1 Universidade Federal do Espírito Santo
O Resseguro Internacional
Rodrigo Nogueira da Gama
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na graduação em Direito, como parte dos requisitos para
obtenção
do
título
de
bacharel
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Orientadora: Valesca Raizer Borges Moschen.
Vitória/ES – 2005
pela
1
1) INTRODUÇÃO 1.1) APRESENTAÇÃO DO TEMA A escolha do tema se deveu ao incremento das relações humanas, decorrente do desenvolvimento dos meios de produção, do aumento das relações comerciais, entre outros fatores, as quais necessitavam cada vez mais de garantias que muitas vezes se apresentam demasiadamente arriscadas para serem seguradas. Isto é, existem determinados riscos, que, ante suas proporções, em inúmeras circunstâncias, tornam-se inviáveis de serem recepcionados pela empresa seguradora. Para evitar essa situação e possibilitar que todos os riscos sejam seguráveis, independentemente da envergadura destes, o resseguro, de aparente incipiência, tem apresentado crescimento e ganhado relevo no contexto atual. A abertura do Brasil ao mercado internacional trouxe à tona a discussão da atividade ressecuritária, que vem sendo amplamente debatido. Esse trabalho visa analisar de forma pormenorizada e científica as definições, as normas jurídicas aplicáveis e a jurisprudência pátria referentes ao contrato de resseguro, tendo sempre em vista seus principais conflitos e matérias vinculadas. Nesse contexto, devemos perceber ser frágil a concepção do contrato de resseguro quando vista somente sob os elementos da autonomia da vontade e do individualismo. Fragilidade esta, acentuada, mediante atividades de circulação de capital. Na elaboração de seu conceito não se pode dissociar a finalidade econômica da relação selada pelo pacto contratual. Dessa forma, asseverou Gianotti, citado por Paulo Luiz de Toledo Piza em o Contrato de Resseguro1: Assim é que o contrato de resseguro, tal como o contrato de seguro, que se inscreve no âmbito do chamado direito empresarial, não pode, 1
GIANOTTI apud PIZA, P. L. T. O contrato de resseguro: tipologia, formação e direito internacional. 2001, p. 27 (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Curso de Doutorado em Direito – São Paulo).
1 para que seja bem compreendido, ser desvinculado, por um lado, de suas bases técnicas e operacionais e, de outro, da trama de ações que lhe gera um objeto, em termos de valor, capaz de emprestar conteúdo ao universo de relações jurídicas a ele implícitas. Toda uma constelação de interesses, que lhes são inerentes, deve ser levada em conta, no exame da estrutura e função desses contratos.
O tema também goza de importância tendo em vista a função social dos seguros, na medida em que o seguro é de grande valia para manter e impulsionar a economia e promover a estabilidade social, visto que as perdas decorrentes dos sinistros são recuperadas. Uma vez feitas referidas considerações, serão realizadas inserções pertinentes no âmbito do direito constitucional, direito civil, e principalmente no direito internacional privado, onde serão analisados essencialmente os princípios, os costumes aplicáveis e a autonomia da vontade como o principal vetor de normas. Todavia, faz-se necessário o prévio esgotamento do instituto, principalmente quanto a sua formação para evitar que o trabalho fique sem substrato. Os contratos de resseguros têm como pilares para sua interpretação as normas expressamente previstas no contrato, os usos e costumes do negócio de resseguros e a lei nacional aplicável. Em virtude de hodiernamente não possuírem uma definição normativa contratual exauriente, a aplicação de um ordenamento jurídico suplementar é de suma importância, utilizado sempre que houver lacuna ou omissão, isto é, ausência de previsão no contrato celebrado partes que não possa ser solucionada pelos usos e costumes internacionais. Nesse aspecto, a competência legislativa sobre a matéria pertence ao Instituto de Resseguros do Brasil - IRB, criado pelo Decreto-Lei n.° 1.186, de 03 de abril de 1939, e que atualmente é regulado pelo Decreto-Lei 73, de 21 de novembro de 1966. O mencionado diploma legal versa sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, disciplinando as operações de seguros e resseguros e ditando outras providências. Cumpre assinalar, de início, que a finalidade precípua do IRB tem expressa previsão legal no art. 42 do Decreto-Lei 73, vejamos:
1 Art 42. O IRB tem a finalidade de regular o cosseguro, o resseguro e a retrocessão, bem como promover o desenvolvimento das operações de seguro, segundo as diretrizes do CNSP.
A atividade resseguradora foi exercida em regime de monopólio pelo IRB até agosto de 1996, quando foi aprovado pelo congresso a Emenda Constitucional n.° 13. A alteração no diploma máximo eliminou do artigo 192 a expressão “órgão oficial ressegurador”. No entanto, o comando legal precisava ainda ser regulamentado por Lei Complementar para que a norma pudesse surtir seus efeitos. Muito embora tenha sido editada a EC n.° 13, o STF decidiu em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN n.° 2.223) por manter sob a responsabilidade do IRB as funções de regulação e fiscalização do mercado de resseguros no Brasil. Com a publicação da EC n.° 40 novos questionamentos e desdobramentos surgiram. Tais nuances de cunho constitucional serão de grande interesse durante o desenvolver do estudo. O contrato de resseguro, embora parte da doutrina assim não o veja, possui a mesma qualificação jurídica do contrato de seguro, sendo regido primordialmente pelos princípios do direito comum e outros especiais decorrentes da sua natureza intrínseca. Sabe-se,
hoje,
que
sem
contratos
de
seguro,
inúmeros
empreendimentos seriam absolutamente inviáveis perante os seus espantosos riscos, que dificilmente poderiam ser sustentados solitariamente. Neste passo, mesmo com a existência dos contratos de seguro, inúmeros
riscos
ainda
se
apresentavam
inasseguráveis,
fator
este
determinante para o surgimento do instituto do Resseguro. Por esta operação visa-se minimizar e pulverizar os riscos existentes nos contratos de seguro e, via de conseqüência, evitar um abalo na saúde financeira da empresa seguradora e possíveis falências. Os contratos de seguro, como técnica de transferência, servem para diluir o risco de uma atividade por todos os assegurados. Risco aqui compreendido como qualquer dano de ocorrência futura e incerta, de avaliação pecuniária, de origem lícita, e fortuito. O co-seguro e o resseguro estão intrinsecamente atrelados ao contrato de seguro, sendo ambos formas de dispersão de riscos. No primeiro, o risco de
1 um único segurado é distribuído entre duas ou mais seguradoras não solidárias que respondem isoladamente perante o segurado. Já o segundo é, seguindo as precisas palavras de Eduardo Freitas Botti2, “uma operação entre companhias de seguros de resseguros em que uma se compromete a ressarcir a outra na ocorrência de determinados eventos”. A relação jurídica estabelecida fica circunscrita ao segurador (cedente) com o ressegurador, não havendo relação direta com o segurado.
1.2) JUSTIFICATIVA DO TEMA Embora o tema ainda seja pouco explorado no meio jurídico, apresenta grande relevância, pois o crescimento da necessidade de cobertura de riscos vem acompanhando a evolução das relações comerciais, que estão em vertente incremento, tendo como pano de fundo a velocíssima globalização. A globalização, fenômeno aparentemente atual, remonta à época da expansão do imperialismo, principalmente do início das navegações. De fato, esse fenômeno é usualmente utilizado para se referir às inter-relações nacionais que foram se firmando no decorrer do tempo, as quais passaram a assumir um patamar mundial. Referido fenômeno tem muitas facetas, dentre as quais se destaca a econômica. A associação da globalização à expansão de mercados é inevitável, com profundas influências sobre os processos de consumo, troca e produção. De fato, a alteração do cenário econômico mundial modificou por completo a forma de produção, as relações de trabalho, a organização e logística empresarial, todas estas reorganizadas para este novo modelo que é pautado pela vertente competitividade. Outrossim, além do campo econômico, o campo social, cultural, político, também estão no raio de atuação deste fenômeno que irradia efeitos a diversos setores. Ainda há de se lembrar que a exigência cada vez maior por produtos de melhor qualidade e pelo menor preço possível possibilitou um progresso
2
BOTI, P. E. F. Introdução ao resseguro (para brasileiros). São Paulo : Nobel, 1995, p. 25.
1 tecnológico sem precedente no campo industrial, como também no setor de telecomunicações, que tem como carro chefe a Internet. Voltando o foco para o aspecto econômico, com a expansão dos mercados, os montantes envolvidos também se elevaram e, por diversas vezes, as cifras envolvidas são vultosas. Decorrência lógica, na medida em que elevadas quantias empregadas, apareceram riscos também maiores, fazendose, assim, imprescindível à existência do seguro e, principalmente, do resseguro para fazer frente e assegurar quantias astronômicas com distribuição de seus riscos. O desenvolvimento e os seguros/resseguros estão “pari-passu”, isto é, dificilmente os dois não estarão atrelados. A segurança que a atividade securitária em sua acepção ampla proporciona é fundamental para o crescimento sócio-econômico. A busca pela operação ressecuritária tem se tornado cada vez mais presente. O seu desenvolvimento no Brasil está alinhado com política econômica de estabilização da moeda bem sucedida com a implantação do Plano Real. O equilíbrio econômico, nunca antes experimentado, trouxe como benesses a maior circulação de riquezas com menos riscos o que viabiliza as atividades ressecuritárias. Ora, com a inflação estratosférica e a moeda desvalorizada, havia um grande temor e desequilíbrio nos contratos de seguro/resseguro, visto que os dados estatísticos ficavam pouco confiáveis, dificultando assim a celebração de contratos de seguro em geral. Para se perceber como o ramo dos resseguros é importante na economia brasileira, observe os seguintes números: o O IRB, no primeiro semestre do ano de 2004 (dois mil e quatro), arrecadou em prêmios o montante de R$ 1.380.000.000,00 (um bilhão e trezentos e oitenta milhões de reais); o Quando comparados o primeiro semestre de 2003 (dois mil e três) e 2004 (dois mil e quatro), embora tenha ocorrido uma ligeira queda na arrecadação, houve um aumento de cerca de 24,8 % (vinte quatro vírgula oito por cento) no patrimônio líquido do IRB;
1
o O mercado securitário, quando analisado em sua perspectiva ampla, teve uma arrecadação superior a R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais). [Dados do Instituto de Resseguros do Brasil Re (IRB)] Grandes empreendimentos normalmente representam elevados riscos, porém, muitas vezes eles são necessários e precisam ser segurados. Plataformas de petróleo, satélites, navios, aviões, obras de arte e complexos industriais são exemplos que demonstram a importância do resseguro. Inviável imaginar companhias seguradoras arcando com tamanhas responsabilidades que possivelmente ocasionariam, caso o sinistro se efetivasse, desequilíbrio e talvez a sua própria falência, prejudicando, inclusive, a economia nacional ou mesmo global. Muito
embora
as
cifras
movimentadas
no
setor
securitário
e
ressecuritário sejam bastante elevadas, são escassas as fontes de pesquisa doutrinária, principalmente quando se pretende esmiuçar o contrato de Resseguro. Referido óbice traduz a importância e a satisfação da pesquisa que busca de forma meticulosa adentrar o campo do resseguro.
1
2) INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO RESSEGURO 2.1) CONCEITO E FINALIDADE O resseguro é um contrato que uma seguradora celebra com o ressegurador para se precaver das conseqüências negativas provenientes dos riscos que assumiu decorrentes dos seguros que realizou, quando estes excedam a sua capacidade e conveniência, transferindo-lhe parte ou mesmo a integralidade dos riscos. É uma forma de diluir o risco, mantendo a integridade da empresa seguradora face o segurado. Para melhor compreensão colacionamos abaixo a conceituação empregada no Livro Práticas de Resseguro3: O resseguro é uma operação contratada entre duas companhias de seguros em que a companhia de seguros que emite a apólice que é objeto do contrato de resseguro, chamada de seguradora cedente, transfere parte ou a totalidade dos sinistros que vierem a afetar essa apólice para outra companhia de seguros, chamada de ressegurador.
Cumpre transcrever também a irretocável definição do festejado Pedro 4
Alvim : Consiste o resseguro na transferência de parte ou de toda a responsabilidade do segurador para o ressegurador. A obrigação assumida perante o segurado por um só segurador é compartilhada por outros através do resseguro. Assim como o segurado procura garantir-se contra os efeitos dos riscos por meio do seguro, procede, da mesma forma, o segurador resguardando-se, através do resseguro, de prejuízos tecnicamente desaconselháveis.
O contrato de resseguro pode ser realizado em condições mais favoráveis ou desfavoráveis do que aquelas previstas no contrato de seguro. A seguradora ressalte-se, permanece como a única responsável pelo pagamento da integralidade do sinistro, caso este se efetive. Da mesma forma, o segurado não pode promover quaisquer atos de ingerência no contrato de resseguro firmado. 3 4
CASS, R. M. et alii. Práticas de Resseguro. Vol. I, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001, p. 01. ALVIM, P. O contrato de seguro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 356.
1 Outrossim, configuram outras peculiaridades do contrato de resseguro o fato deste não isentar um possível co-assegurado das obrigações que lhe cabem, nem tampouco possibilitar que uma demanda seja estabelecida entre o segurado original e o ressegurador. Embora esteja invariavelmente relacionado ao contrato de seguro, é um contrato completamente independente, não surtindo efeitos sua celebração ou extinção no contrato de seguro. Desse modo, traz-se o brilhante ensinamento de Pedro Alvim5: O segurador direto assume com exclusividade a responsabilidade de cobertura perante o segurado. Retém uma parcela da garantia dada, de acordo com as condições técnicas de sua carteira, e cede o excesso para outros seguradores sob a forma de resseguro.
Veja-se que, além dos efeitos técnico-jurídicos, o resseguro surte efeitos em outros campos, como o econômico e o social. Suas principais influências no âmbito econômico são correlatas ao financiamento da indústria do seguro, com o conseqüente aumento em sua capacidade assecuratória e o nivelamento da carteira das seguradoras. No setor social, suas maiores interferências dizem respeito à tranqüilidade e segurança que conferem ao segurado, além de possibilitar que as companhias seguradoras operem em regime de normalidade, não se sujeitando as intempéries do mercado. Suas principais finalidades podem ser enumeradas como sendo a realização da pulverização do risco, o aumento da capacidade de aceitação/subscrição, o equilíbrio da carteira, a estabilização dos resultados e o fortalecimento da solidez financeira do segurador cedente/ressegurado6. A pulverização dos riscos pode ser compreendida como a forma de que dispõe o segurador de aceitar riscos que se apresentam excessivamente gravosos financeiramente para sua empresa, ou seja, aqueles que poderiam repercutir negativamente em sua estabilidade econômica. O aumento da capacidade de aceitação está definitivamente relacionado ao resseguro, visto que se as empresas de seguro dependessem 5
ALVIM, 1986, p. 356-357.
1 exclusivamente de suas capacidades de subscrição, por não raras vezes, apresentar-se-iam impossibilitadas de aceitar riscos que se revelam superiores a sua capacidade. Também denominada de proteção vertical, visa, consoante disse Paulo Botti7, aumentar “a capacidade unitária de aceitação de riscos das companhias seguradoras”. O equilíbrio na carteira, conforme dados conferidos pela ciência da Estatística, está diretamente relacionado à probabilidade, a qual se incrementa em precisão à medida que se aumenta o grupo a ser analisado. Aplicando ao caso, podemos concluir que quanto menor o risco, maior será o grupo e, conseqüentemente, maior a precisão na análise da probabilidade no seguro. O resseguro, ao minimizar o risco do segurador cedente, confere-lhe maior certeza e segurança em sua atividade. Lecionando sobre o tema, assim se manifestou com excelência Paulo Luiz de Toledo Piza8: [...] O desenvolvimento da atividade securitária exige, prioritariamente, a homogeneização dos valores em risco, isto é, dos valores da carteira a cargo do segurador; por esta razão, em especial, é que, praticamente desde as origens do desenvolvimento do seguro moderno, surgiram duas instituições que, tecnicamente, lhe são consideradas paralelas e complementares: o co-seguro e o resseguro.
Também apontou Pedro Alvim9: [...] a carteira deverá manter um valor médio constante para os riscos. Tudo que exceder será cedido ao ressegurador. Calcula-se a retenção, isto é, o que fica a cargo do segurador, levando-se em conta diversos fatores, relacionados com a capacidade técnicoeconômica da empresa e a natureza dos riscos. Exerce, pois, função essencial à estabilidade técnica do segurador, pois facilita a homogeneização dos riscos de suas diferentes carteiras de operação.
Um outro fator de relevo é a estabilização de resultados, também denominada proteção horizontal, pois permite que a empresa seguradora 6
DI GROPELLO, G. Princípios da técnica de resseguro: resseguro financeiro e derivados em resseguro. Rio de Janeiro : FUNENSEG, 1997, p. 35.
7
BOTTI, 1995, p. 36.
8
PIZA, 2001, p. 81.
9
ALVIM, 1986, p. 358.
