eleitoral, liderada pelo senador

Eduardo Braga, visando às eleições de 2022. Não fui sequer investigado pela CPI. Vou seguir trabalhando e fazendo o que nenhum político que esteve à frente do Estado foi capaz de fazer em tão pouco tempo pelo desenvolvimento do Amazonas”, afirmou. 27


E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

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VEJA A LISTA DOS PEDIDOS DE INDICIAMENTO

CRIMES CONTRA A HUMANIDADE E OUTROS: NOME

Jair Bolsonaro

Onyx Lorenzoni

Eduardo Pazuello

Eduardo Parrillo

CARGO/PROFISSÃO

Presidente da República

Ministro do Trabalho

Ex-ministro da Saúde

Sócio da Prevent Senior (irmão do CEO)

► Crime de epidemia resultando em morte; ► Infração a medidas sanitárias preventivas; ► Charlatanismo; ► Prevaricação; ► Emprego irregular da verba pública; ► Incitação ao crime; Falsificação de documentos; Crime de responsabilidade; ► Crimes contra a humanidade. ► Incitação ao crime; ► Crime contra a humanidade. ► Crime de epidemia com resultado em morte; ► Emprego irregular de verbas públicas; ► Prevaricação; ► Comunicação falsa de crime; ► Crime contra a humanidade. ► Perigo para a vida ou saúde de outrem; ► Omissão de notificação de doença; ► Falsidade ideológica; ► Crime contra a humanidade .

CEO e fundador da Prevent Senior

Diretor-Executivo da Prevent Senior

► Perigo para a vida ou saúde de outrem; ► Omissão de notificação de doença; ► Falsidade ideológica; ► Crime contra a humanidade.

Carla Guerra

Médica da Prevent Senior

► Perigo para a vida ou saúde de outrem; ► Crime contra a humanidade.

Rodrigo Esper

Médico da Prevent Senior

► Perigo para a vida de outrem; ► Crime contra a humanidade.

Pedro Benedito Batista Junior

Flávio Cadegiani

Wilson Lima (PSC)

Marcellus Campêlo

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Endocrinologista

Governador do Amazonas

Ex-secretário estadual de Saúde (AM)

NOME

CARGO/PROFISSÃO

Antônio Jordão de Oliveira Neto

Biólogo (apontado como integrante do gabinete paralelo)

CRIME

► Perigo para a vida ou saúde de outrem; ► Omissão de notificação de doença; ► Falsidade ideológica; ► Crime contra a humanidade.

Fernando Parrillo

PEDIDOS DE INDICIAMENTO POR OUTROS CRIMES

► Crime de epidemia com resultado em morte; ► Prevaricação; ► Crime contra a humanidade. ► Crime de epidemia resultando em morte; ► Prevaricação; Crime de responsabilidade e improbidade administrativa. ► Prevaricação; ► Improbidade administrativa; ► Crime contra a humanidade; ► Falso testemunho.

Hélcio Bruno de Almeida

Heitor Freire de Abreu

Presidente do Instituto Força Brasil (IFB) Ex-subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil e ex-coordenador do Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19

Marcelo Bento Pires Alex Lial Marinho Thiago Fernandes da Costa Regina Célia Oliveira Hélio Angotti Netto

José Alves Filho

CRIME Crime de epidemia com resultado em morte. Disseminação de desinformação; Incitação ao crime.

Crime de epidemia com resultado em morte.

Assessor do Ministério da Saúde

Advocacia administrativa.

Ex-coordenador de logística do Ministério da Saúde

Advocacia administrativa.

Assessor técnico do Ministério da Saúde

Advocacia administrativa.

Fiscal de contrato no Ministério da Saúde

Advocacia administrativa.

Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde Dono do grupo José Alves, que integra a Vitamedic

Amilton Gomes de Paula

o indiciamento dele, mas não só dele, e sim, também de seus familiares envolvidos nessa rede da maldade, nessa rede da morte”, afirmou. O advogado, sociólogo e cientista político Helso Ribeiro aponta que Bolsonaro deve perdão à sociedade. “Eu acredito que o presidente tem uma falha com a população brasileira ao ter minimizado a questão do vírus e, acima de tudo, acredito que o presidente tem uma dívida de pedir perdão a parte dos familiares que tiveram seus entes queridos vitimados, porque ele minimizou, ele riu, ele gargalhou: ‘eu não sou marica’, ‘eu não sou coveiro’, ‘vai procurar vacina com a tua mãe’, enfim (...)”, declarou indignado. “Cabe a todos nós, no exercício da cidadania, tentar pressionar e verificar o que se vai fazer daqui pra frente”, concluiu Ribeiro. Já Carlos Santiago espera agora que o Ministério Público Federal (MPF), a Pro-

Reverendo Amilton, representante da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah)

Crime de epidemia com resultado em morte; Incitação ao crime. Crime de epidemia com resultado em morte.

Tráfico de influência.

Prefeito de Manaus fica de fora O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), ficou de fora da lista de pedidos de indiciamento da CPI da Pandemia, apesar de ter tido papel ativo na disseminação do chamado “Kit Covid”, composto por medicamentos sem eficácia contra a Covid19, em Manaus. Nas edições de junho e agosto deste ano, a REVISTA CENARIUM atestou que medicamentos, como ivermectina, que fazem parte do “Kit Covid”, continuavam sendo prescritos em unidades de saúde municipais. Em depoimento à CPI, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”, confirmou, no dia 25 de maio, a anuência de David Almeida para prescrição de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19, durante a segunda onda da pandemia no Amazonas, em janeiro deste ano. Ela viajou a Manaus, juntamente com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo, no início de 2021, para disseminar o “Kit Covid” na cidade. Mayra e Pazzuelo estão entre os pedidos de indiciamento, mas o nome de David não.

curadoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal (PF) deem “uma resposta à altura a esse pedido de indiciamento da CPI, uma resposta contra aqueles que maltrataram a sociedade”. E finaliza

lamentando o fato de que “fica na história brasileira e mundial o absurdo de ter um governante que trabalha contra a saúde pública e contra a vida de seu próprio povo”. 29


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Crédito: Antônio Augusto | Secom MPF

Crédito: Fotos Públicas

E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

“ Senadores entregaram o relatório ao procurador-geral da República, Augusto Aras. PGR deve decidir se abrirá processos

populações urbanas”, diz um trecho do relatório final da CPI.

De acordo com o relatório da CPI da Pandemia, há evidência de que o governo Bolsonaro vem atacando sistematicamente a população indígena

Perseguição étnica Postura do presidente da República, Jair Bolsonaro, em face das populações indígenas levou a pedidos de indiciamento por crimes contra a humanidade Iury Lima - Da Revista Cenarium

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ILHENA (RO) – Os pedidos de indiciamento por crimes contra a humanidade feitos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia devem-se à postura do presidente da República, Jair Bolsonaro, em face das populações indígenas. Deve-se a isso o enquadramento nas condutas de extermínio, perseguição e atos desumanos contra a população em geral, além de grupos étnicos, ou seja, os povos das florestas. Ao todo, 162 etnias foram afetadas pelo contágio do novo coronavírus, resultando em mais de 1.200 mortes, segundo a Arti-

culação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O Estado mais afetado foi o Amazonas, com cerca de 250 óbitos. “Há muitas evidências que apontam para um ataque sistemático dirigido, em especial por parte do presidente da República e dos ex-ministros da Saúde e da Cidadania contra a população indígena, por meio de uma política de Estado de adoção de medidas concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortos entre as populações indígenas proporcionalmente superior ao que atingiu as

Assim, esta CPI identifica o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, como o responsável máximo por atos e omissões intencionais que submeteram os indígenas a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição dessa parte da população, que configuram atos de extermínio, além de privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa, o que configura atos de perseguição”, destaca outro ponto. Neste pacote, entraria ainda o crime de genocídio, o que, mais tarde, foi descartado, pois, segundo o presidente da comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM), “a questão do genocídio está pacificada”. Advogado, sociólogo e professor, Helso Ribeiro diz que a omissão pode não ter sido considerada genocídio, mas ficou próxima disso. “Eu acho que se assemelha, chega bem perto. Eu não sei se o Ministério Público iria aceitar. Talvez o Tribunal Penal Internacional, caso isso seja levado a ele, ele possa ter esse entendimento”, avaliou. “Mas, não significa que ele vai deixar de responder por isso. Outras instituições

fora do Congresso Nacional já estão propondo ações junto ao Supremo Tribunal Federal [STF] e até Cortes internacionais, levando em consideração esses crimes de homicídio e genocídio”, pontuou, por sua vez, o cientista político Carlos Santiago.

Há muitas evidências que apontam para um ataque sistemático dirigido, em especial por parte do presidente da República e dos ex-ministros da Saúde e da Cidadania contra a população indígena”

Trecho do relatório final da CPI da Pandemia.

BRECHA PARA O IMPEACHMENT Bolsonaro também cometeu crimes comuns e de responsabilidade, segundo o relatório final da CPI, abrindo caminho para o pedido de impeachment e de julgamento por meio da Justiça brasileira. A indicação do crime de epidemia resultando em morte, tipificado no Artigo 267 do Código Penal, entrou no lugar do crime de homicídio, anteriormente atribuído ao chefe do Executivo. O mecanismo legal prevê punição para quem causar epidemia por meio da propagação de germes patogênicos. Durante a leitura do parecer final sobre o relatório, Renan Calheiros ressaltou que Bolsonaro propagou a ideia da “imunidade de rebanho” pela exposição dos brasileiros ao vírus causador da Covid-19. “Essa estratégia levou o presidente Jair Bolsonaro, por um lado, a resistir obstinadamente à implementação de medidas não farmacológicas, tais como o uso de máscara de proteção e o distanciamento social”, destacou o senador.

Punições Os possíveis crimes comuns cometidos pelo presidente foram encaminhados à Procuradoria-Geral da República (PGR), onde pode haver instauração de inquérito ou o oferecimento da denúncia ao STF. Em relação ao crime de responsabilidade, caberia ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas), levantar o pedido de impeachment. Já referente à punição por crimes contra a humanidade, o relatório final deve ser enviado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, para que uma investigação seja aberta e, a partir daí, ocorra uma denúncia, que, caso aceita, gere um julgamento. 31


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Crédito: Pedro França Ag. Senado

E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

Crédito: Acervo Pessoal

É perceptível a parcialidade do presidente da CPI e do relator da mesma, o que faz com que muito dificilmente se tenha êxito na tentativa de impeachment”

Impeachment? Resultado da CPI torna mais concreta chance de impeachment, mas especialistas veem parcialidade dos senadores favorecer Bolsonaro

Euthiciano Muniz, advogado.

