O QUE AS CRIANÇAS PENSAM SOBRE DANÇA?

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EUCAÇÃO INFANTIL

NAIARA CAROLINA PANDOLFO

O QUE AS CRIANÇAS PENSAM SOBRE DANÇA?

SÃO LEOPOLDO 2013


Naiara Carolina Pandolfo

O QUE AS CRIANÇAS PENSAM SOBRE DANÇA?

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização

apresentado

como

requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Infantil, pelo curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

Orientador: Paulo Sergio Fochi

São Leopoldo 2013


Naiara Carolina Pandolfo O QUE AS CRIANÇAS PENSAM SOBRE DANÇA?

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização

apresentado

como

requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Infantil, pelo curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

Aprovado em 28 de março de 2013.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Profº Me. Paulo Sergio Fochi – Orientador

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Luciana Esmeralda Ostetto – UFF


Em primeiro, dedico esta monografia para minha família, meu bem maior. Seu apoio e amor incondicionais são o tesouro mais precioso que possuo na vida. Em segundo, esta pesquisa é dedicada às crianças. Suas cores, energia e possibilidades preenchem e contagiam cada vez mais o meu dia-a-dia. Em terceiro, dedico este trabalho aos que amam dançar. Aos que, através desta linguagem maravilhosa, se encantam e se deixam encantar pelo mundo que nos cerca.


AGRADECIMENTOS

Ninguém chega a lugar algum sozinho. Sempre há pelo menos uma pessoa que nos acompanha ou auxilia. No meu caso, não foi uma, mas muitas! E eu não posso deixar de agradecer a todos os que contribuíram para que esta pesquisa se tornasse realidade. E para cada uma destas pessoas, destino uma reverência em nome do meu infindável agradecimento. À Deus, pai celestial que me concedeu o dom da vida e que me permitiu dançar por seus sinuosos caminhos. Obrigada por mais esta vitória, mais esta conquista. À minha mãe Ana Maria, que hoje me acompanha de um lugar privilegiado. Apesar de não estar mais presente fisicamente na minha vida, sinto tua presença em cada momento, aplaudindo cada passo, secando cada gota de suor, enxugando cada lágrima derramada e compartilhando meu riso de felicidade. Muito obrigada, meu eterno anjo da guarda. Ao meu pai Jair, que sempre me apoiou e patrocinou independente de minhas escolhas. Meu exemplo de obstinação, de fibra, de referência de que o show não pode parar. Obrigada por teu imenso amor e constante respaldo. Aos meus irmãos Rafael e Naiana, por serem irmãos muito além do sentido da palavra. Obrigada por toda ajuda, pelo afeto, pela escuta, por estarem presentes em todos os momentos da minha vida. Aos meus cunhados Cristiane e Vicente, por não medirem esforços para atender meus pedidos. Obrigada por fazerem parte da minha família e estarem sempre disponíveis para me ajudar. À Mari Angela Timm, que me inseriu no universo da Educação Infantil. Obrigada por visualizar que este era o meu lugar, mesmo eu teimando em acreditar que era avessa a este mundo.


Aos meus amigos, todos eles, por me distraírem quando o trabalho se tornou pesado e difícil. Obrigada por recarregarem minhas energias e me darem força para continuar. Ao Paulo Sérgio Fochi, colega de cena nesta jornada e por me ajudar a reencontrar a dança que estava adormecida dentro de mim. Obrigada pela paciente e cuidadosa orientação da pesquisa, pelo suporte na construção do trabalho, pelas ricas contribuições, pelo apoio e estímulo e ainda por todos os ensinamentos para a academia e a vida. Às crianças, por serem encantadoras. Aos que foram, aos que são e aos que serão meus alunos, obrigada pela oportunidade de brincarem, dançarem, aprenderem comigo e de me ensinarem a cultivar a minha criança interior. À Míriam Mallmann Prates e Raquel Alles Kuplich, por me permitirem realizar esta pesquisa no meu ambiente de trabalho, dando todo o suporte necessário para que ela se realizasse. Obrigada pela confiança e pela parceria. À Milene dos Santos Compagnon por me “emprestar” seus pequenos pra que a saída de campo deste trabalho se tornasse possível. Obrigada por ser, além de colega, uma grande companheira e amiga. Aos professores do Curso de Pós-Graduação em Educação Infantil da Unisinos, 6ª edição: Euclides Redin, Bianca Sordi Stock, Caroline Cao Ponso, Luciana Esmeralda Ostetto, Janaína Caobelli, Luciano Bedin da Costa, Paulo Sergio Fochi, Maria Carmem Silveira Barbosa, Remi Klein, Marita Martins Redin, Tassiana Martins Kelm Faria, Rosane Romanini, Fernanda Wanderer e Mário de Ballentti. A todos vocês, obrigada pelo imenso carinho e pela bagagem compartilhada com tamanha humildade. Às colegas do Curso de Pós-Graduação em Educação Infantil da Unisinos, 6ª edição, companheiras desta jornada. Obrigada pela companhia, pela parceria e por todas as trocas.

A todos, meu muito obrigada!!!


“E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos. E com as mãos e os pés. E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la. E comer o fruto é saber-lhe o sentido.” Fernando Pessoa


RESUMO

Este estudo se ocupou em investigar sobre o que as crianças entre 3 e 4 anos de idade pensam sobre dança. A partir desta pergunta, também se procurou discutir sobre a história da dança e sobre suas possibilidades nas instituições de educação infantil. Para que fosse possível obter a resposta para o problema da pesquisa, foi realizado um trabalho de campo que contou com sessões práticas, onde a pesquisadora conversou com um grupo de crianças sobre o assunto, propondo que eles assistissem vídeos sobre o tema em questão, dançassem e desenhassem o que haviam vivenciado, expressando seus sentimentos e impressões. Palavras-chave: dança e criança; dança na educação infantil; dança enquanto linguagem.


SUMÁRIO

1 MINHAS ANDANÇAS...............................................................................................9 2 TEMPOS E CONTRATEMPOS DE UM PERCURSO DANÇANTE.......................17 3 APANHADOS DE DANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL........................................30 4 DANÇANDO COM OS PEQUENOS: A VEZ E A VOZ DAS CRIANÇAS..............38 4.1 COMEÇANDO A CONVERSA: CONTRATO DE TRABALHO – SESSÃO DO DIA 08/11/12......................................................................................................................44 4.2 CRIANÇAS DANÇANDO EM TODOS OS LUGARES – SESSÃO DO DIA 13/11/12......................................................................................................................55 4.3 BALLET E CONTEMPORÂNEO – SESSÃO DO DIA 20/11/12...........................67 4.4 COM SOM E SEM SOM – SESSÃO DO DIA 22/11/12.......................................77 4.5 IMITANDO COREOGRAFIA – SESSÃO DO DIA 27/11/12.................................84 4.6 VENDO SEUS PRÓPRIOS VÍDEOS – SESSÃO DO DIA 29/11/12....................95 5 REFLEXÕES DE UMA EXPERIÊNCIA EM DANÇA............................................108 REFERÊNCIAS........................................................................................................113 APÊNDICES.............................................................................................................116 APÊNDICE A - Termo de consentimento informado à direção da escola.........117 APÊNDICE

B

-

Termo

de

consentimento

informado

aos

pais

e

responsáveis...........................................................................................................119


9 1 MINHAS ANDANÇAS

“There's always gonna be another mountain I'm always gonna wanna make it move Always gonna be an uphill battle Sometimes I'm gonna have to lose Ain't about how fast I get there Ain't about what's waiting on the other side It's the climb.” 1 (ALEXANDER; MABE, 2009)

O espetáculo da vida é engraçado. Há os que digam que ele já está totalmente definido no momento que nascemos, e os que defendem que somos nós quem o construímos. A minha opinião? Bem, acredito sim, que temos um destino traçado, mas penso que os caminhos que percorremos para chegar até ele são totalmente incertos, constituídos pelas escolhas que tomamos. Digamos que a montanha está lá, mas que os caminhos que nos levam até o cume são decisões de cada um. Como será a escalada depende somente de cada um de nós, das escolhas que fazemos, de como encaramos os percalços e desafios que aparecem durante o trajeto, do que e de quem escolhemos para nos acompanhar durante a jornada. Pode ser que o caminho que leve até lá seja uma estradinha de chão, ou uma pista de corrida, um mar revoltoso ou uma lagoa com leves marolas. Pode ser que o único jeito seja um rapel, ou uma longa escadaria. Quem sabe uma rampa íngreme ou um caminho de tijolinhos amarelos como o do Mágico de Oz2. As únicas certezas que possuímos são de que não há ninguém igual a ninguém neste mundo, e de que não há um espetáculo que seja repetido ou que possa ser reapresentado. _____________________________________________________________________________________________________________________________ 1

Sempre haverá outra montanha / Eu sempre vou querer move-la / Sempre será uma batalha difícil / Às vezes eu terei que perder / Não é sobre o quão rápido eu chego lá / Não é sobre o que está esperando do outro lado / É a escalada. 2

Alusão ao filme “O Mágico de Oz” (The Wizard of Oz) – Estados Unidos, 1939. Produção: MGM. Distribuição: Warner Bros.


