Revista Parque e Vida Selvagem

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Esta Revista faz parte integrante da edição do Jornal de Notícias e não pode ser vendida separadamente • Distribuição gratuita

Ano XI • N.º 39 • 22 de março a 21 de junho de 2012

Countdown HEALTH AND BIODIVERSITY Interview SPIDERS Report TAGUS ESTUARY NATURAL RESERVE Contra-relógio SAÚDE E BIODIVERSIDADE Entrevista AS ARANHAS SÃO IMPORTANTES Reportagem ESTUÁRIO DO TEJO

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SUMÁRIO 3

Primavera 2012 Carlos Rocha

FICHA TÉCNICA

18 ARANHAS

Revista “Parques e Vida Selvagem” · Diretor Nuno Gomes Oliveira · Editor Parque Biológico de Gaia · Coordenador da Redação Jorge Gomes · Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia · Propriedade Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM · Pessoa coletiva 504763202 · Tiragem 60 000 exemplares · ISSN 1645-2607 · N.º Registo no I.C.S. 123937. Dep. Legal 170787/01 · Administração e Redação Parque Biológico de Gaia · Rua da Cunha · 4430-681 Avintes · Portugal · Telefone 227878120 · E-mail: revista@parquebiologico.pt · Página na internet http://www.parquebiologico.pt · Conselho de Administração José Miranda de Sousa Maciel, Nuno Gomes Oliveira, Serafim Silva Martins, José António Bastos Cardoso, Brito da Silva · Publicidade Jornal de Notícias · Impressão Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, Rua Consiglieri Pedroso, 90 · Casal de Santa Leopoldina · 2730 Barcarena, Portugal · Capa foto de João Luís Teixeira

entrevista Seres vivos tidos como repugnantes ganham um lugar ao sol na Década da Biodiversidade. As aranhas não precisam do obséquio: vencido o preconceito, muitas delas são bonitas. Não sendo pela estética que importam aos ecossistemas em que se integram, se não fosse a sua ajuda, estaríamos a braços com picos populacionais de insetos nocivos. Pedro Sousa, investigador, explica esta fasquia da diversidade da vida.

SECÇÕES

22 BIODIVERSIDADE E SAÚDE

9 Ver e falar 11Cartoon 12 Fotonotícias 14 Portfolio 24 Quinteiro 28 Parques de Gaia

contra-relógio A sua saúde depende da diversidade biológica. Esta é a verdadeira base dos alimentos que consumimos, a fonte dos medicamentos que usamos quando estamos doentes e é através da sua atividade que dispomos de ar puro e água potável. Em plena Década da Biodiversidade, distinguida pelas Nações Unidas, há informações a sublinhar.

44 Migrações 60 Biblioteca 61 Crónica 66 Coletivismo

46 ESTUÁRIO DO TEJO

Esta revista resulta de uma parceria entre o Parque Biológico de Gaia e o “Jornal de Notícias”

reportagem Ao longo de 14192 hectares a Reserva Natural do Estuário do Tejo comporta uma extensa superfície de águas estuarinas, campos de vasa que abrigam sapais, salinas e terrenos aluvionares agrícolas. Esta área protegida distribui-se pelos concelhos de Alcochete, Benavente e Vila Franca de Xira.

Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadas da responsabilidade de quem as assina.

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4 EDITORIAL

Por Nuno Gomes Oliveira Diretor da Revista “Parques e Vida Selvagem”

O valor da biodiversidade A Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Brasil) está a financiar estudos para obtenção de substâncias com potencial terapêutico tendo como base plantas brasileiras

O

professor Valdir Cechinel Filho, coordenador do Núcleo de Investigações Químico-Farmacêuticas, da Universidade do Vale do Itajaí, deu a conhecer num seminário realizado no dia 15 de março deste ano, entre outras conclusões já apuradas, a descoberta que a “cabeludinha” (Plinia glomerata), um arbusto caraterístico da Mata Atlântica brasileira, terá princípios ativos que permitem produzir fármacos com um efeito mais potente, no controlo da dor e inflamação, que o paracetamol ou a aspirina, fármacos que também têm por base plantas, o salgueiro-branco (Salix alba), no primeiro caso, e a erva-das-abelhas (Spiraea ulmaria, atualmente Filipendula ulmaria). “A expectativa é que no futuro tenhamos um novo fitoterápico disponível no mercado”, disse o Prof. Cechinel. É por estas e outras razões que a biodiversidade tem um valor incomensurável e que a sua destruição é um completo disparate, demonstrativo de falta de cultura e conhecimento.

vão passar a ser geridos de forma mais favorável ao lince-ibérico e ao abutre-preto. Para o primeiro, serão melhoradas as condições de habitat da sua presa principal, o coelho-bravo e, para o segundo, serão instalados ninhos artificiais e um campo de alimentação.

O Provedor da Floresta Retomando este título, do número anterior da revista “Parques e Vida Selvagem”, é com muito agrado que verificamos, no Diário da República, que o Governo e a Assembleia da República acolherem bem a recomendação feita no fim do ano passado, pelo Provedor de Justiça, Juiz Conselheiro Alfredo José de Sousa. Assim, em 13 de março de 2012 foi publicada a Lei n.º 12/2012 que revoga o Código Florestal (Decreto-lei n.º 254/2009) e mantém em vigor a legislação florestal vigente até 2009, e que o citado Código Florestal tinha, por sua vez, revogado. Quer isto dizer que voltaremos a ter a proteção do Regime Florestal e dos Guardas-florestais?

Lince-ibérico ganha terreno

Novas espécies no Parque Biológico

São boas notícias: em março nasceram 7 crias no Centro de Reprodução do Lince-ibérico, em Silves, um projeto do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Em abril juntaramse-lhes mais 12 crias de lince-ibérico. Além destas 17 crias, outras nasceram nos centros de reprodução espanhóis de La Olivilla, de El Acebuche, e de Granadillha, perfazendo um total ibérico de 40 crias, o que eleva a população de lince-ibérico em cativeiro para 96 animais. Em simultâneo com a criação em cativeiro, importa melhorar as condições do habitat para que, um dia, os linces criados possam ser libertados na natureza. Sem este trabalho de criação de condições de abrigo, alimentação e segurança todo o esforço de aumento ex-situ da população de lince de nada valerá. Por isso é de saudar a notícia de uma recente parceria estabelecida entre a Liga para a Proteção da Natureza e a Câmara Municipal de Moura: os 5000 hectares da Herdade da Contenda (Baixo Alentejo)

O milhafre-preto, a garça-real e a garça-boieira, no estado selvagem, são as novas “vedetas” do Parque Biológico. O milhafre-preto (Milvus migrans), pouco abundante nesta região, foi já registado no Parque Biológico em 2010/2011, havendo a suspeita de nidificação na região; este ano, um casal está a nidificar, num grande eucalipto, dentro do Parque. A garça-real (Ardea cinerea), cuja presença é regular no Parque Biológico, este ano, pela primeira vez, construiu ninho num velho carvalho e, espera-se, vá criar. Finalmente, a garça-boieira (Bubulcus ibis), “muito rara” no Entre Douro e Minho, segundo o portal www.avesdeportugal.info, começou a frequentar o Parque Biológico em início de fevereiro deste ano; um número variável de indivíduos (até agora nunca superior a 10) dorme regularmente, desde então, junto à colónia de garças que existe no Parque, em cativeiro; um casal fez ninho nuns arbustos e está a incubar desde o início do mês.

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João L. Teixeira

Nuno Gomes Oliveira

Instalação de um ninho artificial na Suldouro

Milhafre-preto

João L. Teixeira

Estas ocorrências devem-se, seguramente, à presença em cativeiro e semicativeiro das mesmas espécies mas talvez haja um nexo de causalidade com a seca deste ano, que permitiu às aves ficarem mais tempo no Norte. De fato, em abril deste ano, 57% do território do continente estava em situação de “seca extrema” e 41% em “seca severa”, segundo o Instituto de Meteorologia, encontrando-se a região do Douro Litoral em situação de seca extrema.

Peneireiros em Gaia O Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus) começa a ter ocorrência regular nesta região. Junto aos estúdios da RTP do Monte da Virgem, tem criado desde há anos numas das aberturas da torre de cimento armado do PT; no Estuário do Douro, utilizam a torre de um depósito de água da antiga seca do bacalhau. Recentemente, um casal habituou-se a pernoitar num armazém da Suldouro, empresa que gere o aterro sanitário de Vila Nova de Gaia e Vila da Feira; para lhe proporcionar um bom local de nidificação, em fevereiro a Suldouro e o Parque Biológico instalaram ali um ninho artificial (foto).

Reserva Natural Local do Estuário do Douro Em 2 de abril foi registada a presença, na Reserva Natural Local do Estuário do Douro da Mobelha-pequena (Gavia stellata), uma espécie de ocorrência muito rara em Portugal (ver foto na página 30). Apesar disso, já estava na lista das aves selvagens observadas no Estuário do Douro desde outubro de 2010. O Guia da Reserva Natural Local do Estuário do Douro está pronto e impresso, e será brevemente lançado no mercado. Com textos de Nuno Gomes Oliveira, Paulo Paes de Faria, Henrique Nepomuceno Alves, José Portugal, Pedro Quintela, J. J. Gonçalves Guimarães e António Manuel S. P. Silva, Narciso Ferreira, e fotografias, na sua maioria, de João Luís Teixeira, as 160 páginas deste livro dão-nos uma visão geral da geologia, geomorfologia, arqueologia, história, ocupação humana, fauna e flora desta área protegida.

Duas garças-boieiras selvagens no Parque Biológico

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6 REGISTO

Hoffmannsegg e Link encontraram o rio Douro com aspeto idêntico a este, quando ali chegaram, pelo lado de Gaia, por volta do Dia do Corpo de Deus de 1798 (07/06/1798). Gravura de Batty, 1829

Turismo Botânico no Douro em 1798

A

inda não se falando em turismo no rio Douro, o professor Link e o conde Hoffmannsegg foram, porventura, dos primeiros a fazêlo em 1798: “Um passeio muito agradável vai pelo rio acima, à direita tem-se o belo rio, à esquerda uma encosta íngreme e rochosa, cujas rochas tiveram de ser rebentadas para alargar o caminho, em frente, um convento com a sua quinta cheia de arvoredos. Muitos ribeiros se precipitam pelas rochas abaixo, perdendo-se entre musgo, mato e ervas que gotejam água fresca e clara. (...) Em frente e até alguma distância a terra é muito bonita, formando uma colina alegre onde um matagal baixo de carvalho [Quercus robur] e azevinho (Ilex aquifolium) surpreende pela novidade. Um caminho igualmente agradável vai rio abaixo até ao mar. (...) As montanhas acabam subitamente junto à costa, a terra na foz do rio torna-se mais plana, mas da areia destacam-se aqui e ali rochedos.” Link estava a referir-se a um passeio no

sentido nascente, pela atual Avenida de Gustavo Eifel e, talvez, ao Real Colégio dos Órfãos, no Bonfim, junto ao Monte do Seminário, fundado em 1651 por alvará régio de D. João IV, e administrado até hoje pelos Salesianos. No dia seguinte, uma límpida manhã de junho de 1798, bem cedo, o conde Hoffmannsegg e o professor Link saíram do Porto, provavelmente da casa do comerciante de vinho do Porto e cônsul britânico no Porto, senhor James Warre, onde estariam hospedados, e dirigiramse à Ribeira, para atravessarem de barco para Vila Nova de Gaia, pois ainda não havia nenhuma ponte. Foram descendo calmamente pela margem esquerda do Douro, provavelmente tentando refazer o percurso que, em 1751, quase meio século antes, tinha sido feito pelo botânico sueco Pehr Löfling, colaborador de Lineu, durante o qual recolheu várias espécies novas de plantas, que depois enviou ao mestre, entre

elas a silene-do-porto (Silene portensis L.), ainda hoje presente no Estuário do Douro. Nas encostas, possivelmente junto ao Castelo de Gaia, recolhem a Potentilla reptans descrita por Lineu em 1753, mais adiante a madorneira, Artemisia campestris, também descrita por Lineu na mesma data, talvez a subespécie marítima, descrita pelo botânico italiano Giovanni Arcangeli, em 1882, que prefere locais próximos do mar. Ao chegarem ao que é hoje a Reserva Natural Local do Estuário do Douro, registam a presença de uma planta carnívora aquática, a Utricularia vulgaris, classificada por Lineu em 1753, que devem ter confundido com a Utricularia australis descrita pelo botânico escocês Robert Brown em 1810; admite-se a confusão visto que a primeira é uma planta de altitude e a segunda mais adaptada ao litoral e a águas hipossalinas. Por Nuno Gomes Oliveira

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OPINIÃO 7

Por Luís Filipe Menezes Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia

Gaia explica-se aos visitantes O número crescente de pessoas que visitam a Reserva Natural Local do Estuário do Douro, que se eleva a centenas em alguns fins-de-semana, demonstra que o gosto pela observação e fotografia da fauna selvagem são actividades que, cada vez mais, atraem pessoas

O

económico à nossa região. Ainda há dias, ao visitar as obras em curso na Afurada/ Canidelo (marina, mercado, restaurante e museu) tive ocasião de chamar a atenção para a importância da complementaridade dos investimentos; se a Reserva Natural do Estuário é importante para o futuro restaurante do mercado da Afurada, também este é importante para os visitantes da Reserva que, naturalmente, depois de verem e fotografarem as aves querem almoçar ou jantar. O Centro Interpretativo do Património Natural e Cultural da Afurada (vulgo, Museu da Afurada) será, também, mais um elemento de promoção da visita a esta zona de Gaia e irá permitir o conhecimento aprofundado da história, usos e costumes locais. Porque quem visita tem curiosidade de

conhecer o que visita, aos poucos, estamos a criar uma rede de equipamentos de interpretação do território gaiense. Desde a Estação Litoral da Aguda, que nos explica o mar, ao Centro de Educação Ambiental das Ribeiras de Gaia, que nos fala do ciclo da água, ao Parque Biológico, que interpreta a paisagem agro-florestal, ao Solar dos Condes de Resende, que nos abre as portas para mostrar a história de Gaia, ao Parque de Dunas da Aguda, que permite descobrir a flora dunar, ao futuro Centro de Interpretação do Sítio Arqueológico do Castelo, em Crestuma, que nos falará do passado milenar do comércio fluvial no Douro, passando pelas múltiplas exposições existentes nas caves de Vinho do Porto, que nos contam a história deste vinho e do seu comércio, Gaia explica-se aos visitantes. João L. Teixeira

ra isto vem dar um duplo valor à criação, pelo Município de Gaia, desta área protegida: primeiro, e antes de mais, foi um contributo muito positivo para a conservação da biodiversidade, nesta Década da Biodiversidade, estabelecida pela ONU e, segundo, foi também um contributo para o desenvolvimento turístico local. Não serão centenas, por ano, os turistas que vêm a Gaia por causa das aves, mas somados a outros milhares que nos visitam por causa da arquitetura do ferro das nossas pontes, da classificação como “Património Mundial” atribuída pela Unesco à parte histórica do Porto e Gaia, aos museus ou às caves de vinho do Porto, perfazem o fluxo de centenas de milhar que trazem riqueza e desenvolvimento

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Dizem os leitores

JG

Assim que a revista de inverno foi distribuída a em 29 de fevereiro, quarta-feira, os leitores manifestaram-se

E

m 18 de janeiro, quarta-feira, António Teixeira escreve no seu e-mail, após ter pedido o envio da revista de outono de 2011: «Agradeço a vossa gentileza em me enviarem a revista PARQUES E VIDA SELVAGEM n.º 37. Gostaria de saber o dia da próxima publicação para comprar o “Jornal de Notícias”. Meus cumprimentos e parabéns». Ficou anotado e seguiu o alerta assim que houve a certeza da data de distribuição. No dia esperado, de manhãzinha, uma senhora perguntava no quiosque da bomba de gasolina da via Norte, junto à circunvalação da cidade do Porto, ao folhear o “Jornal de Notícias” que ia comprar: «Olhe que não encontro aqui a revista PARQUES E VIDA SELVAGEM! E disseram que saía hoje...». O vendedor pegou num outro jornal do maço, folheou e encontrou-a sem demora: «Aqui está!». A compra concluiu-se. Quem nos fez chegar este episódio foi Joaquim Peixoto, quando fortuitamente parou no mesmo local para comprar tabaco. Em 6 de março Joaquim Borges dizia no seu e-mail: «Boa tarde! Acabei hoje de ler o novo número da revista. Já não era sem tempo ela ter saído. Congratulovos com as peças escolhidas, pela qualidade de imagem e pela voz ativa na conservação da natureza. Fazia falta a revista sair todos os meses ou ter mais páginas. Bem hajam e que continuem o vosso trabalho por muitos anos. Cumprimentos a toda a equipa». Agradecemos as palavras simpáticas e, quanto às saudações, ficam entregues.

Manuel Ferreira

Ana Mota

VER E FALAR 9

Processionária? Quem tem crianças preocupa-se mais e o aumento da população de processionárias está a vista. Ana Mota indaga por e-mail: «Boa tarde. Fotografei esta lagarta e gostaria que me ajudassem a identificar se é ou não uma processionária». Resposta: «Boa tarde. Não é uma processionária. Não tem aspeto disso e não há memória de alguma vez termos visto uma processionária isolada. As filas que formam quando as vemos atravessar o chão normalmente têm a ver com a descida dos ninhos de seda que fazem nos pinheirosbravos, quando termina a sua fase de lagarta (alimentação) e procuram um pedaço de solo adequado para se enterrarem e formarem crisálida, a fase que antecede o seu surgimento na forma de mariposa (uma pequena borboleta noturna acinzentada) em tempo oportuno. Não sabemos identificar a espécie da foto com certeza mas estará também no grupo das borboletas noturnas. Mais vale deixá-la seguir o seu caminho. Não deve ser manuseada, pois os seus pêlos também serão urticantes. Esperamos ter ajudado».

M

anuel Ferreira escreve em 14 de março: «É com agrado que leio a revista e, como me enchi de inspiração, tomo a liberdade de enviar um pequeno texto e uma fotografia, para ser publicada na página “Ver e falar”, isto se reunir condições para isso!». E diz muito bem. Aqui fica a foto e o seu registo: «Passeios a pé — Não é preciso afastarmo-nos muito de casa, para por vezes, sermos surpreendidos por aquilo que nos rodeia, basta estarmos atentos! Ultimamente é com agrado que vejo próximo da área pedonal junto há linha F do metro, entre Rio Tinto e Fânzeres, diversas espécies de aves que utilizam aquela zona semi-urbana para passar uma temporada; já identifiquei rolas, pombas, gaivotas, pintassilgos, pardais, melros, corvos, poupas, garças, entre outras, isto só para falar de aves! Aproveito os espaços verdes para as caminhadas independentemente das estações do ano, pois sou largamente beneficiado física e mentalmente! É uma receita que repito semana após semana e aconselho a todos».