1 minimize os efeitos decorrentes de um possível aumento na ocorrência de sinistros ou da ocorrência de um sinistro de proporções catastróficas. Isto é, evita que empresa seguradora sofra efeitos das variações a que está sujeita em um determinado período. O aumento da solidez financeira da empresa seguradora também é uma das finalidades almejadas pelo resseguro. Para tanto, faz-se necessário delimitarmos a forma com que é estabelecida, podendo a mesma ser entendida como a relação entre o capital mais reservas e os prêmios líquidos (prêmios líquidos = prêmios brutos – prêmios de resseguro cedidos)10. Dessa forma, ao realizar o contrato de resseguro, o denominador no cálculo é reduzido, gerando obviamente, um aumento na solidez financeira da empresa ressegurada. Assim, o resseguro facilita a distribuição dos riscos, parcial ou totalmente; aumenta a flexibilidade da empresa seguradora cedente à medida que proporciona a asseguração de riscos elevados e proporciona o desenvolvimento e crescimento da empresa seguradora no tocante ao volume de suas atividades. Nesse âmbito, confira-se11: Dado seu objetivo principal, que é o de pulverizar os riscos vultosos e catastróficos em bases tão amplas quanto possíveis, o resseguro sempre teve caráter internacional.
As modalidades de resseguro podem ser classificadas quanto à forma de contratação e quanto ao sistema de cobertura. Os primeiros se subdividem em resseguro facultativo ou avulso e resseguro automático ou tratado de resseguro. Os segundos se subdividem em proporcionais, compreendendo o resseguro em quota-parte (quota share reinsurance) e o resseguro excedente (surplus reinsurance); e não-proporcionais, compreendendo, a seu turno, o resseguro por risco (excess of loss por risco), resseguro por sinistro (excess of loss por sinistro) e resseguro de limitação de sinistralidade ou agregados (stop loss reinsurance). Dentro deste liame, existe ainda o fenômeno da retrocessão, o qual é operado de forma análoga aquele realizado no contrato de resseguro. Na 10
CASS, 2001, p. 39. CRAVEIRO, P. O seguro do seguro. Revista Apólice, ano 10, n° 81, Jan/Fev, São Paulo : Correcta Editora Ltda, 2005, p. 9. 11
1 retrocessão é celebrado um contrato de resseguro entre um primeiro ressegurador – ressegurador cedente - e um segundo ressegurador. De fato, trata-se de um resseguro do resseguro anteriormente celebrado. Visa, da mesma forma que no resseguro, a diluição dos riscos assumidos.
2.2) ORIGEM E EVOLUÇÃO 2.2.1) Histórico mundial O primeiro contrato de resseguro de que se tem notícia de sua documentação foi realizado no final da Idade Média. O seu surgimento está associado
ao
desenvolvimento
da
navegação
marítima
comercial,
principalmente no Mediterrâneo, com o aumento das relações comerciais na Europa. No início os transportes marítimos eram segurados na forma de “empréstimos”, isto é, um financiador emprestava o dinheiro a um transportador no valor equivalente ao das mercadorias por ele transportadas. Quando chegasse ao destino com as mercadorias intactas, o transportador restituiria o valor financiado anteriormente acrescido de juros. Com a ocorrência de eventual problema, como, por exemplo, o afundamento do navio, o “financiado” permaneceria com o montante a ele conferido. Referida modalidade de aceitação de riscos, forma de seguro, já vinha sendo empregada desde o tempo dos gregos e dos romanos, chamada então de “bottomry bonds”.12 Nesse período o trabalho dos seguradores estava orientado pela avaliação pessoal do risco, pois, não havia dados estatísticos, cálculos de probabilidade ou de tarifas para os informar e, assim, por não rara vezes, ao mal calcular o risco, os seguradores se encontravam em dificuldades. Para se resguardar dos riscos, os seguradores faziam a cessão destes aos resseguradores, os quais poderiam arcar com parte ou mesmo com a totalidade dos riscos.
12
CASS, 2001, p. 23.
1 Nessa época já se fazia presente o instituto do resseguro, tendo em 12 de julho de 1370 se formalizado o primeiro acordo com sua previsão. Nele estava descrito que o segurador das mercadorias no transporte, o qual seria da cidade de Gênova para Sluis, em Flandres, resseguraria o trecho de Cádiz(Andaluzia) à Sluis, o mais perigoso da viagem. Dessa forma o risco seria minimizado, não havendo qualquer liame jurídico entre o segurado e o ressegurador. Ante a inexistência de meios técnicos para avaliação do risco, vigorava nessa época a praxe da análise subjetiva do risco. Todavia, por diversas vezes em momento posterior à celebração do contrato de seguro, o segurador se arrependia do pacto firmado e se utilizava do instituto do resseguro para se desincumbir das responsabilidades decorrentes de um eventual sinistro. Nesse sentido, com a peculiar sapiência, Pedro Alvim13, se manifestou: Dependendo o sucesso dos negócios da experiência de cada segurador, a avaliação dos riscos era puramente subjetiva. Qualquer circunstância podia influir no seu julgamento e induzir o segurador pouco ousado a arrepender-se da operação. O resseguro era o processo para livrar-se do negócio.
A prática do resseguro tornou-se freqüente nesse período no setor de navegação para a asseguração dos trechos mais arriscados do trajeto a ser percorrido pelas mercadorias. Estava extremamente relacionado ao caráter especulativo, pois, conforme já salientado, a análise do risco era subjetiva. No século XVII, o desenvolvimento do co-seguro, no qual mais de um segurador cobre o mesmo risco, sob a influência da industria do seguro atrelada à nova era Industrial do século XIX, ofuscou o resseguro. Todavia, o seu alastramento não foi afetado, tendo os séculos XVII e XVIII sido de grande importância, visto que neles foram estipulados os limites máximos a serem protegido, a data de vencimento dos pagamentos e as bases de recuperação. A Inglaterra, ante as práticas demasiadamente abusivas exercidas no mercado ressegurador, interveio e proibiu sua prática de 1746 a 1864. Os seguradores diretos subscreviam os riscos, ressegurado-os depois a um
13
ALVIM, 1986, p. 358.
1 prêmio inferior, sendo escrupulosa prática denominada “Difference in Premium”. O impacto da vedação ao resseguro foi logo sentido no mercado segurador, pois as seguradoras viram suas capacidades de aceitação de riscos drasticamente reduzidas. A supressão do resseguro estimulou de tal forma o co-seguro, única forma de cobrir determinados riscos caso a capacidade do segurador fosse excedida, que consolidou a bolsa de seguros Lloyde´s of London. Finalmente em 1864, a Rainha Vitória aboliu as vedações até então existentes, e sua prática voltou a ser exercida em larga escala. O acúmulo de riscos que acompanhou o desenvolvimento industrial, provocou a procura crescente ao resseguro pelas companhias de seguro. Juntamente com o resseguro facultativo que cobria riscos individuais, surgia o resseguro por tratado, o qual cobria toda a carteira, forma ainda utilizada sob a denominação atual de resseguro automático ou obrigatório. Em 18 50 surgiram as companhias profissionais resseguradoras. No ano de 1846 foi criada a Kölnische Rück, impulsionada pelo incêndio de proporções catastróficas em Hamburgo. O sinistro representou danos que totalizaram 18 milhões de marcos, enquanto a Hamburguer Feuerkasse, companhia seguradora, dispunha de uma reserva de apenas 500.000 marcos. Dessa forma, ficou definitivamente estampada a necessidade da pulverização de riscos. Logo depois surgiram a Aachener Rück (1853); a Frankfurter Rück (1857); a Schweizerische Rückversicherungs-Gesellschaft – Swiss Re (1863) e a Münchener Rückversicherungs-Gesellschaft – Munich Re (1880). Na Itália, o resseguro, como atividade exercida por companhia profissional, somente se deu no ano de 1924, quando a Ausonia subscreveu seus primeiros contratos de resseguro, embora sua fundação date de 1898. Nessa mesma época surgiram em vários países da Europa companhias de resseguro profissionais. O desenvolvimento do resseguro foi de suma importância para as empresas de seguro, visto que a atividade de co-seguro tem grandes inconvenientes, principalmente quanto a segredos de mercado. Nesta, as coseguradoras têm relação contratual direta com o segurado e desse modo ficam
1 informadas da forma de atuação das seguradoras concorrentes, fatores que poderiam conduzir a abusos na concorrência. O resseguro elimina esse grande inconveniente. Ademais o resseguro além
das
fronteiras,
internacional,
contribuiu
decisivamente
para
o
aprimoramento das técnicas securitárias. Esses fatores possibilitaram a expansão dos contratos de resseguro, pois estes conferem a segurança necessária e exigida pelas seguradoras para a expansão de suas atividades. No século XX houve a fundação de diversas empresas resseguradoras, como também um incremento de seguradores diretos realizando resseguros. Segundo estimativa da Standard & Poor´s existem 135 resseguradores mundiais e, aproximadamente, 2000 seguradores diretos atuando como resseguradores. Tais números solidificam e comprovam que o crescimento da empresa de seguros, iniciada com a Revolução Industrial se estende até os dias atuais. 2.2.2) Histórico brasileiro Assim como na Europa, as navegações foram essenciais para o desenvolvimento da atividade securitária no Brasil, e isto foi possível com a abertura dos portos por D. João VI, em 1808. Esta data é o marco inicial da atividade securitária no Brasil, regida, então, por leis portuguesas. Por autorização do então Príncipe Regente foi fundada a Companhia de Seguros Boa Fé pelo Governador e Capitão General de Capitania (Bahia). Primeira sociedade securitária a funcionar no Brasil, previa apenas seguros marítimos. A atividade desta sociedade era voltada para o transporte de mercadorias vindas de Portugal. Contudo, em virtude de não gozarem de capacidade
suficiente
para
lidar
com
certos
riscos,
parte
de
suas
responsabilidades e prêmios eram transferidos para a matriz, marcando, desse modo, o início das atividades ressecuratórias brasileiras. A promulgação do Código Comercial em 1850 (Lei n° 556, de 25 de junho de 1850) estabeleceu a regulamentação de todas as atividades securitárias marítimas. Uma vez iniciada a atividade de seguro no Brasil, esta foi se diversificando, chegando inclusive a atuar no ramo de mortalidade de
1 escravos. Com o estabelecimento de inúmeras empresas estrangeiras já no limiar de 1860, a atividade e história do seguro no Brasil tomam novo rumo. O Código Civil de 1916, assim como previa o Código Comercial quanto aos seguros marítimos, regulamentou todos os demais seguros em vários aspectos, entretanto, não previa qualquer disposição referente ao resseguro. Em 1937, com a nacionalização implantada pelo Estado Novo, ficou determinado que só poderiam operar no Brasil, Companhias Seguradoras com acionistas brasileiros. Nesse mesmo período, visando a permanência de capitais e retenção de negócios pelas seguradoras nacionais e impulsionar a economia, foi criado em 1939 o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, pelo então presidente Getúlio Vargas. Tal feito representou um verdadeiro divisor de águas, pois até aquele momento a atividade de resseguro operada no país era quase em sua totalidade realizada no exterior, de forma direta ou por intermédio de empresas estrangeiras que aqui atuavam. Nessa conjuntura, o IRB, criado pelo Decreto-Lei n.° 1.186 de 03 de abril de 1939, uma sociedade de economia mista, veio com a finalidade precípua de regular o co-seguro, o resseguro e a retrocessão. Sua função de fundo sempre esteve voltada para o desenvolvimento e expansão das operações de seguros no Brasil. Desde sua criação as empresas seguradoras se viram compelidas a ressegurar no IRB as responsabilidades excedentes à sua capacidade de retenção. As operações do IRB com o mercado exterior eram bastante restritas, reduzindo-se apenas à cessão de responsabilidades. Todavia, a partir 1948, o IRB iniciou uma fase de transações no mercado ressegurador mundial. Referido modelo foi essencialmente mantido pelo Decreto-Lei n.° 73, de 21 de novembro de 1966. A atividade de resseguro permanecia sob seu monopólio, bem como a atribuição para regular a matéria no Brasil, podendo, de forma excepcional, com previsão no art. 82, autorizar as sociedades seguradoras a realizar operações de resseguro, não ficando aquelas desincumbidas de ressegurar o excedente de sua capacidade para aceitação de riscos no IRB, salvo quando previamente autorizadas pelo mesmo para realizar essa atividade no exterior. O IRB fosse pela cessão ou retrocessão, ao regular e legislar aumentou a capacidade de retenção do mercado brasileiro de seguros. As operações de
1 seguro foram completamente nacionalizadas no final da década de 50, tendo sua consolidação no decorrer dos anos 7014. Já agora no âmbito constitucional, a Carta Constitucional de 1988 versou sobre a temática em análise em seu artigo 192, II, nos exatos termos: Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regula em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: I – (omissis) II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão fiscalizador e do órgão oficial ressegurador; (...). (grifou-se)
O IRB, previsto no Decreto-Lei n.° 73 que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com o status de lei complementar, por expressa disposição legal acima cotejada, passando a ser o órgão oficial ressegurador no Brasil com total exclusividade da atividade resseguradora. Embora fossem aventadas questões à época quanto à inexistência de previsão no artigo 177 para o exercício desta atividade em regime de monopólio, esta tese fora superada, dado que existiam outros casos em que a Constituição consagrou o monopólio afora daqueles previstos no artigo 177. 2.2.1) A “supressão” do monopólio do IRB. A Emenda Constitucional n.° 13, de 21 de agosto de 1996, alterando o artigo 192 do Diploma Supremo, conferiu-lhe a seguinte redação, “in verbis”: Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: I – (omissis) II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão fiscalizador. (...)
14
CRAVEIRO, 2005, p. 06.
1 A partir dessa alteração, que eliminou a existência do órgão oficial ressegurador, a doutrina passou a sustentar que não haveria mais o monopólio da atividade resseguradora no Brasil, estando a mesma aberta à exploração privada. A segunda conclusão a que chegaram foi que o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP - seria competente para dispor sobre a autorização e funcionamento da atividade e dos estabelecimentos resseguradores. Todavia um entrave permanecia, pois embora pairasse o entendimento de que o CNSP seria o órgão competente para dispor sobre autorização e funcionamento dos estabelecimentos de resseguro, o IRB, como ressegurador, não poderia permanecer, a teor do Decreto-Lei 73, com o exercício das funções de regulamentação e fiscalização da atividade ressecuritária. Nesse ponto, entenderam que as competências deveriam ser atribuídas à Superintendência de Seguros Privados – SUSEP (art. 35 a 40). Sobre o assunto, segundo retratado por Paulo Luiz de Toledo Piza, alguns autores passaram a sustentar que bastaria a edição de Lei Ordinária para que fossem promovidas referidas alterações. Confira-se15, “in verbis”, [...] para tanto, julgou-se que não seria necessária a edição de lei complementar, bastando a lei ordinária, pois o Decreto-Lei 73, onde não dispusesse sobre autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, ou do órgão oficial fiscalizador, já não carregaria o status de lei complementar.
Em observância a este entendimento, foi editada a Medida Provisória n.° 1.578 de 17 de junho de 1997, convertida posteriormente na Lei n.° 9.482 de 13 de agosto de 1997, introduzindo alterações no IRB, que agora se denomina IRB Brasil Resseguros S.A. Subseqüentemente foi editado o Decreto n.° 2.423, que incluía o IRB no programa nacional de desestatização e depois foi publicada a Lei n.° 9.932, de 20 de dezembro de 1999, segundo a qual a fiscalização e a normatização, antes de competência do IRB, seriam transferidas para a SUSEP, que também gozaria da competência para conceder autorizações. 15
PIZA, P. L. T. O resseguro e o STF. Disponível em <www. Ibds.com.br>. Acesso em 10/04/2005, p. 03.
1 A União, detentora do controle acionário do IRB por força da Lei n.° 9.482, no intuito de privatizá-lo, determinou uma primeira data para o leilão que não foi efetivado, como também um segundo que também não se realizou. Um terceiro leilão foi então definido para acontecer no dia 25/07/2000, sendo novamente inviabilizado, agora por força de uma medida liminar deferida nos autos da Medida Cautelar em Ação Direta de Constitucionalidade proposta pelo Partido dos Trabalhadores, na qual se suspendeu a eficácia dos artigos 1°, 2°, parágrafo único do artigo 3°; artigos 4° ao 10° e artigo 12 da Lei 9.932. Referida liminar foi confirmada por maioria de votos em 10/10/2002 pelo STF ao julgar a Medida Cautelar, nos seguintes termos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA PELO TRIBUNAL. LEI ORDINÁRIA 9932, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999, QUE DISPÕE ACERCA DA TRANSFERÊNCIA DE ATRIBUIÇÕES DA IRB-BRASIL RESSEGUROS S/A IRB-BRASIL RE PARA A SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP. VÍCIO FORMAL. LEI COMPLEMENTAR. EFEITOS DA EC 13/96 SOBRE AS ATIVIDADES DE FISCALIZAÇÃO E REGULAÇÃO DO SETOR DE RESSEGUROS. 1. A Emenda Constitucional 13, de 1996, ao suprimir a expressão “órgão oficial ressegurador” do inciso II do artigo 192 da Carta Federal, aboliu o monopólio da IRB-Brasil Resseguros S/A - IRB-BRASIL Re. 2. A regulamentação do sistema financeiro nacional, no que concerne à autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão fiscalizador, é matéria reservada à lei complementar. 3. As funções regulatórias e de fiscalização conferidas à IRB - Brasil Resseguros S/A pelo Decreto-lei 73/66, recebido pela Constituição de 1988, não podem ser alteradas por lei ordinária. 4. Entendimento divergente do relator, que apenas suspendia a vigência da expressão “incluindo a competência para conceder autorizações”, constante do artigo 1º da Lei 9932/99, por considerar que os demais dispositivos disciplinam matéria típica de lei ordinária. Liminar referendada pelo Pleno para suspender, até o julgamento final desta ação, a eficácia dos artigos 1º e 2º; parágrafo único do artigo 3º; artigos 4º ao 10; e artigo 12, da Lei 9932, de 20 de dezembro de 1999, do Distrito Federal.