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

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ANAUS – Os resultados apresentados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado, segundo especialistas, tornam mais concreta a chance de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Isso, contudo, não quer dizer que o mandatário do Brasil esteja totalmente desfavorecido, pois, para os analistas, a parcialidade dos senadores pela destituição do presidente é considerada favorável a ele.

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Senadores reunidos em sessão da CPI da Pandemia no Senado

“Teoricamente sim [o resultado da CPI torna mais concreta a chance de abertura do processo de impeachment], pois o relatório é pela criação de um processo de impedimento do presidente. Isso está claro desde o início dos trabalhos. Agora, o relatório será encaminhado ao MP [Ministério Público] ou à Advocacia Geral da União para as devidas providências”, explicou o especialista jurídico e advogado no Estado do Pará, Euthiciano Muniz. Para o advogado, que questiona a credibilidade da CPI, é perceptível a parcia-

lidade do presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) e do relator dela, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), contra Bolsonaro. Euthiciano Muniz afirma que isso faz com que, muito dificilmente, a tentativa de abertura do processo de impeachment tenha êxito. “É perceptível a parcialidade do presidente da CPI e do relator da mesma, o que faz com que muito dificilmente se tenha êxito na tentativa de impeachment. Essa CPI pecou justamente neste ponto, o que favorece o presidente e o deixa menos

exposto a eventuais irregularidades porventura descobertas nesta investigação”, reforçou. Questionado se acredita que o presidente seja destituído antes das eleições de 2022, o advogado Euthiciano Muniz declara que o impeachment não deve sair do papel e que “ninguém, em sã consciência, levaria isso para frente e causar uma instabilidade há poucos dias de uma eleição”. O sociólogo, analista político e advogado no Estado do Amazonas, Carlos Santiago, avalia que apesar da CPI ter um saldo posi-

tivo, pois investigou, analisou documentos e produziu um relatório final, não há uma maioria sólida no Congresso Nacional para que haja um novo pedido de impeachment.

Para Santiago, contudo, a sociedade pode fazer uma reflexão e avaliar tudo que aconteceu na CPI para votar, de forma reflexiva e consciente, nas eleições de 2022.

“Não existe também um grande apoio popular. O presidente continua forte, com aprovação forte em algumas regiões, como o Norte e o Sul do País, e um grande apoio em categorias que envolvem a polícia, o agronegócio e em algumas denominações religiosas. O Congresso Nacional, a partir de agora, pode dar uma resposta política, o que é difícil, por meio do impeachment do presidente da República”, realçou.

“Às vezes, o eleitorado faz justiça mais rápido, por meio do seu voto. Essa CPI mostrou para o Brasil que existem brasileiros agindo contra a vida de outros brasileiros. Essa é a grande mensagem da CPI. O que não pode ficar é a impunidade. Ou se faz algo no aspecto político, jurídico e eleitoral, ou vamos continuar mantendo essa rede de malfeitores que tanto faz mal ao País”, finalizou Santiago. 33


E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

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Sem genocídio indígena Juristas e lideranças indígenas fazem críticas a relatório da CPI da Pandemia

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ANAUS (AM) – Juristas e lideranças indígenas da Amazônia consideram “lamentável” a decisão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia de não pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro e de outras autoridades pelo crime de genocídio indígena. A análise é também de que é superficial parte do relatório final da CPI que trata dos fatos relacionados aos povos indígenas, considerados mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus.

Crédito: Acervo Pessoal

Para justificar a retirada do crime, os senadores afirmaram que precisariam de mais elementos para caracterizar genocídio e que as ações ligadas aos indígenas ficam abarcadas pelos crimes contra a humanidade.

Foi lamentável a não inclusão da prática do crime de genocídio, porque houve”.

Juan Pablo Gomes, professor, advogado, doutorando na Universidade de Coimbra.

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Genocídio é um crime que tem um grupo específico como alvo e tem como objetivo o extermínio total. Já os crimes contra a humanidade são caracterizados de forma mais abrangente. Nesse caso, o alvo também é a população civil, mas não um grupo específico. Os dois crimes são previstos no Estatuto de Roma e podem ser julgados no Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda. Em Manaus, o professor, advogado, mestre em Direito Ambiental e doutorando na Universidade de Coimbra Juan Pablo Gomes afirma que “foi lamentável a não inclusão da prática do crime de genocídio, porque houve”. Para ele, o

parecer deixou a desejar, perdendo a oportunidade de reconhecer uma grave conduta de Bolsonaro contra os indígenas. Ele destaca, porém, que isso não impede que o presidente seja condenado no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, ou na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, Costa Rica.

Povos vulneráveis

“Talvez a preocupação dos parlamentares tenha sido em virtude de o crime de genocídio ser muito específico, onde tem que se comprovar a deliberação de extermínio ou precativo de extermínio contra grupos específicos, o que se denota com relação à população indígena”, disse Juan Pablo.

Ele demonstra, para nós, um pouco de desprezo nessas questões”, declarou Clarice Tukano.

Para a líder indígena Clarice Tukano, coordenadora da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn), a CPI não relatou todos os crimes cometidos pelo presidente contra os povos tradicionais. Ela lembra que, no Amazonas, a frente de mobilização em defesa da população indígena promoveu debates, rodas de conversas e seminários para falar sobre o que estava acontecendo nas comunidades e no entorno de Manaus durante a pandemia e que o relatório apenas ‘pincelou’ a realidade das aldeias.

República e do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “É uma conduta grave”, destacou o advogado.

Para ela, está claro o “jogo político” a favor do presidente, no qual Bolsonaro acaba sendo protegido ao não ser indiciado pelo crime de genocídio. “Me parece que está muito clara a relação do jogo político, o jogo dos partidos nesse processo. Por que eles tiram o crime de genocídio praticado contra os povos indígenas durante a Covid-19? Para a política brasileira, nós, povos indígenas, não temos aliança dentro dos partidos, principalmente, porque nós não fazemos número dentro desse processo”, comentou Clarice.

Juan Pablo lembra que, até o momento, já foram encaminhadas ao Tribunal Penal Internacional seis denúncias contra Bolsonaro, sendo as duas últimas do Movimento Brasil Livre, ex-aliado dele, e da Organização Não-Governamental (ONG) All Rise, da Áustria, que o acusam de genocídio e crime contra a humanidade, respectivamente.

“Nem todos os crimes do presidente estão inseridos, principalmente, quando é tratado sobre os povos indígenas. Faltou muita coisa. Os senadores parecem estar com medo, o relator, sobretudo.

Crédito: Fotos Públicas

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

Os povos indígenas do Brasil foram fortemente impactados pela Covid-19

PONTO IMPORTANTE Para Juan Pablo, chamou a atenção foi o reconhecimento da prática do crime contra a humanidade por parte do presidente da

Para o advogado, após o término do mandato de Bolsonaro na presidência da República, essas acusações contra ele devem ser melhor destrinchadas e ter um melhor desdobramento no âmbito internacional, seja no Tribunal Penal Internacional ou na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, os povos indígenas foram considerados como os mais vulneráveis. No ano passado, um artigo assinado por pesquisadores de várias universidades brasileiras e publicado no periódico The Lancet Global Health, apontou que a prevalência da Covid-19 entre os indígenas é de 6,4%, isso representa quatro vezes mais do que em pessoas brancas (1,4%). Segundo a equipe, liderada pelo professor da Universidade Federal de Pelotas Cesar Victora, isso ocorre por conta da pobreza, dificuldade de acesso à saúde e da alta densidade de pessoas vivendo em um mesmo ambiente, como em aldeias, por exemplo. De acordo com dados da Apib, desde o primeiro caso registrado em indígenas, em 25 de março de 2020, no município de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, até 28 de outubro de 2021, foi infectado um total de 60.323 indígenas, sendo 1.224 mortes em 162 povos. 35


E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

PODER & INSTITUIÇÕES

Compreendemos que o genocídio é um fato histórico que ameaça os povos indígenas ao longo de toda a história da colonização brasileira”

Sujeito à prisão e à perda de cargo

Luiz Eloy Terena, jurista e coordenador da Assessoria Jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Advogado indígena que representa a Apib explica o que pode acontecer com o presidente após a conclusão da CPI da Pandemia Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

Segundo Terena, o afastamento do presidente ou a prisão, contudo, dependem da continuidade da investigação ou da apresentação de denúncia por parte de órgãos responsáveis pela fiscalização e controle, como o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria-Geral da República (PRG), e o Ministério Público dos Estados. Assim como ele, as demais autoridades que têm foro privilegiado também podem ser denunciadas pela PGR. “A CPI não dispõe de poderes punitivos, mas sim investigativos. Agora, após a imputação de crimes comuns e de responsabilidade ao presidente Bolsonaro, com o encaminhamento do relatório à Procuradoria-Geral da República e às instâncias competentes do Congresso Nacional, cabe a elas a análise respectiva acerca da abertura de um processo criminal (nesse caso, a PGR), quanto à abertura de um processo de impeachment (nesse caso, a presidência da Câmara dos Deputados). 36

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Esses processos, sim, podem culminar em consequências como prisão ou afastamento do cargo”, reforçou Eloy Terena. O Ministério Público dos Estados, por sua vez, fica responsável por promover a responsabilidade criminal ou civil dos envolvidos, com a competência também de denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações. Se as denúncias forem oferecidas, a Justiça deve analisar os fatos.

CRIMES O presidente Bolsonaro foi indiciado no relatório final da CPI da Covid pelos crimes de prevaricação, charlatanismo, epidemia com resultado de morte, infração a medidas sanitárias preventivas, crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos), crimes de responsabilidade, incitação ao crime, emprego irregular de verba pública e falsificação de documentos particulares. “Havia expectativa de que o crime de genocídio fosse imputado de forma específica, o que não ocorreu. De todo modo, o relatório abre esse debate, que também segue em outras instâncias, como nos comunicados enviados ao Tribunal Penal Internacional, acerca das condutas do governo Bolsonaro”, pontuou Eloy Terena. Apesar disso, o advogado salienta, ainda, que o relatório abordou bastante material que tem sido produzido sobre a

temática indígena. “O debate acumulado no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 709, uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), proposta pela Apib, em defesa da saúde indígena, traz um grande diagnóstico sobre a saúde indígena no contexto da pandemia de Covid-19”, disse.

Crédito: Vinícius Loures | Ag. Câmara

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ANAUS (AM) - Com um possível indiciamento do presidente Jair Bolsonaro a partir do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, o chefe do Executivo federal pode sofrer com processos que têm o poder de afastá-lo do cargo de mandatário do País ou de levá-lo à prisão, segundo o advogado indígena, jurista e coordenador da Assessoria Jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena.