10 É... o espetáculo da vida é mesmo engraçado. Cada um dança, canta, pinta, borda, atua como bem entender. Às vezes, nem tudo sai como se deseja. E é aí, exatamente neste ponto, que eu vejo a graça de tudo! Minha vida, por exemplo: cada escolha me levou a um determinado lugar. E, há alguns anos atrás, eu nunca diria que iria estar onde estou atualmente. Para que fique mais claro, apresentarei um breve resumo de alguns atos do espetáculo da minha vida, com seus tropeços, aplausos, desvios, tristezas e alegrias. Tudo começou na madrugada do dia 04 de novembro de 1987, quando nasci e completei o time da minha família, formado pelo meu pai, Jair, minha mãe, Ana, e meus irmãos, Rafael e Naiana. Vim ao mundo pesando 3,550Kg, medindo 53 centímetros de comprimento e com as bochechas vermelhas iguais a um pimentão! Cresci ouvindo minha mãe repetir as palavras do pediatra quando me viu pela primeira vez: “Parabéns! Acabaste de parir uma pimentinha... acho que essa vai te dar trabalho!”. Bom, acho que dei um pouco o que fazer. Fui uma criança, nas palavras de meu pai, “bagreira”! Com esta expressão, acredito que ele queria me definir como uma criança sapeca, um tanto quanto travessa, esperta! Parceira pra todo e qualquer tipo de folia, principalmente aquelas que envolvessem uma boa bagunça. E se querem saber a minha opinião, eu era bem assim mesmo. Desde pequena, gostava de arte. Eu era uma arteira de mão cheia! Adorava fazer um lambuzo, principalmente se fosse pra misturar terra com água. Subir em árvore, comer araçá até passar mal, cortar os próprios cabelos escondida e instaurar o pânico na família, brincar com fogo (e mais uma vez ser a causadora do pânico familiar), comer puxa-puxa e, ao final da comilança, ter mais puxa-puxa pelo corpo inteiro do que dentro do estômago, colar chiclete no cabelo (essa não foi nem uma nem duas...). Minha mãe dizia que se a casa ficasse quieta por muito tempo, podiase saber: eu estava aprontando alguma coisa. Mas de todo esse repertório de travessuras e gostosuras, o que eu mais gostava de fazer, era dançar. Não tinha lugar, não tinha hora, não precisava nem ter música. Ah, dançar... como eu amava dançar! Sentia como se a dança fosse uma parte de mim, da qual não pudesse me dissociar. Por muito tempo pedi para meus


11 pais que me matriculassem em uma escola de dança, mas meu pedido tardou um pouco para ser atendido. Quando eu tinha 12 anos de idade, no ano de 2001, foi montado no colégio onde eu estudava um grupo de dança. Numa determinada manhã, a coreógrafa responsável pelo grupo passou na sala onde eu estudava para divulgar seu trabalho, passando uma lista onde os possíveis interessados poderiam se inscrever. Não titubeei nem por um segundo sequer ao assinar meu nome na tal lista, felicíssima com a possibilidade de participar de um grupo de dança. Cheguei em casa radiante, insistindo muito para que meus pais permitissem que eu fizesse parte do grupo. Depois de conversar bastante com eles, fui autorizada a frequentar as aulas. Tive então, o meu primeiro contato com a dança contemporânea, apaixonando-me por ela. Permaneci neste grupo por 3 anos, quando decidi então, partir para uma escola especializada em dança. Minha coreógrafa permaneceu a mesma, e nesta escola, permaneci até o ano de 2008, me apresentando em diversos eventos e competindo em diversas cidades do estado. No ano de 2003 eu ingressei no Curso Normal de Nível Médio (antigo magistério), já que desde muito cedo, também se destacava em mim o gosto pela prática da docência. Quando pequena, brincar de professora e imaginar meu futuro neste campo de atuação era uma das minhas atividades favoritas, assim como dançar. Como no curso normal tínhamos que fazer horas práticas nas escolas, no ano de 2004 elaborei um projeto e realizei um trabalho voluntário em uma escola do município onde resido, ministrando aulas de dança para crianças de 8 a 10 anos. Porém, com o passar do tempo, fui crescendo e as responsabilidades foram tornando-se maiores. Cheguei numa encruzilhada onde a vida me exigiu que eu escolhesse entre o lazer e o trabalho. Então, no ano de 2008 comecei a trabalhar e, de ali em diante, não consegui mais conciliar meus horários profissionais e meus compromissos particulares com a dança. Infelizmente, parei de dançar e de dar aulas voluntárias. Lembro-me perfeitamente do dia no qual tive que tomar esta decisão. Chorei como criança pequena. Mas eu não era mais criança, tinha que assumir responsabilidades, fazer escolhas. Era a vida adulta batendo na minha porta.


12 Antes disso, logo que comecei a dançar, decidi que após me tornar professora, prestaria vestibular para o Curso de Educação Física Licenciatura. Determinei que iria seguir a práxis da Educação Física como profissão, não propriamente a profissão de bailarina ou de professora de modalidades de dança, mas sim algo que me possibilitasse trabalhar com o movimento físico das pessoas. Sem sombra de dúvidas, a Educação Física era o caminho que eu queria percorrer. Convicta desta decisão, prestei vestibular e, no ano de 2007, ingressei no curso de Educação Física Licenciatura na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e, a cada momento vivenciado durante as aulas, intensificava-se meu gosto por este curso. A vontade de lecionar em escolas era grande e tornava-se cada vez maior o desejo de poder pôr em prática a profissão habilitada pelo meu curso superior, já que considero a Educação Física um componente importante na construção do cidadão e da cidadania. Então, como consta anteriormente, em 2008, mais precisamente no mês de setembro, deixei a dança de lado e comecei a trabalhar como estagiária em uma escola da rede pública municipal de Novo Hamburgo, com uma turma de 2º ano. Porém, no final do mesmo ano, fui avisada de que, no ano seguinte, teria que trabalhar como professora titular de uma turma de educação infantil, com a faixa etária 4 anos. Entrei em desespero. Nunca tinha trabalhado com os tão pequenos e nem almejava isso para minha carreira profissional. Acreditava que as crianças da educação infantil seriam muito dependentes e que eu não possuía perfil para trabalhar com esta faixa etária. Mais uma vez a vida me levou para um lado para o qual eu não pretendia ir. Mas como nem tudo na vida é como desejamos, encarei este desafio. E qual não foi minha surpresa ao me descobrir apaixonada pelos pequenos depois de alguns meses de trabalho? Foi imensa. Ali encontrei meu lugar e me vi encantada pelo universo infantil. À medida que ia me interando deste universo, fui percebendo que movimento e criança tinham tudo a ver! No contato diário com os pequenos, enxerguei o imenso potencial que eles carregam, já que o movimento é algo natural, vital para eles, sendo o primeiro instrumento de comunicação dos mesmos com o mundo. Entendi que é a partir das ações concretas que as crianças se relacionam com o ambiente e com as pessoas que estão ao seu redor.


13 O movimento é uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana. As crianças se movimentam desde que nascem, adquirindo cada vez maior controle sobre seu próprio corpo e se apropriando cada vez mais das possibilidades de interação com o mundo. Engatinham, caminham, manuseiam objetos, correm, saltam, brincam sozinhas ou em grupo, com objetos ou brinquedos, experimentando sempre novas maneiras de utilizar seu corpo e seu movimento. Ao movimentar-se, as crianças expressam sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando as possibilidades do uso significativo de gestos e posturas corporais. O movimento humano, portanto, é mais do que simples deslocamento do corpo no espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo. (BRASIL, 1998, p.15).

As crianças possuem inúmeras maneiras de pensar, de jogar, de brincar, de falar, de escutar e de se movimentar. Por meio destas diferentes linguagens é que elas se manifestam e se expressam no seu cotidiano, no seu convívio familiar e social, construindo suas culturas e identidades infantis. A ação corporal é fundamental para que se desenvolvam plenamente. Deste modo, na Educação Infantil, deve-se proporcionar às crianças uma forma prazerosa de descobrirem seus próprios corpos, suas possibilidades, fazendo uso das múltiplas linguagens que possuem.

A experiência da beleza, da sensibilidade e da alegria – a estesia – em seu poder de perturbar nossos sentidos, nos torna capazes de uma percepção mais íntima e intensa da realidade, nos fazendo prestar atenção aos detalhes que nos cercam, aproximando-nos daquilo que aparece nas entrelinhas do vivido. Por seu modo relacional de acontecer – não está nem no corpo nem no mundo, mas na relação entre ambos – a beleza diz respeito aos saberes sensíveis que emergem das raízes corporais. Sons, cores, sabores, texturas, odores, toques, olhares nos colocam no mundo e são por nós incorporados como significados. Por provocar um excesso sensível, uma relação direta, é preciso compartilhar a experiência. Então, o corpo se coloca em ação através das linguagens. (???, 2009, p. 74-75).

Por achar tão indissociável movimento e educação infantil, fiz meu trabalho de conclusão do curso de graduação sobre a importância do movimento na educação infantil na visão dos pais e docentes dessas crianças. Foi um momento onde pude


14 me aproximar mais da teoria a respeito deste assunto, associando-a com a minha realidade e com a minha prática. Neste período de encontro, que foi tão importante para mim, também senti a maior dor que vivenciei até hoje. Desta vez, a vida me reservou uma surpresa que não me agradou nem um pouco. Em abril de 2009 descobrimos que minha mãe estava doente, com um câncer de intestino. Foram quatro meses de luta, sofrimento e esperança, mas, infelizmente, minha mãe veio a falecer no início do mês de agosto do mesmo ano. Foi o momento mais difícil que eu e minha família enfrentamos até hoje. Mas a vida é isso, um desafio após o outro. E quando achamos que não temos mais força para seguir em frente é que descobrimos o quanto somos fortes. A ausência da minha mãe será sentida para sempre, mas sei que, onde quer que ela esteja, nos acompanha e incentiva para que sigamos adiante. Então, em 2011, um ano após me graduar em Educação Física, decidi voltar a estudar e ingressei no curso de Pós Graduação em Educação Infantil na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), procurando me apropriar cada vez mais do universo infantil, aprimorando minha prática profissional e trocando experiências com as colegas e professores. Neste curso tive o prazer de conhecer o professor Paulo Fochi, meu orientador neste trabalho, um profissional competentíssimo e uma pessoa extremamente cativante. Já em suas primeiras aulas, me senti fascinada com seu modo de enxergar e escutar os pequenos e de abordar de um modo espetacular a dança e o movimento em suas aulas. Fui sentindo uma imensa alegria ao perceber que poderia unir minhas duas paixões: a dança e as crianças. Neste momento, foi nascendo e se desenhando meu interesse em basear meu trabalho final em algo que abordasse estes dois mundos. Em abril do ano de 2012 fui nomeada estatuária como professora no município de Novo Hamburgo, assumindo a docência em uma escola de educação infantil, o que acabou vindo de encontro ao meu desejo de fazer uma pesquisa que envolvesse e unisse dança e crianças.


15 Então, ao chegar ao processo de realização desta monografia, convidei o professor Paulo para ser meu orientador e a partir daí, os traços do percurso que resultaram neste trabalho começaram a ser definidos. Por toda minha trajetória de vida escolhi como tema da minha monografia de conclusão da pós graduação refletir sobre a dança através do olhar das crianças, ou seja, conhecer quais seriam suas formas de ver e entender a dança. Optei por investigar sobre este assunto porque acredito que a dança tem um papel de fundamental importância na educação infantil, pois possibilita às crianças oportunidades de descobrir e usar seus corpos como forma de linguagem.

