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Direito à vida da mulher

As mulheres têm se mobilizado para garantir o direito a decidir sobre o aborto

Lei que permite aborto em caso de estupro e doenças no feto ganha as redes sociais e divide opiniões Mencius Melo – Da Revista Cenarium

Créditos: Fernando Frazão/Agência Brasil/Fotos Públicas

MANAUS – Em tempos de um Brasil polarizado, temas considerados tabus ganham as redes sociais e descortinam o que, de fato, pensam líderes políticos, profissionais da saúde e do direito além, claro, do “cidadão comum”. Entre esses temas está o aborto. No caso mais recente da menina de dez anos que engravidou depois de ser sistematicamente estuprada por um tio, o exercício do direito ao aborto para interromper uma gravidez fruto de um crime provocou a condenação de alas conservadoras da sociedade e provocou polêmica na internet e ganhou as ruas.

O vereador de Manaus Fred Mota (Republicanos/AM) é evangélico e se diz contra qualquer tipo de flexibilização do aborto. “Sou pró-vida e as situações para ocorrência do aborto já estão previstas no código penal”, declarou ambiguamente.

Para o parlamentar, a melhor maneira de se encarar o aborto é não engravidar. “A iniciativa do nosso País em fazer um esforço para prevenção de possível gravidez indesejada, que acaba precedendo um possível aborto, é válida”, observou Mota.

LUGAR DO OUTRO

Para a antropóloga Fabiane Vinente, a sociedade brasileira passa por um dilema profundo. “As pessoas que colocam o aborto como crime são as mesmas que vibram com vídeos de execução comandada por policiais à moradores na periferia. São pessoas que idolatram a morte. É pura hipocrisia”, criticou.

Para Fabiane, o aborto é uma prática muito presente na sociedade, mesmo que existam forças contrárias. Incomodada, ela se posicionou. “Diante de um estupro, é preciso se colocar no lugar de uma garota, de uma mulher vítima de violência tão grande”, apelou.

TEMA CARO

A psicóloga Neyla Siqueira explica que o aborto é um tema espinhoso e sempre será. “É uma discussão que vem de séculos e continuará a acontecer”, destacou. Para ela, falar de aborto é tocar em desdobramentos complexos que permeiam diversas camadas da sociedade.

“Ao discutir aborto, entramos na questão da perda da vida, da responsabilidade ou da irresponsabilidade da gravidez, tem a questão da continuação da espécie, tem o patriarcado que é muito forte na sociedade humana, e ainda existe o domínio e o controle dos corpos por parte da Igreja”, elencou.

De acordo com a psicóloga, o aberto é assunto delicado por natureza. “Mexe com a vida de crianças, mexe com o poder feminino em detrimento do masculino e, finalmente, mexe com crenças”, analisou.

A VIOLÊNCIA DO ESTUPRO

Neyla Siqueira toca diretamente na ferida quando o assunto é estupro. “Quando temos uma gravidez provocada por estupro, como foi o caso conturbado da menina de dez anos, vemos logo o posicionamento a ‘favor da vida’, mas, a favor da vida de quem?”, questiona.

A profissional continua. “Entra-se no debate do direito à vida que, teoricamente, vai se perder, mas não se pensa no direito à vida da mulher estuprada e aí vem a eterna discussão filosófica do que é a vida e quando ela começa…”, refutou. “Diante do estupro, se eu tiver de escolher, escolho pela vida que já existe, que é a vida da vítima”, apontou.

Questionada sobre o fato de a religião contar como elemento decisivo para que uma mulher desista de praticar um aborto diante do estupro ou de uma doença grave no feto, Neyla diz que é decisão da mulher optar pela religiosidade, por sua crença em dogmas e preceitos e não abortar. “Uma coisa é ela decidir, outra coisa é terceiros quererem interferir. Aí não dá”, finalizou.

Já Frei Paulo, da Arquidiocese de Manaus, explica que em caso de gravidez provocada por estupro, deve prevalecer o direito de reivindicar o aborto e o Estado, segundo a lei vigente, garantir todo procedimento até o acompanhamento à vítima. “Até porque a mulher vítima de estupro ou criança e adolescente com sua família tem todo um acompanhamento antes de realizar o procedimento do aborto”.

Ele é enfático. “É o livre arbítrio da vítima. Ninguém deve interferir, muito menos a sociedade, pois é decisão única da vítima”.

“Diante de um estupro, é preciso se colocar no lugar de uma garota, de uma mulher vítima de violência tão grande”

Fabiane Vinente, antropóloga

“Sou pró-vida e as situações para ocorrência do aborto já estão previstas no código penal”

Fred Mota, vereador de Manaus

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