UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL – 6ª EDIÇÃO
CLÁUDIA FERNANDA BERGAMO DRECHSLER
ESTIMULAÇÃO PRECOCE PARA BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS: E ENTÃO, É PRECISO ESTIMULAR?
SÃO LEOPOLDO 2013
Cláudia Fernanda Bergamo Drechsler
ESTIMULAÇÃO PRECOCE PARA BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS: E ENTÃO, É PRECISO ESTIMULAR?
Trabalho
de
conclusão
de
curso
de
especialização apresentado como requisito parcial
para
a
obtenção
do
título
de
Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS.
Orientador Ms. Paulo Sérgio Fochi
São Leopoldo 2013
Cláudia Fernanda Bergamo Drechsler
ESTIMULAÇÃO PRECOCE PARA BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS: E ENTÃO, É PRECISO ESTIMULAR?
Trabalho
de
conclusão
de
curso
de
especialização apresentado como requisito parcial
para
a
obtenção
do
título
de
Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS.
Aprovado em 28 de março de 2013.
BANCA EXAMINADORA
Profº Ms. Paulo Sérgio Fochi – Orientador
Profª Dra. Marita Martins Redin – 2ª Avaliadora
À minha família: Seu amor e seu apoio me tornaram quem sou hoje. Sem vocês não conseguiria ter chegado até aqui. Obrigada!
AGRADECIMENTOS
Ao relembrar todos aqueles que contribuíram para esse trabalho, e, além disso, deram significado a tudo o que conquistei até hoje, me senti rodeada de amigos que, de alguma maneira, deixaram a sua marca em mim e na minha pesquisa. Sempre precisamos de ajuda, e na vida, nunca conquistamos nada sozinhos. Onde estaria a graça da vida se não pudéssemos compartilhar nossa felicidade e nossas conquistas, assim como nossas angústias e medos com alguém, com um amigo? Por isso, quero agradecer: Aos meus pequenos, mas ao mesmo tempo, grandes alunos. Que me fazem acreditar cada dia mais em uma educação melhor e muito mais fascinante. Ao Paulo Fochi, o “profo” que me maravilhava com suas aulas, que mostrava toda a sua paixão pelos pequenos e pela educação infantil, acreditando e me fazendo acreditar que era possível sempre fazer o melhor. Obrigada pelas orientações, que “clareavam” a mente e acalmavam o coração. À Naiara Carolina Pandolfo, minha amiga e colega dos idos tempos da graduação na Unisinos. Sempre presente, mesmo tão longe. Tantas discussões e reflexões acerca da Educação Infantil, quantos sonhos e desejos de mudança. Tua dedicação me incentiva. Obrigada. Aos professores do Curso de Especialização em Educação Infantil – 6ª edição, obrigada pela dedicação e pelo conhecimento oferecido. Momentos e vivências nas suas aulas, foram muito importantes para a minha vida profissional. Às colegas do Curso de Especialização em Educação Infantil – 6ª edição, pelas trocas diárias, que fizeram-me crescer enquanto pessoa e enquanto profissional.
À Denise, à Bruna e à Beti, pelas inúmeras ocasiões em que trocamos “figurinhas” e ideias, mesmo que distantes do assunto da monografia. Obrigada por me escutarem. Aos meus amigos, pelas vezes que me ouviram falar na monografia e entenderam as minhas ausências. À minha família, meus pais (Renato e Silvana) e meu irmão (William), além dos meus avós (Lori e Silívio), que fazem parte de mim, me “aguentam” e me oportunizam momentos cheios de amor e felicidade, mesmo na conturbada vida diária. O incentivo de vocês e saber que as minhas conquistas também são suas é o que não me deixa desistir. Obrigada!
“A criança que consegue algo por sua própria iniciativa e por seus próprios meios adquire uma classe de conhecimentos superior àquela que recebe a solução pronta” (PIKLER apud FALK, 2011, p.27).
RESUMO
Esta pesquisa é uma análise bibliográfica que discute, a partir de duas perspectivas diferentes, o tema da estimulação precoce com bebês e crianças pequenas. O trabalho é dividido em quatro capítulos. A partir do questionamento que me coloquei, sobre a necessidade de estimular bebês, busquei compreender a respeito do tema contrastando a literatura que defende esse tipo de prática e o método Pikler-Loczy, contrário a ideia da necessidade de estimulação. Idealizada pela pediatra húngara Emmi Pikler, o método Pikler-Loczy defende a troca de olhares entre o adulto e a criança, a oportunidade do movimento livre através de espaços que proporcionam a autonomia da criança, mudando o foco da intervenção do adulto. Conclui-se com essa pesquisa que não há necessidade em estimular à criança quando é oferecida a ela a oportunidade de movimentar-se livremente e que sejam ofertados espaços adequados para isso, além da observação atenta do adulto, deixando de lado a intervenção direta na atividade da criança.
Palavras-chave: Estimulação. Pikler. Autonomia. Lóczy. Movimento.
ABSTRACT
This research is a literature review that discusses, from two different perspectives, the issue of early intervention with infants and toddlers. The work is divided into four chapters. From the questions I asked myself about the need to stimulate babies, I’ve searched for comprehension about the theme contrasting the literature promoting this type of practice and the method Pikler-Loczy, contrary to the idea of the need for stimulation. Conceived by the Hungarian pediatrician Emmi Pikler, the method Pikler-Loczy defends the exchange of glances between adult and child, the opportunity to move freely through spaces that provide the child’s autonomy, shifting the focus of adult intervention. We conclude from this survey that there’s no need to stimulate the child when she is offered the opportunity to move freely and she has a proper space for this, apart from the close observation of the adult, leaving aside the direct intervention in the child’s activity.
Keywords: Stimulation. Pikler. Autonomy. Lóczy. Movement.