Todavia, sobreveio após a confirmação da liminar em sede cautelar, a Emenda Constitucional n.° 40, de 29 de maio de 2003, alterando o caput do art. 192, como também revogando seus incisos e parágrafos. O mencionado artigo passou a ter a seguinte redação, “in verbis”: Art. 192. O sistema financeiro nacional, promover o desenvolvimento equilibrado interesses da coletividade, em todas as abrangendo as cooperativas de crédito,
estruturado de forma a do País e a servir aos partes que o compõem, será regulado por leis
1 complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
A Advocacia Geral da União e subseqüentemente a Procuradoria-Geral da República peticionaram nos autos da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade informando das modificações advindas com a edição da Emenda Constitucional n.° 40, as quais tornariam a ação prejudicada. O Relator, então, em decisão monocrática, entendeu no mesmo sentido, ou seja, que os pedidos aduzidos na exordial estavam prejudicados. Confira-se, “in verbis”: 1. Tanto a Advocacia-Geral da União quanto a Procuradoria Geral da República manifestaram-se pelo prejuízo do pleito formulado na ação direta de inconstitucionalidade. A premissa mostra-se única: a alteração do dispositivo constitucional de referência – artigo 192 da Carta Federal, presente a Emenda Constitucional n.° 40/2003. O requerente, instado a pronunciar-se, quedou-se silente. 2. Procede o prejuízo aventado. Com a Emenda Constitucional n.° 40/2003, alterou-se o artigo 192 do Diploma Maior, argüido como inobservado, revogando-se os incisos e alíneas e parágrafos. Vale dizer que, no texto constitucional, já não mais se alude ao resseguro. 3. Ante o quadro, declaro o prejuízo do pedido inserto na inicial. 4. Publique-se.
A Emenda Constitucional n.° 40, ao estabelecer nova redação ao art. 192 da Carta Magna, trouxe sérias repercussões e questionamentos acerca da constitucionalidade ou não da L. 9.932, bem como sobre uma possível recepção ou não pelo novo texto constitucional. Inicialmente, conforme remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o controle direto de constitucionalidade da Lei n.º 9.932 em face do revogado texto constitucional é inviável. Subsiste, entretanto, a possibilidade do exame em controle difuso de constitucionalidade. Essa é a lição de Oswaldo Luiz Palu16: Se em certo momento o Supremo Tribunal Federal não entendia prejudicada ação direta de inconstitucionalidade ante a revogação superveniente da lei (aquela impugnada na ADIn), por produzir efeitos 16
PALU, O. L. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2ª ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 219.
1 jurídicos e ostentar a decisão do STF em caso de ato normativo revogado após a propositura da ação direta é a de estar a ação direta prejudicada por falta de objeto; os eventuais efeitos residuais havidos devem ser questionados na via concreta, não na abstrata.
Ora, o que é passível de discussão quanto à matéria posta em tela se refere a uma norma constitucional modificativa, criando, assim, uma nova ordem constitucional e uma Lei Ordinária publicada ainda na vigência da revogada norma constitucional. Pondera-se, então, se seria o caso de recepção ou não-recepção17 desta pela nova ordem constitucional. Ainda sobre o assunto, caberia indagar se não seria a ação de descumprimento de preceito fundamental, disposta na L. 9.882, de 03/12/199, o instrumento hábil para se questionar acerca da recepção ou não da L. 9.932 em face do novo art. 192 da constituição, alterado pela EC n.° 40. Sobre o primeiro ponto, que somente poderá ser analisado caso a caso (controle difuso), tendo em vista que se trata de uma hipótese rara e de pouca discussão no meio doutrinário, entendo que não há que se falar sobre a possibilidade de recepção ou não recepção da Lei 9.932 em face da nova ordem constitucional erigida com a publicação da EC n.° 40. Embora a Lei 9.932 esteja integrando o ordenamento jurídico pátrio, deve-se entender que para analisar a recepção desta norma impõe-se estudála em dois momentos, quais sejam, primeiro da sua constitucionalidade à época de sua publicação, segundo, em caso de sua constitucionalidade, a sua recepção ou não. Isto porque o objeto da análise deve ser sua constitucionalidade levando-se em consideração a Constituição que vigorava à época de sua publicação. E, assim, ante a sua incompatibilidade, decorrente de um vício formal de constitucionalidade – exigência de lei complementar -, é a mesma nula, não sendo, dessa forma possível perquirir acerca da recepção ou não recepção de uma lei que certamente será declarada inconstitucional na via difusa.
17
[...] as normas anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência mais tarde. Se entre ambas houver inconcialiabilidade, ocorrerá revogação, dado que a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível, e a lei constitucional, como lei que é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham. Paulo Brossard, citado por Alexandre de Moraes. Direito constitucional. 13ª ed. atual. São Paulo: Atlas, 2003, p. 612.
1 Logo, caso surja, em controle difuso, a necessidade de pronunciamento sobre a recepção ou não da Lei 9.932 pela nova ordem constitucional (após a EC n.° 40), deve-se frisar a impossibilidade de realizar tal feito. O que pode ser questionado e apreciado é sua constitucionalidade tendo em vista a Constituição à época de sua publicação. Quanto ao segundo questionamento, cumpre destacar inicialmente que a Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF -, prevista na Lei n.º 9.882, cuja competência para a apreciação e julgamento é do Supremo Tribunal Federal, permite que “controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”, seja apreciada, consoante disposição do artigo 1°, parágrafo único, inciso primeiro da lei mencionada. Os legitimados para a sua propositura são os mesmos indicados para propor a ação direta de inconstitucionalidade. Já o seu cabimento deverá respeitar o princípio da subsidiariedade, ou seja, ficará adstrito a situações em que não houver qualquer outro meio eficaz de se evitar que uma lesividade à ordem constitucional se concretize, caso contrário, a petição inicial será indeferida liminarmente (art. 4°, § 1° da L. 9.882). O ponto crucial sobre esta indagação tange a compreensão da expressão “preceito fundamental”. A doutrina mais abalizada pacificou o entendimento de que seu conceito não deve ser limitado apenas aos princípios fundamentais, englobando também, os chamados princípios sensíveis. Essa é a lição de Mandelli Júnior18, a qual passo a transcrever: [...] preceito fundamental da Constituição não seria qualquer dispositivo constitucional, mas somente aqueles preceitos, regras ou princípios, explícitos ou implícitos, que caracterizam a essência da Constituição, isto é, opções políticas fundamentais adotadas pelo constituinte. Embora entre as normas constitucionais não exista uma hierarquia axiológica, é possível verificar a possibilidade de uma hierarquia axiológica, quando se faz uma distinção ente preceito constitucional e preceito constitucional fundamental. Uma hierarquia de valor entre as normas constitucionais.
18
MANDELE JÚNIOR, R. M. Argüição de descumprimento de preceito fundamental : instrumento de proteção dos direitos fundamentais e da Constituição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 115.
1 Paulo Luiz de Toledo explanou no sentido de que o sistema financeiro nacional e, conseqüentemente, a atividade securitária em sentido amplo, está compreendida dentro do conceito de preceito fundamental, visto que:19 [...] ninguém duvida da relevância da exigência legislativa para a disciplina do sistema financeiro nacional e do máximo grau de influência que esta disciplina exerce sobre a vida de todos, sobre os agentes e a atividade econômica, valendo ressaltar a importância econômico-social da indústria securitária, tomada em sentido amplo. Ou seja, poder-se-ia eventualmente conotar como sensível a distribuição constitucional de competência legislativa e a exigência da lei complementar para regular matéria capaz de impactar profundamente o desenvolvimento do país, afeta talvez ao princípio da soberania popular.
Todavia, mesmo não havendo uma construção jurisprudencial em torno da matéria, não parece ser esta a posição a ser seguida, sendo este conceito bastante restrito. Essa é a lição de Oswaldo Luiz Palu20, confira-se: [...] já se pode firmar que, em vista da posição que ocupam na Carta, constituem preceitos fundamentais: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico e os direitos e garantias individuais (CF/88, arts. 1° e 60 §4°).
Por todas as considerações expostas acima, entendo não ser possível a argüição da inconstitucionalidade da Lei 9.932 por ADPF. A alteração superveniente do art. 192 da Carta Suprema acabou por fazer com que o STF entendesse por restar prejudicada a ADIN n.° 2.223, na qual já havia em sede cautelar firmado o entendimento da inconstitucionalidade da L. 9.932. Transitada em julgado a decisão que julgou prejudicada ADIN, a argüição sobre a constitucionalidade da lei em comento somente poderá ser realizada em controle difuso, surtindo efeito apenas “inter partes”. No entanto, caso o STF ao julgar recurso extraordinário entenda incidentalmente pela inconstitucionalidade do referido diploma legal, este órgão poderá, a teor do art. 52, X da CF, expedir ofício ao Senado Federal a fim de
19
PIZA, P. L. T. O resseguro e o STF. Disponível em <www. Ibds.com.br>. Acesso em 10/04/2005. p. 09.
20
PALU, 2003, p. 265.
1 que os efeitos da decisão, limitados ao caso concreto, passem a ser “erga omnes” com a revogação da Lei. As alterações inseridas pela EC n.° 40 concernentes ao art. 192 da constituição possibilitaram que cada setor integrante do sistema financeiro nacional fosse regulado por um lei complementar autônoma. Destarte, o setor de seguros e resseguros, poderia ser disciplinado de forma autônoma, o que não significou a subtração da necessidade de lei complementar para tal implementação. Poder-se-ia, outrossim, sustentar que a atividade de seguros e resseguros estaria excluída da alçada do sistema financeiro nacional. Todavia, basta uma singela análise sistêmica das normas que regulam esta atividade para compreender que tal proposição não encontra respaldo jurídico. De fato, a própria Lei do sistema financeiro nacional (Lei n.° 4.594), dispõe que o setor securitário é parte integrante deste sistema, estando inclusive sujeito, ao menos, à parte da disciplina e regulamentação emanadas dos órgãos pertencentes a este sistema. Além do mais, o histórico constitucional sempre postou as operações financeiras e as atividades seguradoras em geral conjuntamente. O ilustre Luiz Paulo de Toledo Piza21, concluindo com desenvoltura seu pensamento, assim explicou: Não parece certeiro concluir, enfim, sem mais, que, com a EC 40, teria sido afastada a exigência de lei complementar para a disciplina do setor de seguro e resseguro, porquanto se teria deixado de explicitar um ou outro ponto a ser abordado, como o da concessão de autorização para funcionamento de estabelecimentos de seguro e resseguro. O fato de essa emenda constitucional ter vindo para explicitar que o sistema financeiro nacional pode ser disciplinado por leis complementares no plural, pode ser compreendido como referendando que uma dessas leis complementares é a referente ao setor de seguro e resseguro.
Enfim, ainda que haja um entendimento predominante sobre a exigência de lei complementar para a alteração do Decreto Lei 73, não existe um posicionamento definitivo acerca da inconstitucionalidade da Lei n. 9.932.
21
PIZA, P. L. T. O resseguro e o STF. Acesso na Internet, www. Ibds.com.br, data do acesso 10/04/2005, p. 13.
1 Conclui-se, então, que esta incerteza acarreta danos à atividade ressecuritária, visto que, é imprescindível que seu exercício esteja fulcrado em um ordenamento jurídico sólido. Deste modo, enquanto pairar referida insegurança, a atividade ressecuritária restará prejudicada.
1
3) PRINCÍPIOS JURÍDICOS E COSTUMES APLICÁVEIS AO RESSEGURO INTERNACIONAL Dado ao seu caráter, mormente internacional, o instituto do resseguro não recebe um tratamento legislativo específico pela grande maioria dos países, o que implica em um campo extremamente sujeito à autonomia da vontade. Assim, os próprios contratos de resseguro assumem a função de uma das fontes do direito mais férteis. No entanto, não representam a única fonte de direito, devendo-se adicionar também aos costumes internacionais do mercado ressegurador, a própria arbitragem - que embora não goze de plena obrigatoriedade é uma praxe neste mercado internacional. Quanto ao grau regulação do resseguro, seguindo a classificação elaborada por Marcelo Haddad22, podemos distinguir as legislações nacionais em três grupos, sendo que em alguns casos um mesmo país pode estar compreendido em mais de um grupo. São assim definidos: 1) aqueles que excluem a aplicação das normas securitárias ao resseguro – regulação negativa do resseguro –, tais como Alemanha, Suíça, Áustria, Dinamarca e Finlândia; 2) aqueles que estabelecem em suas legislações comerciais, mais usualmente aquelas atinentes ao seguro marítimo, a possibilidade dos riscos segurados serem ressegurados, tais como Alemanha, Áustria, Itália, Holanda, Espanha, Portugal, Finlândia, Venezuela, Argentina e Brasil; 3) aqueles cujos ordenamentos jurídicos dispõem, ainda que com poucas normas, sobre a atividade seguradora, comumente regulando a relação entre o segurador e o ressegurador, como também a inexistência de relação jurídica entre ressegurador e segurado, tais como, Itália, França, Espanha, Colômbia, Argentina, Brasil e alguns Estados dos Estados Unidos; 22
HADDAD, M. M. O resseguro internacional. Rio de Janeiro: FUNENSEG, 2003, p. 58.
1
3.1) PRINCÍPIOS 3.1.1) Autonomia da vontade nos contratos internacionais O contrato de resseguro, segundo já apresentado, normalmente não é regulado pelos ordenamentos nacionais e quando o é, a regulação é ínfima e superficial, não sendo esta suficiente para disciplinar todas as minúcias que acompanham a celebração do contrato de resseguro. No resseguro, ante seu caráter eminentemente internacional, em que as partes contratantes, no mais das vezes, estão sediadas em países diferentes, poderia surgir divergência quanto ao ordenamento jurídico aplicável ao contrato. Nesse campo de regulação notadamente escassa, os contratos de resseguro são objeto de forte atuação da autonomia da vontade, a qual se consubstancia principalmente no âmbito ressecuritário pela lex mercatoria. 3.1.1.1) O conceito de lex mercatoria A
lex
internacional,
mercatoria, embora
cuja
não
origem
possa
ser
remonta
à
considerada
atividade como
comercial um
direito
supranacional completo e acabado, é um conjunto de normas oriundas de seus usos e costumes, jurisprudência arbitral e contratos-tipo. Essa é a lição de Goldman23, citado por Marcelo Haddad:
[...] ela representa um conjunto de princípios gerais e regras costumeiras, oriundas da moderna sociedade dos comerciantes, princípios e regras estas que se encontram de certa maneira subordinadas “às ordens jurídicas nacionais no que concerne a seu emprego (mise-em-oeuvre), sua substância e eficácia”.
Nesse âmbito conceitual, destacam-se três correntes: a) aquela que define a lex mercatoria como sendo um conjunto de normas completo e 23
GOLDMAN apud HADDAD, 2003, p. 100.
1 acabado supranacional, absolutamente independente do ordenamento jurídico estatal; b) a lex mercatoria seria para alguns doutrinadores uma alternativa à ordem nacional visto que essa possui um conjunto normativo suficiente para decidir os litígios que venham a se estabelecer entre os pactuantes e; c) a lex mercatoria seria uma complementação ao ordenamento jurídico nacional, sendo, portanto, dele dependente. Nessas três correntes, verifica-se um ponto em comum, qual seja, a tendência de desnacionalização das normas aplicáveis. O critério diferencial posto entre as conceituações reside, exatamente, no grau de independência da lex mercatoria em face dos respectivos ordenamentos jurídicos em que ela exista. Na arbitragem internacional, a sua aplicação aparece de forma mais ampla e, segundo Strenger, sua força vinculativa independe das normas estatais. Por outro lado, nas palavras Hermes Marcelo Huck, seu maior desafio é a aceitação pelo ordenamento, ou melhor, o reconhecimento de uma decisão fundada na lex mercatoria e sua execução. Veja-se, “in verbis”: Enquanto Strenger24 afirma: [...] a força vinculativa da lex mercatoria não depende da autoridade emanada das leis estatais.
Huck25, em contraposição, preleciona: [...] O momento da verdade surge quando um contrato firmado sob a égide da lex mercatoria, ou um laudo arbitra, ou mesmo uma sentença judicial, prolatados com base naquele conjunto de normas, são apresentados perante um tribunal estatal estrangeiro, buscando de alguma forma reconhecimento ou execução. Se o tribunal estatal negar homologação a tal sentença, laudo ou deixar de reconhecer o contrato, todo o esforço unificador dos construtores da lex mercatoria terá sido em vão.
