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Pantanal: relatos da tragédia

Carcaça de jacaré à beira da estrada é o retrato da destruição no Pantanal

PANTANAL: RELATOS DA

Com a ‘Expedição Pantanal’, a REVISTA CENARIUM traz um dramático relato sobre impactos das queimadas nas matas e nos animais

João Paulo Guimarães – Especial para a Revista Cenarium

PANTANAL, MT – O fim da humani- No meu retorno a esse ecótono, depa- fogo subterrâneo, vejo deitada, em uma dade começa no Pantanal. Ao entrar ro-me com a tristeza que lembra uma re- gaiola, uma lontra descansando. em Poconé (a 103 quilômetros de gião de ressaca. Sonolenta. Passando pela Automaticamente começo a falar baiCuiabá, no Mato Grosso) novamente, de- Rodovia Transpantaneira de carro, vejo os xo em respeito ao descanso desse animal pois de um mês afastado, eu comemoro a animais cabisbaixos e sem forças. que considero um dos mais lindos da falta de fumaça. Ela existe ainda, mas é leve A Transpantaneira com seus 150 qui- fauna brasileira. Braba, a lontra, bichie fraca, assim como o cheiro. Uma melho- lômetros respira com dificuldade. O fogo nho “pistola”, descansava com um semra desde a última vez que estive aqui. é voraz e contínuo. Debaixo de uma das blante merecedor de paz.

A expedição Pantanal é meu retorno pontes da estrada violentada, a carcaça ao Mato Grosso para documentar a ca- de um jacaré. Se morreu de sede ou de lamidade e os impactos das queimadas fome, não se sabe. Fede debaixo da ponno ecótono [região de transição entre te e nela o pedido de socorro. SOS. dois biomas], na fauna pantaneira, assim Um gavião à beira da estrada parece como a evolução do combate às chamas não ter vontade de voar com a chegada que pouco a pouco já estão sendo con- do nosso carro. É como se o animal tivestroladas, porém não extintas. se desistido. Um grupo de capivaras des-

Quero passar por meio de fotos e textos cansa no meio da terra seca e ao fundo o real contexto do que esse crime contra vemos fumaça. o planeta representa para os habitantes do Pantanal, não só como sua casa, mas tamMuita fumaça. Jacarés reunidos à beira de um rio quase seco não se movem, A destruição em bém como uma forma de vida e de renda. Sou fotógrafo em Belém do Pará e venem quando chego perto demais para fotografar. Os animais não são perigo. O números nho há alguns meses fazendo a cobertura calor de 44° sim. Não para nós que po- No total para 2020, o Pantanal já registra da pandemia para sites independentes. demos beber de nossas geladeiras. recorde de queimadas com 21.115 ocorVoltei porque achei que o trabalho ainda não tinha terminado. Ainda tem muita coisa a ser mostrada sobre essa tragédia. INÍCIO DA JORNADA ANIMAIS PEDEM SOCORRO Alguém pega um rádio de uma mochila e grita: “S.O.S ! Socorro!”. Lembro da primeira ponte da Transpantaneira, rências, maior número da série histórica. Até então, a máxima registrada foi em 2005, quando foram contabilizados 12.486 focos de fogo na região.

Dessa vez, chego a Poconé pela ma- no primeiro dia de meu retorno ao Pan- Pantanal teve este ano28% de seu territónhã e posso ver a miséria da cidade. Em- tanal com a sigla S.O.S escrita com carrio devastados pelas chamas, área correspoeirada. Esfomeada e sem vida a cidade que mora na entrada do Pantanal. Desesvão no chão de concreto. Ao entrar na sala improvisada que o pondente a quase o tamanho da Dinamarca. perançosa. Posto de Atendimento Emergencial de Apesar de ter a menor parte do Pantanal,

O Pantanal fica no fundo de dois bio- Animais Silvestres (Paeas) organizou de Mato Grosso é o Estado mais devastado, com mas. É alimentado por uma junção da forma inteligente e rápida no Posto de mais de 1,9 milhão de hectares. vida, natural do Brasil com a Amazônia Fiscalização e Educação Ambiental Guie os Andes. Tudo deságua no Pantanal. lherme de Arruda para tratar os animais Ele precisa dos outros. que conseguem resgatar das brasas e do Fonte: Inpe e Lasa/UFRJ

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