Pausa para ser lido nos intervalos
BELO HORIZONTE NOVEMBRO | DEZEMBRO DE 2008 NÚMERO NOVE
editorial Nós, da equipe do Pausa, gostaríamos de começar este editorial agradecendo a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a distribuição do jornal, passando-o de mão em mão, levando-o para os mais diversos lugares, dentro e fora de BH. Gostaríamos de elogiar a iniciativa do pessoal do Dezfaces, que, na coluna assinada por Camilo Lara, se propôs estudar e divulgar as publicações literárias mineiras contemporâneas. Agradecemos também aos editores e colaboradores do A Parada o trabalho de divulgação do Pausa nas rodas literárias belo-horizontinas. Para finalizar, agradecemos a todos os ilustradores e artistas que colaboraram conosco este ano, criando e adaptando suas obras de acordo com o projeto gráfico de cada edição. Atitudes como essas, aparentemente tão banais, demonstram que existe um trabalho conjunto de criação e fortalecimento de um autêntico movimento artístico na capital mineira. * Nesta edição de dezembro, o Pausa traz um ensaio de Marcelo Bueno sobre Éloge de l’amour, de Jean-Luc Godard, além de um conto de Cíntia França e um poema de Wanderson Carlos. Há, ainda, a tradução de um poema indígena maxakali feita por Charles Bicalho, realizada em parceria com Lúcio Maxakali, Damasinho Maxakali, Benjamin Maxakali, Marcelinho Maxakali e Badé Maxakali. As ilustrações apresentam uma retrospectiva de várias imagens que apareceram nas edições de 2008 do Pausa.
parceiros Rua Padre Odorico, 128 sl. 606 Savassi | BH | MG | (31) 3225 9026 casadaletra@uol.com.br
Conselho Editorial Alexandre Fantagussi Erick Costa Maraíza Labanca Rafael Reis II Projeto Gráfico e Direção de Arte Fernanda Gontijo II Colaboradores desta edição Cíntia França Charles Bicalho Marcelo Bueno Wanderson Carlos II Imagens Bruno Martins Fernando Levi (capa) Juliana Gontijo Leo Drumond Rafael Carvalhaes Renato Loose Vitor L. M. Ulisses Moisés II Revisão Isabela Monteiro II Impressão Guia Prático II Tiragem 1.000 exemplares II Informações Críticas Comentários Envio de Material Contato jornal.pausa@gmail.com II As opiniões expressas nos textos assinados são de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores II Favor não deixar este jornal em vias públicas
Imagem: Juliana Gontijo
expediente
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ESPÍRITO DA FOLHA DE ÁRVORE hu yu yux hu yu yux a folha vem voando com o yãmîy vem caindo com a folha vem voando com o yãmîy vem caindo com hu yu yux hu yu yux a folha vem voando com o yãmîy vem caindo com a folha vem voando com o yãmîy vem caindo com hu yu yux hu yu yux
4 II Texto: Charles Bicalho
Imagem: Ulisses MoisĂŠs II 5
I L’PAYSAGE
Elogio ao amor (Éloge de l’amour)
Escrever sobre Godard parece ser uma batalha perdida. Com Elogio ao amor não é diferente. Exemplo disso é que, em nenhum lugar, as sinopses concordam. Para alguns: filme político que ataca visceralmente a cultura norte-americana do norte (não os mexicanos, ou os canadenses ou os brasileiros). Para outros, filme sobre diretor em busca de realizar um projeto sobre as três fases da vida (juventude, idade adulta e velhice) e as quatro fases do amor (encontro, paixão física, separação e reencontro). Nenhuma das duas versões está errada. E ainda há mais. Suspeito de que isso aconteça porque, por um lado, Elogio... não deveria ser visto em salas de cinema. Quem sabe se fosse possível entrar na sala de projeção e folhear um a um os fotogramas. Ou se o projecionista colasse imagem por imagem numa espécie de mosaico-tela. A montagem é tão não-linear que a transgressão é estar numa tripa de filme. Mas, ao mesmo tempo, não. É filme para sala escura. Pela trilha sonora, que é som do tal amor. Pelos cortes repentinos. Pelo preto e branco rigoroso e clássico dos primeiros cinqüenta e sete minutos de filme e planos gerais em ferrovias à noite, com luzes pairando. Isso é a prova quase viva de que a memória tem, antes de tudo, direitos.