SUMÁRIO
1 MEUS MOVIMENTOS.............................................................................................10 2 A ESTIMULAÇÃO PRECOCE................................................................................14 3 A EXPERIÊNCIA DE LÓCZY.................................................................................20 4 E ENTÃO, É PRECISO ESTIMULAR?...................................................................29 5 REFERÊNCIAS.......................................................................................................33
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1 MEUS MOVIMENTOS
Quando somos crianças ou adolescentes, inúmeras são as vezes em que nos questionam: “o que você vai ser quando crescer?”, ou ainda, “qual é o seu sonho?”. Comigo não foi diferente. Sou muito franca em contar que jamais falava em ser professora e muito menos que esse era o meu sonho. Sonhava em ser aeromoça ou jornalista, ou ainda, quem sabe, jogadora de voleibol, mas em hipótese alguma o “ser professora” me atraía. Eis que em torno de todas essas aspirações surge a minha mãe. Sim, aquela que me dá suporte, aquela que me conhece muito bem, aquela que comanda a minha casa. E aquela que fez a minha matrícula no Curso Normal, sem questionarme ou considerar os meus “sonhos”. Aquela para a qual eu dizia: “Deus me livre ser professora” ou ainda “Eu não vou ser professora, mesmo tu me obrigando!”. No fim do ano 2000 eu estava desorientada. Ia ter que me separar dos meus amigos e colegas de turma, aqueles que me conheciam, aqueles que estudavam comigo desde a pré-escola. Tudo era motivo de briga em casa, pois, na minha cabeça, jamais seria professora e não queria estudar para isso. Quando iniciou o ano letivo, uma das professoras questionou todos os alunos presentes sobre o porquê de estarmos ali, sendo que ia perguntando, um por um, a motivação de ter escolhido o curso. E eu, muito contrariada com toda aquela história, disse: “minha mãe mandou!”. Sempre fui boa aluna, tinha boas notas e era aplicada. Eu era líder de turma, organizadora de todo e qualquer evento promovido pela turma, participava de todas as atividades promovidas pela escola, principalmente as esportivas. E não foi diferente durante o Curso Normal. Porém, como estava contrariada em estar ali, tudo era questionado triplamente, meus trabalhos eram sempre bem feitos, não para querer aprender e sim para que chamassem a atenção. Só que não percebi que ao longo desses quatro anos uma paixão foi nascendo. Sendo que no último ano do curso, no início do ano letivo, novamente a mesma professora do primeiro ano, que perguntava sempre qual era a motivação
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para estarmos ali, surpreendeu-se com a minha resposta: “Cláudia, ainda estás aqui por que a tua mãe mandou?” e eu “Acho que não! Acho que agora vou ser professora!”, sendo que até os meus colegas, acostumados com a minha resposta negativa, ficaram surpresos. Então, enquanto ainda realizava o estágio do Curso Normal, prestei vestibular para o curso de Educação Física na Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS, e, ainda em 2006, comecei a graduação. Escolhi essa área por ser atleta do voleibol e amar a prática esportiva. Além disso, optei pela licenciatura para poder atuar nas escolas, pois sempre via grande potencial humano nas aulas de Educação Física e que eram simplesmente ignorados e trocados pelo “largobol”. Quando terminei o Curso Normal, comecei a trabalhar em um magazine da minha cidade, sendo que continuei frequentando a universidade, mas apenas três vezes por semana. Ou seja, não trabalhava na área, mas sempre que surgiam concursos para professores, eu fazia, na esperança de um dia ser chamada. Até que em fevereiro de 2009, depois de três anos de espera, sou nomeada Educadora Infantil no município de Gramado. Quando fui chamada, ofereceram-me a oportunidade de assumir turmas de 5ª a 8ª séries, pois havia falta de professores na área de Educação Física. Estava realizada com a minha docência. Pude colocar em prática o que estava aprendendo no curso de Educação Física, sendo que adorava trabalhar com aquela faixa etária, onde eu tinha um ótimo relacionamento com os meus alunos. Talvez por ser jovem ou ainda, por apresentar a eles, uma outra face da Educação Física. No ano seguinte, também assumi turmas de pré-escola ao 3º ano. Então além de trabalhar com os adolescentes, me encantei pelos pequenos e principalmente pelas turmas de pré-escola. Porém nunca me imaginava trabalhando com os menores.
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Eis que então eu precisei mudar de escola, por estar em uma função a qual não era minha de direito. Fui deslocada para atender uma pré-escola, ou seja, enfim trabalhar com a Educação Infantil. Mas estava contrariada com aquela situação, afinal eu trabalhava com a Educação Física, montei times escolares, treinava-os visando conquistas em torneios e campeonatos estudantis, me dedicava fielmente aos adolescentes com os quais eu trabalhava. Como largar tudo isso e começar com os pequenos? “Aguentar” aqueles que choram? Que querem abraços e beijos? Que quando trabalham com tinta sujam a tudo e todos? Que não sabem expressar seus sentimentos e desejos de “maneira clara”? E então em 2011 fui nomeada professora da pré-escola da Escola Presidente Vargas em Gramado. Uma escola pequena, um pouco distante do centro da cidade. Uma turma de 23 alunos. No início, pensei que iria desistir. Nunca tinha ouvido na vida tantas crianças me chamando ao mesmo tempo. Parecia ter “caído de paraquedas” em um lugar que não me pertencia. Saía extremamente exausta daquelas tardes. Porém percebi que quem deixava as tardes exaustivas era eu mesma. Comecei a mudar de atitude e percebi o quanto é gratificante e estimulador o trabalho com a Educação Infantil, além é claro, de definitivamente perceber, a importância e o significado de tudo o que é trabalhado e estudado nessa fase da vida das crianças, percebendo que elas levarão para a vida toda o que lhe for oferecido e significativo para ela. Ao longo daquele ano, mantive contato com uma colega dos tempos de graduação, apaixonada pelos pequenos e que me convidou e incentivou-me a iniciar a Especialização em Educação Infantil. Então, no decorrer da especialização, notei que havia sido “picada”. “Picada” pela paixão que é trabalhar com os pequenos, o quanto eles nos instigam a procurar mais e mais e o quanto ainda podemos ter esperança em um futuro melhor quando oportunizamos vivências e experiências e um olhar mais significativo sobre a prática docente na Educação Infantil.