Quando um grupo de crianças se põe a dançar, vive uma experiência única, tendo a oportunidade de compartilhar, fazer algo tanto físico como prazeroso, com os mesmos propósitos e a mesma motivação, estabelecendo, assim, importantes relações. (CUNHA, 2012, p. 257)

Com a realização desta monografia, tenho a intenção de me interar de como as crianças enxergam a dança, assim como os momentos e as atividades relacionadas a ela, ao mesmo tempo em que buscarei difundir a visão da dança que eu acredito. A cultura ocidental, já tem um bom tempo, define quem pode ou não dançar; o que se deve ou não dançar; onde e quando se pode ou não dançar. Se “a dança é a expressão corporal da poesia latente em todo ser humano.” (STOKOE, 1987, p. 17), portanto, a linguagem do nosso corpo, já é hora de questionarmos estes conceitos e práticas instauradas e cristalizadas na nossa sociedade. Nesta corrente, penso que abordar e desenvolver a dança na Educação Infantil, na minha concepção e que, portanto, defendo nesta monografia, não significa formar bailarinos e dançarinos, compor e executar coreografias complexas ou estereotipadas, performances espetaculares ou procurar brilhantismos isolados, considerando apenas a estética, a beleza plástica e a descoberta de talentos. Mas sim,


16 Significa proporcionar que o contato com a linguagem corporal e gestual da dança ajude as crianças a se desenvolver pelo movimento e pela criação. O objetivo dessas atividades é a sensibilização e a conscientização das crianças quanto às suas posturas, atitudes, gestos e ações cotidianas e quanto às possibilidades de expressarem seus sentimentos, criarem diferentes movimentos, conviverem sadiamente e interatuarem, ressaltando-se a importância do processo educativo como tal e não da prática da dança com um fim em si mesma. (CUNHA, 2012, p. 238-239)

Por fim, encerro esta trajetória com as palavras de Robinson (1992), que enfatiza o quão importante é fomentarmos possibilidades para que nossas crianças, na educação infantil, vivenciem situações onde possam experimentar, brincar e criar suas próprias danças.

A dança é uma potência altamente significativa. A linguagem simbólica que utiliza (em termos de movimento, espaço, tempo) todas as faculdades, tanto cognitivas, como físicas e afetivas. Seria indispensável para o desenvolvimento das crianças que estas pudessem ter acesso a esta forma particular de expressão e de organização simbólica de seu universo, sob pena de uma carência de integração global e um empobrecimento do pensamento e da imaginação. Idealmente a dança deveria ter seu lugar evidente, indiscutível nos projetos de educação. A criança tem direito à dança. (ROBINSON, 1992, p.54)

A criança tem direito de dançar e de se descobrir enquanto sujeito criador, possuidor de suas próprias opiniões. É nesta vertente que acredito e que defendo: a dança como um espaço de significações, de produção de conhecimento, de encontros e de vida.


17 2 TEMPOS E CONTRATEMPOS DE UM PERCURSO DANÇANTE

“O ser humano começou a dançar há muitos milênios. Antes de pronunciar as primeiras palavras, ele fazia gestos e sons como forma de comunicar suas ideias e emoções.” (RENGEL; LANGENDONK, 2006, p.7)

A dança é e, sempre será, um patrimônio histórico que permeia a cultura corporal do homem. Ela passou a existir no mesmo instante em que nasceu a raça humana, uma vez que nosso corpo é um dos meios pelo qual expressamos ritmo, sentimentos e emoções. Com o passar do tempo, a dança foi adquirindo novos conceitos e diferentes fins. Conjugada como produto e fator da cultura humana, ela estampa, desde seu surgimento nos tempos primitivos até a atualidade, uma linguagem corporal moldurada e inserida sob a influência dos contextos econômicos, sociais, políticos, religiosos e econômicos, presentes no desenrolar de regimes histórico-sociais, evocando suas necessidades, crenças, tradições, convenções, rebeldias na sua natureza artístico-cultural. Nos tempos primitivos (períodos paleolítico, mesolítico e neolítico), antes mesmo de buscar expressar-se e comunicar-se pela palavra articulada, a humanidade criou com seu próprio corpo padrões rítmicos de movimento, ao mesmo tempo em que desenvolvia um sentido plástico do espaço. As danças primitivas eram executadas pelos homens das cavernas e seus movimentos ficaram registrados na arte rupestre. Segundo Vargas (2007), as motivações para dançar eram diversas, partindo primeiro dos sentimentos humanos, da relação com a natureza e com os mistérios da vida e do cosmos e convertendo-se logo em ritual. A dança primitiva se fazia em


18 grupo e, inicialmente, não estava submetida a regras nem disciplina, somente assumia comportamentos codificados na medida em que ia crescendo o valor da cerimônia na qual se apresentava.

Todas as grutas com pinturas rupestres são lugares religiosos e de culto. Nesses santuários a raça humana dançava. Sua dança era, portanto, de natureza cultual. Servia para sacrifício de animais, para matá-los e fecundá-los. Demonstrando não só as imagens de indivíduos dançando, mas também as marcas que nos deixaram essas danças. (VARGAS, 2007, p.14)

Estes rituais e oferendas em forma de dança tinham o objetivo de festejar a terra e o preparo para o plantio, de celebrar a colheita e a fertilidade dos rebanhos. De acordo com Rengel e Langendonk (2007), esta identificação, através da dança, dos movimentos com as forças naturais, concebe um modo de o homem entrar em sintonia com o a natureza que o circunda.

Todas essas danças antigas tendiam à união cósmica, isto é, relacionavam-se com o cosmos, o universo. É assim que podemos entender o processo de desenvolvimento da dança que auxiliou (e auxilia) o homem na expressão e no conhecimento da natureza e da cultura, da divindade e das questões religiosas. (RENGEL; LANGENDONK, 2006, p.7)

Para Garcia e Haas (2006), a dança primitiva tinha uma conotação de forçamágica, presente em todos os acontecimentos do homem primitivo, fossem estes individuais ou coletivos. Com o passar dos tempos, de dança-sagrada transformouse em dança-arte, devido, principalmente, ao aparecimento do elemento estético e dos espetáculos de teatro e de todo um novo vocabulário inovador nos movimentos surgidos ao longo dos tempos, sendo representada pelas culturas tribais evoluídas através de dois tipos coreográficos: danças da cultura camponesa (popular, campesina ou de folclore) e a dança da cultura senhoril (dança aristocrática) para divertimento da realeza e nobreza.


19 As danças milenares abrangem o período da Antiguidade (Egito, Índia e Grécia), da Idade Média, do Renascimento até o surgimento dos Balés Românticos. No Egito as danças tinham um caráter sagrado e eram executadas em homenagem aos deuses. Também existiam as danças consideradas profanas, que ocorriam nos banquetes e eram praticadas para fins de divertimento. Já na Índia, os hindus buscavam uma união com a natureza através da dança, tendo sua origem da invocação ao deus Shiva. Esta dança “representa a criação do universo e o cuidado com o mundo para que ele esteja sempre em harmonia” (RENGEL; LANGENDONK, 2006, p. 14). Portanto, a dança de Shiva tinha foco na atividade cósmica, exprimindo os eventos divinos. Os vários estilos de dança, sempre relacionados a deuses, tinham o mesmo princípio, o de que o corpo inteiro deve dançar. A dança indiana não enxergava limite entre a vida material e a espiritual, pois, para os hindus, corpo e alma não se dissociavam. Conforme Garcia e Haas (2006), a dança foi uma das artes que ocupou papel de destaque tanto na vida cívica quanto na vida religiosa do povo grego. Assim como no Egito e na Índia, a dança na Grécia também fazia parte das cerimônias religiosas, já que os cidadãos gregos usavam máscaras e dançavam para seus numerosos deuses. Eles valorizavam muito a dança, pois acreditavam que

...o ideal de perfeição estava na harmonia entre corpo e espírito, que deveria aparecer em um corpo bem moldado, adquirido graças ao esporte e à dança. As crianças eram educadas para a guerra e acreditavam que a dança contribuía para o equilíbrio da mente e aprimoramento do espírito, como também lhes daria a agilidade necessária para a vida militar. Segundo o filósofo Sócrates (469-399 a.C.), a dança forma um cidadão completo. Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) consideravam a dança e a ginástica como uma iniciação para a luta e para a educação dos cidadãos. (LANGENDONK, 2010, p.130)

A dança era acessível a todos os cidadãos e estava presente em todos os momentos da vida dos gregos. “Dançava-se pelo nascimento, pelos casamentos, pelas festas, pelo progresso, pela guerra, pelas estações do ano, pelos deuses, pela


20 colheita, em fim, se dançava por tudo” (VARGAS, 2007, p.19). Somente com o declínio da cultura grega, a dança passa apenas à esfera do entretenimento. Em Roma, a dança não teve um poder tão expressivo e artístico como na das civilizações egípcia, indiana e grega, pois a concepção de vida do romano era bastante racionalista e intelectualizada, quase negando, por completo, a imaginação e o êxtase. (Garcia; Haas, 2006).

A dança romana não se vinculou à religião e ao teatro. Os romanos na verdade desprezavam a dança, contudo tinham grande apreço pelos saltadores, mas eram as lutas contra animais ferozes e entre gladiadores, realizadas nas arenas do Coliseu e do Circo Máximo, que extasiavam o povo romano a ponto de despertarem enorme prazer e distração. Sob a influência da cultura grega, essa situação passou a mudar. As danças gregas e etruscas penetraram em Roma. [...] A dança tornou-se bastante relevante nesta época. Rapazes e moças frequentavam a escola para, também, aprenderem a dançar. Era vista como requisito social e educacional. (GARCIA; HAAS, 2006, p.72,73)

Para Vargas (2007), no que diz respeito à dança, entre os romanos, é possível distinguir três períodos: a monarquia, a república e o império. Na monarquia abordavam-se os ritos religiosos e as danças agrárias, mas já descolada de seu sentido original. Na república, as origens religiosas das danças de influência helenística haviam sido completamente esquecidas, tornando-se apenas uma arte de prazer. No império, a dança reconquista o interesse geral, mas foi nos jogos circenses que triunfou. Também estava se difundindo a pantomima3 dançada, que ligeiramente se transformou em espetáculo grosseiro, pois a mímica preponderou sobre a dança. “As danças realizadas nos banquetes teriam com mais frequência um caráter de indecência do que de dança” (VARGAS, 2007, p.19). Deste modo, as artes passaram a ser cada vez mais grosseiras. A dança foi absorvida pela corrupção do modo de vida romano e então, começam a surgir duras críticas lançadas contra a dança por parte da igreja católica que predominou durante toda a Idade Média.

