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Declarações de amor
MANAUS 351 anos
Declarações de amor A chef paulista Debora Shornik é uma amante da culinária manauara
Manauaras anônimos e conhecidos prestam homenagem a Manaus Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium
MANAUS- Não é de hoje que personalidades anônimas e ilustres expressam o amor a Manaus, seja em livros, poemas, nos muros da cidade ou em postagens nas redes sociais. Nada mais justo que, ao completar 351 anos, a cidade receba de presente as palavras de carinho de seu povo.
“São 13 casas unidas, são 13 casas nascidas no mesmo lance de rua, com as mesmas paredes-meias, os mesmos oitões de taipa, a mesma fachada nua e as mesmas janelas tristes de 13 casas na rua”, disse o poeta Luiz Bacellar, no poema ‘Balada das 13 casas’, publicado em 1963, em que retratou, saudoso, a perda de casas antigas em uma rua do bairro Aparecida, um dos mais antigos de Manaus.
Em sua homenagem, o antropólogo indígena João Paulo de Lima Barreto, 48, da etnia Tucano, do Alto Solimões, decidiu ousar e inaugurou, no dia do aniversário da cidade, 24 de outubro, o restaurante Biatu, que visa resgatar a ancestralidade do Centro Histórico da cidade.
Segundo Barreto, quando Manaus nasceu — na rua Bernardo Ramos —, a área era dominada por diversos povos indígenas e a culinária típica da época era a quinhapira, um prato com pimentas-verdes cozido com peixe biatu. “A ideia é resgatar a cultura existente em Manaus nesta área do Centro Histórico, onde tudo começou. As pessoas perderam o interesse pelo centro da cidade. Por isso, estou inaugurando o Biatu, como mais uma opção gastronômica da cidade que tanto amo e de tanta miscigenação”, diz o antropólogo.
A contadora Adriana Arcos recebeu de herança da família duas casas na região do Centro Histórico da cidade, próximo à praça Dom Pedro II, em frente à sede da primeira Prefeitura de Manaus. Segundo ela, morou no local até seus filhos nascerem, no entanto, por falta de segurança, mudou para outro bairro da cidade.
“Hoje a área está abandonada, sem sinalização e segurança. Cresci brincando nessa praça do Passo e vendo como a cidade foi crescendo. A peculiaridade do povo está no jeitinho manauara de ser. Acredito que somos o povo mais caloroso do Brasil”, diz Adriana, pedindo mais atenção do poder público para o Centro Histórico da capital do Amazonas.
Os garis Paulo Ribeiro e Jander Oliveira, que trabalham na área do Adrianópolis, Zona Centro-Sul de Manaus, definem o linguajar e a forma de dormir em redes do manauara a maneira de maior peculiaridade do povo daqui.
“Quem não gosta de dormir em rede, mana?”, diz Paulo, que trabalha limpando as ruas do bairro há 4 anos e meio. “Eu gosto mesmo é de ficar de ‘bubuia’, comer quando estou brocado, égua moça, a gente precisa trabalhar”, brinca Jander, com o jeito de falar do povo manauara.
Paulista de alma amazonense, a chef Debora Shornik, 43 anos, mudou para Manaus em 2015 para comandar a versão manauara do restaurante Caxiri, localizado ao lado do Teatro Amazonas. Desde então, Debora diz que se conecta com a cidade aprendendo com as cozinheiras ribeirinhas as receitas simples do povo manauara.
“O que mais me aproxima dessa cidade é a forma simples como o seu povo lida com a gastronomia. Aprendo a cada dia com eles. São receitas simples, porém, milenares que misturam temperos de várias etnias e que resguardam a culinária mais antiga e mais original do Brasil”, concluiu a chef paulista.
Com uma visão menos romântica, o poeta Aldísio Filgueiras, no texto “Manaus de meias soquetes”, ressalta que a cidade mudou muito em 351 anos e segue em transformação. “Manaus tem ao menos duas idades, digamos, notáveis: o período áureo da borracha e o capítulo sem definição da Zona Franca. O nosso distrito industrial tem uma presença tão discreta na cidade parece um seringal sem luz elétrica do Juruá ou do Purus. E Manaus, nessa similitude, surge na margem esquerda do rio Negro, como a Vila de Remate dos Males, soberba e pávula, que o rio Solimões engoliu inteirinha”, cita o poeta no texto.
Crítico, Aldísio diz ainda que jamais entendeu porque em todo aniversário de sua fundação, Manaus é referida como “a minha doce menina morena” ou a “virgem verde”. “Talvez, se deva a algum surto periódico de pedofilia. Mulheres adultas não têm nenhum encanto? “Uma doce menina” com mais de 300 anos, só mesmo uma balzaquiana de meias soquetes, cantando baladas pop”.
João Paulo de Lima Barreto, antropólogo indígena da etnia Tucano, inaugura o restaurante Biatu, para homenagear Manaus
Adriana Arcos, contadora.