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Como uma apaixonada pelo voleibol, sempre buscava conhecimentos da área do treinamento desportivo, visando melhora na performance dos meus atletas mirins. No caso da Educação Infantil, procurava inúmeras atividades que estimulassem o movimento e que tornassem as crianças com as quais trabalhei, e trabalho, extremamente ágeis, bem desenvolvidas motoramente, que pudessem expressar-se corporalmente, que as atividades estimulassem a alfabetização (nas séries seguintes) para que, no meu entender, pudessem seguir em frente, pudessem ser autônomas. Porém fui colocada frente a frente com algumas realidades e leituras que “mexeram” com o que eu tinha de mais concreto, com o que eu estudei durante anos e que pensava que nunca poderia ser diferente: a experiência de Lóczy. A partir de então surgiram muitas perguntas, que confrontavam com o que eu pensava ser o certo: seria necessário estimular as crianças? É preciso intervir para que elas conheçam suas capacidades motoras? Por que precisamos estimular e antecipar fases das crianças? Essa criança, a qual estimulamos e antecipamos, pode ser considerada autônoma? Optei, então por investigar a bibliografia que aborda a estimulação precoce e o método Pikler (extremamente escassa e desconhecida no Brasil), fazendo uma triangulação com os meus conhecimentos a partir do que aprendi na Educação Física, além de tentar ampliar o olhar sobre o que é estimulação precoce e sua real necessidade.
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2 A ESTIMULAÇÃO PRECOCE
Este capítulo abordará o tema da estimulação precoce e discorrerá sobre a mesma, apontando a opinião de alguns autores que acreditam nos benefícios que a estimulação traz as crianças pequenas. Caracterizará a estimulação precoce, apresentando o seu histórico e também as características principais do desenvolvimento motor da criança em seus primeiros meses de vida a partir do ponto de vista desta corrente teórica. A estimulação precoce surgiu, primeiramente, como a recuperação de “algo”, e mais tarde, como prevenção de distúrbios
ou intervenção preventiva.
Originalmente as ações da estimulação precoce eram vinculadas e propostas, basicamente, às crianças portadoras de deficiência, tanto na área cognitiva como na visual, auditiva ou motora, visando a diminuição ou atenuando efeitos ou sintomas das deficiências e dos distúrbios. Por volta dos anos 60 a estimulação precoce apresentava-se com um caráter reabilitador, presumindo a recuperação de algo, focando principalmente na criança. A partir dos anos 80, essa concepção começou a modificar-se, mudando o foco para a detecção, prevenção, equipes e ambiente, passando a considerar a concepção de saúde proposta pela Organização Mundial de Saúde. Nos anos 90, surgiram novos modelos teóricos que alteraram concepções anteriores sobre a estimulação precoce, promovendo então, a intervenção focada não só na criança, mas que fosse ampliada à família e à escola. Já a partir dos primeiros anos do século XXI apresenta-se como marco da estimulação precoce, o seu caráter preventivo. De acordo com o referencial teórico utilizado, que defende a importância da estimulação precoce, a finalidade dessa estimulação seria a facilitação para as crianças com alguma deficiência ou com risco de vir a desenvolvê-las, e com suas famílias, um conjunto de ações otimizadoras e compensadoras que favoreçam a maturação de todas as dimensões do desenvolvimento. Segundo Mulas e Millá (2002), a intervenção na população infantil suscetível a sofrer alguma limitação em
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seu processo de desenvolvimento será o melhor instrumento para superar as desigualdades individuais que se derivam das suas incapacidades. Segundo esta abordagem, a infância é um período da existência humana que é caracterizado pelo crescimento, pela maturação e pelo desenvolvimento. Os primeiros anos de vida são uma etapa importante, pois é nesse período que acontecem, além do desenvolvimento específico da maturidade neurobiológica, o desenvolvimento de habilidades motoras, da linguagem, das percepções cognitivas e sociais que permitem a interação com o ambiente. Cada criança, então, apresenta um padrão característico de desenvolvimento, pela influência sofrida em seu meio. Durante os primeiros anos de vida, os progressos em relação ao desenvolvimento costumam obedecer a uma sequência ordenada, mas existe uma considerável variabilidade individual, de acordo com cada criança (BURNS; MACDONALD, 1999). Podemos considerar que o desenvolvimento motor da criança é um processo de mudança no comportamento motor, o qual está relacionado com a idade, tanto na postura quanto no seu movimento. Sendo assim, é dependente da biologia, do comportamento e do ambiente e não apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC). Segundo Herren (1986, p. 28), o desenvolvimento motor não é um comportamento; é um processo reconstruído a partir da observação de certos referenciais. As atividades do bebê e da criança pequena são, indissoluvelmente, reflexos de uma maturação neuro-psico-biológica. O mesmo autor, que defende a importância da estimulação precoce (HERREN, 1986, p. 18), afirma que a infância é caracterizada por um período de intensas e significativas mudanças. Ele salienta também que o bebê depende de sua vontade própria para poder satisfazer-se afetiva e cognitivamente, mas que a estimulação psicomotora precoce poderá ajudar o adulto (pais, educadores...) a descobrir o registro do diálogo e a inserir nesse registro todo um jogo de expressões mímicas e vocais.
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Na literatura que aborda sobre o tema da estimulação, compreende-se que do primeiro ao terceiro mês, o bebê, em estado de vigília1, apresenta atitudes de flexão dos quatro membros. Do quarto mês ao sexto mês existe um reforço do tônus ativo e uma melhora da estática da cabeça que se torna bastante firme. Surgem também as primeiras reações de equilíbrio, principalmente quando as reações de endireitamento2 do corpo estão mais ou menos completamente estabelecidas. Herren (1986) afirma que parte dessas ideias o interesse em propor à criança, atividades que estejam sempre levemente além de suas aquisições do momento. Entre o sétimo e o nono mês as reações de endireitamento do corpo ficam mais afinadas. A criança mantêm-se mais tempo na posição vertical, sustentando o peso de seu corpo, porém ainda não consegue mobilizar seus pés. Até o nono mês, a visão de um pequeno objeto fica aguçada e torna-se muito precisa, aliando-se a preensão entre o polegar e o indicador. A partir do décimo mês até o décimo quinto mês, uma nova etapa rumo à autonomia é caracterizada. A criança começa a pôr-se de pé agarrada à algum suporte. O vocabulário começa a enriquecer-se com três a cinco palavras significativas. Herren (1986) salienta que desde os primeiros meses, o bebê está longe de ser apenas um sistema digestivo, afirmando que ele é psicologicamente ativo, por isso a importância da estimulação precoce. Pois o bebê está atento a tudo o que acontece ao seu entorno, desde a relação afetiva que mantém com a mãe até ao meio em que está inserido. Em seu livro Estimulação Psicomotora Precoce, Herren (1986, p. 10) escreve que, 3
Em um meio físico e social apedagógico , embora afetivamente caloroso, acarreta, assim como os déficits sensoriais, atrasos de desenvolvimento, a atividade própria da criança não sendo estimulada por objetos capazes de incitá-la e de mantê-la.