“E esses dados foram considerados no relatório, além de outras colaborações de especialistas no tema. Um capítulo próprio sobre a questão indígena demonstra a importância considerada pelo relatório”, continuou. Terena lembra, também, do Comunicado protocolado pela Apib, em agosto de 2021, no Tribunal Penal Internacional, relatando condutas sistemáticas de Bolsonaro que implicam atos genocidas e apontando indícios de crimes contra a humanidade cometidos pelo presidente. “Compreendemos que o genocídio é um fato histórico que ameaça os povos indígenas ao longo de toda a história da colonização brasileira. São incontáveis a quantidade de povos que desapareceram ao longo dos séculos. Em 2021, tivemos a morte do último homem do povo Juma, por Covid-19. Esses fatos escancaram que o genocídio, para além de um tipo penal no Estatuto de Roma, é uma lamentável realidade. Esperamos que todo esse material reunido pelo relatório da CPI, somado a outras ações, colabore para as investigações nas instâncias competentes”, concluiu.

Luiz Eloy Terena é advogado indígena, jurista e coordenador da Assessoria Jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) 37


PODER & INSTITUIÇÕES

“Isso tem que servir de exemplo para as futuras gerações” A CPI deixa legado para o futuro, afirma senador Omar Aziz, ao fazer avaliação do comportamento do presidente durante a pandemia Wesley Diego - Da Revista Cenarium

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ÃO PAULO (SP) - Terminada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), avalia que o trabalho dos senadores vai servir para nortear governos futuros. Para Aziz, penalidades devem ser aplicadas para não se repetirem comportamentos vistos na pandemia de Covid-19. “O que nós não podemos é permitir que qualquer outro governo, governador, presidente de plantão tenham as ambições que foram cometidas. Isso tem que servir de exemplo para as futuras gerações. Hoje teve essa pandemia da Covid-19, mas ninguém pode dizer que amanhã não haverá outras pandemias. O comportamento do governante de plantão não será o mesmo,

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caso haja punição agora”, vislumbra o senador. Crítico das ações do governo federal durante a crise sanitária, Aziz avalia que o presidente Jair Bolsonaro nunca fará uma autoavaliação. “Não creio em autocrítica dele. Você viu o Bolsonaro ir para uma rede de televisão e dizer que ia se solidarizar com as vítimas, com os parentes? Você ouviu ele falar isso? Ele vai em uma cidade e aglomera gente. Ele não vai visitar um hospital… Fico indignado com o presidente, ele não faz autocrítica de que está errado”. O senador vai além e diz que falta compaixão ao presidente: “Ele não tem generosidade. Ele não é generoso. O Bolsonaro não é uma pessoa generosa sob o ponto de vista humano. Ele é incapaz de fazer isso”, conclui.

Crédito: Alan Santos Pr | Fotos Públicas

E AGORA? (RELATÓRIO FINAL DA CPI)

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, deixou de comparecer a eventos da reunião do G20 para cumprir agenda própria na Itália

Bolsonaro se tornou um líder mundial preterido, ficando de fora das grandes discussões globais. O presidente não compareceu à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, e deixou de participar de eventos importantes da cúpula do G20, em Roma, para cumprir uma agenda própria na Itália. Omar Aziz lembra da passagem de Bolsonaro na Organização das Nações Unidas (ONU) este ano e recorda que até Boris Johnson (primeiro-ministro do Reino Unido), antes negacionista, retrocedeu: “Ele faz a

gente passar um vexame na ONU. O presidente do Brasil é ridicularizado no mundo todo. O próprio primeiro-ministro inglês fez autocrítica e foi à Câmara pedir desculpas pelas atitudes depois que pegou Covid. Ele teve que fazer autocrítica, porque ele também estava com essa tese de que a economia não pode quebrar. A vida não se recupera”. Aziz faz um contraponto entre Brasil e Estados Unidos em relação à campanha de vacinação. “As pessoas estão morrendo nos Estados Unidos porque não se vacinaram. Há uma diferença entre a gente e os americanos, sabe qual é? Você se acostuma

a tomar vacina desde que nasce. A nossa cultura é de se vacinar, a deles não é. Nós fomos acostumados desde criança a tomar vacina. Temos uma marca no braço da vacina que tomamos quando criança”, e acusa Bolsonaro de influenciar brasileiros a não se imunizarem. “Dificilmente, vemos um brasileiro sem aquela marca, que é aquela vacina da varíola. Aqui no Brasil, você tem vacina para tudo, temos a cultura de entrar na fila para se vacinar. E o Bolsonaro ‘ah, quem não quiser tomar vacina...’, não é essa nossa cultura. A gente tem campanhas de vacinação. A vida vai voltar à normalidade com a vacina”, concluiu o senador.

O comportamento do governante de plantão não será o mesmo, caso haja punição agora”

Omar Aziz, presidente da CPI da Pandemia.

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PODER & INSTITUIÇÕES

UTIs para o interior do AM Governador Wilson Lima inaugura leitos em Parintins, primeiro município do AM a ter os serviços especializados Com informações da assessoria

REVISTA CENARIUM

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ANAUS (AM) – Parintins, a 369 quilômetros de Manaus, é a primeira cidade do interior do Amazonas a ter leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). No dia 15 de outubro, quando o município completou 169 anos, foram inaugurados 11 leitos de UTI instalados no Hospital Jofre Cohen. Do total de leitos, um é para isolamento de casos graves relacionados à Covid-19. O feito é histórico para a saúde pública do Estado, porque marca o início da descentralização dos serviços de alta complexidade, até então concentrados na capital. Além de Parintins, outros municípios polos, como Itacoatiara, Manacapuru, Tefé, Tabatinga,

Humaitá, Lábrea e Eirunepé, também devem receber leitos de UTI. A implantação da estrutura de média e alta complexidade, para além da capital Manaus, é uma das ações do programa Saúde Amazonas, executado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM). O projeto Saúde nas Calhas, que compõe o programa, é uma das estratégias do Governo do Amazonas para a regionalização da saúde. Durante a inauguração da ala de UTIs, o governador do Amazonas disse que o momento é “histórico, não só para Parintins, mas para o Estado do Amazonas”, porque pela primeira vez há estrutura de saúde de alta complexidade no interior. “Em 2019, quando nós viemos a Parintins para realizar o Festival Folclórico – que foi o maior festival de todos os tempos, eu não tenho dúvida disso – eu pensei o seguinte: nós vamos fazer o maior festival de todos os tempos, mas a gente também tem que deixar uma contribuição social. E é isso que estamos fazendo. Anteriormente, quando montavam a estrutura da área de saúde para atender às ocorrências, tudo voltava para a capital, quando terminava o festival”, disse o governador.

O secretário de Saúde do Amazonas, Anoar Samad, e o médico Salim Assaid conhecem as instalações de uma UTI

EQUIPES E MEDICAMENTOS

Crédito: Lucas Silva | Secom

A implantação dos leitos de UTI é fruto de parceria entre o Governo do Amazonas e a Prefeitura de Parintins, com apoio da iniciativa privada, por meio da empresa Celeo.

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Além das obras de adaptação realizadas no Hospital Jofre Cohen para receber os leitos de UTI, o Governo do Amazonas está contratando serviços especializados, médico e de enfermagem intensivistas, técnico de enfermagem com experiência em tratamento intensivo, nefrologista, fisioterapeuta, nutricionista, farmacêutico bioquímico e médico neonatologista. O padrão de medicamentos, insumos e nutrição da UTI também sera fornecido pelo Estado, por meio da Central de Medicamentos do Amazonas (Cema). “A Secretaria de Estado de Saúde tem ciência das dificuldades das prefeituras do interior em contratar profissionais em certas especialidades, então o Estado vai entrar com essas contratações para poder dar suporte aos serviços em Parintins”, ressaltou o titular da SES-AM, Anoar Samad.

PARQUE DE IMAGEM A SES-AM coordenou a adaptação do espaço para UTIs e do Parque de Imagem, construído para receber o tomógrafo entregue pelo governador Wilson Lima, em junho deste ano. Toda a rede de gases e de ar comprimido foi reformada, assim como a substituição do forro de PVC por gesso. A pintura foi renovada, foram colocadas réguas, os banheiros reformados e instalados aparelhos de ares-condicionados novos. Os equipamentos instalados na UTI – cama, respiradores, monitores, bombas de infusão e equipamentos de hemodiálise – foram adquiridos por meio de parceria entre a Prefeitura de Parintins e a empresa Celeo.

ECONOMIA E ALCANCE A instalação dos novos leitos no município também representa economia com o serviço de remoções de UTI aérea para Manaus, custeado pelo governo. De janeiro a junho de 2021, o Estado gastou cerca de R$ 2,4 milhões com 214 remoções aéreas de Parintins para a capital. Polo regional de saúde do Baixo Amazonas, Parintins poderá atender também pacientes dos municípios de Nhamundá, Barreirinha, Boa Vista do Ramos e Maués, reduzindo a demanda nos hospitais da capital.

A secretaria tem ciência das dificuldades das prefeituras do interior em contratar profissionais em certas especialidades, então o Estado vai entrar com essas contratações para poder dar suporte”

Anoar Samad, secretário de Estado de Saúde.

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PODER & INSTITUIÇÕES

AM no Prêmio Innovare Projeto da Defensoria Pública do Amazonas, que presta assistência a filhos de mulheres assassinadas por questão de gênero, é finalista na premiação Com informações da assessoria

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ANAUS (AM) – O projeto Órfãos do Feminicídio, idealizado pelo Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), é finalista do 18º Prêmio Innovare. A iniciativa tem o objetivo de prestar assistência jurídica e psicossocial a crianças e adolescentes que perderam suas mães para o feminicídio. O Órfãos do Feminicídio concorre na categoria Defensoria Pública. O resultado final será anunciado em cerimônia no dia 7 de dezembro, no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF).

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atendimento jurídico e psicossocial através da Defensoria Pública e instituições parceiras para crianças e adolescentes órfãos das vítimas de feminicídio. O projeto da Defensoria do Amazonas é a única prática de toda a Região Norte a estar nessa final. Por meio do projeto, o Nudem fez um levantamento dos processos tipificados como feminicídio (consumado ou tentado), iniciados a partir de março de 2015, nas três Varas do Tribunal do Júri da Comarca de Manaus. A partir do estudo documental, foi feita uma busca ativa

e contato com as famílias das vítimas e o acompanhamento social e psicológico com visitas domiciliares, repetidas a cada seis meses para coleta de dados por entrevistas, com o intuito de identificar as condições dos órfãos e os fatores que levaram aos casos de feminicídio. A defensora Caroline Braz ressalta que a presença do projeto como finalista do Innovare é a oportunidade de tirar os órfãos da invisibilidade a partir da relevância nacional. “Essa é a grande vitória dessa prática, poder estabelecer nacionalAs defensoras públicas Caroline Braz, coordenadora do Nudem, e Pollyana Vieira são autoras do projeto

O Prêmio

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Crédito: Clóvis Miranda | DPE-AM

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A primeira fase do projeto teve como foco os processos de 2015 até o fim de 2018 que estavam tramitando nas três Varas do Tribunal do Júri da Comarca de Manaus, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas TJAM. No período, ao todo, o (Nudem) analisou 84 casos de feminicídio em Manaus, dentre eles 52 tentados e 32 consumados.