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Jorge Gomes

10 VER E FALAR

Alfaiates

Jorge Gomes

no Corta-fitas

Os textos que os visitantes do Parque Biológico de Gaia vão fazendo dispersam-se na internet. Exemplo disso é este encontrado no blogue* publicado por João Afonso Machado, em 25 de setembro do ano passado, centrado nos alfaiates da exposição Biorama. O mote é sugestivo — «Corta-fitas – inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios» — e o texto fica a seguir a estas linhas. «Nessa tarde calma de sábado, os alfaiates resolveram reunir em convenção, como acontece a todas as horas e minutos, todos os dias. Foi em Avintes, algures no percurso de 3 km do Parque Biológico. Nessa estranha confluência dos tempos e dos espaços e dos mundos,

desde as cabras anãs até aos ressuscitados bisontes europeus. Com paragem na quintinha que nos vai no coração, na sua horta, nos seus milheirais, na azenha ou nos lagares. Eu leria um livro inteiro, escutando o animado diálogo silencioso dos alfaiates. Sentado num banco, sempre atento ao seu ar circunspecto e corporativo. Ou então junto ao lago dos anatídeos, a aguardar o voo de qualquer pato-real, preso às cores dos zarros, dos trombeteiros, dos arrábios. Atravessámos pinhais, carvalhais e o sonho de exóticas borboletas. Longuíssima viagem, o Febros um dia será rio e vida outra vez. Nas mãos, à chegada o aroma remoto da planta de caril.

Vão lá e tragam também tão grande viagem na alma e nos sentidos». No dito blogue os comentários também não se fazem rogados: «Se andam reunidos todos os dias e a todas as horas, não admira que o pronto-a-vestir dê cabo da clientela a esses preguiçosos desses alfaiates...», brinca alguém com um comentário, e um leitor diz a seguir que «O Febros já é rio e vida outra vez. Já esteve morto mas a vida voltou com cerca de uma dezena de espécies piscícolas no troço que atravessa o Parque Biológico. O Febros já foi muito mais que vida: foi a força motriz que moeu os grãos de milho, com que foi e continua a ser feita a broa de Avintes». * http://corta-fitas.blogs.sapo.pt/4544239.html

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AquÈSJP F .VTFV EBT 1FTDBT

De segunda a sexta-feira das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00; Sábados, domingos e feriados das 10h00 às 18h00

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CARTOON 11

Por Ernesto Brochado

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12 FOTONOTÍCIAS

Borboleta-limão, Gonepteryx rhamni

Um tanto mais a norte

À

medida que o clima muda os seres vivos que o consigam fazer têm de se deslocar para norte. Manda assim a média do aquecimento climático, que refresca na Europa à medida que se sobe no mapa. Só assim conseguirão, na maior parte dos casos, viver na amplitude térmica a que se adaptaram ao longo da evolução da sua espécie. Enquanto o calendário corre, os investigadores vão concluindo, por exemplo, que populações de animais distintos como aves e borboletas se estão a deslocar em média 212 e 135 quilómetros para norte, respetivamente, sob o comando do clima.

A capacidade de voo destes animais torna-os capazes de se redistribuírem no espaço ao contrário de outras fasquias de biodiversidade que não estão aptas a dispersar-se de forma eficaz. Embora seja certo que todos estes animais alados dependem de flora, há borboletas que simplesmente desaparecem sem a presença de certas espécies de plantas, fundamentais ao seu ciclo de vida. Além disso, se considerarmos as funções que são desempenhadas, ou deixem de o ser, mediante a ausência destas aves e insetos nos ecossistemas em que se enquadravam, essa dúvida levanta perguntas sobre os reajustes que terão de ser feitos pelos que sejam capazes de

se adaptar, redistribuindo-se, quando se sabe que estão articulados numa teia de interdependência. Nestas pesquisas concluiu-se também que os insetos respondem melhor à necessidade de se adaptarem ao novo quadro climático do que as aves. Isso pode ser explicado pelo facto de as borboletas completarem o ciclo de vida muito mais rapidamente do que as aves. Enquanto a borboleta da fotografia consegue completar o seu ciclo de vida, se tudo correr bem, ao longo de um ano, as aves tendem a viver bastante mais tempo... Texto JG Foto João L. Teixeira

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A terra a arder

C

om a pouca chuva que cai este ano, as notícias sobre incêndios sucedem-se. Por vezes, até se cheira na rua, o que demonstra a proximidade do desvario. É difícil deixar de perceber que a maioria esmagadora dos sinistros são fogo-posto. Quem ganha com isso? A população não ganha de certeza. Sem água a vida esvai-se e são os bosques que defendem a água, conjugados com as turfeiras, cervunais e outras estruturas, autênticas esponjas vivas capazes de purificar e reter a água potável. A relação entre bosques e a conservação de fontes de água não é novidade. Já na Grécia Antiga se sabia que as fontes que abasteciam as cidades tinham a ver com a existência de floresta. Um dos primeiros

personagens a perceber o valor dos serviços que os ecossistemas naturais oferecem ao ser humano terá sido Platão. Nos cenários da Grécia Antiga, este pensador chegou a detetar pólos de causa e efeito entre o abate de bosques na península de Ática e a erosão, a que se ligou a perda das fontes de água. Ao contrário da globalização que encolheu o planeta como nunca antes se conseguiria vislumbrar, naquela época não se desenhava com certeza a hipótese de um dia o ser humano ficar perto de esgotar recursos naturais. Os fogos sucessivos a que assistimos todos os anos tendem a deixar o solo desprotegido. Ao caírem as árvores crescem matos. Quando estes desaparecem à força de incêndios recorrentes, ficam herbáceas.

E quando estas se vão, a chuva não é absorvida. A terra sem as raízes das plantas, sobretudo em vertentes inclinadas, descai com as chuvas e vai saturar a água de ribeiros e rios, diminuindo a diversidade da vida nesses habitats. Ao desaparecer o solo do bosque deixa rocha nua à vista. Criam-se assim os desertos, sítios onde o ser humano vive em condições extremas. Na Década da Biodiversidade, definida pelas Nações Unidas para 2010/202, espera-se uma tomada de consciência do precário equilíbrio da vida, onde se incluem os recursos de que todos dependemos, nomeadamente a água e o ar... Texto Jorge Gomes Foto João L. Teixeira

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14 PORTFOLIO

Aranhas uma questão de equilíbrio Os seres vivos normalmente tidos como repugnantes parecem ganhar mais facilmente um lugar ao sol, agora que estamos na Década da Biodiversidade As aranhas não precisariam do obséquio, até porque — vistas mais de perto e vencido o preconceito — a maior parte das 42 mil espécies contadas hoje em todo o mundo até são bem bonitas. Mas não é pela estética que importam aos ecossistemas em que se integram e onde desempenham papéis importantes. Se não fosse a sua ajuda, o ser humano estaria muitas mais vezes a braços com picos populacionais de insetos nocivos à sua saúde. Até fins de maio poderá ver no salão de fotografia do Parque Biológico de Gaia cerca de meia centena de trabalhos deste teor obtidos por mais de 20 autores que, de uma forma atrativa, lhe ampliam estes seres com quatro pares de patas e com seis ou oito olhos, mostrando-lhos como provavelmente nunca os tinha visto antes.

Aranha-saltadora da família Salticidae

Gaspar de Jesus

Rui Andrade

Aranha-vespa, Argiope trifasciata

Aranha-caranguejeira

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Carla Ribeiro

Aranha-caranguejeira da espécie Synema globosum (Fabricius, 1775)

Jorge Nelson Alves

Américo Rui Pacheco

IMPAR 15

Aranha-saltadora

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16 PORTFOLIO

Agelena sp. de Abel Gomes

Aranha de jardim, de Hugo Amador Caçadora, de Sara Dias

Aranha da família Lycosidade, de Rui Andrade

Aranha-caranguejeira Synema globosum (Fabricius, 1775), de João L. Teixeira

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FOTONOTÍCIAS 17

Aranha, G. Limas

Aranha, de Rui Faria

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18 ENTREVISTA

As aranhas também são importantes Pedro Reis Sousa é biólogo e dedica a sua investigação aos aracnídeos, grupo de seres vivos a que pertencem as aranhas

A

o serviço do CIBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto e aluno de doutoramento da Faculdade de Ciências do Porto, Pedro Reis Sousa começou há quase uma década a estudar as aranhas da biodiversidade portuguesa. Como situar de forma compreensível para o cidadão comum as aranhas dentro do mundo dos aracnídeos? Pedro Reis Sousa – Os aracnídeos são um dos maiores grupos de seres vivos no planeta em termos de número de espécies conhecidas. E este grupo divide-se em cerca de 11 ordens, das quais sete são conhecidas em Portugal. Aqui incluem-se, para além das aranhas, os opiliões, os ácaros, os escorpiões e outros animais ainda menos conhecidos. A nível mundial as aranhas representam o grupo com maior número de espécies, com mais de 42 mil descritas, ainda que seja provável que venham a ser ultrapassadas em número pelos ácaros, menos conhecidos. Mas são fáceis de reconhecer, pois para além de terem oito patas (como todos os aracnídeos), têm o corpo separado em duas partes, a maioria tem oito ou seis olhos, de dimensão variável, têm um aparelho bocal formado por duas quelíceras de forma muito particular, com uma base larga e uma “unha” afiada preparada para injetar veneno, e claro, têm fieiras por onde produzem a seda. Mas não se deve esquecer que a produção de seda

não é exclusiva das aranhas, nem sequer dos aracnídeos. Para quem as estuda, de um ponto de vista subjetivo as aranhas são feias ou bonitas? Pedro Reis Sousa – Não tenho dúvidas que de forma objetiva as aranhas são bonitas. Posso reconhecer que nem todas, claro, sejam chamativas, mas muitas pessoas admitem, depois de ver algumas das nossas espécies mais coloridas, que são animais bonitos. Temos muitas aranhas pardacentas, cujo objetivo será exatamente passarem despercebidas, mas temos também aranhas belíssimas, das quais tenho de destacar as aranhas-saltadoras. Estas aranhas têm uma grande acuidade visual (para um pequeno invertebrado) e a cor desempenha um papel importante nas suas vidas. Evidentemente, as aranhas são animais fascinantes, com comportamentos complexos, e merecem a nossa atenção. Existem muitos mitos acerca das aranhas? Pedro Reis Sousa – Em Portugal não conheço propriamente, embora por vezes as pessoas relacionem o encontrar aranhas na roupa com prosperidade, um pouco como fazem os ingleses que chamam mesmo “aranhas-dinheiro” a um grupo de pequenas aranhas. Mas as pessoas associam as aranhas ao veneno, e esse será porventura o maior mito. Esse mito é largamente infundado, mas muito alimentado pelos meios de comunicação social, que tantas vezes exploram e alimentam o desconhecimento. São venenosas ou, no mínimo, perigosas?

Spiders Spiders are usually seen as being unpleasant creatures but during the decade of Biodiversity they are winning a better place in the human mind. Spiders are underrated, being thought ugly but these little animals are in truth very beautiful when seen close-up. The ecosystems in which the spiders live don’t concern themselves with the aesthetic aspect of their lives because they are too busy helping the natural mechanism of biodiversity. The Researcher Pedro Reis Sousa will speak with PARKS AND WILDLIFE about these interesting animals.

Pedro Reis Sousa – Essa pergunta tem várias respostas. Se me pergunta se produzem veneno, então sim, quase todas as 110 famílias de aranhas que se conhecem produzem veneno. Por isso, aquilo que deve querer perguntar é se são venenosas para o ser humano. E aí a resposta é quase nenhuma, apenas cerca de 200 ou 0,5% das 42 mil espécies conhecidas podem produzir envenenamentos sérios no ser humano. Um número muito reduzido de espécies, exacerbado por má publicidade. Na verdade a maioria das aranhas são ou demasiado pequenas para perfurar a pele humana ou demasiado tímidas, pelo que fogem sem tentar morder. E a maioria das que nos conseguem morder produzem reações semelhantes a picadas de vespa. Em Portugal posso chamar a atenção para a viúva-negra-europeia, que será provavelmente a mais venenosa da nossa fauna. Mas duvido que a maioria das pessoas já tenha visto ou sequer estado perto de uma. É que, ao contrário da sua prima americana, esta espécie

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não gosta de viver dentro das casas, pelo que dificilmente entra em contato com as pessoas. Conheço referências bastante antigas, mas havia maior população nas áreas rurais e quase ou nenhuma mecanização da agricultura. Gostava de concluir dizendo que não conheço nenhum caso fidedigno recente de envenenamento por aranhas em Portugal. Propagam doenças transmissíveis ao ser humano? Pedro Reis Sousa – Não se conhecem aranhas que sejam vetores de doenças, como por exemplo, alguns mosquitos. Mas é possível que a mordida de algumas aranhas exponha a pessoa mordida a bactérias, algumas das quais podem representar problemas de saúde. E dados mais recentes têm sugerido que alguns casos graves atribuídos a aranhas, por exemplo nos EUA, são na verdade causados por bactérias às quais os doentes estiveram expostos. Qual a importância das aranhas nos ecossistemas? Pedro Reis Sousa – Como predadores

de invertebrados terrestres as aranhas desempenham um papel muito importante no controlo das populações de muitos insetos, que mantêm dentro de limites normais. Por exemplo, existem dados que nos dizem que a utilização permanente de inseticidas que conduzam à eliminação das aranhas podem significar explosões nas populações de insetos prejudiciais em épocas seguintes de colheitas, pois desaparece esse controlo de base efetuado pelas aranhas sobre as populações naturais de insetos. Há aranhas herbívoras? Pedro Reis Sousa – Por acaso existe uma espécie conhecida há muito pouco tempo (descoberta em 2009) que se alimenta também de pólen e estruturas doces produzidas por uma árvore. Esta espécie continua a alimentarse também de invertebrados, mas não exclusivamente. O que é muito interessante porque todas as outras espécies conhecidas são exclusivamente carnívoras, ainda que algumas possam ser necrófagas, o que revela um grau de especialização extrema, pouco

comum num grupo tão vasto de animais. Estamos da Década da Biodiversidade: quais as principais ameaças no quadro de conservação destas espécies? Pedro Reis Sousa – As ameaças às aranhas não são diferentes das ameaças que todas as espécies de uma maneira geral enfrentam. E a maior é a destruição e perda de habitat, associada ou não à intervenção do ser humano. Aqui incluo as alterações climáticas, pois embora não existam dados específicos para o seu impacto nas aranhas portuguesas, extrapolando a partir de impactos identificados noutros grupos de animais, é provável que muitas espécies vejam reduzida a sua área de distribuição e outras possam desaparecer, conduzindo a um empobrecimento da nossa fauna de aranhas. O uso excessivo de pesticidas e outros químicos é outra ameaça importante que não deve ser menosprezada. Há muitas espécies endémicas de Portugal ou da Península Ibérica? Pedro Reis Sousa – Um artigo publicado recentemente por dois especialistas em aranhas Ibéricas, Pedro Cardoso e Eduardo Morano, com dados até 2009, e que aborda precisamente a fauna de aranhas da Península Ibérica, relata que existem 236 espécies endémicas na Península, 36 das quais conhecem-se apenas em Portugal. Estas podem considerar-se mais importantes do que outras mais distribuídas? Pedro Reis Sousa – Essa questão não tem uma resposta fácil. Todas as espécies, e aqui não falo apenas nas aranhas, são importantes na manutenção dos equilíbrios que existem no nosso planeta. Ecossistemas mais complexos, com maior riqueza de espécies, tendem a ser mais resistentes a

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20 ENTREVISTA

alterações, sejam elas naturais ou por ação humana, do que ecossistemas simplificados, muitas vezes já em situações de perda de diversidade. Portanto a biodiversidade é um bem em si mesmo, até porque é cada vez mais evidente que os vários ciclos de energia e matéria do nosso planeta estão intimamente relacionados com a sua componente viva, a biosfera, pelo que não creio que existam espécies mais importantes do que outras. Mas há com certeza espécies emblemáticas. E nesse sentido espécies endémicas, que podem apresentar maior fragilidade, pois estão mais expostas à destruição de habitat, dado que têm em teoria uma menor área de distribuição. No entanto, conhecemos tão pouco sobre a ecologia da esmagadora maioria das espécies de aranhas que o simples facto de serem endémicas pode dizer-nos muito pouco. Por exemplo, para além da área de distribuição das espécies, é muito importante para estabelecer critérios de conservação conhecermos o efetivo populacional das espécies, mas essa informação simplesmente não existe. Falta muita investigação, muita dela de base, sobre os invertebrados, que porventura por terem menor visibilidade atraem menos financiamento e também menos interessados. As aranhas são abundantes também nas cidades: são todas urbanizáveis? Pedro Reis Sousa — Há realmente várias espécies que ocorrem com abundância nas nossas cidades. A maioria nos jardins, mas algumas autênticas especialistas em viver dentro das nossas casas. Creio que muitas espécies não conseguem viver em locais demasiado humanizados. Podem ser mais sensíveis aos químicos, podem ter maior dificuldade em ultrapassar as barreiras como estradas para dispersar, e podemos também pensar que algumas espécies podem seletivamente ser mortas pelas pessoas, por exemplo aranhas de maiores dimensões ou que têm comportamentos que as expõem. Existe sem dúvida esse estigma de matar aranhas que estejam à vista (infelizmente não só com as aranhas). Eu deixo sempre a pergunta: preferem mosquitos e melgas ou aranhas cujo único problema é produzirem teias nos cantos das casas? Há aranhas aquáticas? Pedro Reis Sousa – Outra pergunta interessante. Apesar de geograficamente expandidas por quase todos os continentes

exceto a Antártida, e de se poderem encontrar espécies de aranhas a viver em quase todos os habitats terrestres, as aranhas não colonizaram o ambiente aquático, quer de água doce, quer salgada. A única exceção é a espécie Argyroneta aquatica (Clerck, 1758) que passa todo o seu ciclo de vida submersa em água doce, em campânulas de seda que tece, e que enche a intervalos regulares com ar que vai buscar à superfície. Esta é uma aranha conhecida, pois surge frequentemente em filmagens de documentários sobre vida selvagem. Normalmente não são gregárias, pois não? Pedro Reis Sousa – Sim, existem muito poucas espécies sociais, cerca de 25. Os exemplos mais conhecidos pertencem aos géneros Anelosimus Simon, 1891 e Stegodyphus Simon, 1873, que pertencem a diferentes famílias de aranhas. Estes dois géneros existem também em Portugal, mas as nossas espécies não são sociais. Creio que convém explicar um pouco mais o que se entende por social neste contexto. Existem espécies no nosso país que estabelecem colónias, por vezes formadas por muitos indivíduos, mas que não cooperam entre si, provavelmente resultam de reduzida dispersão por parte das aranhas. Mas mesmo as aranhas que refiro acima são apenas quase-sociais, partilham comida e uma teia comum, mas apresentam um grau de socialização muito menor do que os insetos sociais propriamente ditos, como as formigas, que possuem por exemplo castas reprodutoras especializadas e classes operárias estéreis. Não há casos de introdução de espécies exóticas? Pedro Reis Sousa – Conheço pelo menos uma espécie de aranha exótica, amplamente distribuída em Portugal. Mas essa questão é difícil de responder com as aranhas, primeiro porque o conhecimento passado da distribuição das espécies é diminuto e, em segundo lugar, porque a maioria das espécies de aranhas é boa dispersora. Talvez não seja uma característica facilmente associada às aranhas, pois não têm asas, mas estas também se dispersam pelo ar por um processo dito de balonismo, em que a aranha espera por uma brisa para lançar um ou mais finos fios de seda no ar e depois se deixar ir até onde o vento a levar. Mas existem muitos casos, inclusive em Portugal, de animais e plantas introduzidos,

que provocaram grandes problemas nos ecossistemas, normalmente eliminando todas ou quase todas as espécies autóctones. As espécies exóticas são um grave problema a nível global, de difícil solução. Que curiosidades considera interessante referir sobre estes seres vivos? Pedro Reis Sousa – As aranhas são um grupo tão diverso que é difícil chamar a atenção para características particulares, mas fico sempre surpreendido com a capacidade que as aranhas-saltadoras têm, dada a sua elevada acuidade visual, de seguir o nosso movimento no que aparenta ser um comportamento de curiosidade/medição de perigo. São aranhas pequenas, que raramente ultrapassam um centímetro de comprimento. E é fascinante, claro, a construção das teias. Não apenas as habituais teias orbiculares, pois diferentes aranhas utilizam diferentes teias para caçar e/ou abrigar-se. Por exemplo, em 2009 foi descoberta uma aranha, em Madagáscar, que constrói teias com quase 25 metros de comprimento e 3 m2 de superfície! Esta é mais uma evidência das extraordinárias qualidades da seda de aranha, a fibra natural mais resistente que se conhece e que tem a mesma resistência que o kevlar. Mas as aranhas produzem vários tipos de seda em glândulas especiais no abdómen. A seda permanece no estado líquido até ser extrudida nas fieiras, órgãos especializados que existem na ponta do abdómen, altura em que é exposta ao ar. E deixo ainda resposta a uma última curiosidade: por que razão as aranhas não ficam presas na própria teia? Na verdade a maioria das teias não são aderentes, e quase todas as que o são, como por exemplo nas teias orbiculares, apenas os fios da espiral são peganhentos, pois têm pequenas gotas de cola a intervalos regulares. Nesses casos, para não ficarem presas na própria teia as aranhas têm apenas que se movimentar com cuidado ao longo dos fios estruturais, e para isso possuem três pequenas garras na ponta das patas dispostas de forma assimétrica. Fazem-no prendendo o fio de seda entre uma das garras laterais e a garra central. Quero agradecer esta oportunidade para ajudar a despertar a atenção para estes animais fascinantes mas pouco conhecidos, que têm muitos outros segredos para desvendar. Deixo à curiosidade dos leitores a sua descoberta. Texto Jorge Gomes