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Estado de vigília é um estado ordinário de consciência, complementar ao estado de sono, que ocorre no ser humano e em alguns mamíferos, em que há a máxima ou a plena manifestação da atividade perceptivo-sensorial e motora voluntária. 2 Endireitamento do corpo: São reações estático-cinéticas que estão presentes desde o nascimento e se desenvolvem, obedecendo a uma ordem cronológica. 3 Apedagógico: ao pesquisar a palavra, não se encontra a definição literal da mesma, porém ao relacioná-la com o texto do autor citado, penso que ele pretendia fazer uma relação direta com o meio sem incentivos em que a criança possa estar inserida, que não encontra-se com o que é esperado de um lugar que seja propício para o desenvolvimento integral da criança.
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A partir do estudo do desenvolvimento motor dos bebês, surgiu então a estimulação precoce, que visa a preparação da criança, do bebê a desenvolver os sentidos do próprio corpo, para que possa dominar suas posições, tonificando dessa maneira, a sua musculatura, desabrochando cada etapa do seu desenvolvimento, podendo, inclusive, antecipar etapas. Segundo o Grupo de Atención Temprana (2000, apud SOEJIMA, 2008, p. 28):
A estimulação precoce é o conjunto de intervenções dirigidas à população infantil, que tem por objetivo responder às necessidades transitórias ou permanentes que apresentam as crianças com defasagem em seu desenvolvimento ou que têm o risco de apresentá-las.
Outra ideia que permeia a estimulação precoce é a normalização do tônus e permitir que através da plasticidade, estas sensações normais sejam absorvidas e que sejam mantidas pelo maior tempo possível, para que as sensações “anormais” sejam colocadas em segundo plano, fazendo com que o cérebro só integre as sensações normais e depois as use para sempre (TELG, 1991 apud OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2006, p. 8). Segundo Mulas e Millá (2002), a estimulação precoce visa, destacadamente, reduzir os efeitos das incapacidades e dos fatores de risco, além de, na medida do possível, otimizar o desenvolvimento da criança sobretudo atendendo as necessidades e demandas da família que vive com a criança. Aqui vale salientar que o material encontrado sobre a estimulação precoce, reverte-se a manuais ou programas de como estimular o bebê, ensinando posições para segurá-lo, como fazê-lo caminhar, entre outras tantas intervenções do adulto que devem ser aplicadas ao bebê.
Normalmente referindo-se às crianças com
atraso no desenvolvimento motor ou cognitivo. Em seu programa de estimulação precoce, Herren (1986) também retrata que os exercícios que fazem parte do programa, estão centrados nas reações de erguerse, de equilíbrio e de proteção, além de técnicas que exaltam a mobilização passiva em busca do relaxamento do lactente. O autor também utiliza-se de termos como
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adestramento ou ainda, antecipação de etapas, visando o aumento antecipado do repertório motor do bebê. A literatura especializada no assunto (HERREN, 1986) afirma que a partir dos quatro meses pode-se propor a estimulação precoce para a criança, pois os reflexos estão mais aguçados e os esquemas menos automáticos e mais flexíveis. Também destaca aspectos para não haver contra-indicação em relação à estimulação precoce, sendo necessário a concordância de um médico competente, para que não ocorra nada além do que é necessário. Herren (1986, p. 21) afirma que,
Na prática educativa precoce, é necessário pensar e interessar-se por fatores que, concernem sobretudo, às necessidades afetivas da criança e por fatores que influenciam as atividades sensório-motoras e cognitivas.
Le Boulch (1982), em seu livro “O desenvolvimento psicomotor”, enfatiza que para a criança desenvolver-se satisfatoriamente, é necessário ir muito além da memória intelectual, pois os movimentos espontâneos não são pensados, mas dependem das experiências vividas anteriormente, sendo assim caracterizada como memória corporal. Desta forma, o autor caracteriza e defende a experiência da educação psicomotora, como fundamental para o desenvolvimento motor satisfatório do bebê, podendo-se inclusive ir além e antecipar etapas do desenvolvimento da criança se ela assim necessitar ou demonstrar interesse em seguir adiante no processo de estimulação. Outro ponto que podemos salientar, é a questão de que a maioria dos autores, salienta a importância da ligação materna, através da troca de olhares e toques, dos estímulos do meio onde vive, sabendo que a presença do adulto (mãe ou a cuidadora), na aplicação dos planos de psicomotricidade e de estimulação precoce, seriam fundamentais para o êxito no desenvolvimento da criança. Ao retomar as bibliografias aqui apresentadas, podemos concluir que a estimulação precoce pretende proporcionar para a criança a melhora e a ampliação do seu desenvolvimento motor e cognitivo, mas de forma que o adulto assuma todas
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as atitudes que fariam parte do repertório motor da criança por livre e espontânea vontade,
não
permitindo
que
a
criança
possa
movimentar-se
livre
e
independentemente. A estimulação precoce não permite que a criança construa um repertório motor de acordo com as suas possibilidades e crie autonomia de acordo com a sua própria maturação. Escrevem sobre a capacidade da criança, porém não deixam que a própria criança, um ser que não é passivo e nem incapaz, possa construir suas próprias possibilidades, muitas vezes antecipando etapas no desenvolvimento motor dela e que não respeita o seu próprio ritmo de maturação. Também podemos considerar que a maioria das referências aqui citadas analisa o bebê como um ser passivo, que só recebe do adulto o movimento que ele, o adulto, quer “desenvolver” na criança. Desconsideram o sujeito que pensa e que tem vontades próprias. A estimulação precoce não confia na capacidade independente de aprendizagem do bebê, não percebendo que ele pode tomar consciência sobre o seu corpo, onde os movimentos não são meros reflexos. Cita-se muito a antecipação de etapas do desenvolvimento da criança, onde não se permite, então, a tomada de consciência corporal pelo bebê. É importante lembrar que a estimulação precoce surge para trabalhar com as crianças que apresentam déficit ao longo do seu desenvolvimento dito integral, e que em meio a isso, passa a ser utilizada como uma espécie de metodologia de trabalho com todas as crianças. No entanto, acaba revelando a natureza e a concepção deste referencial, visto que, o fato de estender a estimulação a todas as crianças, desconsiderando diversos fatores da individualização, parece considerar que todas as crianças estão sempre em déficit. Apesar de muitas vezes o referencial teórico aqui apresentado afirmar que, o bebê necessita de sua própria vontade para realizar os exercícios propostos, negase à ele a questão social e cultural, alegando que estimulando somente a parte neuro-psico-bio seria o suficiente para o desenvolvimento integral da criança. Encontram-se também, termos como domesticação, trazendo à tona a preocupação apenas com movimentos mecânicos e automatizados sem considerar o sujeito bebê.