Os dados mais recentes foram registrados de 2019 a agosto de 2020. Nesse período, foram analisados cinco casos consumados – nenhuma das vítimas deixou filhos.

O Órfãos do Feminicídio tem como autoras as defensoras públicas Caroline da Silva Braz, coordenadora do Nudem que deu início ao projeto em 2018, e Pollyana Souza Vieira, que coordenou o núcleo entre 2019 e 2020. A iniciativa oferece

Caroline Braz, defensora pública.

ATENDIMENTOS

Foram realizadas visitas a 28 famílias, porém, considerando os critérios de exclusão (casos de feminicídio consumados de vítimas com filhos) e as famílias que aceitaram participar do projeto e permaneceram sendo acompanhadas, permaneceram um total de 11 famílias. Como o feminicídio afeta todo o núcleo familiar das vítimas, o projeto atendeu, aproximadamente, 60 familiares, entre filhos, filhas, pai, mães diretamente e indiretamente afetados.

De acordo com informações do site do Innovare, este ano, o tema do prêmio destaca a Defesa da Igualdade e da Diversidade. As práticas que concorrem ao prêmio vêm de oito Estados, além do Distrito Federal: Amazonas, Bahia, Goiás, Minas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo.

A ideia dessa prática é estabelecer um protocolo, para que, assim que ocorra o feminicídio, essas crianças já tenham atendimento imediato”

mente um protocolo de atendimento de emergência a essas crianças. A ideia dessa prática é estabelecer um protocolo, para que, assim que ocorra o feminicídio, essas crianças já tenham atendimento imediato, da forma jurídica, por meio da Defensoria Pública, e com o serviço psicossocial que também é oferecido pelo Núcleo da Mulher. A grande vitória é conseguir tirar essas crianças da invisibilidade”, destaca a defensora.

O Prêmio Innovare tem por objetivo identificar, divulgar e difundir práticas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil. Participam da Comissão Julgadora do Innovare ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), desembargadores, promotores, juízes, defensores, advogados e outros profissionais de destaque interessados em contribuir para o desenvolvimento do Poder Judiciário. 43


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Coluna Via Brasília

18 MIL CAMPOS DE FUTEBOL DESMATADOS

PÓS-COP26, GOVERNO BUSCA APAGAR IMAGEM DE NEGACIONISTA CLIMÁTICO E DESMATADOR NEGACIONISTAS

Os mais otimistas acreditam que o efeito COP26 — Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima — desencadeará uma estratégia por parte do governo brasileiro visando a atenuar as preocupações climáticas dos principais parceiros comerciais do Brasil. Não por apreço ao meio ambiente, mas por pressões do mercado internacional, que já emitem sinais, há meses, de que se a “boiada” na Amazônia seguir o atual ritmo, haverá retaliações.

Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom | Ag. Brasil

RETALIAÇÃO AMERICANA

Os EUA já estudam criar uma lei para barrar US$ 500 milhões em importação de itens como soja, cacau, gado, borracha, óleo de palma, madeira e demais artigos brasileiros ou derivados de países com índices altos de desmatamento florestal. O projeto do Congresso americano, batizado de Forest Act 2021, ou Lei Florestal 2021, é o mais abrangente marco legal no tema proposto nos EUA, nos últimos anos. Na justificativa do projeto, os democratas citam o Brasil - e seus produtos de origem bovina - como exemplo do problema.

EUROPA CONGELA ACORDO

Já o Parlamento Europeu, antes mesmo da COP26, já havia bloqueado qualquer tipo de avanço na ratificação do acordo comercial entre a UE e o Mercosul. Diante das políticas ambientais do governo de Jair Bolsonaro - além de questões sociais e de direitos humanos, o lobby contra o tratado tem crescido e, de fato, há um impasse sobre como fazer o acordo entrar em vigor. Mais um revés para a diplomacia do Brasil e um potencial estrago para a economia brasileira.

É isso mesmo que você está lendo. Pesquisa inédita apontou que a área com exploração madeireira não autorizada pelos órgãos ambientais no Amazonas correspondeu, pelo menos, a 18 mil campos de futebol, em apenas um ano. O levantamento foi publicado pela Rede Simex, integrada por quatro organizações de pesquisa ambiental: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Instituto Centro de Vida (ICV). Apenas em territórios indígenas, a extração de madeira corresponde a mais de 9 mil campos de futebol. No sul do Amazonas, a Terra Tenharim Marmelos foi a mais explorada. Crédito: PF (Via Amazônia Real) | Fotos Públicas

BNDES

DESMATADOR

Outro problema que o governo brasileiro terá de explicar é com as operações do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiam frigoríficos cujos abates se dão em fazendas desmatadas ilegalmente, em Unidades de Conservação ou terras indígenas, e que se valem de mão de obra escrava. Levantamento exclusivo da Organização Não-Governamental (ONG) Repórter Brasil analisou empréstimos de R$ 46 milhões feitos a 25 pequenos frigoríficos na Amazônia, e apontou que 90% da mata derrubada vira pasto. Desde 2009, o banco possui uma norma que veda empréstimos a empresas com irregularidades socioambientais.

TRIBUNAL INTERNACIONAL

Sobre os desdobramentos do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, a sua aprovação não significa a condenação de Bolsonaro nem das outras pessoas citadas. Até porque a CPI só pode sugerir a análise pelo MPF, do chefe da PGR terrivelmente alinhado ao presidente, Augusto Aras. A pressão da base do MPF será decisiva para o indiciamento dos investigados. Já os crimes contra a humanidade dependem de decisão do Tribunal Penal Internacional. Como em Haia. Bolsonaro já acumula seis denúncias – com a CPI serão sete – há a expectativa de que a Corte Internacional as aceite.

Crédito: Wilson Dias | Ag. Brasil

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ECONOMIA & SOCIEDADE

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“Nunca mais comemos carne”

No Governo Bolsonaro, amazonenses comem pé de galinha e cozinham com lenha Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

Crédito: Ricardo Oliveira

Nunca mais nós comemos, porque a gente come mais é peixe, galinha, mas nunca mais comemos carne”

Débora Santana, dona de casa.

Família em extrema pobreza é aquela com renda per capita de até R$ 89 mensais. São, em regra, pessoas que vivem nas ruas ou em barracos e enfrentam insegurança alimentar recorrente. Essa renda fica em desacordo com o preço médio do gás de cozinha que, na região Norte, já chegou a R$ 100 a botija de 13 quilos, por exemplo, e com o preço de carnes como o coxão mole, que chegam a custar, também em média, R$ 39 o quilo. As famílias viviam apenas com o Bolsa Família e, muitas vezes, até mesmo sem isso. A REVISTA CENARIUM percorreu bairros periféricos de Manaus e encontrou a dona de casa Débora Santana, de 42 anos, que divide um pequeno barraco de madeira de três cômodos com o marido e quatro filhos no Beco Inocêncio de Araújo, bairro Educandos, Zona Sul de Manaus. Atualmente, a renda da família chega a R$ 1 mil, somando os valores do Bolsa Família recebido pelo filho, no valor de R$ 212) e mais os trocados recebidos pelo marido nos serviços autônomos que realiza. “Acho que já faz mais de um ano”, diz a doméstica sobre ficar sem consumir carne. “Nunca mais nós comemos, porque a gente come mais é peixe, galinha, mas nunca mais comemos carne”.

Débora Santana, de 42 anos, mostra o almoço do dia feito com pés de galinha 46

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Nas duas geladeiras que a família possui, que quase não funcionam, só é possível encontrar água e alguns pedaços de galinha, principalmente miúdos. No fogão, o prato do dia para o almoço era pés de galinhas guisados. Frutas e legumes em abundância não fazem parte da

Crédito: Ricardo Oliveira

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ANAUS (AM) – Com o aumento no preço de produtos considerados itens básicos de sobrevivência, como a carne e o gás de cozinha, amazonenses estão sendo obrigados a viver uma realidade diferente. Hoje, famílias de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social não conseguem consumir carne e precisam cozinhar o alimento que conseguirem no fogão a lenha. Dados do Cadastro Único, do governo federal, o CadÚnico, que apontam para um aumento mês a mês de pessoas na miséria desde novembro de 2020, indicam que, pelo menos, 2 milhões de famílias brasileiras tiveram a renda reduzida e caíram para a extrema pobreza, entre janeiro de 2019 e junho deste ano.

Elen Santana, de 9 anos, com o prato de pé de galinha, arroz e batata

alimentação diária da família. “Ontem, nós fizemos feijão, macarrão e salsicha. Às vezes, eles também comem salsicha com macarrão, quando não tem peixe, não tem galinha”, explicou Débora.

SEM COMIDA, SEM GÁS Na mesma localidade, a dona de casa Francisca das Dores, de 59 anos, não sabia qual seria a refeição que ela, o marido e cinco netos fariam, quando foram visitados pela reportagem. Com a geladeira vazia e sem alimentos em casa, não seria preciso usar o fogão a lenha, geralmente utilizado para cozinhar comida, quando tem. “Só água mesmo”, disse a dona de casa, mostrando a geladeira quase vazia. Para cozinhar, a família geralmente empresta uma estrutura montada especificamente para isso. Uma calota, ou tampão de roda de carro, é utilizada como churrasqueira e toras de madeira dão o fogo. As netas, de 13 anos, 10 anos e as gêmeas de 7 anos, órfãs de mãe, compartilham essa realidade com a avó.

Pobreza intensificada Segundo o portal UOL Notícias, em dezembro de 2018, durante o Governo Michel Temer (MDB), eram 12,7 milhões na pobreza extrema. Dois anos e meio depois e, com Jair Bolsonaro na Presidência, esse número chegou a 14,7 milhões, em junho de 2021. O número de junho é o maior de famílias na miséria desde o início dos registros disponíveis do Ministério da Cidadania — a partir de agosto de 2012 — e representa 41,1 milhões de pessoas. Há ainda 2,8 milhões de pessoas na pobreza, ou com renda per capita entre R$ 90 e R$ 178 mensais.

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ECONOMIA & SOCIEDADE

Maranhão: reconhecimento de raízes

Apesar de ser um direito ter o nome do povo na certidão, esse direito é negado para os povos”

Lidiane Alves, representante do povo Kariú Kariri.