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CONTRA-RELÓGIO 21

Prémio Fauna 2011, Pedro Ferrão Patrício

Prémio Arte Fotográfica 2011, Claro Oliveira

Concurso nacional de fotografia da natureza

PARQUES E VIDA SELVAGEM Abriu esta primavera o concurso nacional de fotografia da natureza PARQUES E VIDA SELVAGEM! Em 2012 conta 10 anos de vida. Leia o regulamento no site www.parquebiologico.pt indo ao botão Atividades e entrando na secção Fotografia. A ficha de inscrição também está aí. O prazo de de entrega de fotografias termina em 30 de setembro de 2012. Dê um gosto ao seu olhar e ganhe prémios!

REGISTO DOCUMENTAL € 300,00 FAUNA € 150,00 FLORA € 150,00 PAISAGEM € 150,00 JÚNIOR

Participe! Em novembro de 2012 abrirá a exposição de meia centena de trabalhos selecionados pelo Júri, que varia todos os anos, com a entrega de prémios. Prémio Júnior de 2011, Pedro Cardoso

Prémios ARTE FOTOGRÁFICA € 700,00

(só para jovens até aos 15 anos de idade)

€ 100,00

Prémio Flora e Fungos de 2011, Carlos Vale

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22 CONTRA-RELÓGIO

Saúde e biodiversidade

A saúde do ser humano depende da diversidade biológica: é esta a verdadeira base dos alimentos que consumimos, a fonte dos medicamentos que usamos quando estamos doentes e é através da sua atividade que dispomos de ar puro e água potável Além disso, é essa biodiversidade que possibilita o desenvolvimento económico sustentável e o enriquecimento do homem do ponto de vista espiritual e cultural. Quando as Nações Unidas, através do seu Programa para o Ambiente, têm em curso a Década da Biodiversidade, desdobramse preocupações de largo espetro ao verificar-se, por exemplo, que os glaciares que alimentavam alguns dos grandes rios da Terra estão a desaparecer de ano para ano, indicadores de um aquecimento global acelerado que pode comprometer a adaptação de numerosas espécies de seres vivos com papéis relevantes na teia interdependente da diversidade da vida. É também esta que é capaz de mitigar os efeitos das alterações climáticas que se precipitam no planeta, bastando pensar no plâncton vegetal dos oceanos e nos bosques nativos. Todos os seres humanos têm direito a gozar de boa saúde e bem-estar social, emocional, físico, espiritual e cultural. Não há sociedades sãs sem biodiversidade. Uma desflorestação descontrolada pode causar a perda de espécies de plantas e outros organismos que são importantes na investigação farmacológica e que podem conter substâncias relevantes na produção de medicamentos. As perdas de diversidade biológica representam um prejuízo maior para a saúde do ser humano.

No último meio século estima-se que a variedade de plantas de cultivo para fins alimentares – que levou a que 90% das calorias consumidas no planeta provenham de apenas uma dúzia de espécies de plantas cultivadas – diminuiu a qualidade da alimentação das populações. Como resultado, há quem defenda que é campo fértil ao surgimento de patologias vinculadas à alimentação, como a diabetes e a obesidade, entre outras. Também o aumento da depressão, e até problemas ligados ao universo da saúde mental, poderão passar por essas perdas já alcançadas de biodiversidade. Este défice afeta todos os seres vivos que se interligam num encadeamento vital, seres humanos incluídos, assim como os ecossistemas essenciais que estas espécies sustentam. É possível, assim, ter um vislumbre do que está em jogo e planear alterações no modo de vida em que nos enquadramos de forma a contribuirmos para uma sociedade o mais saudável possível. Se cada um se dispuser a fazer algum esforço para conhecer, proteger e recuperar a diversidade biológica local, regional e mundial surgirão daí benefícios para todos, sentidos a curto e longo prazo, no plano da saúde do ser humano e dos ecossistemas de cujos serviços beneficia desde já e de que nunca deixará de depender. Fonte: www.cbd.int

Factos & números • A natureza pode d contribuir ib i para a prevenção ã

• Uma substância utilizada no tratamento de cancro da mama e ovários, o paclitaxel, é um composto derivado do teixo-do-pacífico, Taxus brevifolia.

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de moléstias, pois tem efeitos positivos na pressão sanguínea, no colesterol, elevando as expectativas de vida e favorecendo a diminuição do stress habitual da vida citadina.

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João L. Teixeira

Health and Biodiversity We rely on biodiversity to stay healthy. Biodiversity sustains our food supply, is a source of medicines, and supports the provision of clean air and fresh water while also contributing to economic development, cultural and spiritual enrichment. It is now also widely recognized that biodiversity is affected by climate change, with negative consequences for human well-being, but biodiversity, through the ecosystem services it supports, also makes an important contribution to climate change, mitigation and adaptation.

Quinta de Santo Tusso, Parque Biológico de Gaia

• Há iinvestigações i que demonstram que a própria obesidade – um problema da boa parte da população – tende a reduzir mediante a proximidade de parques florestados.

• Um terço das cem maiores cidades do mundo obtém uma porção considerável da sua água potável a partir de áreas protegidas.

• Pelo menos 3 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade morrem todos os anos por causa de enfermidades relacionadas com o meio ambiente degradado em que vivem.

• A artemisina, substância derivada de uma planta, Artemisia annua, é um dos medicamentos mais eficazes contra a malária.

• A esquistosomiasis é uma doença crónica causada por parasitas e afeta mais de 200 milhões de pessoas por ano. Transmitida por caracóis de água doce, pode aumentar mediante a escassez de predadores que resulta de pesca excessiva. A desflorestação, particularmente nas regiões tropicais, favorece a agressividade destes vetores. Fonte: www.ramsar.org

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JG

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Ferreirinhas: contas de amor e de guerra Não menospreze a contribuição do seu jardim se se preocupa com a conservação da natureza: comece por dar o exemplo e pense no seu quinteiro como uma comunidade viva com muito para ver no arco-íris da biodiversidade Há jardins urbanos capazes de produzir néctar e pólen equivalente a um quilómetro quadrado de floresta, mas o que leva alguém a manter um espaço tão cheio de recursos deriva de algo muito simples: gostar de flores. São bonitas! Esses cartazes de localização, as corolas, são vistosos para os invertebrados que se ligam com o ciclo de vida destas espécies de flora e resultam bem também para o ser humano que os lê não como uma fonte de alimento mas como um valor estético que lhe traz bem-estar. O jardineiro que queira ser organizado disporá de espécies de plantas que lhe tragam flores não numa só estação do ano mas em várias. Dispor de vagas de flores ao longo do ano é um padrão que ocorre na natureza e que se articula com as espécies que ali vivem. Como a primavera acompanha algum do ritmo das migrações, se por exemplo as aves selvagens apreciaram sementes nas estações frias, nesta época há insetos que, no seu ciclo de vida, aparecem como larvas suculentas,

nutricionalmente ricas para as aves que andam agora na azáfama dos ninhos. Vêm a calhar estas fontes de reabastecimento energético, até porque as crias têm de arribar rapidamente.

Ferreirinhas Entre as aves do seu jardim uma haverá que pode ocultar-se até de observadores experientes: as ferreirinhas, Prunella modularis. Num relance, a alguma distância, pode ser confundida com um pardal, mas vista com maior cuidado, como na fotografia, percebese que é diferente. Pode ser tão discreta entre os pássaros que frequentam os seus comedouros de jardim para aves selvagens que nem dá por ela. Como acontece com tentilhões, melros e tordos, as ferreirinhas gostam de petiscar sem alarido não na mesa de sementes mas por baixo dela, no solo, onde o seu pequeno bico encontra sustento. E pode andar ali todo

Na anilhagem científica de aves selvagens em curso há mais de cinco anos no Parque Biológico de Gaia as ferrerinhas são presença regular

o ano, acompanhada, e inclusive nidificar. Dizem os investigadores que as ferreirinhas funcionam frequentemente como casais com epicentro numa fêmea e vários machos.

Pular a cerca Segundo a opinião dos entendidos, as fêmeas de ferreirinha não dão ponto sem nó. Nada é simples na vida destas aves e é agora, na primavera, que tudo se passa. Se o território de uma fêmea desta espécie consegue ser defendido por um só macho vigoroso, até pode estabilizar ali um casal monógamo.

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JLT

Dunnocks: love and war Among the birds of your garden there is one that can hide from even of the best observers: the Dunnock. The females tend to be promiscuous and can live with 2, 3 or even 4 males. In this way, those birds can get more food and better defence for their chicks.

Pardal-montês: as caixas-ninho que pode aplicar no seu jardim servem as aves que gostam de fazer ninho em buracos, de árvores ou de rochas

Mas se assim não for, o território dela terá de valer-se da defesa de vários machos. Entre eles, o alfa é o indivíduo que detém ascendência sobre os outros e vai querer naturalmente a menina dos seus olhos só para si. Ela, porém, não quer descurar a atenção de outros. Quando estes copulam com ela — e podem ser mais dois ou três machos — estão a seguir ordens genéticas que os vinculam a ajudar a defender o território e a alimentar as crias assim que estas eclodirem dos ovos azulados postos no ninho com forma de pequena taça. Um determinado território oferece uma

certa quantidade de alimento e abrigo, algo precioso se estes seres vivos fazem questão de sobreviver e gerar descendência. Havendo rivalidade, surgem as manifestações territoriais. A primeira consiste em cantar. Aquilo que para o ouvido humano é uma música de singular beleza, entre as aves é um cântico de defesa de sementes, frutos, larvas e outras ementas. Quando uma relativa paz regressa, a pulsão de fazer ninho impõe-se e, com um pudor assinalável, o véu levanta-se para tornar públicos alguns dos comportamentos só vistos por observadores muito atentos.

Na cópula, a fêmea de ferreirinha entreabre as asas e deixa-as cair enquanto, ao alçar as penas caudais, não deixa dúvidas sobre o que espera ao exibir a cloaca ao macho. Como este sabe que não é o único felizardo, faz-se rogado, a fim de que a fêmea excrete o esperma ali alojado desde a cópula anterior com outro. Vamos lá nós saber o que se passa naquelas cabecitas, mas parece que de uma ou de outra maneira a molécula egoísta, o ADN, responsável pela hereditariedade, não lhes dá grande sossego. Estes segredos da vida selvagem ainda estão longe de estar todos à vista, sendo certo que estes registos levam a pensar que, na vida destas pequenas aves, como na da nossa espécie, tudo vale, no amor e na guerra. Texto Jorge Gomes Bibliografia Garden birds confidential, Dominic Couzens, 2010

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1 Macho

2 Fêmea

3 Ovo

4 Larva

Anoplophora chinensis (Forster) O insecto adulto tem cor negra com várias pintas brancas nos élitros, medindo o macho cerca de 25 mm e a fêmea 35 mm de comprimento. As antenas no macho são 1,7 a 2 vezes superiores ao seu comprimento, na fêmea cerca de 1,2 vezes. O macho tem os élitros estreitados distalmente (Fig. 1), nas fêmeas são distalmente paralelos e arredondados (Fig. 2). O ovo tem cerca de 5 mm, é alongado e subcilíndrico. Tem cor branca-amarelada, adquirindo gradualmente tonalidade amarela-acastanhada (Fig 3). A larva é apoda (não tem patas), podendo atingir 45 mm de comprimento no final do seu desenvolvimento. Tem cor branca-amarelada com característicos padrões amarelos no protórax. A cabeça é castanha (Fig. 4). 9 Galerias larvares

A

Anoplophora chinensis (Forster), é um coleóptero da família Cerambycidae muito polífago, originário da Ásia, estando disperso pela China e Coreia (OEPP, 2009). Na União Europeia é considerado um dos organismos de quarentena, que consta do Anexo I, parte A, Secção I da Diretiva 2000/29/CE e suas alterações e como tal, sujeito a medidas de erradicação, em caso de aparecimento. Na sequência do aparecimento do A. chinensis em vários vegetais hospedeiros (Citrus spp., géneros Acer, Populus e Salix) na região da Lombardia, em 2007 os serviços oficiais italianos informaram a Comissão da tomada de medidas de controlo. De igual forma, face à deteção deste organismo prejudicial nos Países Baixos, os serviços oficiais holandeses informaram a Comissão da tomada de medidas de proteção em 2008, a fim de impedir a introdução e dispersão nos seus territórios daquele organismo e proceder à sua erradicação. Neste mesmo período, o organismo A. chinensis foi intercetado em várias remessas de vegetais para plantação de Acer spp. provenientes de países terceiros. Ainda em 2008, a Holanda apresentou uma análise de risco no que se refere ao A. chinensis, onde se concluía a existência de uma probabilidade muito elevada do estabelecimento daquele organismo na Comunidade e de um elevado potencial de danos económicos para vários vegetais

Praga de quarentena p hospedeiros, nomeadamente em espécies de fruteiras, ornamentais e florestais. Face à situação apresentada houve necessidade de serem implementadas medidas acrescidas de proteção contra a introdução e dispersão do inseto na Comunidade em caso de aparecimento, através do controlo de vegetais potencialmente hospedeiros, bem como proceder à definição das exigências específicas aquando da sua importação de países terceiros. Também fazem parte das medidas de proteção a preconizar, todas as ações de prospeção a serem realizadas por todos os Estados membros, no sentido de serem detectados eventuais focos do insecto e serem implementadas de imediato todas as disposições definidas na legislação fitossanitária em vigor. Neste contexto, foi publicada a Decisão da Comissão 840 de 7 de novembro de 2008, que regula as medidas de emergência contra a introdução e a propagação na Comunidade de A. chinensis. A bibliografia refere as espécies A. chinensis e Anoplophora malasiaca (Forster). É de salientar que há alguma sobreposição na sinonímia das referidas espécies, que estão intimamente relacionadas, pelo que se adoptou a designação, A. Chinensis (Decisão 2008/840/CE). Com o presente documento, apresentamos

uma breve caracterização do inseto, os principais sintomas da sua presença no hospedeiro, e por fim um conjunto de medidas de proteção fitossanitária a serem aplicadas no seu combate em caso de aparecimento.

Bioecologia Este insecto tem como principais hospedeiros várias espécies: Acer spp. Aesculus hippocastanum, Alnus spp., Betula spp., Carpinus spp., Citrus spp., Corylus spp., Cotoneaster spp., Fagus spp., Lagerstroemia spp., Malus spp., Platanus spp., Populus spp., Prunus spp., Pyrus spp., Salix spp., Ulmus spp. (Decisão 2008/840/CE, versão consolidada). Normalmente regista uma geração anual, mas poderão ocorrer duas ocasionalmente dependendo da alimentação e das condições climáticas. As posturas fazem-se desde um pouco acima da superfície do solo até 60 cm de altura. Os ovos, cerca de 70 por fêmea, são postos um a um, debaixo da casca, no tronco. As larvas escavam galerias alimentares no tronco e ramos por baixo da casca. Mais tarde atacam tecidos lenhosos das zonas mais baixas do tronco e as próprias raízes. Os adultos vivem cerca de um mês entre maio e agosto e alimentam-se de folhas, pecíolos e casca tenra.

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5 e 6

7 Excrementos e serradura

Morte de ramos e observação de casca oca

10 e 11 Orifícios ovalados e fendas de oviposição

12 e 13 Orifícios de saída dos adultos

a potencialmente perigosa Pupam na madeira, muitas vezes numa parte da árvore acima da área da alimentação das larvas. A dispersão acontece na circulação de material vegetal, na forma de ovos, larva ou pupa em plantas envasadas, incluindo bonsai, e também em materiais de embalagem.

Principais sinais e sintomas As plantas adultas enfraquecem pelo ataque das larvas ficando mais suscetíveis a doenças, podendo morrer com maior rapidez (Fig. 5 e 6). Os sinais de infestação são visíveis pela observação de excrementos e serradura da madeira roída pelas larvas (Fig. 7); galerias larvares no tronco e ramos por baixo da casca (Fig. 8 e 9); orifícios ovalados e fendas de oviposição no tronco e raízes (Fig. 10 e 11); orifícios de saída de adultos (Fig. 12 e 13). Os adultos roem a casca tenra dos ramos para se alimentar.