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3

Pantomima ou pantomina é um teatro gestual que faz o menor uso possível de palavras e o maior uso de gestos através da mímica. É a arte de narrar com o corpo. É uma modalidade cênica que se diferencia da expressão corporal e da dança, basicamente é a arte objetiva da mímica.


21 Neste período, também chamado de idade das trevas, a igreja tornou-se autoridade máxima. Qualquer forma de manifestação corporal foi terminantemente proibida, uma vez que a dança foi associada ao pecado. Ela foi considerada coisa do diabo, o que reforçou a perversão dualista do pensamento bíblico que pregava a dicotomia entre corpo e mente, enfatizando que o homem só está na alma e todo o mal vem da carne.

Os teatros foram fechados e eram usados apenas para manifestações e festas religiosas. A Igreja, porém, não conseguiu interferir nas danças populares dos camponeses, que continuaram a fazer suas festas nas épocas de semeadura e colheita e no início da primavera. Para não afrontar a Igreja, essas danças eram camufladas com a introdução de personagens como anjos e santos. Posteriormente, essas manifestações foram incorporadas às festas cristãs, com a introdução da dança dentro das igrejas. (LANGENDONK, 2010, p.131)

No Renascimento abranda-se a censura da igreja e a dança espetáculo encontra seu percurso dramático. Langendonk (2006), afirma que neste período a dança começou a reaparecer nas festas comemorativas dos santos, em grandes procissões que percorriam as ruas. Aos poucos, o caráter litúrgico foi se esvaecendo e a dança, por algum tempo, passou a ser uma distração popular. Por volta do século XII ela foi introduzida nos castelos e nas festas da nobreza. Na passagem do século XVI para o XVII, a dança ainda continuava ligada à situação de festa, porém, na Itália, ela começou a se desenvolver com uma conotação autônoma de representação.


22 Por volta de 1700, a dança saiu dos salões palacianos e chegou aos palcos dos teatros, ainda como mera coadjuvante de alguns trechos de óperas. Jean Baptiste Poquelin, conhecido como Molière, criou temas para balé, pois incluía cenas de dança em todas as suas comédias. Nessa época, a dança pertencia ao teatro, ainda não era uma arte autônoma, e os intérpretes, que participavam dos espetáculos, eram ciganos, dançarinos e acrobatas que divertiam a multidão. Esses espetáculos com dança marcaram o início do seu desenvolvimento e de sua autonomia como arte. O movimento assinalou a presença de coreógrafos e teóricos de dança, que passaram a ensinar em academias abertas a alunos de todas as classes sociais. (LANGENDONK, 2010, p.134)

Aqui começa uma nova era e já não se fala mais de dança, mas sim de balé. A origem do termo Balé vem da palavra italiana ballo e de seu diminutivo balleto, que significa dança/baile. Balé é, portanto, um tipo de dança (Langendonk, 2006).

Surge uma dança culta que exige não só o conhecimento de ritmos e passos. Aparece o profissionalismo com os dançarinos de ofício e os mestres de dança. A partir daí a dança já não será somente expressão corporal de forma quase livre. Ela passa a adquirir consciência das possibilidades de expressão estética do corpo. O aparecimento das regras e do profissionalismo provoca uma elevação do nível técnico. (VARGAS, 2007, p.21, 22).

Por volta de 1830, o balé romântico se desenvolve na França e se difunde por toda a Europa. O balé foi se modificando. Segundo Langendonk (2010), os passos não convinham mais exclusivamente para a evolução da ação, mas estavam carregados e impregnados por uma carga emocional bastante profunda. O balé criava um mundo ilusório, ilustrando o ideal das concepções românticas. O homem, que desempenhava papel principal na dança do século XVIII, passa a ocupar um lugar subalterno no princípio do século XIX. A idolatria romântica da mulher como um sonho inacessível reduziu a atuação do homem a somente lançar ao ar e aparar o voo das bailarinas. Os ideais da bailarina romântica e sublime provocaram uma grande transformação da técnica de dança, com a introdução das sapatilhas de ponta. As


23 roupas também sofreram modificações, ficando mais leves, o que acabou permitindo a ilusão do etéreo da figura feminina e facilitou a fluidez dos movimentos. Vargas (2007) escreve que, anos depois, a dança neoclássica permanece seguindo a codificação acadêmica e suas formas tradicionais sem renunciar ao espírito e aos sentimentos. Aqui começam a se chocar as velhas crenças do balé clássico e seus valores com a nova concepção de vida da humanidade. Na virada do século XIX para o XX, começa a configurar-se um novo estilo de dança mais verdadeiro e condizente com a realidade da época, a dança moderna. O século XX vem para demarcar o tempo do progresso e das descobertas científicas, ou seja, da modernidade. As tradições e os valores da época sofreram grandes transformações, instaurando o início da chamada era industrial.

Nasce uma nova sociedade, com outros anseios e necessidades. Configura-se a ideia de modernidade, que comporta a noção de movimento: o automóvel, o avião, as imagens do cinema, os corpos liberados pela moda e pelo esporte e realçados pela iluminação elétrica. A dança, por participar dessa dinâmica, vai buscar novas formas, e podem ser observadas duas grandes tendências: o apego aos códigos clássicos, remanejados de acordo com o gosto da época, no balé neoclássico, e a contestação daquelas antigas propostas pela dança moderna e contemporânea. (LANGENDONK, 2010, p.139, 140).

A dança moderna veio ao encontro das grandes mudanças que já estavam em andamento. Para Vargas (2007), um processo cultural e artístico, intensamente vivido pelos representantes das mais diversas especialidades, ocasionou o surgimento da dança moderna. A utilização de pés descalços, movimento do tronco de um modo mais flexível e técnicas executadas ao nível do solo, com os dançarinos deitando, sentando e se ajoelhando, foram algumas das mudanças sugeridas por este novo modo de dançar. A dança moderna também possibilitou transformações no plano de ideias. Ela passou a manifestar preocupações sociais, políticas e sentimentos humanos mostrados por meio da dança. O tema e o personagem principal eram o homem


24 moderno inserido em seu mundo, ou seja, sua vida, suas tradições, seus valores e seus conflitos. Langendonk (2006) traz em sua obra três importantes pesquisadores que começam a desvendar a arte do corpo, contribuindo para um aprofundamento do fenômeno da dança. Segundo a autora,

Delsarte, Dalcroze e Laban elaboram teorias que germinam a partir da prática, da pesquisa e da observação profunda do movimento humano. Essas teorias não constituíram propriamente a forma coreográfica, isto é, não formataram uma regra de como coreografar ou que passos deveriam ser executados, mas ampliaram a consciência dos bailarinos e coreógrafos em relação aos movimentos corporais, isto é, sugeriram aos bailarinos atenção em como esses movimentos deveriam ser executados. Essas novas concepções sobre a arte do corpo definiram bases para a dança moderna. Seus amplos estudos abrangiam anatomia, ritmo, percepção do espaço, das sensações e dos sentimentos do corpo que se movimenta e dança. (LANGENDONK, 2006, p.42).

Portanto, a dança moderna tem como princípio básico proporcionar aos dançarinos a possibilidade da descoberta de novas formas, de estimular sua criatividade e propiciar a liberdade de expressão dentro do estilo de cada pessoa. Seu início se deu pela negação ao academicismo do balé clássico, buscando uma nova relação da arte com a vida real. Ela procurava agregar a forma do movimento humano com a expressão de um significado interno. “Não se trata de uma nova escola, mas sim de uma nova maneira de olhar a vida. Uma nova visão do mundo”. (VARGAS, 2007, p.29). A dança moderna teve o mérito de fazer com que as pessoas sentissem falta daquilo que torna a vida digna de ser vivida. Para Vargas (2007), a dança somente encontra sua essência quando é expressão ou esperança de uma vida coletiva, assim como era em seus primórdios. Ao refletir e buscar a relação dos sentimentos da alma com as expressões do corpo, Delsarte descobriu a chave da dança moderna: a intensidade do sentimento determina a intensidade do gesto. Também como ele, Laban acreditava que a dança correspondia a uma poderosa energia


25 interna, muito mais arraigada do que a tendência ocidental a teatralizá-la. (Portinari, 1989). Havia grandes personalidades que difundiam a prática desta nova concepção de dança. Uma delas foi Isadora Duncan, que acreditava que dança “não é somente um conjunto de passos resultados de uma combinação mecânica, que embora sejam úteis como exercícios técnicos, não poderiam ter a pretensão de se constituir como arte. São meios e não um fim.” (VARGAS, 2007, p.29). Apenas adolescente, ela se fez professora de uma dança livre, inventada no quintal de casa. Isadora Duncan possuía uma força interior que a impulsionava e tornava sua dança fascinante. Dotada de uma pureza profunda, absoluta e de uma integridade sem limites, não deixou “discípulos”, mas seu carisma, talento e sensibilidade foram suficientes para torná-la imortal. Ela dizia que não tinha inventado a dança, que ela estava adormecida e que seu papel foi somente revelála. (Garcia; Haas, 2006). Sua principal contribuição constituiu em arejar o convencional e indicar novas vias de expressão. Isadora Duncan se fez arauto da libertação do corpo, fosse pelos movimentos ou pela simplificação da indumentária utilizada. Segundo Portinari (1989), sua dança propunha, de um modo intuitivo, uma harmonia com a natureza. A partir de sua influência, diversos bailarinos e coreógrafos passaram a elaborar um novo vocabulário de dança e de linguagem corporal. Outra figura importante no cenário da dança moderna foi Martha Graham. Para ela, “nada é mais revelador que o movimento, pois o que se demonstra ser se reflete no que se faz” (VARGAS, 2007, p.30). Sua técnica baseava-se nas mudanças físicas do corpo, no momento da inspiração e expiração, desenvolvida a partir dos princípios de contração e relaxamento. Acreditava que o corpo manifestava tudo o que de maravilhoso o homem poderia ter e foi pioneira ao buscar o primeiro contato do corpo com o solo. Para Martha, “na dança moderna, o movimento não é produto da invenção, mas a descoberta de que ele pode expressar a emoção.” (GARCIA; HAAS, 2006, p.94)


27 Por volta de 1960, surge a dança contemporânea, como uma forma de protesto ou rompimento com a cultura clássica. O estadunidense Merce Cunningham, chamado pelos críticos de precursor da dança contemporânea, posiciona-se contra a permanência de modelos acadêmicos na dança moderna. Desta forma, a dança contemporânea passa a fazer uma reunião da solidez da linguagem clássica com as necessidades de expressão e inovação.