Interessante nesse aspecto trazer à colação o entendimento que o Supremo Tribunal Federal firmou ao julgar questão que envolvia justamente a necessidade ou não de homologação do laudo arbitral. Nesse diapasão, tendo em vista a publicação da L. 9.307/96, ficou lavrada no acórdão a necessidade 24
STRENGER apud HADDAD, 2003, p. 101.
25
HUCK apud HADDAD, 2003, p. 101
1 de homologação do laudo arbitral pelo judiciário brasileiro, como também afastada a necessidade de que se procedesse à homologação no país de origem. Confira-se, “in verbis”: EMENTA: 1.Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis - a existência e o montante de créditos a título de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação: ausência de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente: homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo regimental a que se dá provimento,por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial. 2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem - a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral - não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua conseqüente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).
1
(STF – Tribunal Pleno - SE 5206 AgR / EP – ESPANHA, Relator Min. Sepúlveda Pertence, data julg. 12/12/2001, data da pub. 30/04/2004.)
3.1.1.1.1) As fontes da lex mercatoria A lex mercatoria possui diversas fontes, dentre as quais os costumes internacionais se apresentam como a mais importante. Constituem também fonte da lex mercatoria, os princípios gerais do direito, os contratos-tipo, as condições gerais de negócios e a jurisprudência arbitral. Os princípios gerais do direito estão normalmente relacionados às relações contratuais, como por exemplo, o princípio da pacta sunt servando, exceptio non adimpleti contratus, a boa-fé, e outros mais. Os usos e costumes internacionais podem ser compreedidos como sendo uma repetição, uniforme e constante, de atos semelhantes respeitados e consentidos por todas as pessoas, que passam a segui-los como se norma jurídica fossem. São considerados uma das mais importantes fontes da lex mercatória. Os contratos-tipo são regulamentações ou verdadeiras fórmulas contratuais elaboradas por organismos que atuam com no comércio internacional. São contratos que possuem diversas cláusulas em comum e, por isso, foram padronizados, diferenciando-se apenas no que tange as especificidades
do
nicho
comercial
explorado.
Podemos,
a
guisa
exemplificativa, enumerar as regras da London Corn Trade Association, que possui 60 fórmulas-tipo para o comércio de grãos de trigo; os INCOTERMS da C.C.I., que regulam as obrigações e direitos do vendedor e do comprador, através das cláusulas CIF, FOB, etc... Por último, temos a jurisprudência arbitral, também de suma importância porquanto se trata de um campo fecundo para a aplicação da lex mercatoria. Com efeito, tendo em vista que o seu conteúdo é de normas regentes das relações comerciais, a jurisprudência arbitral nada mais é do que a concretização destas normas, ratificando-as e fortalecendo as práticas usualmente exercidas na atividade comercial internacional.
1 3.1.2) A máxima boa-fé O princípio da boa-fé é inerente a todo e qualquer tipo de contrato. Nos contratos de seguro, ante a importância das informações concedidas, esse princípio ganha mais relevo ainda, especialmente quando se trata de um contrato de resseguro. De início, fazendo uma breve observação sobre o princípio da máxima boa-fé na temática securitária em sentido estrito, Pedro Alvim26, delineou com precisão sua importância ao mencionar que as “decisões do segurador se louvam geralmente nas informações prestadas pelo segurado”. Nesse sentido Clovis Bevilaqua27, citado por Pedro Alvim, referindo-se a expressa disposição desse princípio contida no artigo 1443 do Código Civil de 1916, redação está mantida substancialmente pelo artigo 765 do Código Civil de 2002, assim ponderou: Diz-se que o seguro é um contrato de boa-fé. Aliás todos os contratos devem ser de boa fé. No seguro, porém, este requisito se exige com maior energia, porque é indispensável que as partes confiem nos dizeres uma da outra. Pela mesma razão, é posto, em relevo, no seguro, o dever comum de dizer-se a verdade.
Já agora, no âmbito da atividade ressecuritária, sua aplicação deve observar a forma de contratação do contrato celebrado, facultativo e individual ou geral e automático. Conquanto serão aclaradas no decorrer deste estudo, pode-se, em primeiras linhas, afirmar que no primeiro o ressegurador tem maior oportunidade para verificar as informações fornecidas pelo ressegurado podendo, inclusive, recusar-se a realizar o resseguro. Já no segundo, o ressegurador, embora receba informações gerais sobre o risco a ser coberto pelo segurador, fica submisso às aceitações de riscos realizadas pelo cedente. Caso as informações fornecidas pelo segurador cedente sejam falsas ou mesmo incorretas, o contrato de resseguro pode ser anulado. Todavia, o ressegurador não possui muitos meios de analisar a conduta do seu ressegurado e impugná-la.
26
ALVIM, 1986, p. 130.
27
BEVILAQUA apud ALVIM, 1986, p.132.
1 Dirube28 explanou acerca da importância da ubérrima boa-fé nos contratos de resseguro da seguinte forma: É absoulutamente necessária a mais absoluta (ubérrima) boa fé durante toda a vigência do contrato, seja este individual ou geral, e especialmente neste último caso. Está implícito no espírito do contrato de resseguro que o cedente não modificará sua política de aceitação de riscos, nem seu critério de retenções, nem alterará os parâmetros tarifários, nem os critérios de reconhecimento dos sinistros, porque continuará operando – em suma – como se não estivesse ressegurado. Esta é, realmente, a essência do sistema.
Ainda nessa linha, R. L. Carter29, “in verbis”: Los contratos de reaseguros, al igual que las demás formas del seguro, han de ajustarse al principio de uberrimae fidei – de máxima buena fé. No basta com que lãs partes se abstengan simplesmente de formular declaraciones errôneas, tinem que revelar completamente todos los datos de interes de igual forma que lo harían em los contratos de seguro. Esta obligación recae sobre ambas partes.
Pontifica também nesse aspecto Paulo Luiz de Toledo Piza30: [...] se é o próprio segurador quem calcula as indenizações que lhe serão pagas pelo ressegurador, a exigência de correção de sua parte aparece como um imperativo mais do que categórico. Pelo próprio fato de o tratado ser, no mais das vezes globalmente gerido ou administrado pelo ressegurado, enfim, é que se lhe impinge esse especial dever de correção e transparência – a uberrima fides – que aliás bem se evidencia, na prática pelo chamado pacto de confiance que, por vezes, se prevê expressamente e de acordo com o qual o ressegurado, precisamente, é quem irá definir a indenização que lhe deve ser prestada pelo ressegurador.
Ademais, deve-se enfatizar que o princípio se aplica reciprocamente ao ressegurado como ao ressegurador, tendo ambos o dever de observância. A importância da máxima boa-fé foi retratada por Gerathewohl31, citado por Marcelo Haddad, nos precisos termos: A exigência especial da presença do princípio da boa-fé nas relações entre segurador e ressegurador explica-se basicamente pelo fato de que inúmeros e importantes aspectos negociais restam a cargo do segurador, ficando o ressegurador privado de influenciar tais 28
DIRUBE, A. F. Manual de resseguros. São Paulo: General Re, 1991, p. 26. MELLO, S. R. B. Contrato de resseguro: natureza normativa e conflitos jurídicos relevantes. Disponível em <www. pellon-associados.com.br>. Acesso 15/04/2005.
29
30
PIZA, 2001, 102.
31
GERATHEWOHL apud HADDAD, 2003, p.62.
1 decisões; o ressegurador deve, portanto, ter confiança de que o segurador, sua contraparte no contrato de resseguro, restringir-se-á ao acordado, selecionará e precificará os riscos a serem assumidos de forma cuidadosa, regulará os sinistros de maneira apropriada e processará corretamente o acerto de contas (entre o segurador e ressegurador).
Enfim, o princípio da máxima boa-fé poderia ser compreendido como sendo aquele em que as ações do segurador teriam que ser realizadas como se o mesmo não estivesse ressegurado, pois, assim, seriam adotadas por sua parte, todas as precauções e cautelas para a celebração do contrato. Se o segurado cedente assim agir, restará devidamente observado o presente princípio em sua relação com o ressegurador. 3.1.3) O dever de informação Do princípio da máxima boa-fé depreende-se o dever de informação, expresso pelos ordenamentos nacionais como uma regra básica para sua consecução. Nessa linha, Paulo Luiz de Toledo Piza32, mencionou: É evidente que também o ressegurador, de seu lado, também apresenta um interesse contrário à verificação do sinistro, mas isto concorre apenas para mostrar que o interesse de ambas as partes converge, ou seja, não se diferencia – o que, alías é de grande relevância, pois é dessa comunhão de interesses, precisamente, de que derivam, por exemplo, os chamados “direitos de informações”.
Nas primorosas palavras de Marcelo Haddad33, pode-se definir que o dever de informação é “o dever pré-contratual e contratual do segurado fornecer ao segurador todas as informações relativas ao risco a ser assumido e todas as circunstâncias que podem agravá-lo, bem como prontamente informar o segurador sobre a ocorrência de um eventual sinistro”. Nos contratos de resseguro, pode-se verificar que a intensidade e importância deste dever podem variar. Com efeito, tendo em vista os resseguros facultativos e os tratados de resseguro podemos afirmar que, enquanto nos primeiros, tendo em vista a maior oportunidade de o 32
PIZA, 2001, p. 214.
33
HADDAD, 2003, p. 62.
1 ressegurador verificar e perquirir sobre outras informações que julgue necessárias. Por outro lado, nos tratados as informações são mais genéricas e não é concedida ao ressegurador a possibilidade de previamente analisar os riscos. Destarte, pode-se dizer que nos tratados de resseguro o dever de informação é ainda mais evidenciado, visto que não é oportunizada a discussão prévia do risco a ser coberto como ocorre nos contratos de resseguro facultativos.
3.2) OS COSTUMES INTERNACIONAIS Os costumes internacionais, como afirmado anteriormente, constituem uma das fontes mais importantes do direito de resseguro. O costume pode ser compreendido como uma prática habitual que se reveste da sensação de obrigatoriedade em uma determinada época, diante de uma situação e local específicos. Quando analisado em sua perspectiva mundial, o elemento “localidade” perde importância. Segundo Maximiliano34, o costume é “uma norma jurídica sobre determinada relação de fato e resultante de prática diurna e uniforme que lhe dá força de lei”. Strenger35 na mesma linha assevera que, “o costume é, por conseguinte, a observância constante ou reiterada e uniforme de uma determinada regra de conduta, com a convicção de obedecer a uma regra de direito”. No campo ressecuritário, merecem destaque as palavras de Frey36, citadas por Marcelo Haddad, ao discorrer sobre o costume internacional. O renomado autor asseverou que: (...) a técnica e as necessidades dos negócios ressecuritários, que mundialmente de uma forma ou de outra se assemelham, fizeram com que se criassem, com o passar do tempo, regras costumeiras,
34
MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 188. 35 STRENGER, I. Direito internacional privado. 3ª ed. aum. São Paulo : LTR, 1996, p. 119. 36
FREV apud HADDAD, 2003, p. 69.
1 que, no seu conjunto, são designadas como usos e costumes ressecuritários.
Picard e Besson37 também comentam ainda que “as relações entre as partes, estabelecidas nas convenções e regras de resseguro, são sobretudo regras costumeiras”. Embora os costumes atinentes aos contratos de resseguro possam divergir de um país para outro, existem aqueles que têm aplicação mundial. Os costumes são uma decorrência lógica do tempo, isto é, as próprias cláusulas contratuais existentes nos resseguros que foram sendo celebrados com o passar do tempo, acabaram por firmar determinadas práticas, que ainda hoje, mesmo que não expressas nos contratos de resseguro, deverão ser observadas. Nesse ponto, interessante notar que os costumes assumem um caráter supletivo aos contratos de resseguro. De fato, os contratos vêm sendo elaborados de maneira a eliminar quaisquer lacunas ou dúvidas que possam sobrevir à sua celebração, principalmente pela redação de cláusulas cada vez mais completas e exaustivas. Aponta nesse sentido Gerathewohl38 ao afirmar que: [...] embora os contratos escritos (...) sejam invariavelmente o elemento primordial na formação e regulação das relações entre o segurador e o ressegurado, os direitos e deveres das partes de um tratado de resseguro, nele mesmo estabelecidos, na prática algumas vezes mostram-se inadequadamente definidos e carentes de suplementação. É aí que os costumes ressecuritários entram em ação, auxiliando na interpretação e preenchendo lacunas. Isto é, circunstâncias consideradas pelas partes como insuficiente ou como quase.
Por certo, torna-se clarividente que os costumes assumem uma dimensão de fonte secundária do direito de resseguro, visto que, os contratos de resseguro são o norte maior e fonte principal para disciplinar as relações entre segurador e ressegurador. Marcelo Haddad39, em importante passagem, pronunciou sobre a matéria, “in verbis”:
37
PICARD & BESSON apud PIZA, 2001, p. 235.
38
PIZA, 2001, p. 235.
1
Não podemos, contudo, negligenciar o fato dos costumes continuarem sendo uma fonte viva e perene da evolução e desenvolvimento do direito do resseguro, principalmente quando falta a este direito uma base de sustentação nos direitos nacionais. Este papel ainda é e sempre será exercido pelos costumes ressecuritários, influenciando a conduta dos agentes econômicos e, por conseguinte, a redação dos próprios contratos de resseguro.
3.2.1) Os costumes internacionais aplicáveis ao resseguro Conforme pontifica Prosperettie & Apicella40, citados por Marcelo Haddad, são cinco os costumes internacionais aplicáveis ao contrato de resseguro, quais sejam, a comunhão da sorte, a autonomia da gestão do ressegurador, a obrigação do ressegurador de respeitar os atos do segurador, o direito de inspeção e o dever de retenção de risco pelo segurador. 3.2.1.1) A comunhão da sorte A ligação do contrato de resseguro com o contrato de seguro pode ser demonstrada pela existência do princípio “comunhão da sorte” ou follow the fortune. Infere-se deste princípio que o ressegurador deve se sujeitar em relação a sorte do segurador cedente. Todavia, deve-se deixar claro que não há qualquer vínculo jurídico entre o ressegurador e o segurado original, tanto é assim, que não há como se estabelecer uma relação jurídica entre os mesmos. Pode-se compreendê-lo como aquele em que o ressegurador, tendo em vista a maior ou menor ocorrência dos danos segurados originalmente, tem resultados favoráveis ou se obriga a desembolsar os valores. Nas palavras de Dirube41, “a comunhão de sorte significa que o ressegurador sofre ou beneficia-se das contingências negativas ou positivas que afetam a companhia de seguros”.
39
HADDAD, 2003, p. 69.
40
PROSPERETTIE & APICELLA apud HADDAD, 2003, p. 70.
41
DIRUBE, 1991, p. 55.
1 Sua aplicação está intrinsecamente relacionada a um outro princípio, qual seja, o da máxima boa-fé, pois uma vez constatada a inexistência de boafé do ressegurado, o ressegurador não se obriga a acompanhar a sorte deste. Isto porque, conforme já mencionado neste trabalho, a boa-fé deve estar sempre presente nos contratos, necessidade esta majorada quando eles versarem sobre seguro, pois estes dependem de informações essenciais para sua formação. Portanto, em síntese, a aplicação do princípio da comunhão da sorte não exclui aquelas situações provocadas pelo ressegurado, desde que este não tenha agido com má-fé ou dolo e não haja previsão da cláusula de erros e omissões, na qual pode ser estabelecido que em certas situações em que se verifique um erro decorrente de uma atuação positiva ou negativa de uma das partes, a outra se verá liberta das conseqüências deste ato. Sobre o tema, merece destaque a explicação de Dirube42, veja-se: [...] o princípio da comunidade de sorte significa, pura e simplesmente, que o resseguro se adapta às cláusulas e condições originais do contrato de seguro, assinado com cada segurado, pela companhia seguradora ressegurada, e a conduta normal, segundo a técnica correta e boa administração que a mesma adotar, concedendo-lhe, dentro desses limites a mais ampla liberdade na gestão do risco, que é uma característica do que os franceses chamam de pacte de confiance.
Todavia, referido princípio não é de aplicação indistinta. Veja-se que nos contratos não-proporcionais, a obrigação do ressegurador, em regra, não se efetiva no mesmo momento da ocorrência dos sinistros, isto é, depende dos resultados técnicos aferidos após a ocorrência de um determinado número de sinistros em um período estabelecido, o que por si só, caracteriza uma exceção ao supramencionado costume. A continuidade, entretanto, das relações entre o segurador e ressegurador por um longo período de tempo assegurariam que eventuais discrepâncias decorrentes de bons ou maus resultados fossem mitigadas a patamares aceitáveis.
42
DIRUBE, 1991, p. 25.