Meios de luta Uma vez que a praga não existe em Portugal, a estratégia passa pela adopção de medidas integradas que evitem a introdução do inseto: intensificação das prospeções e vigilância em potenciais hospedeiros instalados em viveiros, florestas, parques, espaços públicos e privados; ao aparecimento de sintomas suspeitos, avisar

8 Galerias larvares

de imediato os serviços oficiais competentes. Nos países em que a praga está presente, adotam-se as seguintes medidas de luta: proteção dos troncos revestindo-os com arame fino, por forma a evitar a postura; em caso de suspeita, os ramos atacados devem ser cortados e destruídos/triturados.

Nota final Face às características do inseto, nomeadamente no que se refere à elevada diversidade de hospedeiros, a Divisão de Proteção e Controlo Fitossanitário da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN), sob coordenação da Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento (DGADR), a partir de 2010, tem vindo a intensificar a prospeção do A. chinensis em potenciais hospedeiros instalados em viveiros de materiais de propagação vegetativa, dando cumprimento ao estipulado no articulado da Decisão 2008/840/CE, alertando para a perigosidade da dispersão e estabelecimento do inseto, para a necessidade de realização de observações cuidadas em potenciais hospedeiros oriundos de regiões da União Europeia onde já foi detetada a presença do inseto, bem como para as medidas aplicáveis à produção, transporte e controlo desses mesmos

materiais, concretamente no que se refere à obrigatoriedade do acompanhamento do passaporte fitossanitário. Assim, em resultado dos trabalhos de prospeção desenvolvidos em toda a região Norte, até ao momento ainda não foi a detetada a presença do A. chinensis. Mais uma vez, alertamos para a colaboração de todos os intervenientes na implementação de uma estratégia integrada de controlo no sentido de serem aplicadas medidas rápidas e eficazes, de modo a protegermos os nossos ecossistemas da introdução, dispersão e estabelecimento de novos organismos nocivos. Texto Maria de Lurdes Marques e Miguel Folhadela Rebelo Engenheiros Agrícolas, Técnicos da Divisão de Protecção e Controlo Fitossanitário – Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte.

Bibliografia Decisão Comunitária 2008/840/CE EPPO quarentine pest/Data sheets on quarentine pests – Anoplophora malasiaca and Anoplophora chinensis EPPO Gallery (http://photos.eppo.org) EPPO by Matteo Maspero et al (2007) – Anaplophora chinensis – Eradication programme in Lombardia (Italy) http://www.eppo.int/QUARENTINE/anoplophorachinensis/chinensis-IT-2007.htm

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28 DUNAS

Cordão dunar

A primavera já começou a despertar em ondas sucessivas a floração das plantas das dunas Com a temperatura a subir, como conseguirá adaptar-se esta flora à escassa chuva do inverno passado? Vivem num meio difícil, pois a areia não apanha o jeito de reter a água de que também elas necessitam. Embora tenham técnicas singulares para resistir às agruras e continuarem a fixar as dunas

com as suas raízes, a tarefa é árdua. Se não fossem os passadiços soçobrariam. Estas dezenas de espécies de plantas, ao povoarem os habitats dunares, dão oportunidade a que inúmeros invertebrados com capacidade de voo aproveitem o néctar das flores, fundamental para as suas migrações. Se por um lado o seu alimento é produzido pelas plantas, estes pequenos animais fertilizam-nas, ficando depois na ementa de outras espécies de aves, répteis, anfíbios e até de pequenos mamíferos, num quadro natural de interdependência. Em tempo de ninhos, isso é pão para a boca.

Parque de Dunas da Aguda

É mais fácil ver, com um olhar atento, estes pilritos junto à fímbria das ondas

Mas em 16 de fevereiro, minutos antes do meio-dia, Henrique Alves, botânico, fez o registo fotográfico que ilustra estas linhas. Autor das fotografias, comenta: «Fiquei abismado com a capacidade de encontrarem larvas enterradas. Em minutos, comeram n... Em algumas fotos dá para ver… se fossem muitos dizimavam a população!». Estariam, supomos, já em trânsito migratório

para o Norte. E as dunas são desde sempre as estações de serviço que estes e outros viajantes alados utilizam para poderem refazer energias, alimentando-se e descansando. O litoral funciona como corredor verde, numa sequência de habitats que sustentam a diversidade da vida. Com dezenas de espécies de plantas nativas enraizadas na areia, um solo difícil, serve

também as aves que ali vão fazer ninho, como é o caso dos borrelhos-de-coleirainterrompida. Em síntese, estes ambientes dinâmicos, as dunas, não servem só para proteger o ser humano das agressões do mar. Servem a paisagem, cujo valor estético é inspirador e repousante, algo que pode ser tudo menos irrelevante nos dias que correm.

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Maria Rego

Estuário do Douro

Merganço-de-poupa, na RNLED, em dezembro de 2009

Clic-clic... clic! Em jeito de caça fotográfica são muitos os fotógrafos da natureza no estuário do Douro: as suas imagens já têm servido para registar espécies que de outra forma escapariam ao observador mais atento...

Como não há espaço para falar com a maior parte, escolhemos três. Primeiro as senhoras... Maria Rego, professora aposentada, encontra na Reserva Natural Local do Estuário do Douro (RNLED) o seu passeio favorito. Como mora ali perto, «é uma paixão observar a natureza com as mudanças inerentes às estações do ano e às várias espécies que visitam o estuário», diz. Desde 2005 que visita o local, «sempre no intuito de observar aves e os seus comportamentos. Foi então que comecei também a registar estas observações em fotografia e a divulgá-las na Internet». Desde que «o estuário foi classificado como Reserva – o que me alegrou bastante – a satisfação da minha paixão tornou-se mais difícil», comenta. «Tenho pena que não haja um espaço para os fotógrafos que tanto contribuíram para

o registo de novas espécies que todos os anos aparecem nesta Reserva. Deixo aqui a sugestão de fazerem um abrigo, num local estratégico, em que pudéssemos fotografar sem incomodar as aves», adianta. Enquanto isso não se concretiza, Maria Rego informa que «quando vou fotografar tenho sempre o cuidado de não perturbar a vida selvagem. Coloco sempre o interesse dos animais em primeiro lugar». Assim, «evito uma grande aproximação para não causar o abandono dos ninhos». Com anos de experiência, consegue «identificar várias espécies», mas, confidencia, «tenho mais dificuldade em classificar gaivotas. Têm várias mudanças de plumagem até se tornarem adultas». Nas outras espécies de aves utiliza o guia da especialidade. Maria Rego apaixonou-se por esta atividade:

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Francisco Bernardo

30 DUNAS

Filipe Vieira

Pilrito-escuro, um visitante dos países frios, na RNLED, no passado dia 10 de janeiro

Paulo Leite, Maria Rego e Francisco Bernardo: fotógrafos da natureza

«Fotografar uma espécie que é a primeira vez que se avista no estuário é uma grande emoção, a respiração fica alterada e a mão treme de tal maneira que as primeiras fotos não ficam bem. Só depois de alguns clics se conseguem fotos “perfeitas”!». Também reformado está Francisco Bernardo: «Quase não há dia que não visite a Reserva», diz e continua: «Pelo menos passo lá. Sou vizinho deste espaço protegido e das aves». Francisco Bernardo encontrou na fotografia uma ocupação interessante, até porque na sua perspetiva «há cada vez mais espécies que procuram a RNLED, seja para nidificar seja para descansar das longas viagens migratórias anuais». Conhece o sítio desde petiz, onde fazia as suas brincadeiras em jeito de capitão da areia, contudo, só há cerca de três anos é que se começou a interessar por fotografia da natureza. Aponta o dedo: «A Reserva também foi “culpada” por esse interesse. Sempre gostei da fotografia, mas quando me reformei é que

Mobelha-pequena na RNLED no passado dia 2 de abril

se tornou a atividade preferida, de que retiro um grande prazer». Como mora perto, «mesmo que desça a encosta e passe na via marginal sem o propósito de fotografar, observo o que se vai passando. Até de casa avisto o lugar. A minha atenção e olhar quotidianos estão muito centrados no que acontece naquele espaço. Parece que não se passa nada, mas há algo que muda, como é próprio de tudo o que tem vida». Remata: «Muda quase impercetivelmente...». Acompanhou a criação da RNLED e «o seu desenvolvimento no terreno. Fiz uma reportagem fotográfica da inauguração em 17 de setembro de 2010. Foi para mim um importante acontecimento no sítio em que vivo e na comunidade em que estou inserido». A ética própria da fotografia da natureza não lhe passa ao lado: «Os abrigos fotográficos são indispensáveis ao respeito pela vida selvagem por parte de quem quer abordá-la no sentido do seu conhecimento, do conhecimento científico e fruição da sua beleza, como é o caso da fotografia», comenta.

«O que mais conta na hora de fazer o clic é que ele aconteça em condições de respeito intransigente pelas espécies», sublinha. É importante «que não interfira nas condições de liberdade das aves, sobretudo não as perturbando na sua vida dentro do espaço propício à sua existência, à defesa da sua vida, da sua reprodução e preservação». Na opinião de Francisco, o ponto crucial é também «a altura da nidificação: não se pode interferir, pois pode ocorrer o abandono dos ninhos se as aves se sentirem ameaçadas. É inimaginável que a “fotografia” fosse agente de destruição, de perturbação grave, de ameaça. É com esta consciência que visito a Reserva e me comporto ao fazer as minhas fotografias». Houve um registo especial que é obrigatório destacar: «Já este ano tive um enorme prazer por ter conseguido fotografar um alcaravão, uma ave muito rara nestas paragens». Falamos também com Paulo Leite. Não está reformado, trabalha no setor da segurança. Mesmo assim é um ferrinho neste espaço protegido: «Visito diariamente a RNLED, sempre antes ou depois do trabalho».

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Francisco Bernardo Francisco Bernardo Paulo Leite

A rara petinha-de-richard Mora a uma dezena de quilómetros da Reserva e não se cansa: «Venho aqui regularmente desde outubro de 2010, altura em que comecei a fotografar aves». Cativa-o «sobretudo o imprevisto, o facto de poder a qualquer momento chegar lá e ver uma espécie menos usual e rara», o que sugere um registo fotográfico. «A possibilidade de estudar as aves e o seu comportamento» é o vetor essencial. Para que essa observação não se esgote, tem em atenção a ética própria da fotografia da natureza: «A Reserva tem um sistema próprio de funcionamento que deve ser respeitado. Faltam alguns abrigos de fotografia para podermos estar mais próximos das aves, mas é necessário respeitar as espécies, evitar que entrem em stress», adianta. «O pisoteio das dunas cria caminhos e destrói plantas que alimentam os insetos que são a base da cadeia alimentar das aves, dos mamíferos…», acrescenta e conclui: «É preciso preocuparmo-nos com tudo isto antes de saber se vale a pena fazer a fotografia».

Foi registada a presença de uma petinha, Anthus richardi, na Reserva Natural Local do Estuário do Douro (RNLED) em 18 de janeiro. Sob o olhar atento de Francisco Bernardo, fotógrafo da natureza, não escapou às diversas fotografias obtidas, como a que publicamos. Trata-se de uma ave rara proveniente da Ásia Central. A migração para a Europa, apesar de pouco expressiva, é conhecida, havendo registos no outono e inverno em vários países. Em Portugal no passado havia pouca informação desta espécie tendo aumentado os registos a partir dos anos 90. Historicamente são importantes os registos que Tait refere em “The Birds of Portugal” relativamente a observações e capturas desta espécie no início do século passado por Reis Júnior, e inclusivamente a informação de grupos de aves que permaneciam do outono ao mês de abril do ano seguinte. Quanto à ave que tem permanecido na RNLED, foi acompanhada no local ao longo de uma semana.

Esta ave solitária apresentava alguma debilidade física, embora se alimentasse bem. O facto de estar na Reserva debilitada mas a alimentar-se constantemente acentua a importância desta área protegida. Hipoteticamente esta ave terá realizado uma deslocação de milhares de quilómetros e encontrou neste estuário uma zona de descanso, alimentação e eventual recuperação física propícia que, há dois anos, com a perturbação humana e de cães no local, não seria certamente possível. São também importantes os cuidados que se têm tomado em relação à melhoria de condições do habitat no que toca à vegetação e invertebrados terrestres. Este aspeto é um dos fatores essenciais para que a RNLED possa ser um espaço de qualidade em termos de serviço às aves migratórias de passagem, nomeadamente o grupo das insetívoras, como esta rara petinha asiática, que teve a sorte de encontrar um espaço com alimento e baixa perturbação. Outras virão. Texto Paulo Paes de Faria

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32 LITORAL

2. Gaivotas, Larus spp.

4. Torda-mergulheira, Alca torda

5. Ganso-patola, Morus bassanus*

3. Andorinha-do-mar, Sterna hirundo* João Teixeira

1. Gaivotas, Larus spp.

6. Pato-preto, Melanitta nigra

Flora e fauna marinhas do litoral de Gaia AVES MARINHAS

A

s aves são um elemento importante em muitos ecossistemas marinhos, influenciando estruturas e dinâmicas. No mar, na costa rochosa, na praia arenosa e nas dunas, conforme a época do ano, as aves alimentam-se, repousam durante as migrações, mudam as penas e até nidificam em certos lugares. Em geral, cada espécie de ave explora um recurso alimentar diferente, relacionado com a forma e o comprimento do bico, do pescoço e das pernas, desenvolvendo uma tática de captura adaptada à presa. Assim, diferentes espécies conseguem viver em conjunto sem grande concorrência direta. As gaivotas agarram os peixes na superfície da água, recolhem invertebrados nas rochas ou na areia durante a maré baixa, e assaltam os ninhos de outras aves. No estuário, agitam com as patas a água das pocinhas baixas, levantando nuvens de sedimento e provocando a saída de pequenos invertebrados. Tordasmergulheiras e gansos-patolas atiram-se do ar para a água e mergulham atrás das presas. As andorinhas-do-mar caçam peixinhos, voando baixo sobre a superfície da água e introduzindo apenas a cabeça na água. Os patos, com os seus bicos curtos, alimentam-se de pequenos caracóis e mexilhões, enquanto outras aves, com bicos mais compridos, como o ostraceiro, conseguem chegar aos bivalves e poliquetas enterrados. As aves migradoras repousam na costa e alimentam-se para armazenarem reservas antes

de prosseguirem viagem, na primavera para o norte e no outono para o sul. Especialmente na época de migração, as necessidades alimentares são elevadas. Nos estuários, os grandes bancos de areia e vasa são muito ricos em pequenos invertebrados e são estes os locais de paragem e alimentação de muitas aves típicas do litoral. Enormes áreas ficam a seco durante a maré baixa, quando as aves limícolas se alimentam ao ritmo das marés, dia e noite, andando facilmente na lama com as pernas compridas e os bicos de diferentes formas e tamanhos, que estão bem adaptados para penetrarem profundamente no substrato. Milhares de e gaivotas-prateadas (Larus cachinnans) e gaivotas-de-asa-escura (Larus fuscus) vivem no litoral, alimentando-se de todo o tipo de detritos orgânicos que as águas do mar transportam 1 e 2. Recolhem os restos acumulados, contribuindo para a limpeza das praias e atuando, assim, como “engenheiros do ecossistema”. Seguem os barcos de pesca, aproveitando os restos de peixe que são atirados borda fora mas, em terra, invadem os espaços humanos, alimentando-se muitas vezes nas lixeiras. Com as asas finas e pontiagudas, a andorinha-do-mar (Sterna hirundo) é uma grande voadora3. No verão nidifica em colónias de milhares de indivíduos nas costas do Círculo Polar Ártico. A tordamergulheira (Alca torda) é muito semelhante ao arau-comum (Uria algae), tendo o bico deprimido lateralmente 4. Voa rapidamente sobre a superfície do mar e nada debaixo da água usando as asas e os pés como remos.

7. Ostraceiro, Haematopus ostralegus*

Nidifica em colónias nas falésias, onde põe um único ovo. O ganso-patola (Morus bassanus), de asas grandes e pontiagudas como a cauda, lança-se de vários metros de altura, a grande velocidade, e mergulha até profundidades consideráveis para apanhar os peixes 5. Reproduz-se nas falésias das ilhas rochosas no Atlântico Norte, sobretudo na Inglaterra, onde forma grandes colónias. O pato-preto (Melanitta nigra) é um pato marinho grande, com cauda curta que nidifica em pântanos de água doce 6. O seu bico preto tem uma marca cor de laranja na parte superior e as patas também são pretas. Durante o inverno, os bandos procuram refúgio na praia durante as tempestades. O ostraceiro (Haematopus ostralegus) é uma ave limícola migratória, que nidifica na Europa e Ásia e passa o inverno nas costas do sul de África 7. Tem um bico comprido e vermelho, tal como as patas e os olhos. É solitário mas associa-se aos bandos de outras aves marinhas. Por Mike Weber e José Pedro Oliveira * Fotos: João L. Teixeira

ELA - Estação Litoral da Aguda Rua Alfredo Dias, Praia da Aguda, 4410-475 Arcozelo • Vila Nova de Gaia Tel.: 227 536 360 / Fax: 227 535 155 ela.aguda@mail.telepac.pt www.fundacao-ela.pt

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João L. Teixeira

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Atelier de fotografia

Parque da Lavandeira Este ano há mais atividades de educação ambiental concretizadas através da realização de ateliers para um público jovem, normalmente ao fim-de-semana Em curso desde o início de 2012, os ateliers orientados por técnicos do Parque Biológico de Gaia têm registado uma boa adesão por parte da população. A fotografia em cima regista um momento de um dos ateliers de fotografia da natureza realizados em 17 de março passado. As dicas

desta formação pretendem ajudar as pessoas a tirar mais partido da sua máquina digital numa atividade sem custos de participação mas limitada a 15 participantes. Vocacionado essencialmente para o recreio e lazer, este parque de 11 hectares, que abriu ao público em agosto de 2005, localiza-se muito

perto do centro de Gaia e resulta da aquisição, pelo Município, da antiga quinta da Lavandeira. Em Oliveira do Douro, o Parque brinda os visitantes com percursos pedestres, jardins temáticos e zonas para merendar. Com entrada grátis, este espaço verde está aberto todos os dias, do nascer ao pôr-do-sol.

Agenda AS MULHERES DO CAMPO VÊM À VILA Aos sábados de manhã, venda de legumes sem pesticidas. TAI CHI Às segundas-feiras, aulas às 9h30 e às quintas-feiras às 10h30. YOGA A orientação é da responsabilidade da Dr.ª Luísa Bernardo, que proporciona a atividade em regime de voluntariado. Decorre às quartas e sextas-feiras às 9h45.

ATELIERS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL destinados a um público jovem, são monitorizados por técnicos do Parque Biológico. MAIO – Sábado, dia 5 às 11h00, Astronomia, observação do Sol. – Sábado, dia 12 às 11h00 e às 15h00, A terra conVida. – Domingo, dia 13 às 11h00, Yoga no jardim. – Fim-de-semana, dias 19 e 20, há Feira de Agricultura Biológica.