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3 A EXPERIÊNCIA DE LÓCZY
Este capítulo abordará a experiência de Lóczy, que traz a educação das crianças pequenas, promovendo a autonomia da criança, tratando-o como sujeito e não como um ser passivo da ação do adulto. Abordará a história de Emmi Pikler, a idealizadora deste modelo, além da caracterização do modelo Pikler-Lóczy, ampliando a concepção sobre a educação da criança pequena. Emmi Pikler nasceu em Viena, na Áustria em 1902. Quando criança morou em Budapeste, sendo que voltou para Viena para estudar medicina. Ela obteve a licenciatura em pediatria no Hospital Universitário, com o professor Pirquet. A pediatra assumiu, após a segunda guerra mundial, a coordenação de uma instituição chamada Lóczy, mesmo nome da rua em Budapeste onde se localiza, que funciona desde 1946, como uma das instituições de acolhida de crianças órfãs de Budapeste (FALK, 2011, p.15). Chocou-se com a falta de infra-estrutura e com a precariedade do lugar. A partir de 1986, o instituto passou a carregar o nome de sua fundadora, chamando-se então, Instituto Emmi Pikler. Durante muitos anos, Pikler e uma de suas principais colaboradoras, Drª Judit Falk (dentre outras), constroem outra referência de atenção à criança. Elas desenvolveram um modelo de atenção que buscava oferecer às crianças que ali estavam uma experiência de vida que preservava o seu desenvolvimento e evitava as carências que podiam criar-se por causa da ausência dos pais. A experiência de Pikler demonstra um profundo respeito pela criança pequena. O modelo Lóczy consiste em construir uma relação de profundo interesse por parte do adulto (cuidador) pela criança. Desta maneira, se cria um processo afetivo e mental sadios, em que a criança estabelece laços profundos, duradouros e significativos, e mais tarde seja capaz de ter uma vida familiar normal:
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Para los responsables del centro, la formación del personal es um tema clave, cuidadosamente preparado y llevado a la práctica. La función de maternidad que realizan las educadoras en un contexto diferente al de la família ha de garantizar una relación personal-afectiva com los pequeños capaz de potenciar el necesario desarrollo armónico y equilibrado de su personalidad (TARDOS, 1992, p.1).
Enquanto ainda estudava medicina, Pikler observava seus mestres, o professor Pirquet e o professor Salzer, impressionada com a maneira como eles viam o sistema de vida da criança. Uma das regras rígidas aprendidas por Emmi Pikler e por outros pediatras alunos de Pirquet e Salzer, “era a que proibia terminantemente dar a um bebê doente uma colherada a mais do que ele aceitasse voluntariamente” (FALK, 2011, p.16). Outra regra a ser respeitada era a que “não se obrigava as crianças doentes – segundo a sua doença e seu estado – a passar dias na cama, mas preparavam-se espaços de jogos para todos” (FALK, 2011, p.17). Um dos mestres de Pikler, o professor Salzer, cirurgião, tinha uma espécie de primeiro mandamento em sua clínica, que dizia que:
[...]a um bebê ou uma criança pequena se havia de examinar ou aplicar mesmo o tratamento mais desagradável, sem fazê-la chorar, tocando-a com gestos delicados, com compaixão, considerando, que nas mãos se tinha uma criança com vida, sensível e receptiva (FALK, 2011, p.17).
Outra reflexão de Pikler sobre o desenvolvimento da criança, era a ideia de que aquela criança que tinha liberdade para brincar, correr pelas ruas, jogar, subir em árvores entre outras atividades, sofriam menos fraturas e menos traumas do que crianças superprotegidas. Reflexões induzidas pelo número de atendimentos realizados no hospital em que trabalhava junto com seus mestres. Ela estava convencida que aquela criança que movimenta-se livremente é mais cuidadosa e machuca-se menos:
Emmi Pikler estava convencida de que a criança que pode mover-se com liberdade e sem restrições é mais prudente, já que aprendeu a melhor maneira de cair; enquanto que a criança superprotegida e que se move com
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limitações tem mais riscos de acidentes porque lhe faltam experiências e desconhece suas próprias capacidades e seus limites (FALK, 2011, p.18).
Emmi Pikler não acreditava na intervenção direta do adulto para que o bebê pudesse desenvolver-se. Ela não via a necessidade de instruir ou exercitá-lo, no sentido de estimulá-lo diretamente, pois Pikler não acreditava que o ser passivo pudesse se tornar uma pessoa ativa pelo impulso do adulto. Segundo Falk (2011, p. 19), Pikler não acreditava que aquele modelo de intervenção pudesse acelerar o desenvolvimento do bebê e pensava que, “caso acelerasse, não representaria nenhuma vantagem para sua vida nem para seu desenvolvimento”. Para comprovar estas premissas, com o nascimento de seu filho, nos anos 30, Pikler pôde, juntamente com seu marido, comprovar o que vinha estudando e observando até então. Ela e seu marido decidiram não acelerar o desenvolvimento do seu bebê, assegurando todas as suas iniciativas autônomas e respeitando o seu ritmo. No decorrer do tempo, percebendo que o seu filho desenvolvia-se e respondia em todos os aspectos, Emmi Pikler passou a aplicar o método dentro da área da pediatria familiar:
Além disso, aprenderam, sem intervir diretamente nas brincadeiras nem nos movimentos das crianças, como podiam criar e transformar as condições materiais e subjetivas através de uma atividade cada vez mais variada iniciada pela própria criança (FALK, 2011, p.21).