A dança contemporânea não impõe modelos rígidos; os corpos dos artistas não têm um padrão preestabelecido, bem com os tipos físicos. São gordos, magros, altos, baixos e de diferentes etnias. A maioria desses trabalhos incorpora novos movimentos e não mais os movimentos convencionais do balé ou das técnicas de dança moderna. Na segunda metade do século XX, a dança contemporânea ganhou estabilidade não só nos países de nascimento da dança moderna, como os Estados Unidos e a Alemanha, mas também na França, na Inglaterra e no Brasil. Surge um novo estilo, fora dos parâmetros antigos nos quais acontecimentos se sucedem linearmente. Agora, a narrativa é fragmentada. O público é convidado a colocar os “pedaços” juntos e extrair um significado para o trabalho de dança apresentado, tecer variados caminhos na construção de sentidos por meio da fruição dos espetáculos. (LANGENDONK, 2006, p.150, 151).

A dança contemporânea não possui uma técnica única estabelecida, já que todas as técnicas (modernas, clássicas, populares) são utilizadas, dependendo apenas do que o artista escolher. De acordo com Siqueira (2006), ela busca estabelecer uma nova estética, uma linguagem inovadora, revelando um novo corpo, possuidor de valores sociais e conteúdos simbólicos. Há atualmente diversas vertentes da dança contemporânea, e todas são responsáveis por constituí-la esteticamente, o que a torna difícil de conceituar. Existem companhias que abordam o uso do vigor físico, utilizando-se de acrobacias e movimentos bastante complexos, que primam pelo uso atlético do corpo. Outras companhias vêm buscando a realização do movimento com o mínimo esforço, enfatizando no movimento consciente, e há aquelas que vêm empregando recursos tecnológicos às coreografias. Há também uma vertente que une a expressão


27 corporal à verbal, fazendo uso de movimentos corporais sociais e abstratos, como no caso da chamada dança-teatro.

Dança contemporânea é um conceito do tipo “guarda-chuva” que abarca construções coreográficas muito diversas de variados lugares e culturas ao redor do mundo. Faz-se dança contemporânea no Japão, em Taiwan, na França, na Alemanha, na Holanda, na Bélgica, nos Estados Unidos e no Brasil. Em cada um desses países há coreógrafos de características distintas que realizam trabalhos corporais conhecidos como dança contemporânea, mas que poderiam ser classificados de forma diferente. Em comum, pode-se dizer que cada um produz obras que são fruto de redes de influências e contágios múltiplos. A diversidade é, pois, uma das marcas da dança contemporânea. (SIQUEIRA, 2006, p. 107)

De acordo com Ana Maria de São José (2011), não existe apenas um conceito que possa abranger toda a complexidade da dança contemporânea, somente um caminho para se refletir sobre a dança na contemporaneidade. Não há uma unidade na dança contemporânea, justamente, por ela se tratar de construções coreográficas diversas, provenientes de diversos lugares e culturas distintas. Para a autora,

Pensar em dança contemporânea requer compreender o contexto no qual a dança existe e está inserida, a capacidade de articular um pensamento do contexto, o pensamento dos corpos dançantes e sua complexidade. Esse modo de organização do corpo, do pensamento que dança e da construção coreográfica, surge da necessidade de revelar e refletir o estado do mundo contemporâneo e da arte atual. (SÃO JOSÉ, 2011, p.4)

Na dança contemporânea, não existe hierarquia, ou seja, não há a figura de uma “estrela”, bailarinos ou dançarinos de nível intermediário e depois de corpo de baile. Todos têm a mesma importância. Além disso, ela é extremamente provocadora quanto ao uso dos espaços, podendo acontecer em teatros, praças,


28 prédios, paredes, teto, lajes, galerias de arte, estações de metrô, entre tantos outros lugares. Sua filosofia prega que o que realmente importa é a transmissão e a expressão de sentimentos, de ideias, conceitos e/ou conflitos. Seus elementos diferenciais são “a autonomia, a liberdade e a vontade de fixar novas regras, normas e parâmetros” (SIQUEIRA, 2006, p. 8), distinguindo-se assim, da rigidez da dança clássica. Para Siqueira (2006), nesta concepção de dança, o corpo se torna livre, buscando o diálogo de quem dança com que assiste, com o meio que o cerca e até mesmo consigo próprio. No Brasil, a consolidação da dança contemporânea se deu através do importante trabalho de diversos professores e intérpretes, estando entre eles Klauss e Angel Vianna, criadores de um método de dramaticidade corporal que se tornou referência fora e dentro do país. “Na prática Klauss Vianna, a proposta é de que cada um esteja focado no (re)conhecimento do próprio corpo, compartilhando com o outro suas experiências e vivências corporais.” (MILLER, 2007, p.18) Jussara Miller (2007) enfatiza que, quando se entra em contato com a Técnica Klauss Vianna, o indivíduo passa a ser um pesquisador do corpo, um ser humano em constante autoconhecimento, que se permite olhar para dentro de si mesmo. Desta forma, ele consente que o movimento se exteriorize encharcado em sua própria individualidade, percorrendo um caminho “de dentro para fora, em sintonia com o de fora para dentro e com o de dentro para dentro, criando, assim, uma rede de percepções.” (MILLER, 2007, p.18). Klauss Vianna compreendeu e anunciou a dança como um modo de existir, não limitando sua prática aos dançarinos e bailarinos, mas estimulando e incentivando a expressividade de todos. Ele instigou o dançar de cada indivíduo, preservando o movimento natural de cada um e auxiliando-os a (re)descobrirem seus próprios movimentos. Para ele, dança é “vida, um corpo não automatizado, um corpo que se escuta”. (MILLER, 2007, p.21) Portanto, se a dança é um modo de existir, refletido pelo olhar e pela escuta que fazemos de nosso próprio corpo e de tudo o que nos cerca, cada ser humano


29 possui a sua dança e o seu modo de dançar, sendo ele único, incomum, distinto de qualquer outro, tornando-se a forma de expressão singular de cada pessoa. Segundo Faro (1986), dança é tudo aquilo que de bom se fez no passado, o que de bom se faz agora e o que de bom se fará no futuro, e será dança aquilo que contribuir efetivamente, aquilo que se somar positivamente às experiências vividas por gerações de pessoas que dedicaram suas existências ao cultivo desta forma de manifestação humana. Desta forma, a dança deixa de ser algo cultivado apenas por uma pequena elite para se transformar em uma forma de linguagem, de comunicação do homem com o mundo, uma forma de libertação da raça humana. (Portinari, 1989). A dança é uma arte que se move constantemente no tempo e no espaço. Seu progresso tem sido contínuo, com uma incrível variedade de propostas que nos dão a medida exata, não apenas das pesquisas que sobre ela se realizam, mas, principalmente, de sua constante e permanente atualização. (Faro, 1986).

Dança é aquela palavra que, para cada um, terá um significado diferente. Cada resposta tem o seu lado verdadeiro, mas nenhuma pode se fechar como a mais verdadeira; esbarrar-se, portanto, em uma multiplicidade de respostas. Ficam evidentes a realidade e a singularidade de cada um para interpretar um mesmo conceito. O que é dança? Se eu desse varias definições aqui, sempre estaria faltando alguma colocação mais precisa. Concluo que é pessoal e depende do momento em que você esteja. Cada um tem a sua verdade, cada um tem a sua escolha, cada um tem a sua dança. (MILLER, 2007, p.91-92)

Isso nos permite dizer que a dança, em suas mais variadas formas e mais diversas manifestações, está de tal modo ligada à raça humana que só se extinguirá quando esta deixar de existir.


30 3 APANHADOS DE DANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

“Através da dança não se diz, mas se é... e a dança é a mais alta expressão do ser.” (GARAUDY, 1980)

As crianças são seres de infinitas possibilidades, ativos, capazes e potentes em relação ao mundo. Elas tomam iniciativas e agem dispondo, desde que nascem, de recursos que possibilitam que elas interajam com e no mundo, sentindo, pensando, agindo e se relacionando com tudo o que está ao seu redor. A Educação Infantil, portanto, deve ser um espaço que possibilite e facilite estas interações, já que é a primeira oportunidade de convívio social da criança onde ela passa a estabelecer vínculos fora do círculo familiar. A infância, compreendida como uma experiência social e pessoal, construída ativamente e em constante ressignificação, portanto, heterogênea, demanda que a educação infantil seja um espaço de vida coletiva, um lugar no qual as crianças exercitem as práticas sociais no convívio diário com seus pares, vivenciando e compartilhando as intenções, as ações e as interações presentes na vida cotidiana.