– Sábado, dia 26 às 11h00, “Os nossos cágados estão em perigo, vamos protegê-los”, Projeto LIFE. JUNHO – Sexta-feira, dia 1, Dia Mundial da Criança com animação a cargo da Associação Ilha Mágica. – Sábado, dia 2 às 11h00, atelier de fotografia da natureza. – Domingo, dia 3, Feira de Artesanato. – Fim-de-semana, dias 9 e 10 às 11h00, Yoga no jardim.

– Sábado, dia 23, Centro de Recuperação de animais. – Sábado, dia 30, Desenhar o Parque. Participação e entrada grátis. Pode seguir o Parque da Lavandeira no Facebook, em www.parquebiologico.pt (botão Parque da Lavandeira), através de lavandeira@parquebiologico.pt ou telefonar para 227 878 138.

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Parque Botânico do Castelo Situado em Crestuma, agora que a primavera avança é tempo das flores silvestres cativarem a atenção de quem ali passeia Altaneiro sobre o rio Douro, este espaço verde foi até ao século passado terreno agrícola cultivado. Com uma tez acastanhada, o xisto do morro atira-se, oblíquo, ao céu azul. Terá assistido às suas múltiplas utilizações, desde as populações castrejas à ocupação romana, passando pela idade medieval e as que se seguiram. Certo é que quando a quinta foi abandonada no século XX a vegetação espontânea reocupou o seu espaço. Medronheiros, carvalhos, sobreiros, freixos e muitas outras espécies botânicas refazem habitats. Se umas se veem o ano inteiro, outras há que brilham, singulares, só por estes dias. Fica esta escolha, valendo ainda dizer que a entrada neste parque é grátis.

Abrótea

Urze-branca

Sanguisorba sp.

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Silene scrabiflora

Omphalodes nitida, endĂŠmica

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Noites dos Pirilampos Quando junho desliza no calendário io o uma das iniciativas mais antigas e de maior êxito criadas pelo Parque e Biológico de Gaia agita o interesse e de milhares de famílias As noites dos pirilampos são assim. Neste ano, nas noites dos dias 1 e 2 e de 7 a 9, bem como de 11 a 16 e de 18 a 22 de junho, o Parque Biológico de Gaia recebe visitas noturnas para observação de pirilampos e outros animais notívagos (reserva obrigatória). Nessas mesmas noites, das 23h00 até às 23h30, há também observações astronómicas. O self-service do Parque serve jantares (reserva obrigatória). Luciola lusitanica

Agenda SERRA DE ARGA ARGA: PERCURSO DE DESCOBERTA Sábado, 19 de maio A serra de Arga ergue-se a 825 metros de altitude (Alto do Espinheiro) e enquadra-se no Alto Minho. Saída e regresso ao Parque Biológico de Gaia em autocarro. Inscrição obrigatória. EXPOSIÇÃO COLETIVA DE FOTOGRAFIA DA NATUREZA – “ARANHAS: UMA QUESTÃO DE EQUILÍBRO” Na Década da Biodiversidade (até 2020) lançada pelas Nações Unidas não há que ter dúvidas sobre os aracnídeos: têm poucos amigos, mas quem fotografa aranhas vê-as com outros olhos e percebe que não vale a pena menosprezar o seu lugar na natureza. Até 26 de maio e pode ser visitada no horário de abertura do Parque Biológico de Gaia.

Eis algumas das iniciativas a curto prazo do Parque Biológico de Gaia que S SÁBADO NO PARQUE Dia 5 de maio o Parque prepara algumas atividades especiais para os seus visitantes, sem custos a não ser o bilhete de entrada habitual neste equipamento de educação ambiental. O programa inicia às 11h00 com o atelier “Paparoca da bicharada”. Após o almoço, pode assistir às 14h30 à conversa do mês, que será sobre “Conhece o cágado-decarapaça-estriada? (Projeto Life Trachemys)”. Às 15h30 há visita guiada pelos técnicos do Parque e percurso ornitológico. Entre as 22h00 e as 23h30, decorrem observações astronómicas, dependendo das condições meteorológicas (inscrição necessária). Dia 2 de junho o programa mantém-se com exceção do atelier que será “Viver no campo” e da conversa do mês, “Os pirilampos do Parque”. Às 15h00 decorre a abertura da exposição de fotografia da natureza “Um olhar de inseto”, de Luís Bravo Pereira.

ANILHAGEM CIENTÍFICA DE AVES SELVAGENS Nos primeiros e terceiros sábados de cada mês, das 10h00 às 12h00, os visitantes do Parque podem assistir de passagem pelo percurso de descoberta da natureza (Quinta do Chasco) a estas atividades, se não chover. OFICINAS E CAMPOS DE VERÃO

O primeiro Campo de Verão vai de 7 a 14 de julho; outro decorre de 4 a 11 de agosto. As Oficinas de Verão vão de 2 a 6, de 16 a 20 e de 23 a 27 de julho, seguindo de 30 de julho a 3 de agosto. Reeditam-se de 13 a 17 de agosto, bem como de 20 a 24 e de 27 a 31 do mesmo mês. Para participar tem de fazer a inscrição no Gabinete de Atendimento. OBSERVAÇÃO DE AVES SELVAGENS Nos domingos 6 de maio e 3 de junho, entre as

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R. Lourenço

Américo Pacheco

João L. Teixeira

Que será isto?

E

m 29 de fevereiro, quarta-feira a revista Parques e Vida Selvagem foi distribuída com o Jornal de Notícias. Às 9h01 Raquel Santos apressase a enviar a sua mensagem: «Bom dia! Já conhecia o passatempo e hoje resolvi participar. O animal é um texugo». Foi a primeira a acertar. Viemos a saber que mora na Maia e para prémio escolheu o livro “Ecoturismo e conservação da natureza”, que lhe foi imediatamente enviado. No que toca à planta, pela primeira vez, ninguém acertou. Talvez deva ser considerada uma identificação com maior grau de dificuldade, mas já agora aqui fica: a espécie em causa era uma chuchapitos, do género Lamium. Nesta nova edição, quem sabe se não chega a sua vez de alcançar algum prémio? Para esta edição de primavera, ficam estas fotografias. É capaz de identificar estes seres vivos?

Compreender os morcegos JG

que podem ser do seu interesse...

Se for, não deixe de nos dizer! As fotografias publicadas são sempre de vida selvagem que já foi observada na região. As respostas mais rápidas recebem como prémio um dos livros editados pelo Parque Biológico de Gaia. Deve ser indicado um dos nomes vulgares reconhecidos ou, melhor ainda, o género ou o nome científico. Se acertar numa só de ambas as espécies, a sua resposta é igualmente considerada na lista das mais rápidas. Envie-nos o seu e-mail (revista@ parquebiologico.pt) ou carta (Parque Biológico de Gaia – Revista “Parques e Vida Selvagem” – 4430-681 Avintes)! O prazo para as respostas termina em 9 de maio de 2012. Os leitores já premiados em edições anteriores só o serão se não houver outra resposta certa (este item só é válido durante um ano a partir da atribuição do prémio). Então, já sabe o nome de alguma destas duas espécies?

10h00 e o meio-dia, leve, se tiver, um guia de campo de aves europeias e binóculos à Reserva Natural Local do Estuário do Douro. Com telescópio, estará um técnico do Parque para ajudar os presentes a identificar as aves do Litoral. RECEBA NOTÍCIAS POR E-MAIL Para os leitores saberem das suas atividades a curto prazo, o Parque Biológico sugere uma visita semanal a www.parquebiologico.pt. A alternativa será receber os destaques, sempre que oportunos, por e-mail. Para isso, peça-os a newsletter@parquebiologico.pt Mais informações Gabinete de Atendimento atendimento@parquebiologico.pt Telefone direto: 227 878 138 4430-681 Avintes - Portugal www.parquebiologico.pt

No âmbito do estágio das duas alunas do Colégio Internato dos Carvalhos e de forma a celebrar o Ano do Morcego, no dia 2 de abril houve teatro para os participantes das Oficinas de Primavera. Foram também realizados pequenos jogos didáticos e inquéritos de forma a garantir a retenção da mensagem. Estas atividades tiveram como objetivo principal dar a conhecer aos mais jovens este pequeno mamífero voador

“mal compreendido”, a sua etologia e ecologia, bem como a sua importância no controlo de pragas de insetos e as diferentes ameaças a que se encontram sujeitos. Para quem estiver interessado em espreitar, dia 22 de maio – Dia Internacional da Biodiversidade – este teatro voltará a realizarse, desta vez no Biorama num horário ainda a definir. Texto Jessica Castro

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João L. Teixeira

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Museu da Afurada atrairá turismo A Afurada vai ter um museu, com vista a expor património etnográfico típico Prevê-se que o museu da Afurada esteja pronto ainda este ano e «vai consolidar a zona como ponto de atração turística na Área Metropolitana do Porto», disse Luís Filipe Menezes, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, no passado dia 11 de abril, em visita às obras deste equipamento.

«Vai ser interessante ter uma vila piscatória com autenticidade, limpa e ordenada, a cinco minutos do Porto», adiantou. O autarca sublinhou que «a crença no futuro das cerca de 5 mil famílias que aqui vivem é muito diferente de comunidades que estão a viver fases de depressão». Este museu, que será conhecido como

Centro Interpretativo do Património da Afurada, abrirá com uma exposição sobre a cultura local e o património natural da zona. O museu resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal de Gaia e a Administração dos Portos do Douro e Leixões. Foto João L. Teixeira

Associação Ibérica de Zoos e Aquários Decorreu em Madrid, Espanha, a reunião anual da Associação Ibérica de Zoos e Aquários (AIZA) entre 16 e 18 de fevereiro. O certame envolveu vários grupos de trabalho, nomeadamente os de educação, de conservação e de marketing e comunicação. Ao todo, juntou uma centena de participantes nas instalações do parque Faunia, anfitrião das reuniões, com 32 parques representados. A direção da AIZA também reuniu durante o evento com representantes do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente de Espanha, e do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas e com a Direcção-Geral de Veterinária portuguesa. Mais em www.aiza.org.es 38 • Parques e Vida Selvagem primavera 2012

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Centro de Recuperação

Pela sua

JG

saúde!

O surgimento de cágados exóticos nos ecossistemas do país não é prejudicial só pela concorrência de alimento e espaço face às duas espécies nativas, ou pelo risco de hibridação se for o caso, mas também pelas doenças que esses répteis podem transportar consigo

I

nês Farias Mateus esteve em estágio no Centro de Recuperação do Parque Biológico de Gaia de novembro a março. Oriunda da Universidade de Évora, do curso de medicina-veterinária, tinha por missão acompanhar todo o trabalho com os animais, desde o acolhimento, exame clínico e diagnóstico até ao tratamento. Mas não se ficava por aí. Tinha outro objectivo: fazer necrópsias a tartarugas exóticas no fito de identificar alterações nos órgãos e tecidos causadas por diferentes patologias. Inês recolheu amostras que seguiram para laboratório, com vista a serem analisadas. Resultado? Embora ainda esteja em curso esse labor entre provetas e microscópios, encontrou a priori muitas patologias a nível de fígado e pulmão. Renais nem tanto, «era um caso ou outro», afirma. De início «estava a retirar só os órgãos alterados, depois mudei o protocolo, uma vez que em muitos casos as lesões não são observáveis a olho nu». Tendo ocorrido «uma quebra de organismos a analisar, optei por cinco órgãos essenciais: coração, baço, fígado, rim e pulmão». Havia que recolher também «osso do plastrão

– a parte inferior da carapaça – onde surgem muitas lesões, sobretudo úlceras». Agora resta aguardar os resultados laboratoriais e fazer um estudo estatístico para ver o que é que as tartarugas exóticas transportam que possa contagiar os ecossistemas naturais. «Ainda estou curiosa quanto aos resultados», diz e adianta: «Seria sempre melhor poder fazer mais exames, por exemplo, a nível bacteriológico, para atingir áreas que não estavam no âmbito deste estágio» e que podem trazer dados mais amplos sobre esta problemática. De qualquer forma, o resultado deste trabalho liga-se ao projeto LIFE-Trachemys iniciado o ano passado, em resultado de uma parceria estabelecida entre o CIBIO-UP, o Parque Biológico de Gaia, a Associação ALDEIA/ RIAS, em Portugal, e em Espanha com a Generalidade Valenciana e a empresa Vaersa. Entretanto, já sabe: se conhece alguém que se tenha cansado de ter uma tartaruga exótica como animal de estimação, não vale deitá-la num lago ou num rio. É preferível, pela sua saúde, entregá-la a uma entidade responsável que saiba lidar com ela sem lesar o bem comum. Parques e Vida Selvagem primavera 2012 • 39

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40 ESPAÇOS Ç VERDES

Novidades de flora

Hepática-talosa-hemisférica Reboulia hemisphaerica (L.) Raddi

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sta planta é do grupo das hepáticas talosas, já que o seu corpo vegetativo não está diferenciado em caulóides e filídeos e, portanto, tem um aspeto taloso que cresce em rosetas prostradas sobre o solo. Cada talo pode ter até 8 mm de largura e divide-se sempre em duas partes na zona terminal (divisão dicotómica), o que faz com que as rosetas se alarguem à medida que a planta se desenvolve e recobre o solo nu, sustentando-o e protegendo-o. A superfície superior do talo é suave, mas percorrida por uma série de redes de poros pouco salientes que permitem à planta as trocas gasosas. As plantas desta espécie são levemente aromáticas (cheiro fresco e apimentado) e a superfície superior é verde-esbranquiçada. Para além disso, em estado seco, são sempre visíveis as margens avermelhadas a púrpuras dos talos que se devem à presença de escamas salientes a partir da face ventral. Esta espécie está geralmente fértil de março a julho e os seus órgãos reprodutivos são facilmente visíveis e têm morfologia diferenciada: os femininos são suportados por estruturas que se assemelham a pequenos guarda-chuvas verdes (quando imaturos) e castanhos (quando maduros e a libertar esporos); os masculinos são estruturas em forma de rim ou lua rentes ao talo e de cor verdepúrpura.

Sendo uma espécie primocolonizadora de solos neutros a básicos pode ser encontrada um pouco por todo o mundo e também se encontra nos taludes terrosos e nas fendas dos muros e dos caminhos do parque. A melhor altura para observar esta espécie é dura durante a primavera, já que, tal como outras

hepáticas talosas, cresce durante a época mais chuvosa e fria e reproduz-se durante a primavera, secando no verão e outono, alturas em que os esporos continuam a dispersar-se para que a espécie possa expandir-se a novos micro-habitats. Agora que leu este artigo, pode ver um vídeo

Novidades de fauna

Abetouro-galego e alcaravão Quem palmilhar o percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia, para além de ver espécies emblemáticas da Europa como o grou-europeu ou a lontra, pode também agora observar uma das garças mais pequenas do mundo. Trata-se do abetouro-galego. Com o nome científico de Ixobrychus minutus, esta pequena

garça típica de habitats de zonas húmidas resulta de reprodução em cativeiro. Na sua vida selvagem, o abetouro-galego é observado em pauis e estuários da primavera ao fim do estio, embora seja possível excecionalmente ver alguns indivíduos noutras alturas do ano. Com hábitos discretos e crepusculares, a verdade é que nem sempre

se dá facilmente com ele. Quando quer passar despercebido aponta o bico ao céu e confunde-se com o ambiente. Ali perto, depois dos ostraceiros, os visitantes podem observar alcaravões que, irrecuperáveis para libertação na natureza, servem fins de educação ambiental. Conhecer o património natural incentiva a sua conservação.

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OAPB & CAUP - Joaquim Gomes

Sol no visível 1 de abril 2012 - Canon EOS 350D - Newton 8” f/6 + filtro Baader

Sol em H-alfa 1 de abril 2012 - Canon EOS 350D + Coronado 60 mm

Astronomia ao sol O Mês Mundial da Astronomia, cuja comemoração está ainda em curso, começou no primeiro dia de abril, Dia do Sol

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essa tarde, uma parceria entre o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto e o Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia permitiu às inúmeras pessoas que ali compareceram realizar uma observação solar, de tarde. «Apesar de algumas nuvens incómodas terem ameaçado a realização do evento, foi possível levar a bom porto as atividades», diz Joaquim Gomes, um dos dinamizadores, e adianta: «As pessoas aderiram e tiveram a oportunidade de ver o Sol como nunca viram, através de telescópios preparados para a observação solar que mostrava aos interessados as manchas solares e filamentos da sua superfície, bem como algumas

protuberâncias no bordo do Sol através do telescópio H-alfa». Seguiu-se a Semana Lunar, entre 1 e 7 de abril. Apesar do dia ter estado mau no que toca às condições meteorológicas, os organizadores mantiveram-se no local e tiveram ainda a sorte de verificar que a partir das 22h30 o céu limpou e foi possível obter algumas imagens de planetas do sistema solar. Dia 14 de abril, sábado à noite, quem compareceu junto ao observatório pôde ver Saturno. Uma semana depois, dia 21 de abril, houve também uma palestra seguida da observação de Marte com as Líridas pelo meio. As Líridas são uma chuva de meteoros cuja origem está localizada na constelação da Lira.

com as características morfológicas desta hepática vistas em pormenor à lupa. http://www.youtube.com/ watch?v=mpPaQa3D3Vs

Joaquim Gomes

Jorge Gomes

Texto Cristiana Vieira e Helena Hespanhol (CIBIO-UP). Foto Sónia Ferreira (CIBIO-UP).

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Jorge Gomes

42 ESPAÇOS VERDES

Narciso Ferreira, geólogo, explica o aspeto atual da fraga da Pena

Percursos de descoberta

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m 10 de março a serra da Margaraça recebeu uma visita temática organizada pelo Parque Biológico de Gaia. Após uma paragem na aldeia de Côja, a fraga da Pena encantou os visitantes. A variedade da vegetação local permitiu a observação de espécies mediterrânicas ainda misturadas com as que melhor se conhecem no Norte litoral.

Duas espécies de aderno, medronheiros velhos, azevinho, madressilvas com lagartas gregárias de uma espécie de borboleta protegida por lei — a aurínia — e caminhar por trilhos onde uma vegetação cheia de musgos, fetos e folhado faz lembrar contos de infância. A geologia esteve presente com Narciso Ferreira. Explicou em linguagem simples a formação do relevo local e o recuo de

cabeceira por erosão que deu origem à queda de água que ali se vê. Na Margaraça, propriamente dita, mais um gosto ao pé, e outras tantas espécies a observar, quando as folhas dos carvalhos, castanheiros e aveleiras tardavam e as prímulas e as violetas florescem, precoces para olharem ainda o sol. Em 14 de abril houve outra deslocação, desta vez à serra da Lousã.

Se não chover, tendo em conta a exigência de bem-estar animal, nos primeiros e terceiros sábados de cada mês, das 10h00 às 12h00, o grupo de anilhagem do Parque Biológico de Gaia está em ação, na quinta do Chasco, em pleno percurso de descoberta da natureza. Os visitantes do Parque podem assistir a esta atividade. O contacto direto e mais próximo com as aves do património natural lusitano tem força motivadora em educação ambiental. Este trabalho decorre da colaboração com a Central Nacional de Anilhagem, coordenada pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, num projeto europeu

António S. Pereira

Anilhagem científica

Libertação de pica-pau-malhado-grande depois de anilhado

de Estações de Esforço Constante, para monitorização das aves selvagens. Com a orientação de ornitólogos credenciados, são capturadas aves selvagens,

colhendo-se dados biométricos, sendo depois anilhadas e devolvidas à liberdade. As sessões de anilhagem estão abertas à formação de voluntários.