Pikler percebia as necessidades das crianças, sendo que a partir delas é que se organizava um sistema tranquilo e equilibrado de vida, que primeiramente respeitava o seu ritmo de dormir e despertar, estabelecendo uma dieta alimentar equilibrada e adequada, porém simples, definida, principalmente, pela vontade da criança. Quando assumiu o Instituto Lóczy, em 1946, Pikler entusiasmou-se com a possibilidade de comprovar o seu método, por mais difícil que fosse se comparado
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ao ambiente familiar. Deparou-se com pessoas que, consideradas profissionais, tratavam as crianças como seres que não pensavam ou não tinham vontade própria. Além de ter encontrado instalações precárias, não havia materiais, nem comida para satisfazer todas as necessidades das crianças que lá se encontravam. Depois de algum tempo, percebendo que a equipe que lá trabalhava não teria condições de seguir o seu modelo, Pikler, “juntamente com as suas colaboradoras, despediu todos os funcionários” (FALK, 2011, p.24). Contratou então uma nova equipe, que não tinha nenhuma experiência, com pouco estudo, mas interessadas na educação das crianças. Sendo que ela e Maria Renitez, uma de suas colaboradoras, ensinaram não somente as questões da atenção à criança, mas também como perceber como as crianças ficam confortáveis. Ensinaram a essas educadoras, gestos delicados, mostrando a elas que as crianças, mesmo as mais pequenas, são sensíveis a tudo o que acontece ao seu entorno. Mostraram também o poder da observação das crianças. O quanto é valoroso observar o desenvolvimento de cada uma, tentando compreender o que ela quer dizer, através da expressão do seu corpo. Que deveriam ter calma e paciência para atendê-las, sem pressa e que deveriam estar muito atentas as reações das crianças, principalmente ao conversar com elas, ou tocá-las, sempre considerando os gestos de colaboração e os gestos de protesto, nunca impondo nenhuma situação. Segundo Falk (2011, p.21),
As crianças que se ocupavam com suas próprias tentativas e suas atividades autônomas não exigiam a presença direta e permanente, a participação ou a ajuda constante dos pais, já que, sem eles, não se sentiam impotentes.
Dessa forma podiam ter autonomia de tentar, errar, tentar novamente e assim por diante, sendo que dessa maneira ampliavam o seu repertório motor, sem a intervenção direta do adulto. A criança, através da experiência de Lóczy, tem inúmeras possibilidades de mover-se, de deslocar-se e de brincar, sem precisar que
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o adulto segure-o, ou esteja movimentando-o e ajudando-o, a todo o momento, a realizar seus movimentos, ao contrário da estimulação precoce. Outra estudiosa da experiência de Lóczy, Anna Tardos (que é filha de Emmi Pikler e atualmente trabalha em Lóczy), salienta que existem métodos de cuidar de uma criança, que seria denominado como “um encontro real, onde a criança não é apenas o objeto de tudo aquilo que acontece com ela” (TARDOS, 2011, p.1). Momentos em que ao chamar a atenção da criança, procurar pelo seu olhar, estabelecendo um contato com ela, ou ainda, ajudar com palavras para prepará-lo para o que vai acontecer a seguir, são alguns dos exemplos que a experiência de Lóczy, assegura para as suas crianças. Dar significado a tudo o que envolve o cuidar e o educar da criança, transforma o método criado por Pikler, em um marco de divisão entre o cuidar mecânico, que não oportuniza a parceria adulto e criança, e o cuidar e o educar, visando a autonomia do bebê e a significação do estar junto, da busca pelo diálogo através de gestos e olhares, tornando o bebê em um participante ativo e sujeito de sua vida. Então “[...] es que el adulto toma el compromiso de no intervenir em la actividad libre, si no es necesario” (GODALL, 2010, p. 5), ou seja, não significa que o adulto abandonará a criança, mas sim que dará o estímulo necessário para que ela possa usufruir de sua autonomia, sem interferir na sua atividade livre e espontânea, sendo um facilitador de seu desenvolvimento integral. Comprovando dessa maneira que existe competência motora desde o nascimento do bebê, sendo possível conceder a ele, um desenvolvimento motor autônomo, não sendo necessária a intervenção direta do adulto para o desenvolvimento sadio e global da motricidade. Uma das intervenções de Pikler no Instituto Lóczy, foi a investigação do desenvolvimento da criança, através da observação longitudinal. Nesse local, cada cuidadora mantinha uma atenção constante sobre o bebê que estava cuidando, sendo que o observava e escrevia tudo o que se sucedia com ele, para que depois pudesse compartilhar com as pessoas que cuidavam dessa criança em particular. A partir deste estudo, criaram-se princípios básicos do modelo Pikler-Lóczy. Segundo Falk (2011, p.28), os princípios básicos deste modelo são:
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•
A valoração positiva da atividade autônoma da criança, baseada em suas próprias iniciativas;
•
O valor das relações pessoais estáveis da criança – e dentre estas, o valor de sua relação com uma pessoa em especial – e da forma e do conteúdo especial dessa relação;
•
Uma aspiração constante ao fato de que cada criança, tendo uma imagem positiva de si mesma, e segundo seu grau de desenvolvimento, aprenda a conhecer sua situação, seu entorno social e material, os acontecimentos que a afetam, o presente e o futuro próximo ou distante;
•
O encorajamento e a manutenção da saúde física da criança, fato que não só é base dos princípios precedentes como também é um resultado da aplicação adequada desses princípios.
Um conceito que chama a atenção na leitura deste referencial é a concepção de tempo em relação ao desenvolvimento da criança. Ou seja, não se antecipa etapas, os processos são respeitados e são construídos ambientes que ofereçam liberdade de movimento ao bebê, privilegiando a sua autonomia e permitindo que cada criança construa seu repertório motor há seu tempo, sem “apressar”, antecipar ou pular etapas, vivenciando seu corpo e conhecendo-o. Fochi (2013, p. 42) salienta que,
Nesses momentos, Pikler defendia a ideia de que uma única pessoa deveria atender a um determinado grupo de crianças, individualmente, para que as crianças soubessem a quem recorrer, caso sentissem necessidade. Destacava ainda que, nesses momentos, os adultos não poderiam ter pressa para terminar as atividades de atenção pessoal com a criança. Deveriam estar atentos, bem como respeitar o ritmo e a iniciativa das crianças para colaborar com a atividade.