Aprender a escovar os dentes, a usar o banheiro adequadamente, a deslocar-se pelo pátio são conteúdos concretos da vida e também das aprendizagens selecionadas para este nível de ensino. Tais conteúdos são variados em sua complexidade. Comer com colher, comer com garfo, usar o copo de vidro são todas experiências que as crianças desenvolvem nesses primeiros anos. (BARBOSA, 2006, p.176)


31 A educação infantil, deste modo, não possui o papel de aplicar um ensino formal, rígido, com conteúdos fixos e inflexíveis. Ela exerce, sim, a função de possibilitar que as crianças vivam em comunidade, aprendendo a

respeitar, a acolher e a celebrar a diversidade dos demais, a sair da percepção exclusiva do seu universo pessoal, assim como a ver o mundo a partir do olhar do outro e da compreensão de outros mundos sociais. Isso implica em uma profunda aprendizagem da cultura através de ações, experiências e práticas de convívio social que tenham solidez, constância e compromisso, possibilitando à criança internalizar as formas cognitivas de pensar, agir e operar que sua comunidade construiu ao longo da história. Práticas sociais que se aprendem através do conhecimento de outras culturas, das narrativas tradicionais e contemporâneas que possam contar sobre a vida humana por meio da literatura, da música, da pintura, da dança. Isso é, histórias coletivas que, ao serem ouvidas, se encontram com as histórias pessoais, alargando os horizontes cognitivos e emocionais através do diálogo, das conversas, da participação e da vida democrática. (BRASIL, 2009, p.12-13)

As propostas da educação infantil, enfim, devem possibilitar a ampliação dos repertórios vivenciais e culturais das crianças, considerando as múltiplas linguagens da infância. “Quanto maior o repertório, maior a possibilidade de estabelecer diálogo com ‘as coisas do mundo’.” (OSTETTO, 2011, p.5). Conhecer e estar em contato com a sua e com diferentes culturas, ter o contato e a oportunidade de experimentar e explorar diferentes materiais, formas, texturas, movimentos, gestos, cores, sons e ambientes, fornece às crianças subsídios para que enriqueçam suas experiências sensíveis e estéticas. E a arte, como fonte de contribuição para a ampliação do olhar da criança sobre o mundo, sem dúvida, é uma dimensão que não só expande, mas agrega, refina e qualifica o repertório cultural e de vida das crianças. “Crianças fazem poesia com a palavra, com os objetos, com o corpo inteiro. Elas pensam metaforicamente e expressam seu conhecimento do mundo valendose das muitas linguagens criadas e recriadas na cultura em que estão inseridas”. (OSTETTO, 2011, p.2).


32 De acordo com Cunha (2011), as crianças pequenas passam a conhecer o mundo através dos cinco sentidos, do movimento, da curiosidade, da repetição, da imitação, da brincadeira e do jogo simbólico. Por este ponto de vista, os estabelecimentos de educação infantil devem favorecer o desenvolvimento das diferentes linguagens expressivas.

Para mobilizar os sentidos, é essencial o enriquecimento de experiências, promovendo encontros com diferentes linguagens, alimentando a imaginação para que meninos e meninas possam aventurar-se a ir além do habitual, à procura da própria voz, da sua poesia. (OSTETTO, 2011, p.5).

Possibilitar que as crianças tenham contato com diferentes manifestações artísticas, é um modo de proporcionar que elas estejam em contato com diferentes culturas, outras linguagens, novas possibilidades. Entretanto,

arte, na educação, não se resume a momentos e atividades isolados. E, se estamos pretendendo a educação do ‘ser poético’, implicando na totalidade do olhar, da escuta, do movimento, que se expressa mobilizando todos os sentidos, será importante vermos tais ações como educação estética (mais do que ensino de arte) que se realiza no dia a dia. (OSTETTO, ANO, p.5)

A arte expressa, comunica e atribui sentido a sensações, sentimentos, pensamentos e realidade. Ela possui caráter extremamente significativo, pois integra aspectos sensíveis, afetivos, intuitivos, estéticos e cognitivos, além de contribuir para a promoção da interação e comunicação social. Todas as manifestações artísticas são importantes formas de expressão e comunicação humana, o que, por si só, justifica sua presença no contexto da educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente. Porém,


33 a escola frequentemente tem representado uma camisa de força para arte a ponto de transformá-la em processos vazios, repetitivos, enfadonhos, que se convertem exclusivamente em técnicas, atividades curriculares, festas de fim de ano (MARQUES, 2007, p.45).

Em muitas propostas educacionais as práticas artísticas são entendidas apenas como meros passatempos, hobbies ou atividades de lazer, considerando apenas o sentido “decorativo” da manifestação. Abordando especificamente a linguagem da dança, atualmente, na prática de muitas instituições que oferecem educação infantil, ela só é explorada nas datas comemorativas ou em ocasiões em que se torna necessário que as crianças apresentem algo formal a um determinado público. Quando isso acontece, as crianças são submetidas a infindáveis e exaustivos ensaios, onde memorizam os gestos previamente determinados pela professora, sendo estes, geralmente, empobrecidos e insuficientes para comportar todo o repertório de possibilidade expressiva que uma criança deveria experimentar e vivenciar em sua passagem pela educação infantil.

Um repertório bem ensaiado de alguma dança popular cumpre o papel artístico e educativo da dança na escola? Ou a dança na escola tem como compromisso social ampliar o escopo, a visão e as vivências corporais do aluno em sociedade a ponto de torná-lo um sujeito criador-pensante de posso de uma linguagem artística transformadora? (MARQUES, 2012, p. 106).

A dança é uma das dimensões da cultura humana, sendo de extrema importância no processo de desenvolvimento do ser humano. Desde que nascemos, nos movimentamos, apropriando-nos cada vez mais das possibilidades de interação com mundo e aprimorando nossa relação com os elementos que o compõem.


34 Dançar é tão importante para uma criança quanto falar, cantar ou aprender geografia. É essencial para a criança, que nasce dançando, não desaprender essa linguagem pela influência de uma educação repressiva e frustrante. (GARAUDY, 1980, p. 10).

“Dança é emoção e a emoção é a essência do homem.” (NANNI, 2003, p. 6). Quando dançamos, expressamos sentimentos, emoções e pensamentos, fazendo uso significativo dos gestos corporais e transformando o movimento humano em muito mais do que um simples deslocamento do corpo no espaço. Ao dançarmos, constituímos uma linguagem que nos permite agirmos no meio onde estamos inseridos e atuarmos sobre o ambiente que nos cerca. Desta forma, a dança se torna indispensável como possibilidade de trabalho no universo da educação infantil, já que “desde a primeira infância, o homem descobre as infinitas possibilidades de moldar seu corpo conforme a sua vontade.” (CUNHA, 1992, p.13). Quando se fala da necessidade de oportunizar momentos de movimento corporal para as crianças, a maioria das pessoas logo se remete ao movimento em sua forma funcional, pensando no desenvolvimento motor, na aquisição de habilidades físicas ou então, como uma oportunidade para “gastar as energias”. Não somente isso, o trabalho com o movimento corporal, principalmente na educação infantil, deve ser um momento que privilegie e incentive o movimento criativo, ou seja, aquele que não possui uma função definida e que não é julgado como correto ou incorreto. Ele possui a impressão da marca da criança, de seu jeito de ser e de agir. É aquele que permite a descoberta do mundo, do outro e de si mesmo, sendo o movimento próprio da dança enquanto linguagem. Neste processo, “todo esse trabalho é de absoluta criação; cada criança imagina e dá forma à sua fantasia” (FUX, 1983, p. 74). O movimento passa de meramente funcional, mecanizado ou estereotipado, para se tornar inteiramente criativo, uma expressão que está muito além da participação da criança em um evento ou apresentação de fim de ano, com uma coreografia ensaiada.


35 O corpo tem linguagem própria e necessita se expressar. Não precisa de palavras, mas de movimento. A motivação ou o estímulo para o movimento pode ser de ordem interna ou externa. Não é necessário explicar ao corpo por que ele precisa se movimentar, nem entendê-lo, mas percebê-lo com sensibilidade, deixá-lo fluir e responder aos variados estímulos que o cercam. Movimento é linguagem, é comunicação, é vida. (CARNEIRO, 2008, p.40)

Nesta concepção, a dança na educação infantil passa a ser um elemento indispensável, já que possibilita que sejam apresentadas às crianças situações onde possam ampliar seu repertório de movimentos, na medida em que, brincando com o corpo, criam a sua dança, ao mesmo tempo em que interagem com os colegas e com o espaço que ocupam.

Criar é vivenciar as inúmeras possibilidades do aqui-agora. É brincar, ousar, transformar, questionar, descobrir, jogar, renovar, conhecerse, conhecer o mundo e o outro. A sensação de criar é libertadora, e talvez essa seja uma de suas funções pedagógicas e terapêuticas mais importantes. Criar é romper as barreiras da solidão e explorar o que cada um de nós é, ou poderia ser, de forma distinta e única. A segurança, a autoconfiança, o autoconhecimento, o conhecimento dos outros, aliado ao reconhecimento, à apropriação e à transformação do que está dentro de nós e a nosso redor: tudo isso é necessário ao ato de criação. Criar é algo muito sério e, ao mesmo tempo, um jogo, uma brincadeira. É fundamental ter espaço na vida para dar asas à imaginação, à criatividade. Portanto, não só as crianças precisam ser estimuladas em seu potencial criador, mas também os adultos. Quando criamos, a vida se transforma, evoluímos. (CARNEIRO, 2008, p.41)

Oportunizar que as crianças dancem, é estimular seu potencial criativo, possibilitando que se expressem, já que dançar é uma forma de nos comunicarmos através do movimento. Podemos dizer que a dança pode ser um salto de alegria, uma série de passos seguindo uma música, um ritual religioso, ou uma obra de arte. Pode ser o imitar de um pássaro voando ou a representação da Morte do Cisne da Pavlova4. A linguagem da dança é movimento e o instrumento é o corpo humano.

_________________________________________________________________________________ Anna Matveievna Pavlova. Bailarina russa, nascida em 1881 e falecida em 1931.