1 Por fim, sua aplicação, ante o seu caráter de universalidade, a regra de seguir a sorte independe de expressa disposição contratual, nada obstando que haja cláusula com previsão de sua não aplicabilidade. 3.2.1.2) A autonomia de gestão do segurador A autonomia da gestão do ressegurado não sofre qualquer alteração em virtude da celebração de um contrato de resseguro. Isto é, o segurador cedente continua gozando de ampla autonomia na gestão de sua atividade, principalmente quanto à aceitação de riscos. Contudo, consoante já mencionado o segurador deve-se orientar pelo princípio da máxima boa-fé em sua relação com o ressegurador e assim, as decisões do ressegurado deverão resguardar também os interesses do ressegurador. Gerathewohl43, citado por Marcelo Haddad, salienta a importância desse costume à prática ressecuritária, “in verbis”: Ela serve aos interesses do segurador, que, após a celebração dos contratos [de seguro], preserva sua liberdade de negociação no que tange à execução e administração destes contratos, sem que paire sobre o mesmo o receio de que o ressegurador cancelará a cobertura ressecuritária. A autonomia de gestão do segurador, por outro lado, exonera o ressegurador do ônus da supervisão das relações securitária e, mais do que isso, da supervisão ou mesmo efetivação de todas as inúmeras regulações de sinistro decorrentes de referidas relações
securitárias,
encargos
estes
que
o
ressegurador
normalmente não tem condições de assumir.
Sobre o assunto, apontou Paulo Luiz de Toledo Piza44: Resulta evidente, pois, da compreensão do tratado ou contrato geral de resseguro, não apenas que o resseguro exige, sempre e mais, agilidade de forma, como também que se impõe ao ressegurado, na prática e na legislação dos países que regularam a matéria, ampla correção comportamental – valendo lembrar que, no mais das vezes, o ressegurador permanece estranho às relações entre segurador e segurado. 43
GERATHEWOHL apud HADDAD, 2003, p.72.
44
PIZA, 2001, p. 242.
1
Se por um lado o segurador tem ampla liberdade na gestão de sua atividade securitária, por outro tem o dever de informar ao ressegurador as suas atividades. Destarte, embora o ressegurador não possa intervir nas relações entre o segurado e o segurador, este deve sempre ter como norte a máxima boa-fé, da qual se depreende o dever de informar. Nesse âmbito, a doutrina, conforme preleciona Marcelo Haddad45, usualmente esmiúça a autonomia da gestão do segurador em relação ao ressegurador em três aspectos diferentes, que normalmente co-existem, são eles: a liberdade de escolha dos riscos e conclusão dos respectivos contratos de seguro, bem como a autonomia para determinação do valor do prêmio a ser cobrado do segurado; a liberdade de administração dos contratos de seguro, incluindo a possibilidade de efetuar endossos nas apólices originalmente emitidas; e a liberdade no procedimento de regulação dos sinistros ocorridos com base em referidos contratos de seguro, a qual inclui a prerrogativa de, a seu exclusivo critério, reconhecer ou não o sinistro, averiguar e/ou determinar seu montante e/ou acionar terceiros causadores dos prejuízos, em função da sub-rogação de direitos que normalmente decorrem do pagamento de um sinistro ao segurado.
Este último aspecto revela-se de grande relevância visto que, embora o ressegurador não possa diretamente acionar o terceiro responsável pelo evento danoso – sub-rogando-se no direito do segurador - que afetou indiretamente seu patrimônio, cumpre ao segurador informá-lo da recuperação da indenização desembolsada como também reverter ao ressegurador sua parcela, pois se assim não agisse, estar-se-ia configurando o locupletamento sem causa. Há que se fazer uma ressalva quanto aos contratos facultativos, pois estes são destinados a ressegurarem um determinado risco individual que por suas
peculiaridades,
inclusive
pelo
montante
envolvido,
são
sempre
minuciosamente analisados. Assim, vislumbra-se que a autonomia da gestão sofre algumas limitações quando se trata de um resseguro facultativo.
45
HADDAD, 2003, p. 73.
1 Com efeito, não se encontrará presente nestes casos a liberdade para assegurar os riscos, a determinação do prêmio a ser cobrado dado que o segurador somente assumirá tal risco se devidamente coberto por um ressegurador, estando, portanto, vinculado à decisão deste. Ainda nesse tópico, a seguradora também não goza de ampla gestão administrativa de sua atividade securitária, pois suas medidas e procedimentos não poderão alterar o risco e todos os elementos a ele vinculados. Há que se mencionar, outrossim, que segundo já afirmado, a autonomia da vontade prepondera nessa espécie contratual, de tal forma que a autonomia da gestão poderá ser objeto de regulação até um determinado limite, pois se restar configurado uma grande ingerência da resseguradora, poder-se-ia dizer que haveria de fato uma relação societária e não ressecuritária. 3.2.1.3) A obrigação do ressegurador de respeitar os atos do segurador. Paralelamente ao princípio “follow the fortune”, coexiste o princípio “follow the actions”, pelo qual o ressegurador deve respeitar e não intervir nos atos e procedimentos adotados pelo segurador quanto a assunção e gerência dos riscos desde que este também mantenha absoluta observância ao princípio da máxima boa-fé, sempre tendo em vista os interesses do ressegurador. Em razão disso, pode-se afirmar que a obrigação do ressegurador de respeitar os atos do segurador decorre de um outro costume, qual seja, a autonomia da gestão do segurador. De fato, se o segurador ao exercer sua gestão com autonomia observar os interesses do ressegurador em atenção à máxima boa-fé, este deverá reconhecer e respeitar as atitudes do segurador. Chega-se também a uma outra conclusão à contrário senso, isto é, verificando que o segurador não utilizou adequadamente a autonomia da gestão e agiu sem resguardar os interesses do ressegurador, indo de encontro ao princípio da mais estrita boa-fé, o ressegurador estará exonerado das responsabilidades de cobertura advindas da celebração do contrato de resseguro. Analisando sob uma ótica mais crítica, vê-se que tal medida representa um verdadeiro dever para o ressegurador. Também, deve-se ater para o fato de que a autonomia da gestão, além de ser um direito do segurador, também
1 constitui um dever, visto que este deve sempre realizar seus atos e medidas com vistas a não prejudicar o interesse do ressegurador. Nesse sentido, Merkelbach46, citado por Marcelo Haddad, expôs que o ressegurador “deve ter o direito de esperar que o segurador tenha sempre em conta seus próprios interesses, assim como os interesses do ressegurador”. 3.2.1.4) O direito de Inspeção A prática do seguro é embasada substancialmente no princípio da estrita boa-fé e como vimos acima, depreende-se deste o costume da autonomia de gestão do segurador. Com efeito, para que as relações entre ressegurado e ressegurador sejam de bom grado, deve o ressegurador, antes de celebrar quaisquer contratos com o segurador, analisar, dentre outros fatos, o histórico de sinistros e o procedimento de subscrição de riscos da companhia. Todavia,
o
ressegurador,
mesmo
após
análise
cautelosa
e
pormenorizada do segurador para que este se torne seu parceiro comercial, pode estar sujeito a erros do segurador atinentes a sua atividade, como por exemplo, na asseguração do risco, estipulação do prêmio e outros mais. Essas falhas do segurador normalmente estão relacionadas à autonomia da gestão dos seguros, a qual, segundo já explanado, deve ser respeitada pelo ressegurador. Diante de tal situação, a prática mundial entendeu que o ressegurador necessitava de um instrumento de fiscalização que lhe garantisse ter acesso às informações quando da celebração dos contratos de seguro. O direito de inspeção surgiu para sanar tal deficiência do sistema e por ele pode-se compreender, nas palavras de Hagopian & Laparra47, citado por Marcelo Haddad, como, “in verbis”: [...] na prerrogativa conferida ao ressegurador, ainda que não expressamente inserida no contrato de resseguro, de “proceder ao exme e verificação de todos os livros e demais documentos da companhia cedente (tais como, registro de prêmios e sinistros), que
46 47
MERKELBACH apud HADDAD, 2003, p. 74.
HAGOPIAN & LAPARRA apud HADDAD, 2003, p. 76.
1 se relacionem com o contrato de resseguro em questão e com o negócio assumido pelo ressegurador.
Embora represente de certa maneira a existência de uma desconfiança entre o ressegurador e o segurador, podendo culminar inclusive com um litígio entre as partes, deve-se entender que ao ressegurador deve ser conferida tal prerrogativa para que este observe se a administração da companhia cedente está alinhada com os seus interesses. Logo, é internacionalmente aceito que sua aplicação não fica adstrita à previsão contratual, sendo aplicável a qualquer contrato de resseguro, sendo a inspeção ilimitada e sempre relativa aos riscos ressegurados. Todavia, embora previsto nos costumes internacionais ressecuritários, consoante informa Paulo Luiz de Toledo Piza48, a tendência atual é de que tal espécie de “ingerência” fique restrita a casos excepcionais. Confira-se, “in verbis”: [...] Se admite, na praxe internacional, contratos de resseguro em que se prevê o chamado rignt to manage business, ou seja, o direito do ressegurador de intervir na atividade do segurador, ou ainda o chamado right of information, isto é, o direito de o ressegurador controlar apólices e examinar a escritura contábil do segurador. Mas se tratam de situações excepcionais, que nem sempre se admitem e, pois, que não pesam, juridicamente, sobre a relação entre segurado e segurador-ressegurado.
Assim, se existe a desconfiança de que o ressegurador está buscando motivos para não pagar a quantia pactuada no resseguro, é de se entender também que é uma forma de a seguradora ser orientada e sugestionada para que não incida em equívocos. 3.2.1.5) O dever de retenção de risco pelo segurador A retenção do risco nas relações securitárias é uma prática comum. Na relação entre o segurador e o segurado ela normalmente é exteriorizada sob a forma de uma porcentagem do risco assegurado ou pela franquia, isto é, até um determinado valor o segurado retém o risco. Contudo existem exceções a esta regra, como por exemplo em algumas modalidades de seguro saúde, em que não há parcela de retenção do segurado. 48
PIZA, 2001, p. 243.
1 Por outro lado, nas relações ressecuritárias, predomina o entendimento que compete ao segurador reter parcela do risco assumido, seja no contrato de resseguro proporcional ou não-proporcional, tratado ou facultativo. A retenção é ínsita a este instituto. Caso o segurador não operasse dessa forma restaria desfigurado o contrato de resseguro. Veja-se que o segurador, consoante disposto ao longo deste texto monográfico, celebra o contrato de resseguro com o fim precípuo de se resguardar de riscos que ele, por si só, não teria suporte financeiro para assegurar. Destarte, dessa finalidade depreende-se o dever de retenção. Outrossim, a falta de retenção do risco pelo segurador afetaria a também esperada “comunhão da sorte”, porque o ressegurador não seguiria a sorte do segurador, pois este não teria o ônus de arcar com qualquer risco. Nessa esteira, já se apresenta consolidado o entendimento na Europa continental de que o segurador deve reter uma parcela do risco objeto do contrato de resseguro. Importa enfatizar que a responsabilização do ressegurador somente alcançará os valores superiores ao dever de retenção do segurador, mesmo quando este assim não haja. Nessa vereda, Marcelo Haddad, citando Prosperetti e Apicella49, pontifica: Ainda com relação à Europa continental, Prosperetti e Apicella relatam o posicionamento a respeito do assunto na Itália e na vizinha França; “também na França e junto a nós, sempre foi afirmado que a conservação de uma parte do risco a cargo da segurado seria uma exigência ‘ontológica’ do contrato de resseguro”.
49
PROSPERETTIE & APICELLA apud HADDAD, p. 78.
1
4) O RISCO O risco compõe juntamente com o prêmio e a indenização os elementos do contrato de seguro. Constitui, como no seguro, o verdadeiro elemento do resseguro, entretanto, o risco deste difere daquele. Importante lembrar que a terminologia “risco” é empregada em inúmeras situações, assumindo, assim, diversas conotações. Pode ser definido como a probabilidade de perda, como o próprio bem segurado, entre outros. Todavia, não há que se olvidar que ele estará sempre ligado à incerteza. Comparato50, citado por Paulo Luiz de Toledo Piza, expôs que o risco “se define essencialmente como a possibilidade de um evento desvantajoso para o segurado ou seus beneficiários. O risco é antes de tudo uma possibilidade, ou seja, ele deve referir-se a um evento de realização incerta”. Para que o risco possa se enquadrar dentro daquele tido como segurável, conforme asseverou João Marcos Brito Martins51, faz-se necessário que o mesmo porte as seguintes características: a) “ser futuro e incerto”, visto que o contrato de seguro padeceria de nulidade caso o risco/sinistro já tivesse se operado, sendo a incerteza quanto à ocorrência do eventual dano a base do contrato de seguro. b) “ser um risco possível”, pois a absoluta impossibilidade da ocorrência do mesmo retiraria toda e qualquer finalidade do contrato de seguro. Nessa linha, devemos sempre entender que o risco deve “ser identificável e determinado, inclusive em termos econômicos”. c) satisfaça “uma necessidade econômica”, isto é, que uma vez se operando o risco haja a necessidade de indenização pelos danos verificados. d) “ser lícito”, o contrato de seguro, excepcionando os contratos de seguro de responsabilidade civil – decorrentes de imperícia, imprudência ou negligência – não pode ter como objeto atos ilícitos do segurado. 50
COMPARATO apud PIZA, 2001, p. 186.
51
MARTINS, J. M. B. M. Direito de seguro. 2.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 44.
1 e) “ser fortuito”, que a ocorrência do risco seja casual, que a participação do segurado não tenha o finalidade de concretizar o risco. Interessante trazer à colação que, embora exista uma corrente mais clássica que entende que o risco ressegurado é o mesmo do segurado originalmente, a corrente majoritária entende serem distintos. Donati52, citado pelo Paulo Luiz de Toledo, afirmou que: O risco coberto com o contrato de resseguro é a possibilidade de uma diminuição patrimonial para o ressegurado, decorrente do dano que, por efeito do contrato de seguro, repercute na esfera econômica do próprio ressegurador; ou mesmo que o risco é a possibilidade de surgimento do débito do ressegurado perante o segurado, débito que, por efeito do contrato de seguro, surge como causa do sinistro que afeta o interesse do segurado.
Dirube53, na mesma linha, assim asseverou, “in verbis”: O resseguro é um seguro de danos patrimoniais, porque protege a integridade do patrimônio de seu cedente, na medida que este for afetado pelo aparecimento de uma dívida, de um Passivo, constituído pelo valor da indenização que deve ser paga ao seu segurado sinistrado.
Assim, por exemplo, o risco coberto no caso de uma inundação pelo resseguro, não é o da pela inundação em si, mas sim, de seus efeitos patrimoniais sobre o segurador direto, motivo pelo qual deverá desembolsar o dinheiro pactuado no seguro. Paulo Luiz de Toledo54, com grande proficiência, assim afirmou: Se o risco é a possibilidade de um evento desvantajoso e incerto para quem contra ele se premune, o risco do segurado e o risco do segurador-ressegurado são distintos; são riscos que derivam de eventos diverso, descritos de modo diverso, em contratos diversos – e, portanto, não se pode tê-los como coincidentes.
52
DONATI apud PIZA, 2001, p. 190.
53
DIRUBE, 1991, p. 23.
54
PIZA, 2001, p. 194.
1
4.1 ) QUALIFICAÇÃO JURÍDICA A primeira colocação que se deve fazer ao analisar o resseguro é que o mesmo é um instituto essencialmente, mas não unicamente, internacional. Para tal mister, devemos diferenciar aquelas atividades resseguradoras típicas daquelas atípicas, aqui compreendidas como aquelas em que existem obrigações acessórias, diversas das tradicionalmente aplicadas ao resseguro. Todavia, antes de adentrarmos sua qualificação jurídica, cumpre observar a qualificação também do seguro, ponto de partida para o resseguro. 4.1.1) Qualificação jurídica do contrato de seguro Pois bem, o contrato de seguro pode ser qualificado como sendo um contrato típico, oneroso, aleatório, consensual, de boa-fé, de adesão e bilateral. Explicando a classificação quanto à tipicidade dos contratos, assim se manifestou Caio Mário55: Diz-se que um contrato é típico (ou nominado) quando as suas regras disciplinares são deduzidas de maneira precisa nos Códigos ou nas leis. Mas a imaginação humana não estanca, pelo fato de o legislador haver deles cogitado em particular. Ao contrário, cria novos negócios, estabelece novas relações jurídicas, e então surgem outros contratos afora aqueles que recebem o batismo legislativo, ou que não foram tipificados, e por esta razão se consideram atípicos (ou inominados), os quais Josserand pitorescamente apelido contratos sob medida, em contraposição aos típicos, que seriam para ele os já confeccionados.
Um contrato é considerado oneroso quando o mesmo gera direitos e deveres para ambas as partes contratantes, ou seja, há uma prestação em troca de uma contraprestação. Uma das partes sempre busca vantagens patrimoniais. Pedro Alvim56, discorrendo sobre a onerosidade dos contratos de seguro, assim asseverou:
55
PEREIRA, C. M. S. Instituições de direito civil: contratos. vol III, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 60.
56
ALVIM, 1986, p. 123.
1 O seguro é um contrato oneroso. Cada uma das partes contratantes procura uma vantagem no negócio. O segurado, a garantia contra os efeitos dos riscos previstos no contrato; o segurador,o recebimento do prêmio, logo de início. Com esse prêmio forma o fundo comum de onde sairá sua prestação, ao ocorrer o sinistro.