No Maranhão, primeira indígena Kariú-Kariri conquista direito de ter etnia no registro civil Gabriella Lira – Da Revista Cenarium

Durante o processo, que durou três meses desde o dia do nascimento da criança, foi necessária a intervenção da Fundação Nacional do Índio (Funai) para explicar sobre o processo de retomada indígena no Brasil. O reconhecimento e a demarcação de Terras Indígenas são fundamentais para garantir a existência desses povos, bem como o direito de ter a etnia no registro civil. “A princípio, o cartório se recusou a registrar com o nome da etnia, usando a justificativa de que os pais não tinham o nome indígena. Eu expliquei todo o processo de retomada para o rapaz do 50

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RETOMADA A retomada do povo Kariú Kariri iniciou-se em 2006, mas foi em 2020 que se intensificou, com o resgate de saberes, costumes e, principalmente, a decisão de inserir a etnia na Certidão de Nascimento das crianças que nascessem. Assim, a projeção é que daqui a alguns anos existam mais pessoas com o nome do povo e falando a língua para criar raízes, segundo Lidiane Alves. Além da menina, um menino de 3 anos de idade também foi registrado. O processo dele já durava desde o nascimento.

Certidão de Nascimento de Jamylle Kariú

Direito O Projeto de Lei 6009/19, já aprovado pelo Senado, altera a Lei de Registros Públicos e a Lei da Carteira de Identidade para assegurar a qualquer indígena o direito à indicação da sua etnia expressa em Certidão de Nascimento, Certidão de Casamento e Carteira de Identidade. Para isso, bastará requerer a inclusão, sem necessidade de comprovar a origem étnica. Atualmente, o indígena precisa obter o Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani), expedido pela Funai. A Certidão de Nascimento civil é fundamental para a pessoa exercer seus direitos básicos de cidadão. Com ela, é possível fazer matrícula escolar, realizar casamento, registrar filhos, participar de programas sociais do governo federal e obter a documentação básica: RG, CPF, Carteira de Trabalho e Previdência Social.

Crédito: Fotos Públicas

“Apesar de ser um direito ter o nome do povo na certidão, esse direito é negado para os povos, pois os pais não têm o nome do povo no documento e isso é usado como justificativa para negar o nome na certidão da criança”, conta a representante do povo Kariú Kariri, Lidiane Alves, sobre as dificuldades enfrentadas durante o processo, como a negativa por parte do cartório.

cartório, mas isso não foi o suficiente, somente quando a Funai interveio é que eles decidiram registrar. Infelizmente é isso, ainda somos tratados como incapazes de gerir nossas próprias demandas. Mas, de todo modo, estamos muito felizes com essa conquista”, afirma Lidiane à REVISTA CENARIUM.

Reprodução Instagram Apib

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ANAUS (AM) – O reconhecimento da etnia indígena na Certidão de Nascimento é um direito garantido por lei, porém, os indígenas ainda enfrentam uma dura batalha para ter essa identificação no registro civil. No dia 14 de outubro, a recém-nascida Jamilly Alves Bezerra Kariú foi a primeira indígena do povo Kariú Kariri, residente na comunidade Areal de Estreito, no Maranhão, a ser registrada com o nome da sua etnia no registro civil.

O reconhecimento da etnia indígena na Certidão de Nascimento é um direito garantido por lei 51


ECONOMIA & SOCIEDADE

REVISTA CENARIUM

CENARIUM sedia

Seminário de Jornalismo O grupo CENARIUM transmitiu o debate realizado com profissionais de Jornalismo de todo o Brasil

Crédito: Ana Pastana

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – “Estudantes de Jornalismo em pandemia: Configurações e Bugs” foi o tema da Semana de Jornalismo, realizada nos dias 13, 14 e 15 de outubro, pelos alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Em formato virtual, a programação do evento contou com a colaboração de mais de sete instituições e mais de 30 profissionais da área. O evento foi transmitido pelo canal da TV CENARIUM, no YouTube, e na plataforma de streaming de vídeo ao vivo Twitch. A abertura do evento foi realizada com o pronunciamento do reitor da Ufam,

Sylvio Puga, e do diretor da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da universidade, Alan Rodrigues.

com a repórter Victória Sales, que falaram sobre “Dilemas do factual e o contexto no on-line”. Já o workshop “O avanço da TV Web” teve a participação do jornalista e editor da TV WEB CENARIUM, Gabriel Abreu, e também da jornalista Priscilla Peixoto.

Também participaram da abertura do evento o coordenador do curso de Jornalismo da Ufam, Rafael Roff, a diretora de Redação do Jornal A Crítica, Aruana Brianezi, o representante da Associação de Docentes da Ufam (Adua), Antônio José Vale da Costa, e a diretora da CENARIUM, jornalista Paula Litaiff.

No contexto do jornalismo impresso, o evento contou com a participação da jornalista e editora da revista CENARIUM impressa, Márcia Guimarães. E, no fim do dia, a programação contou com a participação da diretora-executiva da CENARIUM, Paula Litaiff, e do social media, Elias Mariano, na roda de conversa “Os dilemas da gestão e empreendedorismo”.

De acordo com a idealizadora do evento e finalista do curso de Jornalismo da Ufam, Maria Luiza Dácio, a ideia surgiu a partir da necessidade de democratizar o aprendizado adquirido na universidade pública com outros estudantes de universidades privadas e do Ensino Médio.

Temos professores incríveis, produzimos um conteúdo de pesquisa que é pouco visto e sempre pensei na necessidade dessa abertura de compartilhar o que a gente faz”

“Temos professores incríveis, produzimos um conteúdo de pesquisa que é pouco visto e sempre pensei na necessidade dessa abertura e de compartilhar o que a gente faz, produz e aprende dentro da faculdade”, contou a universitária, de 23 anos.

ATIVIDADES E CONVIDADOS Na agenda do evento, constavam atividades como palestras, rodas de conversas e workshops com temáticas atuais voltadas ao olhar jornalístico em múltiplas áreas. Além disso, foram apresentados trabalhos divididos em artigos e produtos, com direito a premiação e publicação em um e-book temático.

Maria Luiza Dácio, finalista do curso de Jornalismo da Ufam, idealizadora do evento.

Profissionais de reconhecimento nacional e regional também participaram do evento. Nomes como o da jornalista Nathalia Tavolieri (Rede Globo), Giovanna Pinheiro (Olimpíada Todo Dia), Joana Suarez, Silvia Rogar (Vogue), Daniela Assayag, Camila Leonel (A Crítica) e Paula Litaiff (AGÊNCIA CENARIUM) integraram a extensa lista de convidados que compartilharam as vivências e conhecimentos do universo da comunicação.

Representantes da Universidade Federal do Amazonas e jornalistas da CENARIUM e de veículos de comunicação locais participaram da abertura do evento 52

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Jornalistas da CENARIUM fizeram parte da lista de profissionais que participaram dos workshops e rodas de conversas, falando sobre a rotina, as dificuldades, e compartilhando conhecimento com os alunos. Entre eles, esteve o jornalista e editor Luís Henrique Oliveira, juntamente

Crédito: Elias Mariano

CENARIUM

Maria Luiza Dácio, organizadora da Semana de Jornalismo da UFAM 53


Violência cresce em Roraima Estado lidera ranking na Região Norte com crescimento de 40%

Crédito: Tânia Refo Ag. Brasil | Fotos Públicas

ECONOMIA & SOCIEDADE

Gabriella Lira – Da Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – Roraima teve a maior alta no índice de violência, com 40,4%, em comparação com os Estados do Norte. Em segundo lugar está o Amazonas, com 35,6%. Isso é o que aponta o relatório do Monitor de Violência deste ano. Em nível nacional, o Brasil teve uma queda de 8% nos assassinatos no primeiro semestre de 2021, em comparação com o mesmo período de 2020. Apenas seis Estados contabilizam alta: dois do Norte (Roraima e Amazonas) e quatro do Nordeste (Piauí, Maranhão, Paraíba e Bahia). Nos seis primeiros meses deste ano, foram registradas 21.042 mortes violentas, contra 22.838, no primeiro semestre de 2020. Ou seja, 1.796 a menos, segundo o Monitor. São contabilizados o número de vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Entre os dados que mais chamaram atenção no relatório estão: 21.042 assassinatos no 1º semestre, 1.796 mortes a menos que o mesmo período de 2020; seis Estados registraram alta nas mortes; o Ceará teve a maior queda, com -28,8%; e Roraima registrou o maior aumento nos crimes, com 40,4%. O levantamento, que compila os dados mês a mês, faz parte do Monitor da Violência, uma parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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REDUÇÃO DE CRIMES A um site de notícias, Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), pontuou alguns dos motivos pelos quais Roraima e Amazonas lideram o índice do monitor. “Roraima (40%) e Amazonas (36%) ficaram nos primeiros lugares entre os que mais cresceram por serem justamente os Estados onde os conflitos em áreas indígenas foram mais intensos, com suspeita de participação do crime organizado na invasão de terras”, diz Manso. Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Nascimento, existem dois elementos que são extremamente importantes para reduzir os altos índices de criminalidade: o primeiro é fazer uma tipologia do atual cenário de crime violento nesses municípios e o segundo é ampliar a capacidade de investigação, garantindo a resolução de crimes e julgamentos. “Em primeiro lugar, é necessário fazer esse estudo de tipologia do atual cenário de crime violento para identificar em que circunstâncias, locais, dias e horários que esses crimes acontecem, possibilitando ações preventivas. E, em segundo lugar, é ampliar a capacidade de investigação, garantindo que o setor de investigação solucione mais rapidamente os crimes, levando ao Judiciário e mostrando à sociedade que estão sendo punidos”, afirma Luiz.

O Amazonas ficou em segundo lugar no aumento da violência 55


ECONOMIA & SOCIEDADE

REVISTA CENARIUM

“Não tem Brasil, se não tiver Amazônia” Arthur Virgílio ressalta importância da ZFM e da bioeconomia para a preservação da Amazônia, no primeiro debate das prévias do PSDB para as eleições de 2022

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ANAUS (AM) – O candidato às prévias do PSDB Arthur Virgílio Neto defendeu a unidade do partido e destacou a importância da Zona Franca de Manaus e da bioeconomia para a Amazônia, durante o primeiro debate da disputa interna do partido para escolher o nome que concorrerá à presidência da República nas eleições de 2022. O evento foi realizado no dia 19 de outubro, pelos jornais O Globo e Valor Econômico, e Arthur participou ao lado de seus concorrentes, João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS).