4


36 Na escola, proporcionamos às crianças que elas se manifestem oralmente, estimulando que elas contem ao grupo suas novidades e o que fizeram no período em que não estavam na escola, incentivando-as a dizerem o que sentem e o que estão com vontade de fazer, o que querem comer, etc. A expressão gráfica também é bastante oportunizada, sendo proporcionados momentos em que as crianças podem desenhar, rabiscar, pintar, com diferentes tipos de materiais e em espaços distintos. Mas, e a dança? Será que esta é uma dimensão bastante abordada nas instituições de educação infantil? Será que são oferecidas às crianças situações onde possam dançar? A dança é compreendida como uma manifestação natural do ser humano, ou é abordada apenas como um meio para chegar a algum lugar? De acordo com o material instrucional do Curso Aberto de Dança de Joinvile (2010), a dança é constituída por 4 elementos: corpo, espaço,força e tempo. O corpo é o maravilhoso instrumento da dança. Órgãos e membros se integram com sensibilidade e consciência para dar sustentação a graciosos movimentos e passos. O corpo, na dança, compreende as partes internas e externas, os movimentos e os passos. O espaço é um local dentro do qual o movimento se apresenta como um fluxo contínuo. O movimento é parte integrante do espaço. “O espaço é um aspecto oculto do movimento e o movimento é um aspecto visível do espaço.” Mesmo quando não estamos nos movendo, nossos corpos estão ocupando um determinado espaço, ou seja, estamos fazendo formas estáticas no espaço. Quando nos movemos, cada movimento tem nível (alto, médio e baixo), direção (para frente, para trás, para o lado e em torno), tamanho (grande ou pequeno), lugar (um setor determinado no espaço), foco (direção do olhar) e trajetória (curva e reta). A força é o terceiro elemento da dança. Todo movimento pode ser alterado por mudança na força, dependendo destas quatro manifestações: ataque (brusco e suave), peso (pesado e leve), resistência (apertada e frouxa) e fluxo (livre, interrompido e equilibrado). O tempo é a duração cronológica de uma ação ou evento. Na dança, assim como na música, o tempo está relacionado ao ritmo. O ritmo consiste na combinação de durações iguais ou diferentes de unidades de tempo, produzidas


37 pelos movimentos corporais. Podem ser representadas pelas notações musicais de valores de tempo: compasso (marcação de pulso), velocidade (rápida e lenta), acento (marcação do tempo forte), duração (longa e curta) e padrão (qualidade de combinações de pausa e preenchimento). Pensando nas crianças e no ensino da dança na escola infantil, será que, quando as crianças dançam, elas executam em suas coreografias e em suas sequências de movimentos estes 4 elementos descritos acima? Ou será que é necessário que alguém lhes ensine? O que as crianças pensam sobre isso? Será que gostam de dançar? Como será que elas dançam? O que será que pensam sobre dançar? Para obter respostas para tantas perguntas, fui à campo, descobrir com as próprias crianças, o que elas tinham a me dizer sobre isso, e compartilharei no próximo capítulo os “achados” para este estudo.


38 4 DANÇANDO COM OS PEQUENOS: A VEZ E A VOZ DAS CRIANÇAS

“A dança nasce dessa necessidade de dizer o indizível, de conhecer o desconhecido, de estar em relação com o outro.” (GARAUDY, 1980)

Muitas são as pesquisas que falam sobre crianças, seu desenvolvimento e o que

nós,

adultos,

acreditamos

ser

importante/relevante

para/sobre

elas.

Encontramos infinidades de trabalhos científicos que apresentam a óptica do adulto sobre a criança, dizendo do que elas precisam e como devemos e não devemos agir perante estes seres humanos tão pequenos e “indefesos”. Porém, ainda são poucas as pesquisas que se destinam a ouvir o que as crianças consideram bom para elas, o que elas desejam e o que pensam a respeito das coisas deste mundo. Foi por este motivo, então, que decidi realizar uma investigação que, ao invés de somente falar sobre as crianças, fosse mais além: as enxergasse e, principalmente, as escutasse, dando voz e vez às suas opiniões, sentimentos e impressões. Ciente de que “toda investigação se inicia por uma questão, por uma pergunta, por uma dúvida” (MINAYO, 2008, p.16), defini como meu problema de pesquisa, a questão “o que as crianças pensam sobre dançar?”. Como a problemática escolhida trabalha com “o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2008, p.21), esta pesquisa, de cunho qualitativo, pois lida com o “universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade” (MINAYO, 2008, p. 21), foi realizada seguindo as etapas que compõem o processo do trabalho científico em pesquisa qualitativa,


39 de acordo com Minayo (2008): fase exploratória, trabalho de campo e análise e tratamento do material empírico e documental.

A fase exploratória consiste na produção do projeto de pesquisa e de todos os procedimentos necessários para preparar a entrada em campo. É o tempo dedicado – e que merece empenho e investimento – a definir e delimitar o objeto, a desenvolvê-lo teórica e metodologicamente, a colocar hipóteses ou alguns pressupostos para seu encaminhamento, a escolher e a descrever os instrumentos de operacionalização do trabalho, a pensar o cronograma de ação e a fazer os procedimentos exploratórios para escolha do espaço e da amostra qualitativa. (MINAYO, 2008, p.26).

Foi neste momento da pesquisa que, juntamente com meu orientador, desenvolvi uma metodologia que possibilitasse investigar o problema proposto. Decidimos realizar uma saída de campo, já que

O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz a pesquisa social. (MINAYO, 2008, p.61)

Esta ocorreu na Escola Municipal de Educação Infantil Professora Zozina Soares de Oliveira, situada às margens da RS 239, no município de Novo Hamburgo / RS. Sua comunidade escolar é constituída por “filhos de trabalhadores que, em grande parte, necessitam do tempo/espaço escolar em turno integral. Os empregos configuram-se em trabalhos formais e informais”. (NOVO HAMBURGO, 2012, p.10). Quanto ao público infantil atendido por esta instituição escolar, as crianças.


40 são moradoras de vários bairros do município de Novo Hamburgo. Esse fato evidencia, sobre vários aspectos, diferentes formas de vida das famílias. Há uma parcela da população que habita áreas com infraestrutura, com terrenos e moradias legalizados. Mas em contraposição existem também famílias que moram em área de invasão com precárias condições de infraestrutura. O entorno da escola constitui-se por empresas de diferentes segmentos industriais. (NOVO HAMBURGO, 2012, p.10-11).

A comunidade onde está inserida a instituição evidencia a importância da parceria entre as famílias e a escola e, aponta como uma de suas funções,

ser um espaço para o exercício das práticas culturais, capaz de proporcionar ações e interações entre adultos e crianças constituindo sujeitos autônomos. Refere ainda que a escola é importante para o desenvolvimento da criança considerando-a um direito tanto da família quanto da criança, idealizando que esta instituição possa ampliar suas ações para fora dos muros escolares estendendo-as a diferentes segmentos da sociedade. (NOVO HAMBURGO, 2012, p.11)

A escola atende crianças na faixa etária dos 2 aos 4 anos de idade, possuindo no ano em que foi realizada esta saída de campo, 4 turmas de crianças de 2 anos, 2 turmas de crianças de 3 anos, 1 turma unificada, com crianças de 3 e 4 anos, e 1 turma com crianças de 4 anos, num total de 90 crianças atendidas. Destas, 62 frequentavam a escola em turno integral, das 7h às 18h. As sessões do trabalho de campo foram programadas para o período de 8 a 29 de novembro de 2012, num total de 6 encontros, com crianças da turma “A” da faixa etária de 3 para 4 anos. O ambiente foi previamente preparado antes de cada sessão, ocorrendo na sala referência da turma, já que o restante da mesma ocupava outro espaço no horário das sessões. Os encontros ocorreram em terças-feiras na parte da tarde e em quintas-feiras, pela manhã. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados seguindo alguns critérios. O primeiro foi de que o grupo investigado seria de no máximo 8 crianças, para que fosse possível acompanhá-las mais de perto, observando, escutando e interagindo com elas.


41 De acordo com Malaguzzi (1999), realizar atividades em pequenos grupos, envolvendo poucas crianças, garante máxima eficácia comunicativa, pois acabam proporcionando investigações e conflitos produtivos, que facilitam que as crianças se questionem, ouvindo e respondendo questões conforme suas hipóteses. Outro critério foi o de que o grupo teria que conter o mesmo número de meninos e meninas. Como a turma “A” possuía somente 3 meninas (Caroline, Tauana e Sthéfany), o número de participantes das sessões foi de 6 crianças. Porém, após a segunda sessão, Sthéfany deixou de frequentar a escola, ficando o grupo com 5 integrantes. Por fim, como a turma possuía 12 meninos, os critérios utilizado para selecionar apenas 3 para participarem da investigação foi 1 que demonstrasse gostar de dançar (Gustavo), 1 que demonstrasse bastante participação oral (Vitor) e 1 que apresentasse perfil tímido, manifestando-se pouco oralmente (Sian). Foi decidido que todas as sessões seriam filmadas5. Cada sessão foi planejada, todas seguindo o mesmo roteiro: primeiro, as crianças assistiam a vídeos com temáticas sobre dança (dança contemporânea, balé clássico, vídeos de crianças dançando livremente e, na última sessão, uma seleção com os vídeos deles próprios dançando). Em seguida, eram realizadas conversas com as crianças sobre dança, questionando: “O que acharam dos vídeos exibidos?”; “O que é dança?”; “Onde a gente pode dançar?” e “O que precisamos para dançar?”. Após as exibições dos vídeos, as crianças eram convidadas para dançarem músicas previamente selecionadas. Estas músicas, em algumas ocasiões, foram as mesmas dos vídeos assistidos. Já em outros momentos, as músicas eram uma mescla de diferentes ritmos (clássico, reggae, tango, jazz, instrumental, entre outros). Ao ser finalizado o momento de dançar, as crianças eram convidadas para desenharem a sessão transcorrida. A ideia de desenhar após a sessão se apoia na premissa de que a criança utiliza-se de “cem linguagens” (Malaguzzi, 1999) e que

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Todos os responsáveis pelas crianças participantes desta pesquisa foram contatados. A eles, foram entregues Termos de Consentimento que informavam os objetivos da pesquisa e que solicitavam a autorização do uso da imagem das crianças para fins exclusivos do trabalho acadêmico. Este material foi lido e devidamente assinado pela pesquisadora e pelos responsáveis das crianças. Para visualizar o modelo do Termo de Consentimento Informado vide Apêndice B.


42 por isso, os desenhos, assim como as narrativas orais que as crianças produziram, se atravessaram com a dança. A fase do trabalho de campo

... combina instrumentos de observação, entrevistas ou outras modalidades de comunicação e interlocução com os pesquisados, levantamento do material documental e outros. Ela realiza um momento relacional e prático de fundamental importância exploratória, de confirmação e refutação de hipóteses e de construção de teoria. (MINAYO, 2008, p.26).