Um contrato é aleatório, conforme a própria etimologia da palavra álea 1
(á.lea sf (lat.alea) Sorte, risco, acaso – FONTE MICHAELIS), quando o elemento risco/sorte está presente, ao menos para uma das partes. Segundo Caio Mário57, as partes “ficam dependentes de um acontecimento incerto.” Um contrato pode ser também classificado como consensual, formal ou real. Será consensual quando proveniente de um acordo de vontades. A lei não exige qualquer forma especial para que o mesmo se aperfeiçoe, bastando apenas o consentimento dos pactuantes. Embora no Brasil ainda persistam certos questionamentos acerca da consensualidade dos contratos de seguro e da necessidade de forma escrita, é pacífico o entendimento que esta exigência quando descumprida não lhe causa a nulidade, entretanto, dificulta sua comprovação posterior. Inclusive no Código Civil de 2002 não há qualquer menção quanto a necessidade da forma escrita para o contrato de seguro. Quanto à boa-fé, a qual se pretende analisar mais detidamente em seu tópico específico, podemos sucintamente ressaltar que sua presença, a qual, diga-se de passagem, é essencial a todas as relações contratuais, nos contratos de seguro faz-se ainda mais evidente, tendo inclusive sido disposta expressamente no art. 765 do Código Civil. Confira-se, “in verbis”: Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
Nesse aspecto cumpre transcrever as precisas palavras de Clóvis Bevilaqua58, citado por Marcelo Haddad: Diz que o seguro é um contrato de boa-fé. Aliás, todos os contratos devem ser de boa-fé. No seguro, porém, este requisito se exige com maior energia, porque é indispensável que as partes confiem nos
57
PEREIRA, 2003, p.68.
58
BEVILAQUA apud HADDAD, 2003, p. 48.
1 dizeres uma da outra. Pela mesma razão, é posto em relevo, no seguro, o dever comum de dizer a verdade.
Nessa linha, argumenta Caio Mário59: A boa-fé objetiva é elemento essencial deste tipo de contrato, em razão de a fixação do prêmio depender de informações prestadas pelo segurado, e em razão de sua aleatoriedade, tendo em vista sempre haver a possibilidade de agravamento da álea do contrato durante a sua execução, por fato que possa ou não ser imputado ao segurado.
O contrato de adesão, como o é o contrato de seguro, nas palavras de Orlando Gomes60: Caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja preconstituído por uma das partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos contratos(...)
e continua: No contrato de adesão uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta-se como simples adesão a conteúdo preestabelecido da relação jurídica.
A bilateralidade do contrato de seguro pode ser compreendida como sendo aquele contrato em que são atribuídos direitos e obrigações às partes celebrantes. Com esse pensamento, afirmou Silvio Venosa61, “Os contratos bilaterais, ou com prestações recíprocas, são os que, no momento de sua feitura, atribuem obrigações a ambas as partes, ou para todas as partes intervenientes”. Ainda cumpre destacar quanto a esta qualificação que o contrato de seguro pode ser bilateral simples ou bilateral sinalagmático, em que há obrigações recíprocas, por depender de uma eventual contraprestação da seguradora. Assim, ocorrendo o sinistro estaremos diante de um contrato bilateral sinalagmático, e não ocorrendo de um contrato bilateral simples. 59
PEREIRA, 2003, p. 458.
60
GOMES, O. Contratos. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 118.
61
VENOSA, S. S. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. vol II, São Paulo: Atlas, 2001, p. 352.
1 A saída para este dilema está sujeita à adoção da Teoria da Assunção do Risco (Gefahrtragungstheorie) ou da Teoria da Prestação da Moeda (Geldleistungstheorie). Na primeira teríamos o contrato bilateral sinalagmático, pois a atuação da companhia seguradora não ficaria restrita a simplesmente realizar o pagamento quando da ocorrência de eventual sinistro, mas também em estar preparada, envolvendo assim, trabalhos internos como, por exemplo, a contratação de resseguro. Já na segunda estaríamos diante de um contrato bilateral simples, visto que o pagamento do prêmio é absoluto e a contraprestação da seguradora é eventual62. 4.1.2) A qualificação jurídica do contrato de resseguro típico. A qualificação do contrato de resseguro sempre foi motivo de discussões calorosas, visto que os entendimentos eram bastante discrepantes quanto a suas características e configurações. Sua qualificação já foi relacionada ao instituto da fiança, ao contrato de cessão e até mesmo as sociedades em conta de participação. Todavia, conforme passaremos a clarear abaixo, nenhuma dessas qualificações se firmou, pois segundo já apresentado, não subsiste qualquer relação jurídica entre o segurado e o ressegurador. Ressalva esta que já se apresenta disposta expressamente na Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – que em seu artigo 101 estabelece que o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituo de Resseguros do Brasil. Confira-se, “in verbis”: Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor; II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o 62
HADDAD, 2003, p. 49.
1 ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este. (grifou-se)
A fiança era mencionada pela semelhança de constituir uma forma de garantia para o credor, entretanto, possui diversos caracteres jurídicos que vão de encontro à essência do contrato de resseguro. Pode-se citar sua natureza acessória, da qual se infere a existência de um contrato principal, sendo dele dependente, vínculo de dependência este inexistente entre o contrato de seguro e o de resseguro. A possibilidade de existência de solidariedade entre o devedor e o fiador também não pode ser estabelecida entre segurador e ressegurador. Ademais, segundo as palavras de Caio Mário63, na fiança “o credor tem o direito de exigir do fiador o pagamento da dívida garantida”. Com efeito, mencionado direito subjetivo não encontra respaldo nas relações de resseguro, não podendo o segurado exigir o adimplemento da obrigação diretamente do ressegurador. Embora o resseguro represente uma garantia para o segurado, ao contrário da fiança em que a garantia é direta, aqui ela é indireta. Cabe nesta seara, ressaltar, consoante passagem de Pedro Alvim64, a conclusão de que “sem dúvida que o resseguro é garantia para o segurado, mas de forma indireta, enquanto no contrato de fiança ela é direta”. A sua qualificação como cessão não é possível pelos mesmos argumentos levantados quanto à fiança. Na cessão, destaca Sílvio Venosa65, “o cessionário recebe o crédito, tal como se encontra, substituindo o cedente na relação obrigacional”. Nela há apenas transferência das obrigações constantes do contrato primitivo, já no resseguro há a formação de um novo contrato, diferente do já firmado contrato de seguro. Nessa linha, deve ser afastada a suposta condução que a terminologia empregada – segurador cedente, retrocessão, entre outras – quanto a sua qualificação como a de cessão. Aqueles que buscavam enquadrar o resseguro como um contrato de mandato falham pelos mesmos motivos elencados acima, essencialmente
63
PEREIRA, 2003, p. 499.
64
ALVIM, 1986, p. 367.
65
VENOSA, 2001, p. 304.
1 quanto a existência de relação jurídica entre segurado e ressegurador. O mandato, visto por Orlando Gomes66, “é o contrato pelo qual alguém se obriga a praticar atos jurídicos ou administrar interesses por conta de outra pessoa”. Segundo esta corrente o ressegurador assumiria as obrigações, outorgadas pelo segurador, em face do segurado. Incurso no mesmo equívoco das qualificações mencionadas, tal entendimento, foi definitivamente afastado pela jurisprudência norte-americana, conforme passagem de Hagopian & Laparra67, citado por Marcelo Haddad, “onde se concluiu pela ausência de relação direta entre segurado e ressegurador”. Persico68, citado por Pedro Alvim, destaca ainda que “o resseguro cria um novo contrato, estranho ao segurado, enquanto a cessão restringe a transferir o primitivo”. Todavia o contrato de resseguro não é um contrato totalmente alheio ao contrato de seguro, conforme explanado cirurgicamente por Dirube69: O contrato de seguro e o de resseguro são independentes e autônomos, porém o segundo está subordinado ao primeiro, porque o seguro original e o risco coberto são premissas causais do resseguro, que não poderia existir sem elas, por não haver interesse segurável por parte do ressegurado.
Alguns doutrinadores também buscaram correlacionar a atividade resseguradora a um verdadeiro contrato em conta de participação entre segurador e ressegurador, tendo em vista o princípio “follow the fortune”. No entanto, olvidam-se os mesmos, padecer tal relação de um elemento essencial, qual seja a “affectio societatis”, que o acionamento do ressegurador não ocorrerá sempre e ainda de não ser o princípio “follow the fortune” de aplicação absoluta e incondicional. Logo, haverá perdas que não poderão ser repassadas ao ressegurador. Dessa forma, ante todo o exposto, a doutrina, jurisprudência e as legislações nacionais têm entendido que a qualificação como de contrato de
66
GOMES, 1987, p. 388.
67
HAGOPIAN & LAPARRA apud HADDAD, 2003, p. 51.
68
PERSICO apud ALVIM, 1986, p. 368.
69
DIRUBE, 1991, p. 24.
1 seguro é a que melhor se amolda ao resseguro, não havendo qualquer interferência no tocante à independência entre este e o contrato de seguro. Estabelecida sua qualificação de contrato de seguro, passemos agora a discorrer sobre qual tipo ou modalidade de seguro estamos diante. Cabe ainda neste encalço tecer considerações acerca do objeto do contrato de resseguro, isto é, se este seria precisamente o mesmo das relações de seguro. Quanto à primeira indagação, alguns doutrinadores defendem que a modalidade em questão seria a do seguro de responsabilidade, dado que sua celebração visa exatamente proteger o patrimônio do segurador. Entretanto, tal posicionamento incide em um erro insanável, qual seja, a existência de culpa do segurador como condição para que se proceda ao pagamento da indenização. Para Mazeaud e Tunc70, citados por Voltaire Marensi, o seguro de responsabilidade é: Um contrato pelo qual o segurador se compromete a garantir o segurado contra as reclamações das pessoas com respeito às quais poderia ser exigível a responsabilidade desse segurado e contra as resultantes dessas reclamações, em troca do pagamento, pelo segurado, de uma soma fixa e antecipada, o prêmio, devido geralmente por vencimentos periódicos.
Ora, não é requisito para o adimplemento do ressegurador que o segurador tenha agido com culpa, basta que o dano patrimonial tenha se estabelecido e haja um contrato de resseguro em vigor. Em outro sentido, e com grande aceitação no meio doutrinário, está sua identificação como sendo a de um seguro de dano. De fato, o risco objeto do contrato de resseguro não é o mesmo do segurado, conforme já dito alhures. O risco ressegurado é o dano patrimonial do segurador cedente. Tem-se assim a possibilidade de distingui-los como sendo o risco do seguro uma causa remota para o ressegurador, sendo a causa próxima e efetiva, o efetivo desfalque patrimonial sofrido pelo segurador. Com efeito, Carter71, citado por Marcelo Haddad, asseverou ser o contrato de resseguro “o seguro do ressegurador”. 70
MAZEAUD E TUNC apud MARENSI, V. O seguro no direito brasileiro. 7ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 235.
71
CARTER apud HADDAD, 2003, p. 52.
1 Por outro lado, embora a doutrina mais atual entenda dessa forma, a teoria clássica sustenta que o risco coberto pelo contrato de resseguro é o mesmo do contrato de seguro. Para tanto, afirma que a terminologia “resseguro” não poderia ser aplicada se não fosse um seguro do seguro, pois se o objeto do resseguro fosse um risco próprio e abstrato do segurador, estaríamos diante de um contrato de seguro propriamente dito, o risco assegurado seria outro. Da mesma forma, sustenta Pedro Alvim72: A natureza jurídica do resseguro é a mesma do contrato de seguro, garantindo o mesmo risco, mas dele se distinguindo por ser um seguro de seguro. A operação se refere a um risco de terceiro assumido pelo segurador que tem por isso legitimidade para transferilo ao ressegurador.
Definido como um seguro de dano, resta agora estabelecer a distinção existente entre seguro pessoal e seguro não pessoal. No primeiro, o risco do evento danoso recai em uma pessoa física, tal como a morte ou uma doença. Já, no segundo, por uma conceituação negativa, estariam compreendidos todos os demais riscos que não incidam sobre a pessoa humana. Nesse sentido, Gerathewohl73, citado por Marcelo Haddad, informa que ainda no seguro pessoal, pode-se optar por um contrato de seguro por quantia certa (Teoria da Necessidade Abstrata) ou por um seguro de danos (Teoria da Necessidade Concreta). Assim, o autor explica que enquanto no seguro pessoal existe a opção pelo seguro por quantia certa ou pelo seguro de dano, no seguro não pessoal, no qual se enquadra o resseguro só se pode falar em Teoria da Necessidade Concreta, isto é, em seguro de dano. E conclui: [...] o resseguro deve ser considerado um seguro de dano ainda que o risco ressegurado esteja relacionado a um seguro pessoal (seja ele seguro de quantia certa ou de dano), o que vem inclusive a ratificar o entendimento acima mencionado de que o risco objeto das operações de resseguro não pode ser equiparado àquele das operações de seguro, ainda que exista um certo vínculo entre os mesmos.
72
ALVIM, 1986, p. 374.
73
GERATHEWOHL apud HADDAD, 2003, p. 54.
1 Cabe aqui, após todas essas explanações fazermos um paralelo entre as semelhanças e diferenças existentes entre o contrato de seguro e resseguro. O resseguro se assemelha ao contrato de seguro por ser um contrato oneroso, aleatório, consensual, de boa-fé e bilateral sinalagmático. Por outro lado, difere deste, pois não se trata de um contrato de adesão, como geralmente ocorre com o contrato de seguro como também não se encontra tipificado. Dirube74, ainda faz a seguinte pontuação sobre as características do contrato de resseguro, “in verbis”: Não se trata de um contrato de adesão, como é, em geral, o contrato de seguro cujas condições estão prefixadas e o segurado simplesmente aceita, uma vez que neste caso as duas partes estão em condições de propor, modificar ou discutir as cláusulas, visto que, como diz Broseta Pont: “Em nenhum caso existe modelos de contratos de resseguro com condições gerais previamente estabelecidas e aprovadas administrativamente.
4.1.3) A qualificação jurídica do contrato de resseguro atípico. Tendo em vista que no panorama mundial, no qual o resseguro não é objeto de um forte dirigismo estatal, gozando de relativa autonomia, é de se imaginar as inúmeras formas de contratos existentes entre o segurador e o ressegurador. Nesse âmbito, existem certos casos em que o ressegurador condiciona o seu segurado (segurador cedente) a lhe passar previamente todas as informações do contrato de seguro primitivo. Caso em que há uma grande interferência do ressegurador junto ao segurador, propiciando, dessa forma, uma espécie de sociedade entre ambos. Embora haja nos contratos de resseguro típicos certos elementos do direito societário, o mesmo não pode ser qualificado como uma sociedade. Já no resseguro atípico sobrevém um estreitamento das relações entre o segurador e o ressegurador, o qual acarreta o enfraquecimento de sua independência administrativa, podendo-se falar, inclusive, na existência de uma 74
DIRUBE, 1991, p. 22
1 sociedade entre ambos. Nesse sentido disse Marcelo Haddad, citando Gerathewohl75, “in verbis”: Dependendo da intensidade das disposições relativas à colaboração, co-gestão e controle de riscos, o que deverá ser analisado caso a caso, apesar de não haver uma alteração definitiva e completa da natureza jurídica do instituto do resseguro, co-existiriam nestes contratos atípicos duas relações jurídicas paralelas, uma de resseguro clássico, portanto, de seguro de dano, e outra societária, de forma que, “aplicar-se-á à relação contratual entre segurador e ressegurador não mais somente as regras básicas sobre seguro, mas também, conforme o caso, certas normas de direito societário”.
Verifica-se, assim, que a cooperação já existente em uma determinada escala entre o segurador e o ressegurador passaria para um patamar de tamanha interligação e de intensidade que paralelamente à relação securitária oriunda do contrato de resseguro passaria a existir também uma relação societária, ou, pelo menos uma relação nos moldes desta. 4.1.3.1) Poll de resseguradores Convém mencionar neste aspecto a existência também de outra figura de resseguro atípico, denominada de polls de resseguradores. Por poll de resseguradores pode-se compreender a formação de um grupo com vários resseguradores sob uma gestão central. A sua origem está associada principalmente à necessidade de garantir a cobertura de riscos que por suas peculiaridades não poderiam ser suportados por uma única empresa. A título de exemplo, podemos mencionar os riscos de profunda especialização técnica ou de grande extensão econômica como os riscos relativos a danos nucleares, ambientais e farmacêuticos. Com grande autoridade, Pedro Alvim76, mencionou que no poll os resseguradores: [...] convencionam entre si ou com um ressegurador cederem parte ou a totalidade de suas operações a um órgão comum de gestão centralizada e de resseguro com o objetivo de suportarem melhor a garantia dos riscos. 75
GERATHEWOHL apud HADDAD, 2003, p. 56.
76
ALVIM, 1986, p. 365.
1
Faz-se mister destacar que a formação de um pool de resseguradores não implica em uma retrocessão, e sim, em uma espécie de contrato em que há uma co-participação seja nos dividendos ou nas perdas aferidas com os resultados. No caso brasileiro, ainda existe uma grande diferença, pois o modelo de pools é marcado pela compulsoriedade e pela administração centralizada nas mãos do Estado, o que causava certa desconfiança por este modelo.