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BATER DE ASA 43

Coruja-das-torres

João L. Teixeira

Corvo-marinho-de-faces-brancas

João L. Teixeira

O voo das aves Um corvo-marinho, uma gaivota e uma coruja-das-torres são os casos escolhidos para este espaço feito de viagens naturais Em 8 de junho de 2010, o anilhador credenciado Ingo Ludwichowski aplicou a anilha n.º 271174 na pata direita de uma cria de corvo-marinho-de-faces-brancas. Esta sessão de trabalho decorreu no Norte da Alemanha, em Fehmarn.

Seiscentos e cinquenta e oito dias depois, em 27 de março passado, este mesmo corvomarinho foi encontrado na Reserva Natural Local do Estuário do Douro, a uma distância de 1492 quilómetros.

Gaivota-de-cabeça-preta Uma gaivota-de-cabeça-preta, Ichthyaetus melanocephalus, com anilha de cor foi observada na Reserva Natural Local do Estuário do Douro no passado dia 3 de abril por Paulo Faria. Uma vez que foi possível tomar nota do seu código alfanumérico – R92C –, entretanto o Programa para as Gaivotas Mediterrânicas (anilhas de cor) de França passou as seguintes informações: esta ave tinha sido anilhada por Omis Baguage em 14 de junho de 2011 em

Conchil le Temple, Pas de Calais, em França. Entre dois registos — o primeiro, francês e o mais recente, português — esta gaivota tinha sido vista por Renaud Flamant em 2 de agosto de 2011 ainda na mesma região francesa mas em Bassin Liane, Outreau.

Coruja-das-torres Em início de fevereiro um veterinário telefonou para o SEPNA da Anadia. Dizia que tinha sido recolhida uma coruja com a anilha n.º M23460. Tratava-se de uma coruja-das-torres que passara pelo Centro de Recuperação de Fauna Selvagem do Parque Biológico de Gaia e, antes de ser libertada, foi anilhada pelas mãos credenciadas de António Cunha Pereira em 28 de julho do ano passado.

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44 MIGRAÇÕES

Pisco-de-cauda-azul, Tarsiger cyanurus

Nova espécie de ave registada para Portugal Quando passeamos nos nossos parques, quando vamos à praia, sempre que estamos no nosso quintal, e ouvimos grande diversidade de espécies de aves a cantar, raras são as vezes que nos apercebemos que uma boa parte delas são animais migradores, que anualmente se movimentam entre os locais em que se reproduzem e os refúgios de inverno Estes pequenos animais alados dispõem de um grande arsenal de “tecnologias” naturais de navegação que lhes permitem deslocar-se na época e orientação corretas, e cuja eficácia quase envergonha os nossos sofisticados sistemas de GPS: dependendo da espécie, têm capacidade de se orientar pelas estrelas, pelo campo magnético da Terra ou pela posição do Sol, com cada ave a utilizar estes mecanismos de acordo com a sua programação genética e com a experiência adquirida de migrações anteriores. Embora cada espécie tenha uma ou outra rota preferencial, seguida pela grande maioria dos indivíduos, alguns desviam-se do caminho ideal, acabando em terras onde não é suposto serem encontrados. António Marques é um ornitólogo algarvio já com 30 anos de experiência, responsável pelos trabalhos de monitorização da estação de anilhagem de aves de Loulé, na fonte da Benémola. Para além deste trabalho de anilhagem no campo, também recolhe anilhas de aves mortas por caçadores da zona: “Uso o sistema de colocar em zonas estratégicas no meio rural, em cafés como em restaurantes onde se juntam muitas pessoas, um pequeno recipiente onde depois são colocadas anonimamente as anilhas. Todo este trabalho é perigoso e arriscado porque mexe com hábitos ainda muito enraizados na nossa cultura. Mas tem só uma finalidade para mim que é a científica.” Num dia como qualquer outro em que foi recolher essas anilhas, encontrava-se uma pata de passeriforme com uma anilha que indicava que a ave em questão viria de longe: mais concretamente, da Suécia.

Encontrar aves com anilhas estrangeiras não é raro, por isso António tratou de entrar em contacto com as autoridades suecas para saber a espécie a que pertencia. Pelas informações que chegaram do país nórdico, a ave foi anilhada em Utklippan, no Sul da Suécia, em 15 de outubro de 2011, e encontrada morta em Boliqueime 96 dias depois, em 19 de janeiro de 2012, a 2724 quilómetros de distância. Nada de incomum para um pássaro. Com surpresa veio ao saber a identidade do animal: era um macho juvenil de pisco-de-cauda-azul (Tarsiger cyanurus), uma espécie nunca antes observada em Portugal! Na verdade, até para a Suécia esta espécie é rara – só 32 indivíduos foram anilhados neste país, mas o seu número está rapidamente a aumentar à medida que a distribuição desta espécie se está expandir para a Europa – esta é uma ave tipicamente asiática, ocorrendo mais raramente nos países do Norte da Europa (Finlândia e parte europeia da Rússia). No inverno deslocam-se habitualmente para o Sul do continente asiático, pelo que a ave algarvia se desviou muito da rota normal. Encontrar uma espécie nova de ave para Portugal não é algo que aconteça com frequência. Parece muito pouco provável que as autoridades suecas se tenham enganado na identificação do espécime, mas com uma pata apenas ficaria sempre uma réstia de dúvidas quanto à identidade da ave, sobretudo num achado tão singular. Por esta razão Júlio Neto, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto, realizou as análises genéticas necessárias que poderiam determinar a identidade da ave. Retirada uma amostra de ADN da pata da ave, Júlio utilizou técnicas de biologia molecular para estudar um gene específico (designado ND2) para o qual já era conhecida uma sequência para o pisco-de-cauda-azul. Feitas as comparações entre a amostra da ave de António e a sequência do gene ND2 já conhecida de um destes piscos asiáticos, o investigador conseguiu concluir que eram idênticas, ou seja, tanto a amostra como a sequência publicada pertencem a aves da mesma espécie. A descoberta do pisco-de-cauda-azul no Algarve é importante por várias razões. Para além de ser um registo (mesmo que acidental) de uma espécie antes desconhecida em Portugal, é um importante testemunho da forma como as rotas migratórias das aves evoluem ao longo do tempo. Por enquanto, animais como este que venham parar nestes lados da Europa não deverão ter muito sucesso, mas quem sabe, num futuro longínquo, com o aumento progressivo da espécie no continente europeu, talvez o pisco-de-cauda-azul venha a estabelecer-se como uma ave portuguesa. Por Pedro Andrade

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Tetsuya Shimizu

A new bird species for Portugal When we walk through our parks; when we go to the beach; whenever we’re in our gardens and we hear a great diversity of birds singing, rarely do we realize that a good part of them are migratory and they annually undergo great movements between their breeding sites and their wintering quarters.

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46 REPORTAGEM

Vegetação mediterrânica

Ao longo de 14192 hectares a Reserva Natural do Estuário do Tejo comporta uma extensa superfície de águas estuarinas, campos de vasa que abrigam esteiros, mouchões, sapais, salinas e terrenos aluvionares agrícolas

Tarambola

Estuário do Tejo

O

barco passou debaixo da ponte Vasco da Gama. Neste dia não há nem sol nem chuva. O rio Tejo é uma imensa estrada chã cansada de correr à procura do mar. O veleiro agita aqui e ali corvos-marinhos que repousam nas bóias. Bem mais longe, com os binóculos e telescópios apontados às margens, percebem-se formas distintas de aves de diferentes espécies adaptadas ao limo. Por isso lhes chama limícolas o guia desta embarcação adaptada ao turismo de natureza que leva consigo meia centena de pessoas. O desenho da periferia dos corpos e o tamanho das patas são alguns dos elementos que mesmo sem binóculos

Tagus Estuary Natural Reserve Over 14 192 hectares Natural Reserve of the Tagus Estuary comprises an extensive area of estuarine waters, mud fields that harbour estuaries, mouchões, marshes, salt flats and alluvial agricultural land. This protected area is distributed among the Counties of Alcochete, Benavente and Vila Franca de Xira. The biodiversity of the estuary is very important and the wildlife of the Reserve draws the birds and attracts ecotourism.

permitem distinguir num bando em repouso os patos-bravos, os corvos-marinhos, ou os fuselos, entre garças. As certezas só se tiram na mira do telescópio, e nem sempre. Detrás dos bandos em repouso, ergue-se uma

cortina de vegetação típica de zona húmida, enquanto em cima, mais para norte, volteia uma rapina. Será uma águia-de-asa-redonda? Estamos na Reserva Natural do Estuário do Tejo, um dos poucos rios de Portugal que já

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Narceja

vêm grandes quando passam a fronteira que une os dois países ibéricos. Esta área protegida abrange «a zona mais a montante do estuário, distribuindo-se pelos concelhos de Alcochete, Benavente e Vila

Peneireiro

Franca de Xira». Não excede os 11 metros de altitude e a profundidade não ultrapassa dez. A classificação de reserva natural data do século passado, em 1976. Ficou escrito na lei que a medida se impunha porque «o estuário do

Tejo tem um papel fundamental do ponto de vista ecológico e económico», pois «nele se concentra todo o material biológico arrastado ao longo do curso do rio, o que transforma o estuário numa zona extremamente rica em seres vivos e de importância fundamental no povoamento da costa marítima». Afirma-se ainda que «desempenha um papel de grande relevo internacional na conservação de aves aquáticas que aqui encontram condições óptimas para invernada, nidificação ou como suporte às rotas migratórias». Além disso, «desempenha um papel de grande relevo internacional na conservação de aves aquáticas que aqui encontram condições óptimas para invernada, nidificação ou como suporte às rotas migratórias». Os habitats assentam numa comunidade de espécies vegetais com papéis singulares. Misturando-se com o próprio mar, as vasas cobrem-se de descobrem-se de água ao sabor da maré. É o ambiente de diversas espécies de invertebrados de cuja abundância beneficiam bandos de muitas espécies de aves selvagens e o próprio homem. Nas margens há plantas que conseguem viver num meio de elevada secura fisiológica, como a salicórnia, a morraça ou o valverde-dos-sapais. Como se estivessem mal-dispostas excretam sal pelas folhas... Se é certo que a pressão de origem humana, industrial e urbana, por exemplo, rema em sentido contrário ao da conservação do património natural do país, há também intervenções artesanais que até contribuem para a biodiversidade. As salinas são um exemplo disso. À medida que se navega pelo rio para mais longe do mar, abandona-se o sapal composto

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48 REPORTAGEM

Caniçal: um visitante peculiar, chapim-de-faces-pretas

por plantas capazes de lidar com o sal e vai aparecendo o caniçal. Estas manchas são o habitat de nidificação das garças-vermelhas e do garçote, dos rouxinóis-dos-caniços e da cigarrinha-ruiva, entre muitas outras aves aquáticas, sem deixar de referir uma das rapaces mais dependentes das zonas húmidas, a águiasapeira. Esta descontinuidade composta por mosaicos de habitats contrasta com a aparente regularidade do eixo central das águas estuarinas. Sempre submerso ao longo do ano, alimenta o fluxo de que depende o berçário de inúmeras espécies de peixe, muitas delas com valor comercial, como o linguado e a

solha, a corvina, o sável e a enguia. Basta procurar notícias e encontra-se referência farta a uma prática proibida e que contribui para pôr cada vez mais em perigo uma espécie outrora abundante. A apanha do meixão (enguias juvenis) captura indivíduos quando vêm do mar dos Sargaços, em pleno Atlântico, e chegam aos estuários para subir o rio ao mesmo tempo em que perdem a transparência do seu corpo. Mais adiante aparece a lezíria, moldada pelo estuário. A planura tecida de aluviões depositados ao longo de séculos regula-se por mão humana, num jogo de canais de escoamento, de taludes e comportas. São os esteiros e as cheias do Tejo cuja notícia se tolhia na imprensa, conforme a

literatura do século XX regista. Há lugar agora à ocorrência de aves estepárias, como o sisão ou o alcaravão, do ganso-comum, com presença regular do peneireiro-cinzento. A área florestal presente seria dominada, antes do ser humano, pelo sobreiro, a árvore autóctone recentemente eleita Árvore Nacional. O veleiro atraca. Há que pôr o pé em terra firme. Pela sua extensão e pelo seu património, a Reserva Natural do Estuário do Tejo revela novos ritmos em cada visita. Uma região para ir e revisitar. Fotos João Luís Teixeira Texto JG

Reserva Natural do Estuário do Tejo Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, 1 2890-015 Alcochete Telefone 212 348 021 E-mail rnet@icnb.pt Site http://portal.icnb.pt Mergulhões-anões entre galeirões

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Oceanário Data do ano de 1998 a inauguração no decurso da última exposição mundial d ao tema “Oceanos – um património para o Ninguém passa pelos tubarões com ar de indiferença

Alforreca

Pinguim-de-magalhães

S

ob a superfície oceânica abre-se um mundo peculiar: à medida que a profundidade aumenta a luz diminui. E é esse mesmo ambiente que envolve quem visita este oceanário da capital. Uma variada coleção de espécies que engloba aves, mamíferos, peixes e outros habitantes marinhos desfila com os visitantes, passo a passo, mas é o grande tanque central que mais atrai a maioria das pessoas.

O tanque central reúne uma amostra coletiva de património natural do planeta, ocupad

A forma típica dos tubarões e das raias enche a vista quando estamos ao seu nível. Há uma penumbra azulínea omnipresente e a deslocação destes seres vivos parece contagiar os visitantes com algo mágico, quase como se se conseguisse, ao escutar o silêncio, ouvir outros mundos. Será por isso que a dada altura a frase de Sophia de Mello Breyner aparece e assinala um dos grandes aquários na visita. Lê-se: «Quando eu morrer voltarei para buscar / Os

instantes que não vivi junto do mar». Contar as espécies que vão desfilando é uma missão tortuosa capaz de abater o gosto de olhar esta fatia da biodiversidade do planeta tão ameaçada, onde as fronteiras dos países não funcionam tão bem como a temperatura e demais características da água, sob uma batuta biogeográfica. Chama a atenção um animal de formato invulgar, presente também no mar português. Parece mal acabado, mas o enunciado destas

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de Lisboa ção do Oceanário de Lisboa al do século passado, subordinada a o futuro”

Lisbon Oceanarium The Lisbon Oceanarium has a large collection of marine species – birds, mammals, fish, cnidaria, and other marine organisms totalling about 16 000 individuals of 450 species. Sharks, rays, chimaeras, various species of tuna, barracudas, groupers, and moray eels attract visitors. There are many other interesting species in this building, which is surrounded by the waters of the River Tagus.

Peixe-lua

cupado maioritariamente por oceanos

palavras só pode nascer de preconceitos. É o peixe-lua! Dá à barbatana à sua maneira, de olho noutros ritmos. Quem diria que também se pode ser peixe... assim? Não será de estranhar, uma vez que o oceanário recriou vários habitats muito ricos, como os recifes de coral do Índico, alguns outros do oceano Antártico, bem como das costas rochosas do Pacífico e da costa dos Açores, no nosso Atlântico. Vivem neste parque aquático diversas espécies

Camarão do género Lysmata

de peixes, nomeadamente barracudas e atuns, entre outros, rodeados de numerosos peixes tropicais, de menor tamanho. Assinado pelo famoso arquiteto norteamericano Peter Chermayeff, o edifício do oceanário evoca um porta-aviões junto ao cais, cercado pela planura das águas do estuário do rio Tejo, ele próprio com estatuto de reserva natural. Como outros parques, o oceanário «desenvolve continuamente atividades

educativas que dão a conhecer os oceanos, os seus habitantes», «abordando os desafios ambientais da atualidade». Além disso, «colabora com várias instituições em projetos de investigação científica, de conservação da biodiversidade marinha, que promovem o desenvolvimento sustentável dos oceanos». Texto JG Fotos João Luís Teixeira

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52 REPORTAGEM

A caminho do Rio+20

O que nos une intangível para Os sistemas climático e oceânico são os sistemas naturais que nos unem a todos: a construção de um futuro para a Humanidade exige uma organização do uso coletivo destes sistemas comuns

As aves marinhas também estão representadas no oceanário – os airos parecem aves a caminho de serem pinguins

Oceanário de Lisboa Morada Esplanada D. Carlos I 1990-005 Lisboa Telefone 218 917 002 E-mail info@oceanario.pt Site www.oceanario.pt

No âmbito da Rio+20 a Quercus e os parceiros do projeto Condomínio da Terra submeteram uma proposta de reconhecimento de um suporte jurídico global e de um sistema de contabilidade, como alicerces estruturais na construção da confiança e reciprocidade necessárias a um acordo global. Uma campanha para o pós-Rio+20. As alterações climáticas são um caso clássico de deterioração dos bens comuns. O uso partilhado de um mesmo bem por um grupo alargado de indivíduos resulta numa indefinição da propriedade desse bem. As soluções encontradas até hoje para estas situações resumem-se à divisão e privatização do bem sujeito ao uso por vários agentes, uma vez que a alternativa do uso partilhado do bem dá origem à concorrência e à inevitável “tragédia dos comuns”. Este problema está identificado pelas ciências económicas como o “dilema clássico da ação coletiva”, também conhecido como “dilema do prisioneiro”, no qual se um utilizador retrai o uso do recurso comum e o outro não o fizer, o recurso esgotar-se-á da mesma forma e um dos utilizadores terá perdido o benefício de curto prazo que foi obtido pelos outros utilizadores. Quando ampliado a uma escala global este dilema transforma-se na “armadilha social” (Ostrom) que é “potencialmente o maior dilema que o mundo enfrentou”. Com a descoberta da existência dos sistemas naturais

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EVENTO 53

ne a todos: um património natural ra a Humanidade globais do clima ou dos oceanos, que são de todo insusceptíveis de qualquer forma de divisão ou apropriação, fomos confrontados com o abismo da tragédia relativamente ao uso destes sistemas verdadeiramente comuns e globais. É num contexto de 20 anos de insucessos de negociações climáticas e de uma verdadeira “impossibilidade política” para uma ação coletiva global, que surge o reconhecimento pela Academia Sueca de um Nobel da Economia, pela primeira vez atribuído a uma mulher, Elinor Ostrom, pelo trabalho desenvolvido em torno dos Commons. Com este contributo desmascarou-se a noção generalizada da fatalidade da tragédia da gestão comunitarista e abriram-se as portas sobre quais são as condições estruturais necessárias para existir a possibilidade de um Happy End. Nesta nova abordagem fica clara que a gestão partilhada de bens não só é possível, como pode gerar ganhos no médio prazo para todos os intervenientes, desde que existam determinadas condições estruturais. Quando estamos perante sistemas naturais globais que são vitais para toda a Humanidade, tal abordagem constitui mesmo a única saída. O fato de todos poderem influenciar de forma positiva ou negativa os sistemas climático e oceânico convoca-nos para o maior dos desafios: o da inevitável gestão comum. Se a “impossibilidade física” dos limites do planeta é inultrapassável, a “impossibilidade política” é a única possibilidade que está verdadeiramente ao nosso alcance.