Juntamente com a descrição das sessões, fui realizando a análise dos dados obtidos, pois, passado o período de ver, gravar e escutar as crianças é chegada a hora de observá-las e enxergá-las com mais atenção, de forma mais profunda. Após todos os dados coletados, gerados nas sessões que foram aplicadas, deu-se início, então, à terceira etapa que compõe o processo do trabalho científico em pesquisa qualitativa: a análise e o tratamento do material empírico e documental. Esta etapa

diz respeito ao conjunto de procedimentos para valorizar, compreender, interpretar os dados empíricos, articulá-los com a teoria que fundamentou o projeto ou com outras leituras teóricas e interpretativas cuja necessidade foi dada pelo trabalho de campo. [...] O tratamento do material nos conduz a uma busca da lógica peculiar e interna do grupo que estamos analisando, sendo esta a construção fundamental do pesquisador. Ou seja, análise qualitativa não é uma mera classificação de opinião dos informantes, é muito mais. É a descoberta de seus códigos sociais a partir das falas, símbolos e observações. A busca da compreensão e da interpretação à luz da teoria aporta uma contribuição singular e contextualizada do pesquisador. (MINAYO, 2008, p.26-27).

Dando início a este processo, em um primeiro momento, assisti e reassisti aos vídeos, anotando impressões e informações que considerei relevantes. Após, passei a analisar os vídeos, procurando, nos momentos onde as crianças eram convidadas a dançar, os elementos da dança: corpo, espaço, força e tempo


53 (descritos no capítulo 3 desta monografia). Para que isto se tornasse possível, desenvolvi uma tabela, onde registrava o minuto do vídeo, a criança analisada no momento, qual elemento da dança era executado e a descrição deste elemento. A realização desta análise extremamente detalhada de cada vídeo, feita a partir da minha interpretação enquanto pesquisadora, sobre quais os elementos da dança que se corporificavam nos movimentos das crianças, gerou um material bastante extenso e minucioso, mas que me possibilitou enxergar e compreender que as crianças dançam sem que seja preciso ensiná-las. Basta que sejam fornecidas possibilidades e oferecidos espaços para que possam dançar.

A análise e a interpretação dentro de uma perspectiva de pesquisa qualitativa não têm como finalidade contar opiniões ou pessoas. Seu foco é, principalmente, a exploração do conjunto de opiniões e representações sociais sobre o tema que pretende investigar. Esse estudo do material não precisa abranger a totalidade das falas e expressões dos interlocutores porque, em geral, a dimensão sociocultural das opiniões e representações de um grupo que tem as mesmas características costumam ter muitos pontos em comum ao mesmo tempo que apresentam singularidades próprias da biografia de cada interlocutor. (MINAYO, 2008, p.79)

Para tornar isso mais claro ainda, busquei, a partir das tabelas confeccionadas, imagens6 nos vídeos capturados que comprovassem e ratificassem o que fui percebendo e concluindo ao analisar o material produzido e colhido durante o trabalho de campo. Nas próximas páginas, portanto, seguem as descrições detalhadas de cada sessão aplicada, assim como as tabelas desenvolvidas, as imagens que complementam a narrativa escrita e as minhas impressões, enquanto pesquisadora. “É o corpo que conhece! É o corpo que produz linguagem!” (FERREIRA; FALKEMBACH, 2012, p.61).

_____________________________________________________________________________________________________________________________ 6

As imagens reproduzidas não estão em alta definição por terem sido retiradas dos vídeos gravados pela pesquisadora durante as sessões.


44 4.1 COMEÇANDO A CONVERSA: CONTRATO DE TRABALHO – SESSÃO DO DIA 08/11/12

No primeiro momento, conversei com as crianças, convidando-as para participarem da pesquisa. Foi explicado o que é uma pesquisa e que eu gostaria de saber, o que elas, as crianças, pensavam sobre dança. Neste momento, pedi permissão para gravar as sessões e combinei que, no último encontro, eles poderiam assistir aos vídeos. Após, parti para os questionamentos:

1. O QUE SABEM SOBRE DANÇA? Caroline: “Eu sempre danço com a minha irmã.” Gustavo: “Eu gosto de dançar igual ao Cavalo Selvagem7”. Vitor: “Eu danço junto com o Gustavo. O Cavalo Selvagem também dança.” Enquanto ouvia as demais crianças falando, Vitor não parava de se movimentar.

2. AONDE AS PESSOAS DANÇAM? Sthéfany: “No baile.” Gustavo: “Na rua.” Aos poucos, as crianças foram dizendo aleatoriamente: “na piscina, em cima do telhado, na árvore.”.

3. O QUE É DANÇA? _____________________________________________________________________________________________________________________________ 7

Personagem do Filme “Spirit: O Corcel Indomável” (Spirit: Stallion of the Cimarron) – Estados Unidos, 2002. Produção Dream Works Pictures. Distribuição: Paramount. As crianças tinham assistido a este filme na escola, no início da manhã do dia 08/11/2012.


45 Caroline: “Dançar é se mexer, se balançar.” Vitor: “Dançar é rebolar.”

Ao obter as primeiras respostas das crianças, percebi o quanto a dança é algo natural para eles. Bem, o baile é um local aonde as pessoas vão, não necessariamente, mas em grande maioria, para dançar. Mas e na rua, na piscina, no telhado? Não são lugares definidos como próprios para a prática da dança. Neste momento, as crianças me provocaram uma reflexão: o que impede que se dance nestes locais/espaços? Para elas, a dança parece ser tão própria do ser humano, que pode acontecer em qualquer lugar. Além disso, as respostas referentes à pergunta “o que é dança?”, demonstram que as crianças pouco se importam com uma técnica específica, ou com uma sequência determinada de passos. Quando Caroline diz que dançar é se mexer, se balançar, me faz pensar que não é preciso regra e nem padrão para se dançar. Basta que a pessoa se mexa, se balance, que esteja em movimento para que esteja, enfim, dançando. Após os questionamentos, contei para as crianças que tinha trazido algumas músicas e que queria saber se eles gostariam de dançar, ao que eles responderam positivamente. Apresentei, então, 3 cartões, cada um sugerindo uma das músicas selecionadas para a sessão:


46

Peixe Vivo8 (em ritmo clássico)

Fui no Tororó9 (em ritmo de rock)

Ciranda Cirandinha10 (em ritmo flamenco)

Solicitei que as crianças ordenassem os cartões, sem que elas soubessem que cada um deles correspondia a uma determinada música. Feito isso, convidei as crianças para dançar e Caroline logo manifestou animação. As meninas se mobilizaram, ficando de pé, enquanto os meninos aguardaram sentados. A primeira imagem selecionada pelas crianças foi a que continha uma roda formada por crianças, representando a música Ciranda Cirandinha. Ao começar a música, Vitor e Gustavo começaram a imitar o Cavalo Cavalo Selvagem do filme, cavalgando e relinchando. Logo em seguida, Gustavo se deitou no tapete, enquanto Vitor começou a executar movimentos no solo, usando o espaço em nível alto e baixo. Ele começou a pular e a saltar, utilizando diversas partes de seu corpo cor para realizar os passos que pretendia. A sequência de imagens que seguem na próxima página, mostram os diferentes movimentos que Vitor efetuou para executar um salto aparentemente simples. Nestas seis imagens, podemos observar que o menino fez uso dos elementos lementos da dança, pois utiliza um determinado espaço (o centro da sala, próximo ao tapete), percorrendo uma trajetória reta e empregando força para dar impulso ao seu salto.

_____________________________________________________________________________________________________________________________ 8

Música “Peixe Vivo”, interpretada por Rosana Lamosa e Fernando Portari, disponível no CD “Músicas Daqui Ritmos do Mundo”, distribuído distri pela Lua Music. 9

Música “Fui no Tororó”, interpretada pelo grupo Ira, disponível no CD “Músicas Daqui Ritmos do Mundo”, distribuído pela Lua Music 10

Música “Ciranda Cirandinha”, interpretada por Fernando de La Rua, disponível no CD “Músicas Daqui Ritmos itmos do Mundo”, distribuído pela Lua Music.


47

Em seguida, Caroline chamou as amigas para dançar, ao que elas deram as mãos e correram, girando em círculo. Sian ficou observando e eu o questionei: Pesquisadora: “Sian, tu não quer dançar?” Sian: “Não.” Pesquisadora: “Tudo bem, então.” A imagem posta em segundo lugar foi a do peixe, que sugeria a música do Peixe Vivo. Quando a música começou, Caroline parou, respirou fundo, como se estivesse se preparando. Começou então sua coreografia, girando, deitando-se no chão, girando sobre o quadril, balançando as pernas, utilizando os braços e mexendo a cabeça, tudo com bastante suavidade, percorrendo todo o espaço disponível para dançar. Abaixo seguem as imagens deste momento, onde Carol demonstra o uso dos elementos da dança ao ocupar o espaço disponível em nível baixo e ao empregar diferentes intensidades de força em seus gestos. Seus movimentos ocorrem em distintos períodos de tempo, alternando a velocidade entre rápida

e

lenta,

e

a

duração

dos

passos

entre

curtos

e

longos.


48


49 Sian arriscou alguns movimentos, mas logo parou. Vitor e Gustavo permaneceram imitando o Cavalo Selvagem. Sthéfany correu pela sala, do mesmo modo como correu na música anterior. Tauana fez movimentos que se assemelhavam ao voo de um pássaro. Ela dançou no fundo da sala, próxima ao canto direito, traçando uma trajetória curva. A criança explorou seu corpo, alongando e dobrando os braços, balançando-os para cima e para baixo. A menina executou ligeiros saltitos para se deslocar pelo ambiente. A força utilizada neste movimento contou com ataque suave e peso leve. Neste movimento aparentemente simples e sem complexidade, Tauana fez uso dos quatro elementos da dança (corpo, espaço, força e tempo) sem que ninguém tenha lhe dito sobre isso ou lhe ensinado o que fazer. Tudo foi extremamente espontâneo por parte da criança. A seguir, o conjunto de imagens do movimento de Tauana.


50 A imagem alocada na terceira posição foi a da guitarra, que se referia a música Fui no Tororó. Logo que a música começou, as crianças demonstraram-se animadas. Vitor fazia movimentos no solo, parecidos com passos de Street Dance. Sthéfany e Tauana corriam pela sala. Caroline alternava corridas com momentos mais calmos, onde dançava. Sian se escondeu embaixo das mochilas e ficou observando as demais crianças. Depois de um tempo transcorrido, Gustavo executou um movimento que fez com que o tapete da sala deslizasse. Então Vitor, se juntou ao amigo e ambos começaram a reproduzir o que Gustavo havia feito anteriormente: eles corriam e pulavam sobre o tapete, fazendo com que ele deslizasse pelo ambiente.


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