1
5) MODALIDADES DE RESSEGURO O resseguro, consoante mencionado na parte inicial desta monografia, pode ser classificado quanto à sua forma de contratação e quanto ao seu sistema de cobertura. Nessa vereda, interessante notar que referidas classificações não guardam quaisquer inconvenientes, podendo, como usualmente o são, serem apreciadas conjuntamente. O resseguro, quando analisado à luz de sua forma de contratação, pode ser classificado em facultativo ou avulso e automático ou tratado de resseguro. Já sob a perspectiva de seu sistema de cobertura, pode-se classificá-lo como sendo proporcional e não-proporcional. Os tratados proporcionais são ainda subdivididos nas seguintes modalidades:
resseguro
quota-parte
e
resseguro
excedente
de
responsabilidade. Da mesma forma, os tratados proporcionais também são subdivididos nas modalidades: resseguro por risco (excess of loss por risco); resseguro por sinistro (excess of loss por sinistro) e resseguro de limitação de sinistralidade ou agregados (stop loss reinsurance).
5.1) RESSEGURO FACULTATIVO O resseguro facultativo, método mais antigo de resseguro, é aquele que tem como objeto a asseguração de riscos individuais específicos. Nessa modalidade a seguradora escolhe quais apólices de seguro de sua carteira pretende ressegurar, ficando também oportunizado ao ressegurador decidir quais cessões de seguro irá aceitar. Neste caso, tanto o segurador cedente quanto o ressegurador tem ampla liberdade para decidir o que será ressegurado, e se esta operação será aceita ou rejeitada. Para tanto, compete ao segurador cedente fornecer todos os dados referentes ao risco tais como valores segurados, taxa do prêmio, sinistralidade, etc. De posse das informações sobre o objeto do resseguro, a empresa resseguradora tem a opção de aceitar ou não os riscos.
1 De aplicação extremamente laboriosa e demorada, seu emprego quando comparado com a modalidade de resseguro automática é bem inferior. Suas principais atuações estão ligadas à especialidade e especificidade dos riscos a serem assegurados. Nessa linha, podem-se enumerar como seus objetivos77: [...] ressegurar os riscos especiais não previstos nos contratos de resseguro automático; ressegurar importâncias/valores que excedam os limites previstos nos contratos de resseguro automático, quando os riscos apresentarem uma periculosidade particular; reduzir a exposição em áreas específicas de acumulação de riscos, onde o segurador já está excessivamente exposto; obter capacidade nos segmentos onde o volume de negócios não justifica a negociação de contratos de resseguro automático; permitir ao ressegurador avaliar a capacidade técnica de subscrição da cedente; obter o know-how e experiência dos resseguradores especializados.
Todavia, existem certos aspectos negativos que defluem dessa espécie de resseguro. A necessidade de informações acerca do risco a ser “transferido” para o ressegurador gera um acúmulo de trabalho administrativo. Ademais há o dispêndio de considerável tempo para apreciação do risco e sua aceitação ou mesmo para a escolha da resseguradora ou resseguradoras para o risco colocado.
Nesta modalidade as
comissões
de
resseguro
ainda
são
hodienarmente inferiores àquelas acertadas nos contratos de resseguro automático. Outrossim, consoante disposto na obra “Princípios da Técnica de Resseguro”78, o segurador fica impedido de emitir a apólice de seguro enquanto não houver a devida cobertura do risco a ser assumido. Já Paulo Luiz de Toledo Piza79, argumenta em outro sentido. Para o eminente doutrinador o principal inconveniente nesta modalidade está relacionado ao fator temporal. Isto é, a demora quanto à concretização do contrato de resseguro facultativo pelos motivos já explanados constitui seu maior óbice. Nesse sentido, com bastante clareza asseverou: A principal deficiência que se atribui aos resseguros individuais é a de que, em princípio, deles se lançam mão quando o segurador já assumiu o risco relativamente ao qual pretende ressegurar-se, de maneira que, no mais das vezes, pode decorrer um lapso de tempo 77 78 79
DI GROPELLO, 1997, p. 45. DI GROPELLO, 1997, p. 46. PIZA, 2001, p. 98.
1 até que, efetivamente, passe a contar com a proteção ressecuratória que provavelmente necessite.
5.1.1) Resseguro facultativo proporcional e não-proporcional 5.1.1.1) Resseguro facultativo proporcional O sistema de cobertura proporcional do resseguro facultativo pode ser descrito como aquele em que tanto o segurador cedente como o ressegurador são responsáveis pelo pagamento da indenização, em ocorrendo um eventual sinistro, na devida proporção do prêmio que perceberam. Segundo definição de Paulo Eduardo Botti80: No resseguro proporcional a companhia cedente e o ressegurador compartilham proporcionalmente os riscos, isto é, os sinistros que ocorrerem são divididos entre cedente e ressegurador na mesma proporção em que os prêmios dos riscos sinistrados foram originalmente divididos. A característica básica é a de pareceria, de uma sociedade (partenership), onde prevalece o princípio do follow the fortune: o ressegurador acompanha a companhia cedente.
De fato, a participação proporcional do ressegurador se revela tanto aos prêmios percebidos (descontadas as comissões), quanto dos sinistros, demais despesas que a seguradora arcar em decorrência destes e ainda se houver a recuperação do sinistro. Por tais características, o resseguro proporcional pode ser definido como um resseguro “de riscos”. Pontifica sobre o assunto, o ilustre Dirube81: Os resseguros proporcionais são coberturas “de riscos”, na medida em que o segurador direto transfere ao ressegurador uma determinada fração das responsabilidades que assumiu, nas apólices que compõem a sua carteira. Neste caso, o ressegurador participa do risco referente a cada apólice cedida, acompanhando a sorte do seu cedente naquilo que ocorrer, caso a caso.
5.1.1.2) Resseguro facultativo não-proporcional
80
BOTTI, 1995, p. 44.
81
DIRUBE, 1991, p. 11.
1
O resseguro facultativo também pode ser realizado na forma nãoproporcional, em camadas (Layers), conhecido também como resseguro por excesso de danos. Conforme ensina Célio Olympio Nascentes82, citado por Pedro Alvim: O resseguro de excesso de danos (“excess of loss”) é aquele em que, sendo fixado o limite de perda do segurador no mesmo sinistro, em um mesmo risco isolado ou em vários, garante recuperar do ressegurador o valor da indenização e das despesas que ultrapassarem aquele limite. A base da formulação do plano de excesso de danos é o comportamento da carteira do ressegurado nos últimos anos, isto é, a distribuição de freqüência das indenizações e despesas pagas.
Paulo Luiz de Toledo Piza83 ainda enriquece com mais informações sobre esta modalidade: A garantia ressecuritária, de qualquer modo, opera apenas no tocante a importâncias superiores a determinado limite, aqui denominado, como já se apontou, de prioridade – e restringe-se a um limite máximo, ou capacidade, com base na qual, aliás, é que se calcula o prêmio. A parte excedente, ou descoberto, é suportada pelo segurador, que pode no entanto vir a ser, a seu turno, ressegurada, podendo-se mesmo verificar a celebração de uma série sucessiva de contratos de resseguro por excesso de danos.
5.2) RESSEGURO AUTOMÁTICO Conforme já salientado, o resseguro automático, de existência posterior ao facultativo, se desenvolveu com a máxima de minimizar as desvantagens geradas pelo resseguro facultativo. Seu mais antigo registro histórico remonta à 16 de maio de 1409, encontrado entre os documentos da família Strozzi, em Florença84. Segundo definição de Paulo Eduardo Botti85, “in verbis”:
82
CÉLIO OLYMPIO NASCENTES apud ALVIM, 1986, p. 360.
83
PIZA, 2001, p. 113.
84
DI GROPELLO, 1997, p. 63.
85
BOTTI, 1995, p. 49.
1 Os tratados de resseguro são acordos feitos entre uma companhia de seguro e um ou mais resseguradores. Nesse modo de contratação, as condições e os compromissos das partes são preestabelecidos: à seguradora cabe ceder todos os resseguro dos tipos e riscos e aos resseguradores cabe aceitá-los, conforme descritos no tratado. Isso significa uma automática proteção à companhia cedente, que pode dar cobertura imediata a qualquer proposta cujo risco esteja dentro do escopo do tratado.
Nele, o segurador, ao celebrar o contrato de seguro, realiza simultaneamente o seu resseguro, podendo ser considerado, inclusive, por esse motivo, um resseguro antecipado, pois ele é celebrado automaticamente ao momento da realização do contrato de seguro. Nesta modalidade o ressegurador, uma vez firmado o convênio, não goza da liberdade (faculdade) de aceitar ou rejeitar o resseguro dos riscos, sejam eles bons ou ruins. Assim, chega-se a afirmar que não seria o risco que estaria sendo ressegurado e, sim, a própria seguradora. Nesse sentido86: O ressegurador não tem o direito de recusar o(s) risco(s), enquanto amparado(s) pelos termos e condições do contrato. Ele pe obrigado a aceitar riscos bons e ruins, tornando-se, portanto, totalmente dependente da capacidade de avaliação de subscrição da seguradora cedente. Por isso, se introduz o conceito de ressegurar a seguradora cedente ao invés do risco.
Faz-se forçoso, trazer à baila os ensinamentos de Pedro Alvim87 sobre o tema, “in verbis”: O resseguro automático é a conseqüência do próprio desenvolvimento das operações de seguros que não se compadecem com o exame de caso por caso da massa de negócios realizados diariamente. O ressegurador assume então a obrigação da cobertura automática, segundo as condições que forem estabelecidas no contrato, mais conhecido pela denominação de tratado de resseguro. Quando o segurador aceita qualquer negócio, vincula imediatamente a responsabilidade do ressegurador, prescindindo-se dessa forma de entendimentos prévios.
Luiz Paulo de Toledo Piza88, citando Angeli, asseverou com precisão que os contratos de resseguro automático representaram “uma inovação 86
DI GROPELLO, 1997, p. 64
87
ALVIM, 1986, p. 363.
1 revolucionária na prática ressecuritária: o início simultâneo e automático da responsabilidade do ressegurador com aquela do cedente e, portanto, a renúncia do ressegurador à seleção dos riscos”. A sua ampla disseminação tem como pano de fundo a supressão de intervalos, mesmo que breves, sem cobertura - principal entrave ao modelo facultativo - proporcionando assim a cobertura imediata ao segurador. Todavia, padecem de um inconveniente, qual seja, o surgimento de “um vínculo muito grande, que, pelas mais diversas razões, busca-se evitar”89. A “declaração de alimento” foi o instrumento concebido exatamente para se evitar que o vínculo entre o segurador e ressegurador se fortaleça. Mesmo nos contratos automáticos, em determinadas hipóteses em que haja a previsão da chamada “declaração de alimento”, é facultada normalmente a uma das partes – segurador cedente ou ressegurador – a liberdade para aceitar o resseguro. Isto é, sua obrigatoriedade fica restrita a uma das partes. Se “obrigatório para o ressegurado, o ressegurado remanesce livre para averbar ou não o risco (caso das chamadas open covers); sendo obrigatório para o ressegurado, o ressegurador remanesce livre para aceitar ou recusar a averbação do risco”90. 5.2.1) Resseguro automático proporcional O resseguro automático, como o facultativo, possui a forma de cobertura proporcional e não proporcional. Existem três formas de resseguro automático proporcional,
são
elas:
contrato
quota-parte,
contrato
excedente
de
responsabilidade e contrato facultativo-obrigatório. 5.2.1.1) Tratado quota parte Por este tipo de contrato ficam previamente obrigados tanto o segurador de ceder, como o ressegurador de aceitar, determinados riscos, nas condições 88
PIZA, 2001, p. 99.
89
Ibid., p. 99.
90
PIZA, 2001, p. 99.
1 e
nas
proporções
pactuadas.
Isto
é,
o
ressegurador
participa
proporcionalmente na percepção dos prêmios (descontadas as comissões), como na assunção das responsabilidades inerentes ao risco. Sobre esta característica, assim pontifica Dirube91, “in verbis”: Uma das características deste tipo de resseguro é simplesmente o fato de que a proporção ressegurada é única e uniforme para cada operação e para cada apólice emitida pelo segurador direto, nesse ramo.
Desse modo, se a companhia seguradora realizar a cessão de 75% dos prêmios pagos à resseguradora em uma determinada carteira, esta arcará com o mesmo percentual nos sinistros ocorridos na mesma carteira. Sua mais vantajosa característica é a simplicidade com que é realizado o contrato. Podemos ainda mencionar, sob a ótica do ressegurador, como suas vantagens a cessão de riscos bons e ruins, não existindo faculdade de escolha e a manutenção da carteira equilibrada. Quanto às vantagens para o segurador podemos mencionar o pagamento de uma comissão superior àquelas pagas nas demais modalidades de resseguro e o melhor atendimento as suas necessidades. Para melhor compreensão, suponhamos a existência de um contrato de resseguro quota-parte de 50%, condicionado a um limite de R$ 1.500.000,00. Isto é, a cada apólice emitida pela seguradora direta, 50% do valor do risco será ressegurado até um limite de R$ 1.500.000,00. Depreende-se daí que a existência de uma capacidade automática para ressegurar apólice cujo valor não exceda a importância de R$ 3.000.000,00. Caso o valor segurado exceda ao pactuado, somente estará coberto pelo ressegurador o valor até o limite supra citado. Entretanto, o segurador cedente pode estabelecer um outro contrato de resseguro quanto ao valor excedente ao limite. Todavia, existem considerações acerca de suas desvantagens que precisam ser tecidas. Primeiro, a sinistralidade da companhia seguradora não é reduzida ou estabilizada, pois ambos participam na mesma proporção. 91
DIRUBE, 1991, p. 62.
1 Segundo, a variação na freqüência com que os sinistros se operam também não é modificada. Terceiro, determinados riscos ante a sua pequena monta poderiam ter sido integralmente absorvidos pela companhia, a qual em virtude deste tratado é obrigada a transferir. E, tendo em vista a cessão de prêmios, a empresa acaba carecendo de fundos para investir e se desenvolver. Com efeito, desta última desvantagem depreende-se também um gasto administrativo, pois em todos os sinistros, sejam eles de pequena ou grande monta, a participação do ressegurador deverá ser calculada. 5.2.1.2) Tratado excedente de responsabilidade ou surplus Nesta modalidade de contrato, ao contrário do tratado quota-parte, a companhia seguradora faz o resseguro em percentuais variáveis, visto que é ela quem determina a quantia limite até onde se responsabilizará por eventual sinistro. Neste caso, o excedente a essa quantia será cedido ao ressegurador até o valor que o mesmo se propor a assumir. Caso o excedente não seja em sua totalidade aceito pelo ressegurador, a fatia restante de valor referente ao risco a ser ressegurado volta a ser de responsabilidade do segurador. Assim, somente ao final é possível quantificar o valor efetivo da cessão dos prêmios ao ressegurador e, via de conseqüência, o percentual do risco/sinistro ressegurado, o qual, uma vez definido, estabelecerá as devidas percentagens de responsabilidade do segurador cedente quanto do ressegurador. Nesse sentido, Marcelo Mansur Haddad92: Assim havendo um sinistro, o pagamento do mesmo será feito pelo segurador até o limite por este retido, e pelo ressegurador naquilo que exceder tal montante até o seu limite máximo de responsabilização. Após este limite máximo, restaura-se a responsabilização do segurador pelo risco objeto do contrato, estabelecendo-se, ao final deste procedimento, o efetivo percentual de responsabilidade de cada um deles, o qual servirá de base para a repartição dos prêmios.
92
HADDAD, 2003, p. 33.
1 Nele, “a retenção da cedente é definida como um valor limite; os riscos até esse valor são inteiramente assumidos pela cedente; nos riscos maiores, a porção que exceder a esse valor e a sua respectiva proporção de prêmio são repassadas para o ressegurador”93. Ainda sobre o resseguro de excedentes, traz-se os ensinamentos de 94
Dirube : O resseguro de Importâncias ou de Excedentes, permite ressegurar cada rico ou tipo de riscos homogêneos, conforme as suas particularidade quanto à qualidade e volume, pois o segurador pode determinar qual a fração do risco que está disposto a absorver, o que representa uma grande vantagem para ele e uma anti-seleção para o ressegurador, que se corrige em parte pelo limite no número de 95 plenos .
Eduardo Botti96, comentando suas peculiaridades, assim relatou, “in verbis” : A principal vantagem do surplus é que ele minimiza a passagem de prêmio para o ressegurador, visto que a cedente fixa o valor da sua retenção, tornando-se desnecessário ressegurar pequenos riscos que estejam dentro da sua retenção. Por outro lado, o trabalho burocrático de analisar a retenção risco a risco e o valor a ser passado ao ressegurador é sua principal desvantagem.
5.2.2) Resseguro facultativo-obrigatório Nesta modalidade, uma espécie sui-generis de contrato de resseguro, há, de fato, uma parcela facultativa e outra obrigatória. No que tange à parcela facultativa, esta fica condicionada ao segurador cedente, o qual, tendo em vista sua conveniência, tem a faculdade de ceder determinado risco ou parcela deste ao ressegurador. Este, por sua vez, fica adstrito a ressegurar todos os riscos que lhe forem cedidos pelo segurador – é a mencionada parte automática deste resseguro.