Com informações da assessoria

“Por que não nos concentrarmos e cuidarmos das questões públicas e deixar esses ‘triques-triques’ de lado? Eu quero a unidade do PSDB. As prévias devem ter um limite, que é o de ficarmos unidos para obter a vitória”, afirmou Arthur, que é diplomata de carreira, ex-senador e ex-prefeito de Manaus. Um dos filiados que vivenciou a origem do PSDB, Arthur defendeu que o partido foi o que mais fez coisas boas para o País, como liquidar a hiperinflação, o ajuste fiscal e a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Vejo essas prévias como uma oportunidade única do partido se livrar dos estigmas, de se reafirmar. Prefiro um partido musculoso e pequeno, e não um partido inchado. Tenho muita esperança que o PSDB voltará a ser grandioso”, pontuou.

Crédito: Karla Vieira | Assessoria AVN

AMAZÔNIA E ZFM

Arthur Virgílio participou de debate promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico, com os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) 56

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Arthur Virgílio foi muito questionado por jornalistas que participaram do debate sobre a Zona Franca de Manaus e a Amazônia. A jornalista Míriam Leitão, que se posiciona contra a ZFM, perguntou se não é mais eficiente redirecionar os recursos que financiam a indústria do Amazonas para produtos da floresta, de imediato. “Se acabarmos com a Zona Franca hoje, a floresta cai, tomba, literalmente. Por mais que se critique o modelo, ele é a única fonte de renda que sustenta o povo do Amazonas e o único modelo que sustenta a floresta em pé. Se não tivermos alternativas de curto prazo, vamos ter uma catástrofe social. O que eu quero é que apressemos a pesquisa, os estudos, os investimentos, que não neguemos participação estrangeira para colocarmos em ação a economia do bionegócio”, afirmou.

ECONOMIA VERDE Arthur também respondeu ao jornalista Merval Pereira sobre avançar, gradativamente, na economia verde. “Eu entendo que é uma questão custo-benefício, os benefícios fiscais para manter a floresta em pé. Isso é muito? Quanto mais pudermos avançar na economia verde melhor, mas, de imediato, não temos alternativas”, explicou.

As prévias devem ter um limite, que é o de ficarmos unidos para obter a vitória”

Arthur Virgílio Neto, candidato às prévias do PSDB.

Sobre as propostas concretas para a Amazônia, Arthur Virgílio disse que quer governar com a ciência. “Sem dúvida, marchar para a economia verde é uma questão de sobrevivência da nação. Precisamos dar dinheiro aos órgãos de pesquisa, nossos cientistas estão atrasados. Eu acredito que a floresta está se deteriorando e, se nada for feito, antes de chegar ao final, haverá uma intervenção internacional sobre a Amazônia”, alertou. “Não tem Brasil, se não tiver Amazônia, se não tivermos consciência que a última fronteira de desenvolvimento para o Brasil é o desenvolvimento sustentável. Não pode continuar essa farra de desmatamento, de garimpo clandestino. O Ministério da Ciência e Tecnologia tem 1% dos recursos do orçamento. Isso não pode continuar”, concluiu Virgílio. Para Arthur, existem dois tripés para o desenvolvimento do País. “Na economia, o tripé maroeconômico: com câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e inflação controlada. E o tripé macropolítico da diplomacia, ecologia e economia. Esse tripé não pode ser quebrado, de jeito nenhum”, afirmou. O debate, promovido por O Globo/ Valor, é o primeiro da série para as prévias do PSDB e contou com a mediação da jornalista Vera Magalhães, com a participação de jornalistas do grupo.

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POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

REVISTA CENARIUM

Falta um programa de restauração’, diz ambientalista sobre combate ao desmatamento na Amazônia

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ANAUS(AM) – A Amazônia Legal registrou, em setembro de 2021, mais de 980 quilômetros quadrados de desmatamento. O número é considerado maior que o registrado no mesmo período no ano anterior, quando registrou 964,45 quilômetros quadrados, e também o segundo maior, nesse período, na história do monitoramento. Em conversa exclusiva com a CENARIUM, o ambientalista Carlos Durigan afirma que falta um programa de restauração para as áreas degradadas.

Victória Sales – Da Revista Cenarium

980 km² A Amazônia Legal registrou, em setembro de 2021, mais de 980 quilômetros quadrados de desmatamento.

O desmatamento na Amazônia vem registrando recorde atrás de recorde, nos últimos anos 58

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Durigan relembra a criação e a instalação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), experiência recente que teve resultados com prevenção e controle do desmatamento. “Ele foi criado em 2004 e foi ativo durante muitos anos, justamente no período onde esteve mais ativo, até 2012, e depois disso foi sendo enfraquecido”, destacou. “Atualmente, ele está totalmente abandonado. Por mim, nunca deveria ter sido enfraquecido, pelo contrário, deveria ser um programa ativo, que norteasse as ações dos governos federal, estadual e municipal, trabalhando juntos em um programa centralizado. O governo federal tem a prerrogativa de estabelecer uma iniciativa, para implementações de prevenções, ações de controle e fiscalização”, ressalta Carlos Durigan. O ambientalista destaca ainda que é preciso um programa de restauração para

esse combate. “Nós já chegamos a um ponto em que muitas regiões da Amazônia precisam ser restauradas. Nós temos muitos municípios, inclusive do Amazonas, com um déficit de cobertura florestal. Muitas propriedades precisam ter suas reservas legais instituídas, conservadas e restauradas”, destacou.

DADOS Os dados foram disponibilizados pela plataforma Terra Brasilis, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que reúne alertas e monitora o desmatamento na Amazônia, desde 2015. De acordo com os dados divulgados, 2021 já registra um total de 7.010,52 quilômetros quadrados de área desmatada. Entre janeiro e setembro, os anos de 2020 e 2019 registraram uma área desmatada maior na Amazônia Legal, com 7.063,14 quilômetros quadrados e 7.869,73 quilômetros quadrados, respectivamente. Em 2021, o número ultrapassou o registrado para o mesmo período em 2018, com 4.081,22 quilômetros quadrados, em 2017, com 2.470,18 quilômetros quadrados e 2016, com 4.898,54 quilômetros quadrados. Julho foi o mês que registrou o maior número de desmatamento na Amazônia neste ano, com 1.497,93 quilômetros quadrados. Mas, em agosto, o número diminuiu para 918,24 quilômetros quadrados. Em setembro, esse número voltou a crescer, apresentando aumento de 7,23% neste ano. 59

Crédito: Christian Braga | Greenpeace

Ciclo de destruição


REVISTA CENARIUM

Crédito: Moscow Government | Fotos Públicas

MUNDO E CONFLITOS INTERNACIONAIS

Moscou volta à quarentena total A cidade de Moscou, na Rússia, fechada durante quarentena na pandemia de Covid-19

Cidade vive quarta onda da Covid-19; no Reino Unido, transmissão tem novo pico Com informações do InfoGlobo

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OSCOU – Moscou voltou a impor uma quarentena total entre os dias 28 de outubro e 7 de novembro, diante da quarta onda da Covid-19 na Rússia, segundo pronunciamento do prefeito da cidade, Sergei Sobyanin. Apenas supermercados e farmácias funcionaram no período. A decisão teve por objetivo reduzir o número de infecções e mortes, e foi tomada um dia depois de o presidente russo, Vladimir Putin, decretar um feriado em todo o país, entre 30 de outubro e 7 de novembro. A quarentena na capital, a primeira desde junho de 2020, incluiu o

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fechamento de escolas e jardins de infância. Bares e restaurantes só puderam funcionar para entrega e retirada. Na Inglaterra, a Covid-19 também teve nova onda e atingiu novo pico de casos. Diante do aumento no número de hospitalizações, os funcionários do setor de saúde do Reino Unido estão pressionando o governo de Boris Johnson a retomar a obrigatoriedade do uso de máscaras para toda a população. Na Rússia, restrições devem ser aplicadas também na região mais ampla em torno de Moscou, mas a presidente da Câmara Alta do Parlamento russo e aliada próxima de

Putin, Valentina Matvienko, disse que outra quarentena nacional seria desaconselhável. “Seria um enorme golpe para a economia e um golpe psicológico para os cidadãos. Não é necessário”, disse Matvienko à agência de notícias TASS. Em Moscou, os teatros e museus estão excluídos da nova quarentena e serão autorizados a permanecer abertos, desde que limitem o número de visitantes, que deverão usar máscaras e apresentar códigos QR em seus telefones celulares para provar que foram vacinados ou que se recuperaram da Covid-19.

As medidas adotadas refletem um crescente senso de urgência em relação ao aumento dos casos e mortes na Rússia, que o Kremlin atribuiu às baixas taxas de vacinação. Até o início de novembro, o País contabilizou 1.036 mortes relacionadas ao novo coronavírus e 36.339 novas infecções, ambos os números representando recordes diários, desde o início da pandemia. As autoridades disseram que estão monitorando uma nova subvariante da Delta, que já foi identificada no Reino Unido e em Israel, mas acreditam que as vacinas existentes podem ser eficazes para ela.

A Rússia foi rápida em desenvolver e lançar sua vacina Sputnik V, no ano passado, mas a adesão tem sido lenta, com muitos russos citando a desconfiança das autoridades e o medo de novos produtos médicos. Apesar das dificuldades, encorajar a vacinação é o desafio mais urgente agora, já que o país tem apenas 36% da população imunizada com uma dose e 33% com as duas. Em Moscou, o prefeito Sobyanin já anunciou quatro meses de restrições que pedem a permanência em casa de pessoas não vacinadas com mais de 60 anos de idade. 61


ENTRETENIMENTO & CULTURA

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Créditos: Ricardo Oliveira

sucesso. “Estava desesperada, porque eu já estava morando no abrigo, com um prato de comida na mesa, mas e meus filhos? E meus pais, acaso tinham o que comer?”.