A experiência de Lóczy afirma que a criança é um ser único, singular e que por isso precisa de cuidados e atenção. É preciso encará-la como uma pessoa com características, necessidades e expectativas. Lóczy acaba por romper com o estereótipo de criança incapaz, sujeito inacabado que necessita de proteção e é totalmente dependente do adulto.
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Pikler apresenta métodos de cuidado, desde como segurar o bebê até a maneira com que o alimento é dado a criança. Lembrando da necessidade dos gestos amorosos e carinhosos, da calma e da paciência com que se cuida/educa o bebê:
A importância do olhar, olhos nos olhos de cada criança e o tempo, a comunicação verbal sobre sua ação (antecipando todos os acontecimentos), permite a presença de gestos delicados e consentidos nos momentos de troca, banho, alimentação e sono de cada criança (FREITAS, PELIZON, 2010, p.5).
A partir do princípio de Pikler constrói-se então uma verdadeira relação pessoal, tornando o cuidar, um momento único, íntimo e pleno de comunicação. Outro ponto importante a recordar da experiência de Lóczy é o desenvolvimento motor do bebê. Visto que existe uma preocupação dos pais com os seus filhos, sobre a necessidade de “ajudá-los” ou “exercitá-los”, para que desenvolvam-se integralmente4. Porém é certo afirmar que em nenhum momento Pikler mostra que existe essa necessidade. Emmi Pikler acreditava que o espaço, o material e o olhar da cuidadora, era o necessário para “estimular” o desenvolvimento da criança. Indo muito além do desenvolvimento motor. Segundo Fochi (2013, p.111),
Pensar e organizar os espaços, os materiais, o tempo e o tipo da intervenção são meios do professor construir um ambiente favorável para que as crianças o experimentem sem se reduzirem as previsões já estabelecidas antecipadamente.
Então não será pela intervenção direta do adulto que a criança ampliará seus repertórios, pois a estimulação precoce é apenas um “amplificador” de sensações que o adulto imagina como as melhores para a criança. A ação autônoma é 4
Judit Falk e Anna Tardos publicaram alguns livros (2000) com cartas de pais com preocupações acerca do desenvolvimento dos filhos. Nesse livro elas respondiam essas cartas, embasando-se na experiência de Lóczy, esclarecendo as dúvidas quanto as questões do desenvolvimento integral das crianças.
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extremamente valorizada pela experiência de Lóczy. Pikler acredita que as melhores ações da criança são aquelas que surgem espontaneamente, sendo que a observação das cuidadoras é que fará a diferença, pois partindo dessa observação é que se pode perceber disfunções ou “anormalidades”. Também ao estudar a experiência de Lóczy, nos deparamos com o conceito de movimento livre. Através do movimento autônomo, a criança consegue o completo conhecimento do seu corpo e de suas capacidades, conhece seus limites e assim consegue confiar em si mesmo. Neste modelo, as crianças movimentam-se livremente, brincam com tranquilidade, aproveitando os espaços e os materiais, descobrindo a si mesmas e aos demais. O adulto dá a sua presença5, sempre respeitando a criança, com afetividade e tranquilidade, dentro do campo de visão dela, para que ela sinta-se segura, garantindo o apoio para as suas experiências e conquistas, além de encorajá-la ao movimento livre, de forma autônoma, sem intervenção direta. Segundo Tardos e Szanto-Feder (2011, p.48),
Para a criança, a liberdade de movimentos significa a possibilidade, nas condições materiais adequadas, de descobrir, de experimentar, de aperfeiçoar e de viver, a cada fase de seu desenvolvimento, suas posturas e movimentos.
É nesse sentido que a experiência de Lóczy acaba contrapondo a estimulação precoce. Esse método não abandona a criança, oferta a presença do adulto, mas de maneira nenhuma, interfere na sua descoberta. O adulto observa o desenvolvimento da criança e oferece ajuda ou materiais para garanti-lo. Ele propicia um ambiente que possibilitará o desenvolvimento da autonomia, permitindo que a criança explore seu próprio corpo e conheça o espaço onde está inserida,
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O adulto está presente, ofertando segurança e ajuda, além de estar criando um ambiente favorável e seguro para que a criança possa explorar suas habilidades. Ele fica sempre próximo, para que a criança, dentro do seu campo de visão, possa sentir-se segura, intervindo somente quando ela necessitar de ajuda.
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deixando a ideia de que a criança pequena precisa ficar horas do seu tempo (às vezes, todo o tempo) dentro do berço. Sobre esse aspecto, Fochi (2013, p. 131) traz a seguinte reflexão:
Pensar no cotidiano como um ambiente de vida é preciso e, por sua vez, temos que considerar que as crianças que passam boa parte dos seus dias dentro das instituições são seres humanos aprendendo sobre o mundo e, com isso, aprendendo sobre as relações humanas e sobre si. Por isso, as condições criadas a elas e a forma como permitimos que elas atuem são o que garantirão o seu crescimento.
Partindo desse pressuposto é possível pensar em uma educação que promova a autonomia da criança, dando oportunidades para que ela desenvolva-se integralmente, e que o adulto perceba que a sua intervenção direta não ampliará o repertório motor da criança. Proporcionar liberdade de movimento para a criança, favorece a integração dela com o ambiente, além de propiciar a ela, o conhecimento de seu próprio corpo, tendo tempo para percebê-lo e explorá-lo, sem que o adulto interfira diretamente na construção do repertório motor da criança, beneficiando o crescimento autônomo da mesma.
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4 E ENTÃO, É PRECISO ESTIMULAR?