93
CASS, R. M. et alii. Práticas de Resseguro. Vol. II, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001, p. 36.
94
DIRUBE, 1991, p. 69.
95
Pleno é o montante limite até onde a companhia resseguradora está disposta a assumir no caso da efetivação do risco, isto é, no caso da ocorrência do sinistro.
96
BOTTI, 1995, p. 59.
1 A sua aplicação está normalmente atrelada a um outro contrato de resseguro. Nessa linha97: Normalmente, este instrumento é usado depois do contrato excedente de responsabilidade, fornecendo cobertura automática de resseguro à cedente, quando a capacidade do excedente de responsabilidade foi esgotada. É um instrumento, que funciona como sendo um contrato excedente de responsabilidade complementar, exceto quando a seguradora cedente deixa de acioná-lo, caso consiga encontrar no mercado ressegurador, instrumentos economicamente mais viáveis.
5.2.3) Resseguro automático não-proporcional 5.2.3.1) Tratados por risco ou excess of loss por risco Nesta modalidade o segurador assume integralmente a responsabilidade por determinado risco até um certo montante, sendo o seu excedente cedido ao ressegurador, que passa a partir daquele valor a ter responsabilidade integral pelo risco ou por parte deste, até o montante que dispuser. Se preferir assegurar parcela do risco cedido, o “segundo excedente” poderá ser assumido pelo segurador, o qual poderá optar por celebrar novo contrato de resseguro. Referenciando
esse
assunto,
cumpre
transcrever
a
seguinte
passagem98: No resseguro de excesso de danos, a cobertura de que a cedente necessita pode ser dividida em faixas sucessivas. Assim, quando o ressegurador não estiver disposto a conceder o limite de cobertura adequado para a seguradora cedente, esta pode adquirir uma cobertura de resseguro adicional referida, neste caso, como uma faixa acima da cobertura já existente, que, por sua vez, poderá ser referida como a faixa inicial, ou como a faixa antecedente.
Não vigora a proporcionalidade entre prêmios e responsabilidade por sinistros nesta modalidade, a qual é estabelecida em regime de franquia. Isto é, a responsabilidade do ressegurador pelo excedente só se inicia quando o
97
98
DI GROPELLO, 1997, p. 99.
CASS, R. M. et alii. Práticas de Resseguro. Vol. II, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001, p. 78.
1 segurador cedente cumpre integralmente a responsabilidade pelo risco até o montante por ele estipulado e assegurado Essa forma de cobertura, porém, acaba por estabelecer uma relação perigosa para o ressegurador. Enfrentando essa questão com elevada precisão, Pedro Alvim99, discorreu que este resseguro: [...] não encontra qualquer proteção na regra fundamental das operações de resseguro, segundo o qual o ressegurador segue a sorte do segurador. Há dissociação de seus interesses e o segurador pode melhorar sua situação em detrimento do ressegurador, seja aceitando riscos perigosos, seja operando com tarifas inferiores para impulsionar seus negócios, seja se tornando generoso na regulação dos sinistros.
Em contrapartida, Marcelo Haddad100 asseverou que o princípio “follow the fortune” não conduz a resultados idênticos para o segurador cedente e para o ressegurador por diversos fatores. Ademais, o resseguro precisa ser analisado de forma sistêmica, ou seja, com observância a todos os princípios a ele atinentes, dentre os quais o da máxima boa-fé. Confira-se, “in verbis”: O que deve ser lembrado, entretanto, é que existem outros princípios reguladores da relação entre segurador e ressegurador, que tendem a diminuir os riscos deste último com relação a uma gestão maliciosa da carteira segurada por parte da cedente, tal como o princípio da máxima boa-fé (...).
5.2.3.2) Tratados por sinistro ou excess of loss por sinistro. Nesta modalidade, os contratos de resseguro se baseiam em todos os riscos relacionados à ocorrência de um eventual sinistro, de proporções catastróficas ou não. Nessa hipótese a cobertura, pactuada nos moldes dos Tratados por Risco ou Excess of Loss por Risco, é estendida a todo e qualquer sinistro decorrente de uma catástrofe ou não, como por exemplo um furacão ou um incêndio.
99
ALVIM, 1986, p. 362.
100
HADDAD, 2003, p. 34.
1 Suas funções são precipuamente a manutenção da estabilidade da carteira em função de eventos que resultem em vários sinistros, fazendo com que os resultados anuais não sofram grandes variações; o incremento na capacidade da seguradora cedente para a assunção de riscos maiores e a cobertura total a determinada carteira. 5.2.3.3) Tratados agregados ou stop loss Neste caso, como sugere sua etimologia, visa-se estancar uma perda decorrente da verificação de uma sensível variação na sinistralidade, com evidente aumento em número ou em importância dos sinistros, da empresa seguradora. De fato, “os tratados de resseguro de excesso de danos agregados cobrem um acúmulo de sinistros que pode ser causado por uma catástrofe ou um acúmulo imprevisto de sinistros não causados por um mesmo evento”101. Podem receber duas denominações: tratado de resseguro de excesso de danos agregado, quando a retenção da cedente e o limite de cobertura são expressos em valor monetário; e tratado de resseguro de excesso de sinistralidade ou tratado de resseguro stop loss, quando a retenção e o limite de cobertura são determinados por um coeficiente de sinistros/prêmios. Neste último caso, o segurador transfere, então, um determinado percentual dos valores que exceda a sua taxa de sinistralidade. Assim, por exemplo, o segurador pode pactuar de tal modo que o excedente a 95% de sua taxa de sinistralidade seja ressegurado, e então, ao final do ano, se verificado que a taxa de sinistralidade foi excedida em 120%, o montante a ser pago pelo ressegurador ao segurador cedente é equivalente a 25% da taxa de sinistralidade. Embora seja sedutor para as seguradoras a prática deste resseguro, o mesmo se apresenta bastante inviável, pois seus custos são geralmente elevados. Do mesmo modo, discorreu Botti102, “in verbis”: 101
CASS, R. M. et alii. Práticas de Resseguro. Vol. II, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001, p. 191.
102
BOTTI, 1995, p. 66.
1
Apesar de seu conceito ser bastante interessante e atraente para as companhias cedentes, a aplicação do resseguro não-proporcional do tipo agregado é mais difícil que os dois anteriores. Pelo risco que representa para o ressegurador, pela dificuldade de taxação e conseqüentemente pelo alto preço cobrado por essa proteção, sua adoção é bastante restrita.
1
6) CONSIDERAÇÕES FINAIS 6.1) RETROCESSÃO Por retrocessão deve-se entender a “cessão” pelo ressegurador, com conotação figurada, de certos riscos como também dos prêmios ao retrocessionário, o qual se compromete na medida do pactuado a garantir a atividade empreendida pelo ressegurador. Trata-se de fato de um resseguro do ressegurador, podendo este, ser realizado sucessivamente. Existem certos riscos que se apresentam extremamente graves ou de grande monta para os resseguradores fazerem frente isoladamente, somandose a isso o fato de um mesmo ressegurador assumir riscos de inúmeras seguradoras. Daí a necessidade da retrocessão, pois pode ocorrer de em um determinado momento os riscos assumidos alcançarem uma dimensão além do que o ressegurador poderia suportar. Sua utilidade foi brilhantemente apresentada por Concepción Hill103, em citação por Paulo Luiz de Toledo, ao estabelecer um paralelo entre a utilidade do ressegurador para o segurador e entre o ressegurador e retrocessionário. Nesse intento afirmou que ”o ressegurador, tal qual o segurador, deve valer-se de um meio pelo qual possa salvaguardar os interesses de sua empresa e compensar riscos”. Sobre o mesmo aspecto, bem lembrou Pedro Alvim104, “in verbis”: Através dos resseguros e das retrocessões são absorvidos riscos que ultrapassam a capacidade do segurador. Sem esse mecanismo jamais poderia cumprir satisfatoriamente sua missão de oferecer cobertura imediata aos segurados, para riscos vultosos.
Dirube105, também explica: [...] a retrocessão é utilizada somente quando o ressegurador aceita resseguros acima da sua capacidade, o que pode acontecer não por descuido ou por má administração do negócio, mas sim como 103
CONCEPCIÓN HILL apud PIZA, 2001, p. 311.
104
ALVIM, 1986, p. 365.
105
DIRUBE, 1991, p. 22.
1 resultado de uma política deliberada, com o objetivo de reunir um grande volume de prêmios a ceder parte deles, em condições comerciais convenientes.
6.2) RESSEGURO E CO-SEGURO O resseguro e o co-seguro são as duas formas de pulverizar os riscos atinentes à atividade securitária. No entanto, embora tenham a mesma finalidade,
possuem
distinções
acentuadas.
Conforme
já
amplamente
demonstrado, a principal diferença entre ambos reside na questão da existência ou não de relação jurídica com o segurado inicial. O co-seguro é uma forma de pulverização de risco, na qual o segurado contrata mais de uma empresa seguradora, passando todas elas a assegurar o risco nas condições e proporções constantes da apólice. Desta forma, caso se efetive o sinistro, o segurado deverá ser indenizado por todas as companhias seguradoras, que em co-seguro, ofereceram cobertura ao risco, visto que a relação jurídica estabelecida engloba o segurado e todas as companhias seguradoras. Da mesma forma, conceitua Dirube106: O cosseguro consiste simplesmente em repartir o risco entre várias seguradoras, ficando a cargo de cada uma, uma porção da importância segurada total. Cada cossegurador escolhe a fração da importância segurada que fica sob a sua responsabilidade e emite um contrato de seguro individual por esse valor e todos os contratos acordados pelos cosseguradores são concretizados em uma única apólice.
Por outro lado, na operação de resseguro, a companhia seguradora firma um outro contrato de seguro com a companhia resseguradora, passando a figurar nesta relação jurídica como segurada. A utilização desta forma de pulverização de riscos decorre essencialmente da assunção de riscos de grande monta, os quais poderiam abalar a liquidez da empresa, levando-a inclusive à falência. No resseguro não há o envolvimento do segurado inicial, isto é, a relação jurídica fica circunscrita ao segurador/ressegurado e ressegurador. Como conseqüência direta de tal situação, a resseguradora jamais poderá ser
1 acionada pelo segurado inicial visto que não há qualquer liame jurídico que os una. Logo, a companhia ressegurada é, em face do segurado, a única responsável pelo adimplemento do ressarcimento. Uma vez realizado o pagamento ao segurado, a seguradora, por sua vez, poderá ser ressarcida nos termos do contrato firmado com o ressegurador. Cumpre destacar o completíssimo conceito de Dirube107, “in verbis”: O resseguro é uma forma seguradora de segundo grau, em que, através das diversas modalidades, as entidades seguradoras procuram homogeneizar e limitar as suas responsabilidades, para normalizar o comportamento da carteira de riscos assumidos, por meio da cobertura dos desvios ou desequilíbrios que afetem a freqüência, a intensidade, a distribuição temporal ou o valor individual dos sinistros que a afetarem.
Donati108, citado por Toledo Piza, com indiscutível precisão distingue ambas operações securitárias. Confira-se: Donati sempre pontuou a distinção entre o resseguro, de um lado, e o “seguro plúrimo” (o “seguro cumulativo” e o co-seguro), de outro. Segundo o autor, estes, “embora também promovam uma repartição, são seguros celebrados pelo mesmo contraente, contra o mesmo risco, pelo mesmo interesse e com coincidência ao menos parcial de vigência, junto a vários seguradores (mesmo que no co-seguro tal freqüentemente se opere através de apenas um deles, o chamado “líder”) – e as relações internas entre seguradores, quando assim se formam, têm natureza associativa e não securitária, enquanto o resseguro é celebrado pelo segurador na qualidade de ressegurado”.
106
Ob. cit., p. 06.
107
DIRUBE, 1991, p. 07.
108
DONATI apud PIZA, 2001, p. 285.
1
7) CONCLUSÃO Enfim, pode-se perceber por tudo o que foi exposto neste trabalho monográfico que a atividade securitária em sentido amplo é de imprescindível existência para o desenvolvimento das atividades, sejam elas industriais ou comerciais. Sua prática sempre estará associada a suprir as inseguranças advindas dos riscos inerentes ao exercício destas atividades, proporcionando, assim, maior estabilidade e garantia para as partes envolvidas nestas relações. Nesse âmbito, a atividade ressecuritária deixa transparecer sua evidente importância para a própria formação do contrato de seguro. Isto porque, por diversas vezes, o risco a ser coberto é demasiadamente gravoso para que o segurador, por si só, faça frente a ele. O resseguro então, como técnica de pulverização dos riscos, aparece para conferir maior amplitude à operação securitária, aumentando a capacidade de aceitação de riscos das companhias de seguros. Destarte, grandes empreendimentos, de aparente inviabilidade securitária, passam a ser cobertos de garantia, tendo as companhias seguradoras o respaldo da operação de resseguro. Com efeito, trata-se de um contrato notadamente internacional, visto que as partes contratantes (segurador cedente/ressegurado e ressegurador) normalmente estão sob a égide de ordenamentos jurídicos distintos. De legislação escassa é um campo de grande influência da autonomia da vontade, exteriorizada por sua diversidade de cláusulas, sistemas de cobertura, formas de contratação e pela utilização do juízo arbitral como órgão dirimidor de litígios. No Brasil, a atividade ressecuritária vinha sendo exercida em regime de monopólio desde a criação do IRB em 1939. Isto se deveu fundamentalmente pela necessidade de retenção em terras brasileiras do capital empregado na atividade securitária, que era explorada principalmente por empresas estrangeiras, que remetiam as divisas aqui auferidas para o país sede. Todavia, tal quadro econômico não persiste atualmente, pelo contrário, a própria conjuntura internacional, de um mundo globalizado, exige a abertura do
1 mercado ressecuritário à exploração privada concorrencial, objetivando deste modo, oferecer serviços melhores e mais acessíveis. Nessa linha, sobrevieram as modificações constitucionais, primeiro com a Emenda Constitucional n.° 13, 21 de agosto de 1996, que suprimiu a existência de órgão oficial ressegurador, extirpando, ao menos em teoria o regime de monopólio da atividade ressecuritária no Brasil. Contudo, a implementação da atividade ressecuritária em regime privado foi impedida pela inconstitucionalidade formal da Lei 9.932/99, com a qual se pretendia alterar o Decreto Lei 73, permitindo, assim, sua exploração pela iniciativa privada. A essa alteração constitucional sobreveio a Emenda Constitucional n.° 40, de 29 de maio de 2003, a qual manteve a exigência de lei complementar para a regulamentação da atividade ressecuritária, muito embora tenha excluído da redação da Carta Magna a expressão resseguro. Dessa forma, embora não subsista no ordenamento constitucional brasileiro o regime de monopólio da atividade ressecuritária, a inexistência de lei complementar regulando sua exploração obsta que a iniciativa privada exerça tal atividade, a qual até o presente momento vem sendo exercida exclusivamente, mas não mais em regime de monopólio, pelo IRB S/A. Um grande passo foi dado, porém, a caminhada ainda não terminou e nessa vereda faz-se necessária a edição da tão esperada lei complementar. A necessidade da abertura das operações de resseguro é fato e sua implementação urge. Com uma competitividade mais acirrada pelo mercado ressecuritário, as atividades
comerciais
no
geral
serão
beneficiadas,
fator
este
que
proporcionará, inclusive, um incremento das relações comerciais e um maior intercâmbio de produtos, tecnologia, divisas, entre outros. Espera-se com este estudo do resseguro, não em caráter exaustivo, em virtude inclusive da extensão da matéria posta em análise, ter-se pontuado de forma satisfatória sua importância, desdobramentos e algumas das nuances relevantes para a compreensão do tema.
1
8) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. BOTTI, Paulo Eduardo Freitas. Introdução ao resseguro (para brasileiros). São Paulo : Nobel, 1995. CASS, R. Michael et alii. Práticas de Resseguro. Vol. I, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001 CASS, R. Michael et alii. Práticas de Resseguro. Vol. II, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001 CRAVEIRO, Paula. O seguro do seguro. Revista Apólice, ano 10, n° 81, Jan/Fev, São Paulo : Correcta Editora Ltda, 2005. DI GROPELLO, Giulio. Princípios da técnica de resseguro: resseguro financeiro e derivados em resseguro. Rio de Janeiro : FUNENSEG, 1997. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. vol. III, 17ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002. DIRUBE, Ariel Fernández. Manual de resseguros. São Paulo: General Re, 1991. ELLIOTT, Michael W. et alii. Princípios de resseguro. Vol. I, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001 ELLIOTT, Michael W. et alii. Princípios de resseguro. Vol. II, Rio de Janeiro : FUNENSEG, 2001 FONTANA, Nelson. Seguros e resseguros: cruzando fronteiras. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguro Ltda., 1996. GOMES, Orlando. Contratos. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha Guimarães. Contratos internacionais de seguros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. HADDAD, Marcelo Mansur. O resseguro internacional. Rio de Janeiro: FUNENSEG, 2003. JUNIOR, Armando Alvares Garcia. Foro competente e lei aplicável aos contratos internacionais. São Paulo, LTr, 2002. MANDELE JÚNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito
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:
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