6 II Texto: Marcelo Bueno
E é porque, a cinqüenta e oito minutos de filme, o som vem introduzir o fauvismo digital. E depois o impressionismo digital e outros estilos em quadros de tinta a óleo em tela de dezesseis por sete (metros). Enquanto isso, naquele ano de 2001, uma parte da indústria discutia o custo de produção, e a jovem ala rebelde discutia a liberdade de apertar o botão e representar. Mesmo com o objeto humano em frente à câmera, só Godard ainda lembrava que, sem amor, não há beleza. E, no auge de seus 70 anos de idade – mais da metade deles devotado ao cinema, à escrita, à pintura e a tudo que fosse sintaxe –, veio pintar esses quadros com o tal do digital. Sábio. Essa é a revolução que também é a resistência e, como o texto diz, “não existe resistência sem memória ou universalismo”. E provavelmente não exista amor sem revolução. É batalha perdida. Como falar de um filme que incorpora o texto como eixo central tão importante como a própria imagem e seu fluxo? Como falar das telas pretas de elipses heterodoxas em que, a cada momento que a gente parece finalmente estar cômodo, ele nos brinda com um incômodo? Um som “deslocado”, uma frase, um texto na tela em cartela ou mesmo nos enquadramentos dos luminosos da cidade. Texto. Para quem tem coração e córtex fortes, nada surpreendente, sobretudo se vem de alguém que se considera um ensaísta que, em vez de escrever, filma. Para quem a escrita é seu inimigo
Imagem: Leo Drumond II 7
real e prega que é preciso escrever e não ler, porque a escrita é lei e, portanto, a morte. Para um autor que nunca escondeu sua admiração e desconfiança para com a palavra escrita. O que ele poderia fazer, a não ser filmes-colagens? Deixar que o texto invada a imagem, seja a imagem, e faça com que esta se torne uma jovem bela e burra na sua ausência. É disso que se trata. Ver Elogio ao amor é livrar a memória das obrigações e lhe dar apenas seus direitos. Discordo de que os americanos (os da América do Norte que não são nem o Canadá nem o México) precisem de histórias alheias para criar uma identidade que eles não têm, porque a identidade lhes é negada de berço nacional. Mas descubro que o Estado é antítese do amor. E descubro a palpitação forte com o soar do piano ou com a composição dos quadros pintados a câmera. E descubro na história de Elegantine, que não aceita o amor cego de Perceval, a quebra do próprio amor. E também na história de Edegar e sua musa colorida, uma espécie de Simone Weill ou Hannah Arendt, a paixão, a memória e a transformação daquilo que somos hoje num outro nós, e, ainda, na história do casal Bayard, a recusa do tempo, a resistência, a quebra, a memória e, por isso... o amor. Mas a explicação deve estar mesmo na contramão de Godard. Numa espécie de negação da escrita. Numa foto, tal como no desenho da borboleta feita pelo lendário pintor do imperador chinês.
Quando penso em alguma coisa, na verdade penso em outra coisa. Uma paisagem nova só é nova porque comparada a outra paisagem que você já conhece.
8 II Texto: Marcelo Bueno
Imagens: Rafael Carvalhaes e Bruno Martins II 9
10 II Imagem: Renato Loose
ida o aluno alexandre neto calça azul camisa branca identificação próxima ao ombro direito entra no ônibus dois pontos depois do meu às 13:03h horário local da roleta que difere do meu em alguns minutos e me é mais favorável. o aluno alexandre neto quer atravessar logo a roleta a separar o espaço reservado a idosos gestantes deficientes pessoas com crianças de colo do espaço destinado a ele e a mim conforme foi instruído a fazer mas obstruo a passagem assim como sou obstruída por alguém que é obstruído por muitos outros a esta altura do itinerário. o aluno alexandre neto se espreme entre os obstáculos e passa ao outro lado da roleta com sua mochila seu relógio de pulso talvez a marcar 13:10h. ele vai o mais longe que pode dentro do ônibus de forma a não obstruir passagens conforme foi instruído a fazer. nove minutos depois atravesso a roleta muita gente desce e sobe aparentemente em igual quantidade movimento que me permite achar um assento vago ao lado do aluno alexandre neto nesse momento a olhar seu telefone celular cujo relógio única informação estampada no display mostra 13:24h horário substancialmente diferente das 13:20h que marca seu relógio de pulso e me desfavorece tremendamente. o aluno alexandre neto vê uma senhora que não será ainda muito idosa afinal teve de pagar a passagem mas assim mesmo terá idade para merecer suas deferências uma vez que o aluno alexandre neto como foi instruído a fazer oferece-lhe o assento que ela gentilmente recusa por estar a descer no próximo ponto. tranqüilizado o aluno alexandre neto voltase para a mochila e o celular que estava a olhar e agora guarda após o que distrai-se por um momento olhando a praça que já foi cartão-postal. quando volta sua atenção para o corredor do ônibus dois minutos depois há outra senhora não tão idosa porém digna das deferências que foi instruído a fazer o que o obriga a oferecer novamente o assento e ele já está mesmo a levantar-se com sua mochila mas o ônibus está tão cheio que é difícil a movimentação das pessoas no corredor para lhe ceder passagem e quando por fim ele está a conseguir outro assento já foi desocupado e a senhora não tão idosa já se está a instalar ali. o aluno alexandre neto volta ao seu lugar a esperar a próxima oportunidade e eu a pensar nas horas que não perdem tempo em me atrasar assim como o ônibus mas poucos minutos depois e menos do que eu supunha esperar já estou a descer no ponto da esquina da escola e a assinar o livro de controle de presença dos estagiários antes que o relógio digital na parede à minha direita marque as fatais 13:30h. Texto: Cíntia França II 11
wanderson carlos
ode à capa de sofá Quadros amortalhados Na vermelhidão, capa de sofá Macarrões em cima da mesa Abacates cortados Num piquenique sangrento Sobre a grama queimada Trigos que não foram colhidos Esmagados por nossas nádegas Circundadas por folhas Secas, Nunca foram varridas Na altura do nosso Calcanhar Quadros aprisionados Na vermelhidão maior Da rosa Poderiam ser picassos van goghs, monets Ou meramente silk screens De autores desconhecidos Na galeria de arte Que é o sofá da sala Com sua capa retorcida Por nossos corpos Quando sentamos, Quando levantamos Ou quando simplesmente Queremos cochilar Sobre o vermelho reflexivo.
Imagem: Vitor L. M.