A importância da inclusão dos contributos positivos A inclusão dos contributos positivos na contabilidade das relações entre todos os países (e internamente entre as regiões de cada país) é uma condição para a existência de justiça social e ambiental. E só investindo na construção de uma arquitetura de relações justa é que poderemos ambicionar um acordo. Construir uma “economia verde” é não só ser mais eficiente no consumo e uso dos recursos, mas também ter a capacidade de manter e recuperar o capital natural, e desta forma alterar as relações entre zonas urbanas e zonas

naturais/rurais, tornando a economia, para além de mais verde, mais justa e inclusiva. Para isso ser possível é necessário introduzir nas contas das relações internacionais e nos PIB de cada país, os contributos positivos de cada um, na manutenção dos sistemas globais de que todos dependem. Confrontando os contributos negativos e positivos obtém-se o EcoSaldo, que será a base de entendimento para a obtenção de um acordo, de um acerto de saldos e de uma compensação para aqueles que disponibilizam benefícios que foram usufruídos por toda a Humanidade. É neste sentido que se avança com a proposta de reconhecimento de um “Património Natural Intangível da Humanidade” relativamente aos sistemas climático e oceânico, como forma de capturar, nas nossas sociedades, esses benefícios e encargos que se dispersam por todo planeta, internalizando num património comum, fatores vitais para a nossa existência que continuam a ser considerados “externalidades”. Ao ultrapassarmos a dificuldade “buraco negro” a que chamamos externalidades que não são externas ao estado da nossa casa comum, e assinalarmos direitos completos de propriedade comum alargada a toda a Humanidade, a estes sistemas naturais funcionais cuja dimensão é sempre a global, que estão simultaneamente dentro e fora da dimensão espacial dos territórios dos estados, estamos a abrir as portas para a criação de um sistema de contabilidade de direitos e deveres (EcoSaldo) relativos a esse património comum e à criação de um sistema relativo à sua governação.

Expectativas e responsabilidades da Rio+20 Depois de anos de tortuosas negociações sobre as emissões de gases de efeito-estufa que a cimeira do Rio+20 se tornou num foco de convergência das esperanças na desconstrução da fatalidade da “Tragédia Comum”. A este enorme desafio sobrepõe-se a crise financeira que assola algumas das principais

economias do mundo, que coloca para um plano secundário, ou mesmo para um completo esquecimento, a crise social e ambiental em que estamos inseridos. Renovar o marco histórico que constituiu a cimeira de 1992, assegurando que as legítimas expectativas criadas em torno da nova cimeira não se tornem numa enorme desilusão, é pois um tarefa que requer visão estratégica de longo prazo. É necessário responder a uma questão primordial: o que é necessário fazer para que em 2032 haja motivos para assinalar um Rio+40? A inclusão na mesa das negociações dos contributos positivos na contabilidade das relações entre países, a construção de um suporte jurídico que sustente o interesse de toda a Humanidade, presente e futura, uma métrica comum e um valor comum, para medir e compensar as reais relações globais existentes, é uma tarefa civilizacional que se nos apresenta como herculiana. Se não é sério nem realista pensar que da Rio+20 possa sair uma solução mágica, também não é sério nem realista pensarmos que podemos construir sociedades sustentáveis esverdeando procedimentos, sem intervir na estrutura da economia. E para isso ser um dia possível, temos primeiro que construir essas condições de justiça estruturais que permitam a confiança, reciprocidade e previsibilidade para que seja possível alterar comportamentos. As condições estruturais que propomos são um suporte jurídico global e um sistema de contabilidade das relações globais. E se os acordos ainda não surgiram e os números dos limites do planeta continuam a ser pulverizados, é porque esse caminho ainda é apenas penumbra. Com os Congressos Internacionais de Gaia, EcoSaldo e Condomínio da Terra, queremos que a Rio+20 seja mais do que a mera possibilidade de um acordo circunstancial, forçado por uma pressão política ou mediática. Queremos o mais importante. Queremos que não comprometa a esperança. Por Paulo Magalhães Coordenador Condomínio da Terra/Quercus, investigador Cesnova/FCSH Universidade Nova de Lisboa

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54 RETRATOS NATURAIS

Vamos desenhar... uma abelha

Abelha-europeia Apis mellifera

Se há insetos que o Homem aprecia pela sua beleza e ornamentação – como as delicadas borboletas (lepidópteros) ou alguns escaravelhos (coleópteros) – outros há que são acarinhados pela “gulodice” gustativa e económica que proporcionam – como as abelhas

De facto, enquanto fervoroso apreciador deste concentrado de açucares que é o mel (bem como do pólen, cera e própolis), o Homem aprendeu a conviver, a tratar e a cuidar destas incansáveis trabalhadoras (os primeiros registos da apicultura remontam a cerca de 2400 a.C.!), construindo os apiários onde, a cada ano, instalam as colmeias e os novos enxames – sempre na proximidade de espécies vegetais com um elevado alto potencial apícola (flores com elevada concentração de néctar), como os eucaliptos ou as éricas. Alem dos benefícios imediatos para o uso humano, acaba também por prestar um serviço a essas espécies botânicas, ao promoverem a polinização e a reprodução cruzada em cada visita que fazem às suas flores — contribuindo assim para a diversidade genética da espécie vegetal. Este organizado e interessante artrópode é um inseto social que vive em colónias (enxames/ colmeias). Com uma hierarquia bem definida (por vezes considerados superorganismos), compreendem três castas — a rainha que governa o enxame (dedicada unicamente a

pôr ovos, cerca de 3000/ dia), 10 mil a 15 mil abelhas operárias (o elemento produtivo que se dedica a recolher o néctar das flores, que dará origem ao famoso mel, e a construir os favos da colmeia, para o armazenar e também aninhar os ovos/larvas de novas obreiras, com a cera que são capazes de produzir) e ainda 500 a 1500 zangões (machos; os elementos improdutivos da colónia, cuja única função consiste em fecundar a rainha). Estando bem nutridas, todos os anos são libertados novos enxames da colmeia-mãe (observando-se o voo nupcial de uma nova rainha, perseguida por zangões que a fecundam) e que se irão instalar noutros locais, formando novas colónias. Existem sempre várias operárias encarregues de patrulhar e encontrar esses locais onde irão construir nova colmeia, as quais comunicam depois cada achado ao enxame que saiu, mas que não se afastou muito do local de origem (poisando numa árvore perto) para

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Asas

em conjunto decidir qual vai ser o sitio onde instalarão a nova colónia. Este pode situar-se numa fenda entre blocos de rochas, mas o mais habitual é localizar-se na cavidade de uma árvore velha (resultante da ação de um picapau, ou da natural degradação de um tronco). Dentro do “ninho”, as operárias-engenheiras escolhem então o ponto mais central no teto dessa cavidade e gerando calor, produzem cera (secretando pequenas escamas ceríferas que mastigam e moldam posteriormente) e com ela constroem uma fina lâmina vertical. Concluída esta lâmina, iniciam depois a construção de alvéolos hexagonais, em ambos as faces, os quais possuem uma leve inclinação ascendente (para evitar que o seu conteúdo — o mel — escorra para fora, por ação da gravidade). A aventura gráfica de hoje centrar-se-á no desenho de uma operária (as mais comuns) e ao invés de optarmos por uma vista dorsal (usual em ilustração entomológica), vamos representar o espécime em norma lateral, para podermos identificar e familiarizar-nos com as várias estruturas, apêndices e segmentações que compõem o seu corpo. A primeira noção que devemos ter é que apenas iremos desenhar um elemento representativo da espécie, que por ser o mais comum e abundante foi escolhido em detrimento dos restantes. A ilustração científica da espécie implicaria também o desenho das outras formas adultas que são os elementos reprodutores (a rainha e os zangões), desmistificando assim a eventual ideia que essas formas representariam uma outra espécie, caso fossem observadas em separado. A segunda ideia a ter em conta é que por melhor que seja a observação direta do espécime, dado o seu tamanho e ativa movimentação

Anterior

Posterior Olhos simples (ocelos)

Antena Olho composto Clípeo Labro

Coxa Ferrão

Maxila Trocanter Língua (glossa)

Fémur Espiráculos

Mandíbula Tíbia Metatarso Tarsos

Check-list da anatomia externa de uma abelha, com as principais estruturas a observar e representar

teremos que nos munir de uma ferramenta de ampliação (idealmente, uma lupa com câmara clara, ou uma lupa de mão) e observar um indivíduo conservado (por exemplo, num insetário, onde os insetos coletados pelos entomologistas são sistematizados, catalogados e guardados). Outro aspeto a ter em conta são as asas, importantíssimo elemento na taxonomia das espécies aladas e a que iremos dedicar um próximo artigo. Restam pois as cerdas ou pelos, abundantes elementos estes que recobrem quase por inteiro o corpo da operária. O primeiro exercício consiste pois em desenhar o corpo tal e qual tivesse sido depilado, para entendermos a sua organização e o

colocarmos em pose e proporção naturais, recorrendo à lupa e identificando os limites de cada peça e/ou articulações. Na cabeça temos que ter atenção aos três ocelos, para além dos bem desenvolvidos olhos compostos, ás antenas e sua segmentação, e à armadura bucal. No tronco, á segmentação externa e aos locais de articulação com as patas e com as duas asas (a anterior, em cima da posterior). No abdómen á segmentação, ás aberturas para respiração (espiráculos) e ao ferrão. Como o exoesqueleto de quitina das abelhas é extremamente escuro — castanho sépia com reflexos alaranjados — será necessário pintar primeiro todo o corpo em crescendo tonal e bem como as asas (estas em velatura, ou seja passagens sucessivas com o pigmento diluído para conseguirmos a transparência), antes de pintarmos as cerdas, ou pelos (acastanhados/alaranjados nas zonas mais claras e amarelados/esbranquiçados nas zonas mais escuras). No final e satisfeitos com a “pelagem” adicionamos/reforçamos os brilhos, principalmente nas asas ou áreas quitinosas sem pelos. Sendo um exercício algo moroso e laborioso, respeitemos o ditado popular – Não há rosa sem espinhos, nem mel sem abelhas – e desenhemos com afinco... Texto e ilustrações Fernando Correia Biólogo e Ilustrador científico Dep. Biologia, Universidade de Aveiro fjorgescorreia@sapo.pt www.efecorreia-artstudio.com Parques e Vida Selvagem primavera 2012 • 55

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Cada dia que passa há mais empresas e cidadãos a confiarem ao Parque Biológico de Gaia o s Agrupamento de Escolas Ovar Sul - Curso EFA B3 • Agrupamento Vertical de Escolas de Rio Tinto • Alice Branco e Manuel Silva • Amigos do Zé d’Adélia • Ana Filipa Afonso Mira • Ana Luis Alves Sousa • Ana Luis e Pedro Miguel Teixeira Morais • Ana Miguel Padilha de Oliveira Martins • Ana Paula Pires • Ana Rita Alves Sousa • Ana Rita Campos, Fátima Bateiro, Daniel Dias, João Tavares e Cláudia Neves do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Ana Sofia Magalhães Rocha • Ana Teresa, José Pedro e Hugo Manuel Sousa • António Miguel da Silva Santos • Arnaldo José Reis Pinto Nunes • Artur Mário Pereira Lemos • Bárbara Sofia e Duarte Carvalho Pereira • Bernadete Silveira • Carolina de Oliveira Figueiredo Martins • Carolina Sarobe Machado • Carolina Birch • Catarina Parente • Colaboradores da Costa & Garcia • Cónego Dr. Francisco C. Zanger • Convidados do Casamento de Joana Pinto e Pedro Ramos • Cursos EFA Básicos (2009/10) da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves • Deolinda da Silva Fernandes Rodrigues • Departamento Administrativo Financeiro da Optimus Comunicações, SA - DAF DAY 2010 • Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária de Ermesinde • Departamento de Matemática e Ciências Experimentais (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Dinah Ferreira • Dinis Nicola • Dulcineia Alaminos • Eduarda e Delfim Brito • Eduarda Silva Giroto • Escola Básica da Formigosa • Escola Dominical da Igreja Metodista do Mirante • Escola EB 2,3 de Valadares • Escola EB 2,3 Dr. Manuel Pinto Vasconcelos Projecto Pegada Rodoviária Segura, Ambiente e Inovação • Escola EB 2,3 Escultor António Fernandes de Sá • Escola Secundária Almeida Garrett - Projecto Europeu Aprender a Viver de Forma Sustentável • Escola Secundária do Castelo da Maia • Família Carvalho

Araújo • Família Lourenço • Fernando Ribeiro • Francisco Gonçalves Fernandes • Francisco Saraiva • Francisco Soares Magalhães • Graça Cardoso e Pedro Cardoso • Grupo ARES - Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária dos Carvalhos • Grupo Ciência e Saúde no Sec. XXI - Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves • Grupo de EMRC da Escola Básica D. Pedro IV - Mindelo • Guilherme Moura Paredes • Hélder, Ângela e João Manuel Cardoso • Inês, Ricardo e Galileu Padilha • Joana Fernandes da Silva • Joana Garcia • João Guilherme Stüve • João Monteiro, Ricardo Tavares, Rita Mendes, Rita Moreno, e Sofia Teixeira, do 12.º A (2011/12) da Escola Secundária Augusto Gomes • Joaquim Pombal e Marisa Alves • Jorge e Dina Felício • José Afonso e Luís António Pinto Pereira • José António da Silva Cardoso • José António Teixeira Gomes • José Carlos Correia Presas • José Carlos Loureiro • José da Rocha Alves • José, Fátima e Helena Martins • Lina Sousa, Lucília Sousa e Fernanda Gonçalves • Luana e Solange Cruz • Manuel Mesquita • Maria Adriana Macedo Pinhal • Maria Carlos de Moura Oliveira, Carlos Jaime Quinta Lopes e Alexandre Oliveira Lopes • Maria de Araújo Correia de Morais Saraiva • Maria Guilhermina Guedes Maia da Costa, Rosa Dionísio Guedes da Costa e Manuel da Costa Dionísio • Maria Helena Santos Silva e Eduardo Silva • Maria Joaquina Moura de Oliveira • Maria Manuela Esteves Martins Alves • Maria Violante Paulinos Rosmaninho Pombo • Mariana Diales da Rocha • Mário Garcia • Mário Leal e Tiago Leal • Marisa Soares e Pedro Rocha • Miguel Moura Paredes • Miguel Parente • Miguel, Cláudia e André Barbosa • Nuno Topa • Paula Falcão • Pedro Manuel Lima Ramos • Pedro Miguel Santos e Paula Sousa • Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro

• Professores e Funcionários (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Regina Oliveira e Abel Oliveira • Ricardo Parente • Rita Nicola • Sara Pereira • Sara Regueiras, Diana Dias, Ana Filipa Silva Ramos do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Serafim Armando Rodrigues de Oliveira • Sérgio Fernando Fangueiro • Tiago José Magalhães Rocha • Turma A do 6.º ano (2010/11) do Colégio Ellen Key • Turma A do 8.º ano (2008/09) da Escola EB 2,3 de Argoncilhe • Turma A do 9.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma A do 11.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma A do 10.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma A do 12.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma C do 10.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma D do 10.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma D do 11.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma E do 10.º ano (2008/09) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma E do 12.º ano (2010/2011) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma G do 12.º ano (2010/11) Curso Profissional Técnico de Gestão do Ambiente do Agrupamento de Escolas Rodrigues de Freitas • Turma IMSI do Curso EFA - ISLA GAIA (2008/09) • Turmas A e C do 10.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas A e C do 11.º ano; A e B do 12.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro •Turmas B e C do 12.º ano - Psicologia B (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas B e D do 11.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas A, B e G do 12.º ano; G e H do 11.º ano e F do 10.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Vânia Rocha

Para aderir a este projecto recorte o seguinte rectângulo e remeta para: Parque Biológico de Gaia • Projecto Sequestro do Carbono • 4430 681 Avintes • V. N. Gaia

1 m2 = € 50 = menos 4 kg/ano de CO2 apoiando a aquisição de

euros.

Junto se envia cheque para pagamento

Procedeu-se à transferência para NIB 0033 0000 4536 7338 05305

Nome do Mecenas Recibo emitido à ordem de Endereço N.º de Identificação Fiscal

Telefone

Email O Parque Biológico pode divulgar o nosso contributo

Sim

Não

O regulamento encontra-se disponível em www.parquebiologico.pt/sequestrodocarbono

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o sequestro de carbono

CONFIE AO PARQUE BIOLÓGICO DE GAIA O SEQUESTRO DE CARBONO Ajude a neutralizar os efeitos das emissões de CO2, adquirindo área de floresta em Vila Nova de Gaia com a garantia dada pelo Município de a manter e conservar de haver em cada parcela a referência ao seu gesto em favor do Planeta.

1 m2 = € 50 = menos 4 kg/ano de CO2 Um diploma personalizado certificará o seu contributo para a plantação de floresta. Para mais informações pode contactar pelo n.º (+351) 227 878 120 ou em carbono@parquebiologico.pt Parque Biológico de Gaia Projecto Sequestro do Carbono 4430-681 Avintes • Vila Nova de Gaia

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58 ATUALIDADE

Contenda Farm: the iberian lynx In the defence of the Iberian Lynx and the Black Vulture, two Critically Endangered Species, the League for the Protection of Nature has established a partnership under the LIFE-Nature project. With this measure, it is planned to safeguard and protect the habitat of both species in order to ensure their survival.

Habitats de Contenda A Liga para a Proteção da Natureza em representação do projeto LIFE - Natureza “Habitat Lince Abutre” e a Herdade da Contenda, empresa municipal gestora desta herdade localizada no concelho de Moura e propriedade deste município, formalizaram a assinatura de um protocolo de parceria que visa a aplicação de medidas de conservação dirigidas ao lince-ibérico, ao abutre-preto e aos seus habitats. O projeto LIFE “Promoção do Habitat do

Lince-ibérico e do Abutre-preto no Sudeste de Portugal” visa contribuir para a melhoria das condições de sobrevivência e reprodução do lince-ibérico e do abutre-preto, duas espécies Criticamente em Perigo e com importantes funções no ecossistema no Sudeste de Portugal, beneficiando ainda outras espécies ameaçadas de extinção. A Herdade da Contenda possui um reconhecido valor natural, cénico e cinegético, correspondendo a uma área com uma

importância fundamental na conservação da biodiversidade da região. Desde há longos anos zona de caça nacional e perímetro florestal, a herdade da Contenda é parte integrante e essencial para o equilíbrio ecológico da Rede Natura 2000 na margem esquerda do Guadiana. Com a assinatura deste protocolo acordou-se na implementação na herdade da Contenda de um conjunto de medidas de conservação que têm por objetivo a melhoria das condições

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João L. Teixeira

As plantas modelaram a Terra

João L. Teixeira

de sobrevivência, alimentação e reprodução do lince-ibérico e do abutre-preto, assim como a salvaguarda dos seus habitats. Desde já, e ao longo dos próximos anos, «o projeto LIFE “Habitat Lince Abutre” aplicará e fará a manutenção e monitorização destas medidas, em colaboração com a herdade da Contenda, E. M., tendo permanentemente em atenção a necessária compatibilização com as restantes atividades em curso na propriedade, como sejam a caça, a silvicultura ou o usufruto pelas comunidades locais».