Mauyoli Amiruy Yaguare Perez segue a vida tecendo sentimentos em forma de bonecos de crochê, por meio da técnica japonesa amigurumi

Arte e vida na ponta da agulha Artesã venezuelana sobrevive da confecção de bonecos de crochê, os ‘amigurumis’, para trazer filhos para Manaus Ana Paula Freire – Especial para a Cenarium

Início na arte Mauyoli começou “no mundo do crochê”, como diz, há nove anos, procurando uma maneira de ganhar dinheiro, poder estudar e cuidar dos filhos. “Foi por acaso. Aprendi com uma amiga os pontos básicos e, depois, fui aperfeiçoando na internet. Um dia, vi uma boneca que me fascinou tanto que tive vontade de começar a experimentar, aí nasceu aquele amor pelos amigurumis. Hoje, consigo fazer qualquer personagem de 7cm a 49cm, o maior que já fiz”. Em muitos casos, Mauyoli usa padrões criados por designers como ferramentas e, em outros, ela própria é a designer e a artesã. Mauyoli tem preferência pela boneca Anne, aquela da série e da obra literária “Anne With an E”, mas também já confeccionou um presépio natalino completo e recebeu encomendas de bonecos de ícones da arte, da política e da psicanálise. “Fiz para uma cliente três personagens inéditos: Frida Kahlo, Mafalda, Che Guevara e Carl Jung”. 62

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ANAUS – Ela veio de El Tigre, Estado de Anzoátegui, Venezuela. Na bagagem, apenas bonecos, meia dúzia de roupas e alguma esperança de um futuro melhor. Até então, Mauyoli Amiruy Yaguare Perez, 32 anos, estudava engenharia mecânica na Universidad Politécnica Territorial José Antonio Anzoategui, cuidava dos filhos Esteban, 13, e Mauro, 9. Vivia de sua arte, o crochê. Tinha um espaço para expor seu trabalho em um clube reconhecido da cidade, participou de feiras culturais e vendia pela internet. Com a crise econômica, os clientes sumiram, a situação ficou cada vez mais difícil e o fantasma da fome assombrou. Foi quando ela decidiu tentar a sorte no Brasil. “Chegou um momento que eu não vendia mais nada, era grande a escassez de alimentos, a situação era muito precária e eu não podia mais sustentar minha carreira na universidade, não tinha dinheiro para levar meus filhos para a escola, pagar o aluguel, às vezes eu não tinha nem o que comer em casa, era uma situação muito triste. Imagine ver seus filhos fracos e famintos, sem energia, e você com as mãos amarradas, sem poder fazer nada”, relembra, emocionada. “Se você tem dinheiro, não tem nada para comprar, e se não tem, aí toca você com mais força”.

Diante das dificuldades e sem esperança de que a situação melhorasse, Mauyoli e o parceiro Juan decidiram imigrar para o Brasil. Chegaram em 2018. Venderam tudo o que tinham e ela investiu o que arrecadou em material (fios, recheios etc.) para fazer peças de crochê e vendê-las no Brasil. Fez uma boa coleção de bonecos – “todos muito fofos”, diz, orgulhosa – e outra coleção de tops recortados em malha. “A nossa ideia era vir, trabalhar mais ou menos três meses, comprar comida e depois voltar”, diz. Os filhos de Mauyoli ficaram com os avós. Na jornada para o Brasil, todo tipo de dificuldade. Foram longas horas de viagem de ônibus, a recusa em abrigos para imigrantes em Boa Vista e três meses vivendo na rua, até o casal ser encontrado pela comitiva do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e remanejado para um abrigo. “Ficamos alguns dias e entramos num projeto de internacionalização. Foi assim que paramos em Manaus”, conta. Na capital amazonense, os venezuelanos ficaram em um abrigo por três meses, com dificuldades. Mauyoli quase não tinha peças para vender nem dinheiro para comprar material. Procurou trabalho, sem

Ela conta que, sem conseguir emprego, tomou coragem e saiu para mendigar com uma placa em um semáforo próximo à sede da Secretaria de Estado de Saúde (SES), no Aleixo, pedindo oportunidade de emprego, faxina ou um auxílio em dinheiro para mandar para a família que estava na Venezuela. Foi quando conheceu Rui Miranda, que presta serviços à SES. Ele ofereceu a Mauyoli um serviço de faxina e, ao saber que o prazo de permanência no abrigo estava para expirar, cedeu uma casa para ela e seu companheiro. “Sem hesitar, ele me ofereceu uma casa que havia desocupado para que eu pudesse viver com meu parceiro, enquanto ele arrumava um emprego e nós nos estabilizávamos”, lembra. Rui Miranda, 48, presta serviços para a SES, tem um escritório de contabilidade e vive com a família na Colina do Sol, bairro

São José, Zona Leste de Manaus. Ele diz que ficou surpreso ao ser procurado para a entrevista. “Sempre ajudei as pessoas porque acredito na lei da semeadura: se você planta bons frutos, vai colher bons frutos. Não esperava virar notícia”, brinca. Mauyoli e o companheiro Juan e outro casal ficaram na casa cedida por Rui Miranda durante seis meses. E Rui também pagou todo o material de que ela precisava para criar sua arte e iniciar um negócio. Foi assim que tudo começou a melhorar. A artesã venezuelana fez várias bonecas e vendeu para conhecidos. Depois, conheceu o “Espaço Mamativa”, loja colaborativa de mães empreendedoras. Com sua arte exposta na loja, as pessoas começaram a conhecer seu trabalho e a fazer encomendas. Em paralelo, Mauyoli conseguiu um trabalho como babá. “Os pedidos e as vendas começaram a aumentar exageradamente, houve até um momento em que me senti tão exausta, pois tinha emprego, mas quando chegava em casa,

“Sonho abraçar meus filhos de novo” Mauyoli diz que a arte trouxe muitas bênçãos para sua vida. Ela pôde conhecer muitas pessoas que apoiam seu trabalho e é “eternamente grata” a todos. Ainda são muitas as dificuldades, afinal, o amigurumi é sua única fonte de renda, com a qual paga todas as contas e sustenta a família na Venezuela, tendo que acordar todos os dias sem os filhos ao seu lado. “Tudo isso é bastante doloroso, ainda mais sabendo que você não pode vacilar ou desistir porque todos dependem do meu esforço”, diz. Muita gente procura Mauyoli interessada em aprender a técnica. Ela diz que não se sente preparada porque o “português ainda é bem ruim”. Ela gostaria de fazer um curso de língua portuguesa, mas não dispõe de tempo. Mais do que isso, adoraria se aventurar no mundo do design de amigurumi criando padrões e oferecendo-os à venda, e assim alcançar a tão desejada autonomia e independência financeira. “Gostaria de trazer meus filhos, mas está tão difícil que já penso em voltar. Meu maior sonho é abraçar meus filhos e meus pais novamente. Todos os dias, peço a Deus que faça isso acontecer muito rapidamente”. Enquanto esse dia não chega, as mãos vão calejando, tecendo sentimentos, irradiando dor na alma pela distância de seu país, suas raízes, sua gente.

havia muito o que fazer para atender todas as encomendas”. Com emprego e as encomendas de bonecas crescendo, Mauyoli teve que fazer uma escolha. “Você pode imaginar a decisão, não é? Sim, escolhi minha arte”. Naquela fase da vida, segundo relata, a situação estava um pouco mais estável, conseguiu alugar um apartamento, comprou o essencial da casa e o mais importante: passou a mandar constantemente sustento para a família na Venezuela. “Hoje, estou aqui, em Manaus, há quase três anos e sou artesã fazendo amigurumi”, conclui.

AMIGURUMI Amigurumi é uma técnica japonesa que consiste em criar bonecos e “bichinhos de pelúcia” de crochê. Cada peça é feita à mão, com muito cuidado e carinho, o que a torna única e especial para quem a adquire. São confeccionados com fios 100% algodão, com recheio hipoalergênico.

Meu maior sonho é abraçar meus filhos e meus pais novamente. Todos os dias, peço a Deus que faça isso acontecer muito rapidamente”

Mauyoli Amiruy Yaguare Perez, 32 anos, artesã.


VIAGEM & TURISMO

REVISTA CENARIUM

Crédito: Ricardo Oliveira

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RASÍLIA (DF) – Para incentivar o turismo de compras em Manaus, um Projeto de Lei (PL) aprovado no final de setembro, pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e a Amazônia (Cindra), na Câmara dos Deputados, prevê a suspensão da cobrança de tributos, como PIS e Cofins, nos produtos importados por empresas localizadas na Zona Franca de Manaus (ZFM), quando destinados, exclusivamente, ao comércio local. Para o autor do PL 298/20, deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), a proposta vai garantir isonomia entre o tratamento tributário dado à remessa de mercadorias nacionais para a ZFM e à importação de mercadorias estrangeiras para a região e tornar o comércio local mais atrativo. Mas, a ideia de incentivar o turismo de compras na região com o projeto de lei pode não ter o efeito desejado pelo parlamentar.

CONTEXTO HISTÓRICO Na visão do professor de História Cleomar Cardoso Lima, fazer com que Manaus reviva a fase de turismo de compras, vivenciada durante as décadas de 1970 e 1980, no auge do modelo Zona Franca de Manaus, é algo muito distante por conta de uma série de fatores. Cleomar afirma que, naquele tempo, havia um outro contexto mundial e nacional no comércio.

Turismo de Compras

“Durante o governo militar, foi criado um projeto onde o único lugar no qual a economia ocorreria com incentivos fiscais seria no modelo Zona Franca de Manaus. Era uma época em que os mercados mundiais eram fechados e, para aquela realidade econômica, a proposta deu certo”, explica o professor. O historiador também conta que o então prefeito de Manaus Jorge Teixeira criou uma espécie de shopping aberto formado pelas ruas Guilherme Moreira, Doutor Moreira e Marechal Deodoro, localizadas no Centro da cidade. “Realmente era vantagem vir comprar videocassete, filmadoras, eletroeletrônicos em geral, porque aqui era muito mais barato, mais em conta”, relembra.

Projeto de Lei propõe retorno da fase de turismo de compras em Manaus, vivenciada durante as décadas de 1970 e 1980 Cassandra Castro – Da Revista Cenarium

Centro de Manaus em dia de movimento de consumidores 64

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A economista Denise Kassama afirma que toda proposta de redução tributária não deixa de ser um alento para a economia e gera expectativa positiva de 65


VIAGEM & TURISMO

O Amazonas tem atrativos turísticos bem mais interessantes que o comércio, capazes de atrair públicos de todas as partes do mundo”

retomada de crescimento, mas reforça o posicionamento do historiador sobre reserva de mercado. “Hoje, em plena era da comunicação e impulsionado pela pandemia, o e-commerce cresceu exponencialmente em todo o mundo, de modo que qualquer um pode comprar qualquer coisa de qualquer lugar do mundo e receber em casa”, comenta a especialista.

TURISMO DE COMPRAS Na visão do professor Cleomar e da economista Denise, o apelo turístico, das riquezas e da biodiversidade do Amazonas deveria ser o carro-chefe para impulsionar a economia, inclusive do próprio Polo Industrial de Manaus (PIM). “O Amazonas tem atrativos turísticos bem mais interessantes que o comércio, capazes de atrair públicos de todas as partes do mundo, além de mobilizar uma imensa rede de fornecedores regionais”, argumenta Denise.