Ao iniciar esse capítulo asseguro que escrever sobre a experiência de Lóczy contrapondo-a com a ideia da estimulação precoce, abalou-me enquanto educadora física. Mas posso também afirmar que esse “abalo” foi muito positivo, pois mostroume uma outra faceta do desenvolvimento da criança. Como contei na introdução desse trabalho, sou graduada em Educação Física. Sempre fui uma apaixonada pelo treinamento esportivo, e via a estimulação precoce com “bons olhos”. Estudei em minha graduação, que toda e qualquer estimulação seria benéfica para a criança, visto que ela poderia ampliar seu repertório motor. Porém nunca pensei na criança como um sujeito, como uma pessoa e muito menos como um ser cheio de capacidades. Olhar para a criança e percebê-la no ambiente que está inserida, poder oferecer materiais para que ela própria utilize-os, e faça uso daquilo que a sua curiosidade despertar, assim como poder exercer a sua própria vontade, sem que haja a necessidade de intervenção direta do adulto é uma visão que me parecia impossível para a criança pequena, principalmente falando-se em bebês. No contexto de onde eu venho (minha formação acadêmica), quantas vezes li e reli livros de autores famosos no meio da Educação Física (Le Boulch, Gallahue, Haywood) onde salientavam a importância do bom desenvolvimento motor, sempre estimulado desde a mais tenra idade. Onde o adulto tinha o papel de estimulador, sempre diretamente ligado aos movimentos que a criança poderia vir a fazer, mostrando como fazer e ajudando-a o tempo todo. Quando fui apresentada à bibliografia de Emmi Pikler e a experiência de Lóczy, fiquei extremamente confusa. Como o adulto fará parte desse processo de desenvolvimento da criança, sem fazer a criança fazer algo? Como a criança ampliará o seu repertório de movimentos, a partir de sua própria intenção? A criança ficará abandonada? Esses foram alguns dos questionamentos que foram surgindo, enquanto eu não me apropriava do que realmente tratava a experiência de Lóczy.
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Questões que ao estudar sobre a experiência de Lóczy foram sendo substituídas por certezas. A criança não fica abandonada, muito pelo contrário, o adulto oferta a sua presença, mas não interfere diretamente na atividade da criança, contrapondo a ideia da estimulação precoce. A criança tem autonomia para experimentar o seu próprio corpo, desenvolvendo sua percepção de sentidos, sem que ninguém o faça por ela. O adulto respeita o ritmo da criança, não antecipa etapas. Trata-a como uma pessoa que merece atenção e respeito. E ao ir lendo e conhecendo essa proposta, que para mim, era inovadora, toda a minha formação acadêmica foi colocada em xeque. Debatia-me com a ideia de poder deixar a criança “solta”, a mercê do “seu” movimento livre. Mas percebi o quanto era importante essa questão. Pois poder oportunizar à criança, um olhar de respeito e profundo interesse do adulto, percebendo suas reais necessidades e o principal, deixando-a ser autônoma, aprendendo com os seus próprios erros, vai muito além do simples desenvolvimento da motricidade. A criança que experimenta o seu corpo a partir dela mesma, precisa de um espaço adequado, que propicie toda a liberdade para os seus movimentos. Adultos atentos, mas que não interfiram diretamente, apenas nos momentos em que a criança precisar de ajuda ou solicitar a sua presença, são pontos que Pikler salienta como importantes para o movimento livre, para o desenvolvimento da autonomia da criança. A estimulação precoce visa uma preparação da criança, para desenvolver seus próprios sentidos, para que possa dominar seu próprio corpo e tonificar a sua musculatura para ampliar ainda mais seu repertório de movimentos. Já a experiência de Lóczy, potencializa o desenvolvimento integral, estabelecendo laços profundos e significativos entre a criança e o adulto, permitindo que ela cresça e tenha total controle do seu corpo, pois pode vivenciá-lo e senti-lo o tempo todo. Ao procurar a bibliografia específica sobre estimulação precoce, quase não encontra-se nada mais atual. Apenas manuais de como estimular esse bebê, normalmente referindo-se as crianças com algum tipo de deficiência. Quanto as
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referências de Pikler, encontra-se pouquíssima coisa em português, por isso, acredito, que a experiência de Lóczy não seja tão conhecida no Brasil. A experiência de Lóczy propõe a visão de uma criança autônoma, que tem o seu ritmo respeitado. Já na estimulação precoce, a antecipação de etapas é vista como uma melhora e uma ampliação no desenvolvimento da criança, pois estaria tendo um desenvolvimento mais rápido. Porém sabemos que nem sempre o mais rápido é o mais satisfatório. O modelo Lóczy constrói uma relação de profundo interesse entra a criança e o adulto, gerando um processo afetivo e mental sadios. Os estímulos são dados pelo ambiente em que a criança está inserida, para que tenha liberdade de movimento e autonomia em suas ações. Já na estimulação precoce, o adulto é o principal personagem da ação, pois é ele que segura o bebê para esse subir em algum lugar, é ele que vira o bebê, mudao de posição, coloca-o sentado, sem que a criança possa explorar meios de chegar a essas “conclusões”. Acabando por não conhecer o seu corpo, nem vivenciá-lo. Não há a liberdade para que a criança construa seu repertório motor de acordo
com
as
suas
possibilidades,
pois
ao
antecipar
etapas
do
seu
desenvolvimento, o adulto não oferece à ela essa autonomia e a maturação dos seus movimentos. Depois de pesquisar e perceber o quanto a criança pequena é capaz, o quanto pode ser autônoma e que precisa muito menos do adulto do que possamos imaginar, posso dizer que o estímulo para a criança desenvolver-se, vem da troca de olhares com o adulto, do espaço proporcionado por ele àquele bebê que oferece a oportunidade de poder explorar esse local sem medo e de acordo com o seu ritmo e a sua curiosidade. A pergunta que me norteou durante toda essa pesquisa, “É preciso estimular?”, acabou sendo respondida, depois de estudar sobre a experiência de Pikler. Não vejo necessidade em estimular a criança, pois como tornar uma criança capaz, se a tratamos com um ser incapaz e sem habilidade alguma?
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Emmi Pikler ampliou o olhar sob a criança pequena, permitindo que ela desenvolve-se sua autonomia e que fosse vista como sujeito. O olhar, as trocas com o adulto, a motricidade livre, os gestos cuidadosos, o cuidar e o educar, são indissociáveis no método proposto pela pediatra húngara. Penso que com a experiência de Lóczy, uma nova teoria sobre a Educação Infantil esteja sendo projetada. Emmi Pikler não é algo novo dentro da educação (na Europa, Lóczy é bastante conhecido), mas pouco divulgado aqui no Brasil. Todos os princípios divulgados por Lóczy, desde os mais singelos, até os mais complexos, podem vir a agregar muito a nossa Educação Infantil, que está muito ultrapassada, nesse sentido, onde muitas vezes acabamos por fazer as coisas por fazer, sem a “troca de olhares” com a criança.
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