Porém, Kassama chama a atenção para algumas questões que precisam ser superadas, como o valor das passagens aéreas para o Estado. Situação ainda mais agravada devido à pandemia, que obrigou as empresas a reduzirem algumas rotas; Infraestrutura da capital amazonense, que ainda carece de placas indicativas, acessos, investimentos em mobilidade urbana e melhoria nos serviços de atendimento ao turista. O professor Cleomar Lima relembra a visibilidade que Manaus ganhou em 2014 com a Copa do Mundo e, em 2016, com a Olimpíada, que fez com que a cidade recebesse pessoas de vários países e ganhasse elogios pela acolhida e hospitalidade. “A gente tinha que ir além, fazer mais, capacitar o nosso povo e investir no talento natural para o turismo que nosso Estado tem”, concluiu Lima.

Crédito: Ricardo Oliveira

Denise Kassama, economista.

DIVERSIDADE

Uma necessidade básica Aumento do preço dos absorventes impacta na dignidade de mulheres

A pobreza menstrual afeta 213 mil jovens brasileiros. 66

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Crédito: Ricardo Oliveira

Victória Sales – Da Revista Cenarium


DIVERSIDADE

Segundo a economista Denise Kassama, com preços variando a partir de R$ 5, o pacote, e, ainda mais, neste período sensível pelo qual a economia atravessa, o absorvente pode ser considerado um produto caro em face às dificuldades das famílias que sequer têm o que comer diariamente. “Uma entre quatro meninas e jovens de baixa renda deixam de ir à escola no período menstrual, por falta de recursos para comprar absorventes, podendo gerar uma defasagem nos estudos, uma vez que podem perder até uma semana de aula por mês”, destacou. Denise destaca ainda que, atualmente, são 27 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Para este público, qualquer aumento em itens de primeira necessidade pode comprometer sua aquisição. De acordo com a universitária Paola Xavier, de 26 anos, ficou bem claro que não existe nenhum interesse da parte do presidente de governar para a população. Ela explica que o impacto para as mulheres se dá quando são garotas em que a família está vulnerável financeiramente e não tem condições de comprar o básico e o absorvente se torna um item de luxo. “E, por causa disso, muitas dessas meninas acabam faltando à escola, perdendo aula e prejudicando, ainda mais, o seu rendimento escolar”, declarou.

PROJETO Logo após o veto, a jornalista Nauzila Campos decidiu criar uma campanha de arrecadação de absorventes e cestas básicas para distribuir entre mulheres de baixa renda em Manaus. “Basta ser mulher, ter sororidade e empatia. A pobreza menstrual 68

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é uma realidade de todo o Brasil e em Manaus não é diferente. Se não dá para contar com o presidente, arregacemos nós as mangas umas pelas outras”, explicou Nauzila. A jornalista diz que quando as mulheres se unem nunca estão sozinhas. “Toda mulher é forte. Mas, por trás de uma mulher forte, tem outra que também faz a diferença. Então, estou apenas fazendo meu papel como mulher que sequer imagina a realidade de alguém que não tem dinheiro para a necessidade básica que é comprar um absorvente. Precisamos nos mover com urgência”, ressaltou Nauzila.

Por causa disso, muitas dessas meninas acabam faltando à escola, perdendo aula e prejudicando, ainda mais, o seu rendimento escolar”

Crédito: Divulgação

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ANAUS (AM) – Um dia após o veto do presidente da República, Jair Bolsonaro, à distribuição de absorventes higiênicos para mulheres de baixa renda, o produto sofreu uma alta de 1,42% em setembro, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 8 de outubro. Em entrevista exclusiva à CENARIUM, especialistas ressaltam que o custo mais alto inviabiliza a aquisição, deixando este público cada vez mais distante de condições mínimas e dignidade à vida.

ARTIGO – ODENILDO SENA

Paola Xavier, 26 anos, universitária.

Estudos A pobreza menstrual afeta 213 mil jovens brasileiras, segundo Pesquisa Nacional da Saúde Escola (Pense), que revelou a falta de acesso aos produtos de higiene básica no período menstrual. No Amazonas, o programa “Dignidade Menstrual”, sancionado pela Lei Estadual n° 5.550, de 28 de julho de 2021, garante que meninas e mulheres recebam de forma gratuita absorventes para assegurar a proteção durante o ciclo menstrual. O item foi classificado como “bem essencial e produto de higiene básica” no Estado e será destinado às estudantes das escolas a partir do ensino fundamental da rede pública.

Conversas com passarinhos Odenildo Sena*

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posto que sim. Há tempos eles já deveriam se exibir todos os dias naquele mesmo lugar. Eu é que ainda não os havia notado. Sem nos darmos conta, a vida nos impõe rigorosas rotinas diárias. Assim como se fôssemos animais domesticados para cumprir apenas determinadas tarefas. Vemos o que fomos programados para ver. Ouvimos o que fomos programados para ouvir. Sentimos o que fomos programados para sentir. Com isso, deixamos de ver, ouvir e sentir um monte de outras coisas que habitam o dia a dia em redor de nossa existência. Daí a minha certeza de que já era habitual a presença deles ali em frente à nossa janela. Eu é que não tinha percebido.

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ARTIGO – ODENILDO SENA

Bem a propósito disso, pesco na memória uma curiosa lembrança. Já faz algum tempo. Tive que me submeter a uma cirurgia corretiva de miopia. Já em casa, o que fazer diante das recomendações do doutor? Descanse seus olhos. Evite claridade. Nada de celular. Nada de televisão. Nem pense em leitura pelos próximos dias. Este último lembrete quase me leva ao desespero. O que pode restar a um ser humano se lhe roubam a possibilidade de ler? Baixada a poeira daquele momento, acomodei-me no quarto em penumbra. A cabeça fervilhava de inquietação. Como me ocupar? Depois de conseguir um pouco de serenidade, recolhi o impasse à gaveta mais próxima e comecei a sacudir meu espírito de sobrevivência. Elementar, meu caro Watson! Não podia ver, mas podia ouvir e sentir! E o que é ouvir e sentir, senão extraordinárias formas de leitura? E foi assim que, por linhas tortas, confirmei naqueles dias de penumbra que eu estava programado apenas para ouvir, mas não para escutar. Foi aí que, com o fone colado aos ouvidos, acabei por esquecer que, por algum tempo, eu não podia ver. Mais que isso: descobri maravilhado, no rastro da inspiração de Fernando Pessoa, que escutar e sentir é preciso, ouvir não é preciso. E viajei deslumbrado a escutar e sentir os acordes da Primavera de Vivaldi. Incrível o diálogo entre os diferentes instrumentos da orquestra. Fascinante a harmonia entre os acordes, a demonstrar que, por mais específico que seja o papel de cada instrumento, todos estão solidariamente a serviço de um objetivo comum: a beleza da música. Nessas alturas, vocês já devem estar se coçando de ansiedade para saber quem são “eles” a quem me referi no início desta conversa. Pois bem, eu conto. Foi durante a onda mais forte da pandemia cá em terras de Pessoa. Nos meus 100 dias de quarentena recolhido aos 90 metros aqui do apartamento. Todo santo dia, no final da manhã e no final da tarde, eu ficava absorto na direção da janela

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que me ligava ao mundo lá fora. Até que num certo dia me caiu a ficha. Notei que havia três passarinhos, desses bem miudinhos, que batiam ponto religiosamente nos dois horários. Pousavam na beirada do telhado da casa em frente ao nosso prédio. Ficavam um ao lado do outro. E não tinham a mínima pressa em deixar o local. Alternavam de lugares entre si. Faziam algazarra. Davam cambalhotas. Abriam e fechavam as asinhas. Simulavam voos de partida por pura molecagem, pois voltavam ao mesmo lugar. Cutucavam-se fazendo cócegas um no outro. Davam saltinhos de pura peraltice. Faziam travessuras na beirada do telhado da casa. Faziam de conta que iam se despencar lá de cima. Pura lorota. Cochichavam um no ouvido do outro. E, tenho quase certeza, riam desbragadamente. Não sei se das próprias presepadas ou da minha cara de bobo diante daquela situação inusitada. Pois se deu com o tempo que aqueles nossos encontros, antes esporádicos e descompromissados, se tornaram diários. Religiosamente diários. Antes da chegada dos danadinhos, lá estava eu. Inquieto e ansioso, inventava qualquer pretexto para me desobrigar de outros afazeres. Lá pelas tantas e sem que eu tivesse percebido, quando dei por mim os horários e os nomes dos três já estavam registrados em uma improvisada agenda que mantenho sobre a mesa de trabalho. Isso mesmo! Depois de algum tempo, eu achei que seria justo e louvável atribuir nome a cada um deles. Lembrei-me então dos sobrinhos do pato Donald e passei a chamá-los de Huguinho, Zezinho e Luisinho. E a minha impressão foi de que eles gostaram da ideia. Nesse dia, lembro-me bem, estava um final de tarde bonito, com o céu azul marejado de nuvens brancas. Antes de tomarem o rumo de casa, os três peraltinhas deram uma espalhafatosa revoada em frente à minha janela. Entendi como uma forma de gratidão por termos consagrado aquela amizade.

O tempo passou e o vírus nos impôs a necessidade de esticar a quarentena. Huguinho, Zezinho e Luisinho passaram a ser interlocutores da mais alta confiança naqueles tempos de isolamento, medo e tristeza. Travávamos longas e demoradas conversas. Confidenciava a eles sonhos e histórias de vida vividas antes da pandemia. E as histórias que eles me confidenciavam eram sempre embaladas pelo espírito de liberdade de seus voos. Livres para voar pelo mundo e livres das preocupações que me afligiam. Eles me passavam doses diárias de esperança, conforto e resignação, tudo de que eu precisava para vencer aqueles tempos de solidão. O certo é que eu acabei apresentando Huguinho, Zezinho e Luisinho à minha mulher e ao meu filho. Eles passaram então a ser tratados como gente da família. De longe, nos acompanhavam atentos sempre que nos reuníamos para o café da manhã. Pelos cochichos e pulinhos no telhado da casa em frente, sabiam, tenho certeza, que eram o assunto predileto naqueles nossos momentos. Cheguei a esticar a história para o meu neto, o Victor. Em uma de suas visitas após o período de quarentena, depois de me dar um abraço daqueles cuja intensidade só avós e netos conhecem, perguntou-me cheio de curiosidade: “Vovô, e aqueles passarinhos que são teus amigos?” Andei contando essa história para algumas pessoas amigas. Claro que não acreditaram. Em geral, deixavam escapar um risinho de descrédito no canto da boca e diziam que o isolamento por conta da pandemia tinha feito muita gente pirar. Convicto da minha verdade, eu não insistia na história. Ô gente incrédula nas coisas mais simples do mundo. Mal sabe que Huguinho, Zezinho e Luisinho sempre estiveram ali e eu sempre os via. Mas não os enxergava. Nem os entendia. (*) Odenildo Sena é linguista, com mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e tem interesses nas áreas do discurso e da produção escrita.


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