Os astrónomos estão a examinar planetas que descrevem a sua órbita ao redor de estrelas como o nosso Sol, na esperança de encontrarem um orbe estelar com condições idênticas às da Terra. Esta notícia surgiu nas páginas da revista “Scientific American” de fevereiro passado e explica que as plantas vasculares foram uma importante força primária a delinear a superfície do nosso planeta. Timothy Lenton, cientista da Universidade de Exeter, na Grã-Bretanha, apresentou dados de natureza biogeoquímica que demonstram que há 450 milhões de anos a evolução deste vasto grupo de plantas começou a absorver dióxido de carbono da atmosfera ainda de maneira mais eficaz do que os organismos do oceano. Como resultado a temperatura global desceu iniciando ciclos disseminadores de glaciações e aquecimento. Muito mais do que isso, foram as plantas vasculares que definiram os rios, afirma-se. Não é difícil perceber que, antes, a água espalhava-se pelo relevo sem leito definido. Só quando a vegetação abriu as rochas para soltar minerais e lodo, e fixou esses sedimentos, é que os leitos dos rios estabilizaram e dominaram a água em deslocação. A canalização da água com cheias periódicas enriqueceu o solo das margens e houve condições para que as árvores surgissem, podendo estas aprofundar as suas raízes. A análise de rochas sedimentares indica que, antes do surgimento das plantas, estas quase não continham lama e depois das plantas vasculares surgirem esta aparece com abundância. Conclui a investigação que as plantas estão muito longe de terem sido meros e passivos passageiros da superfície do Globo.

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60 BIBLIOTECA

Aldeia comunitária Esta primeira edição de Jorge Dias, com desenhos de Fernando Galhano e prefácio de Orlando Ribeiro, também eles autores de livros já aqui por nós revelados como obras-primas, é de 1948 Os estudos etnográficos apareceram em Portugal com a curiosidade da vida tradicional e popular, aspetos profundamente estudados mais tarde por Leite de Vasconcellos e colaboradores da Revista Lusitana e da Revista Portugália. Os estudos etnográficos estão longe de constituir uma disciplina corrente e aceite no mundo científico. Em Portugal não há sequer tradição universitária. Isso não impediu o surgimento desta obra, tese de António Jorge Dias, compilada para apresentação no final de curso de Etnografia na Universidade de Munique, refundida e ampliada com o cancioneiro de Margot Dias e desenhos de Fernando Galhano, publicada para o público em 1948 e com reedições da Imprensa Nacional – Casa da Moeda em 1981 e 1983.

Esta primeira edição de “Vilarinho da Furna, uma aldeia comunitária”, publicada pelo Centro de Estudos de Etnologia Peninsular do Instituto para a Alta Cultura, pode ser consultada na biblioteca do Parque Biológico de Gaia.

Um Olhar de Inseto

Pode consultar o catálogo de obras disponiveis em www.parquebiologico.pt, indo ao botão Biblioteca. Por Filipe Vieira

Abertura sábado 2 de junho às 15h00

Alguns insectos polinizadores, como as abelhas, apresentam capacidade de visão à luz UV, conseguindo identificar desenhos florais invisíveis aos humanos. Halimium alyssoides (Lam.) C. Koch

Exposição de Luís Bravo Pereira no salão de fotografia da natureza do Parque Biológico de Gaia 60 • Parques e Vida Selvagem primavera 2012

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CRÓNICA 61

Por Jorge Paiva Biólogo, Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra jaropa@bot.uc.pt

Cores, flores e frutos Na Natureza nada é aleatório (ao acaso). Tudo o que nela existe resultou de milhões de anos de evolução. Os seres vivos não evoluíram independentemente, mas integrados nos respetivos ecossistemas

Homem Aves e borboletas Alguns escaravelhos Abelhas

Ultravioleta

violeta

azul

verde

380

amarelo

Comprimento de onda (nm)

laranja

vermelho

infravermelho 740

Visibilidade animal

A

s plantas, como não se movem, para se reproduzirem sexuadamente e, também, para se dispersarem são dependentes de agentes transportadores (ar, água e animais) dos seus diásporos (esporos, sementes e frutos). Desta maneira, evoluíram adaptando-se não apenas às condições ecológicas dos ecossistemas onde vivem, mas também aos agentes dispersores. Quando os agentes dispersores são animais, ocorreu frequentemente uma evolução adaptativa paralela com esses animais. São fenómenos de co-evolução, como o caso da orquídea de Madagáscar (Angraecum sequipedale) que tem uma flor com um esporão de 30 cm de comprimento, que só pode ser polinizada

por uma borboleta noturna de tromba (probóscide) também muito longa (Xanthopan morganii-praedicta) e que, tal como a orquídea, só ocorre em Madagáscar (ver Parques e Vida Selvagem 27: 63-66; 2009).

Cores Nas Angiospérmicas (plantas vasculares, com flores e frutos), as cores das folhas são verdes, pois é a cor da clorofila, pigmento importantíssimo para a elaboração dos nutrientes necessários para as funções vitais das plantas. Mas as cores das flores e dos frutos resultaram de uma evolução adaptativa aos agentes dispersores, particularmente animais. Os animais não têm todos a mesma visibilidade

para as cores. Assim, do espetro solar (arcoíris) os humanos vêm as cores das radiações desde os 380 nanómetros de comprimento de onda (violeta) aos 740 nanómetros (vermelho). Os cães e gatos vêm poucas cores, apenas do azul ao amarelo. Um cão-guia sabe que o semáforo está vermelho, pela posição da luz na vertical do semáforo, pois não vê a cor, apenas tem a perceção da luz estar apagada ou acesa. Por isso, as posições das 3 cores dos semáforos são sempre as mesmas em todos os semáforos (a inferior é verde, a do meio é amarela e a superior é vermelha). Nos humanos também há que contar com os daltónicos que não veem o vermelho. Muitos insetos (abelhas por exemplo) e muitas aves, veem para além do violeta (ultravioleta), que nós não vemos, mas Parques e Vida Selvagem primavera 2012 • 61

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62 CRÓNICA

Cápsula alada de Polygala vayredae e formigas (Lasius sp.) a arrastarem, no solo, as sementes - Espanha, Pirenéus

podemos saber como as abelhas veem essa cor nas flores. Tiram-se fotografias às flores com filmes sensíveis ao ultravioleta e, após revelação, as zonas coradas de violeta (muitas vezes manchas, pontos ou riscos) revelam-se negras na fotografia. Nunca vamos saber que cor veem elas. Por outro lado, as abelhas e muitos outros insetos não veem o vermelho. As cobras, por exemplo, têm uma reduzida amplitude de visão das cores do espetro solar, mas veem para lá do vermelho (infravermelho), o que é muito útil para predadores noturnos de presas de sangue quente.

Flores As flores são ramos modificados no sentido da reprodução sexuada das plantas, com umas folhas externas (geralmente verdes) que servem para proteger as outras peças florais, designadas por sépalas, cujo conjunto forma o cálice. Outro grupo de folhas, geralmente coradas com diferentes tons de cores (pétalas, cujo conjunto forma a corola), servem, fundamentalmente, para atrair e orientar os polinizadores (transportadores dos grãos de pólen). No interior, protegidas pelas sépalas e pelas pétalas, estão as folhas produtoras

dos micrósporos (grãos de pólen), designadas por estames, cujo conjunto forma o androceu e mais para o interior as folhas produtoras dos macrósporos, designadas por carpelos, cujo conjunto forma o gineceu. Geralmente os carpelos estão unidos formando o pistilo, constituído pelo ovário, onde estão os óvulos, e estigma, que é órgão recetor dos grãos de pólen, muitas vezes elevado por um pedículo (estilete). Quando nas Angiospérmicas os grãos de pólen são transportados pelo ar, isto é, pelo vento (anemofilia), as flores ou têm sépalas e pétalas reduzidas e normalmente descoradas [ex.: juncos (Juncus spp.) ou são nuas [sem sépalas, nem pétalas, como, por exemplo, as flores masculinas das aveleiras (Corylus avellana) e as da maioria das gramíneas] e os grãos de pólen têm paredes lisas (ex.: gramíneas) e como substância nutritiva o amido (hidrato de carbono), que é leve (fácil de transportar pelo vento), esbranquiçado e praticamente inodoro. O outro grupo das Espermatófitas (plantas produtoras de sementes), as Gimnospérmicas, é quase na totalidade anemófilo (ex.: abetos, ciprestes e pinheiros), não tendo flores propriamente ditas

(não há, portanto, sépalas nem pétalas). Quando os grãos de pólen são transportados pelas correntes de água (hidrofilia), as flores são geralmente imersas [ex.: limo-mestre (Ruppia cirrhosa)], frequentemente nuas e os grãos de pólen têm formas adaptadas ao transporte aquático, chegando a ser capiliformes [ex.: limo-de-fita (Zostera marina)]. Quando os grãos de pólen são transportados pelos animais (zoofilia), a cor das flores é um importante fator atrativo e o aroma do néctar também. Nestas flores, os grãos de pólen têm paredes muito ornamentadas, com cavidades, saliências e muitas vezes espinhos [ex.: alface (Lactuca sativa) e dente-de-leão (Taraxacum officinale)]) e como substância nutritivas gorduras (lípidos), que têm a vantagem de serem substâncias viscosas (pegam-se ao corpo dos polinizadores), coradas (visíveis para o polinizador) e aromáticas (atrativo para os polinizadores). Se os polinizadores são morcegos (quiroptofilia), moluscos (malacofilia) e mamíferos (mamofilia) a cor das flores não é relevante. Porém, no caso dos polinizadores serem insetos (entomofilia) e aves (ornitofilia) as cores e o aroma das flores são importantíssimos.

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Planta ornitófila. Columnea gloriosa - Costa Rica. Santa Helena

Como referimos, a maioria dos insetos veem para além do violeta, são sensíveis ao ultravioleta, mas são cegos para o vermelho. Por isso, nas regiões do Globo Terrestre em que os polinizadores são insetos, como Portugal, as plantas nativas não têm flores vermelhas. Assim, quando vemos os nossos montes floridos, vemos giestas (Genista spp; Cytisus spp. e Spartium junceum) desde o branco (os insetos veem pontos e riscos orientadores ultravioletas, mas nós vemos essas flores apenas brancas) ao amarelo e alaranjado, urzes (Erica spp.) desde o branco ao violáceo, rosmaninhos (Lavandula spp.) violáceos, alecrim (Rosmarinus officinalis) azulado e a erva-das-sete-sangrias (Lithodora prostrata) de flores azul forte. Isto é, vemos flores brancas, amarelas, alranjadas, azuis e violáceas, mas nenhuma vermelha. Nos campos cultivados acontece o mesmo. As papoilas de pétalas vermelhas não são nativas, todas produzem ópio e foram introduzidas a partir do Oriente há vários séculos. Por isso se encontram na orla ou no seio dos campos cultivados. As flores das papoilas nem sequer são aromáticas, mas as abelhas (melitofilia) visitam-nas para colherem

grãos de pólen (têm muitos estames por flor), pois as anteras e o pólen são roxos, bem visíveis, portanto, para os insetos. Há flores que só abrem à noite. Geralmente são muito aromáticas, brancas e geralmente de tubo da corola comprido ou com um longo esporão. São polinizadas por borboletas noturnas (falenofilia). Nos trópicos há flores muito grandes, geralmente brancas, polinizadas por morcegos (quiroptofilia), que, de noite, não se orientam pela visão, mas sim através ondas ultrassónicas e respetivo eco [ex: embondeiro (Adansonia digitata)]. Como as aves vêm o vermelho muito bem, as regiões em que existam flores polinizadas por aves, há plantas nativas com flores vermelhas, maiores do que as de Portugal (as aves são maiores do que os insetos) e de pétalas mais duras, porque as aves usam o bico córneo (duro) para colheita do néctar e os insetos usam a tromba (probóscide) que não é córnea. Assim, por exemplo, na África do Sul existem cerca de 600 espécies de urzes, muitas delas de flores vermelhas (nós não temos urzes de flores com flores dessa cor), pois ali há aves polinizadoras. Na América do Sul onde há muitas espécies de colibris,

há imensas flores do laranja ao vermelho. Nas regiões tropicais os polinizadores têm de ser predominantemente aves, pois as flores do estrato inferior das florestas tropicais são predominantemente vermelhas, tal como as macro-algas marinhas mais profundas.

Frutos Com as sementes e frutos, passa-se o mesmo. Os que são dispersos pelo vento (anemocoria), têm como substância nutritiva o amido que, como já se referiu, é leve, o que facilita o transporte pelo vento. Muitas vezes têm adaptações que facilitam o voo, como asas [ex.: os áceres (Acer spp.) e os freixos (Fraxinus spp.)], pelos [ex.: as boninas (Bellis perennis)], etc. Quando são dispersos pelas correntes aquáticas (hidrocoria) , têm também adaptações, como tecidos esponjosos com espaços cheios de ar (ex.: cocos). Quando são dispersos por animais (zoocoria), apresentam também as respetivas adaptações e podem ser pesados (ter substâncias nutritivas gordurosas). No caso dos dispersores serem mamíferos (mamocoria), os frutos são grandes e, geralmente, têm Parques e Vida Selvagem primavera 2012 • 63

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adaptações para serem transportados por esses animais, como, por exemplo, os ouriços (não são frutos) dos castanheiros que contêm 3 ou mais castanhas (frutos) no seu interior. Quando os ouriços se prendem às cerdas do javali, este ao caminhar vai largando (semeando) as castanhas. Outras vezes têm formações gancheadas (ex.: muitas gramíneas) para se prenderem ao corpo dos animais. Claro que se os dispersores são aves (ornitocoria) os frutos têm cores que vão do alaranjado ao vermelho, como, por exemplo, os medronhos (Arbutus unedo) e as cerejas (Prunus avium). Se os dispersores são insetos (entomocoria), os frutos chegam a ser azuis e violeta forte. Como os insetos, geralmente, não têm capacidade para percorrer grandes distâncias, como os mamíferos e as aves, a entomocoria é mais frequente nas regiões tropicais, onde os insetos têm maiores dimensões do que nas regiões temperadas como as do nosso país. Muitas vezes as plantas não apresentam adaptações a um único tipo de dispersor. Estudei um género de plantas (Polygala) com cerca de 1300 espécies, em que a grande maioria tem uma cápsula (fruto) alada, para ser transportada pelo vento (anemocoria). Cada cápsula tem duas sementes, cada uma com um eleosoma (arilo), que é um alimento muito apreciado por formigas. Além disso, essas sementes estão cobertas de pelos rígidos e orientados de tal modo que facilitam o arrastamento pela formiga, que as introduz nas luras (buraquinhos) onde vai comer o arilo. Entrada a semente na lura, os pelos impedem a formiga de voltar para trás, acabando por “semear” a planta no interior do solo. ´Trata-se de uma anemocoria (agente dispersor o ar) e, simultaneamente, uma mirmecocoria (agente dispersor a formiga). Claro que se trata de

Desenhos de sementes de algumas espécies de Polygala

um caso particular de entomocoria (agente dispersor inseto), assim como por exemplo quando o agente dispersor é um coleóptero, designa-se por cantarocoria, que é uma dispersão entomocórica. O mesmo se diz na polinização pelos coleópteros (cantarofilia), que é um caso de entomofilia. Nos trópicos há morcegos frugívoros

(alimentam-se de frutos). Neste caso (quiroptocoria), não interessa a cor, nem o aroma dos frutos, mas outras características (localização saliente na planta), pois, como já se referiu, os morcegos orientam-se através ondas ultrassónicas e respetivo eco [ex.: a jaca (Artocarpus heterophyllus) e a fruta-pão (Artocarpus altilis)].

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BLOCO DE NOTAS 65

Cotovia-dos-bosques, Lullula arborea

Avifauna do Estuário do Cávado A distribuição das aves selvagens pelo território nacional está tão bem caraterizada nos últimos atlas, guias de campo, monografias e estudos científicos divulgados que já quase nada nos resta para descobrir Será que sim? A já vasta literatura ornitológica publicada no país tem-nos revelado importantes conhecimentos sobre a ecologia das aves. Aspetos da sua morfologia externa, rotinas alimentares, reprodução, os habitats e as regiões de ocorrência típica ou ainda o traçado dos seus grandes percursos migratórios deixaram de ser segredo para muitos e, por regra, até já nos habituamos a dividir as diferentes espécies regulares no espaço europeu entre residentes, estivais, invernantes ou migradoras de passagem. Mas esta cedência à tentação de “etiquetar”

as aves pode causar confusão nos menos avisados. Todas as publicações identificam os mergulhões-pequenos (Tachybaptus ruficollis), as garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta), os guarda-rios (Alcedo atthis) ou as cotoviasde-poupa (Galerida cristata) como residentes comuns na Península Ibérica. Apesar disso, estas espécies que referi a título de exemplo têm surgido no estuário do Cávado quase unicamente após o período reprodutor para aqui passarem o inverno. Devemos então considerá-las invernantes? Não. Estas aves não empreendem propriamente aquilo a que chamamos de migrações, mas antes pequenos movimentos dispersivos à escala nacional ou regional. Nalguns casos estas divagações por zonas relativamente pouco afastadas da sua área habitual de ocorrência podem ser determinadas, ainda que de modo ocasional, pelo clima mais rigoroso ou pela escassez de recursos alimentares. Será nestas circunstâncias que as cotovias-dos-bosques (Lullula arborea) descem com as nuvens da Barreira de Condensação minhota para as terras baixas mais próximas da costa. Embora provenientes de outros lugares, também as cada vez mais numerosas garças-boieiras (Bubulcus ibis) se limitam a visitar o litoral de Esposende nos meses mais frios. Estaremos face a indivíduos com perfil de pioneiros no seu já bem conhecido processo de expansão

territorial ao nível global? E as gralha-pretas (Corvus corone) que, após tantos anos de ausência, têm regressado nos últimos invernos à foz do Cávado? Serão meras aves errantes? A colocação deste tipo de questões expõe várias insuficiências no plano da monitorização de populações das nossas aves. E o litoral norte, tantas vezes preterido pela maior biodiversidade dos climas mediterrânicos, surge como uma complexa área de estudo onde ainda há muito para desvendar. A dificuldade em interpretar com rigor todos estes registos, antes de nos desencorajar, deve constituir um estímulo à divulgação das nossas observações. Prestaremos um contributo decisivo na concretização de um retrato mais consistente da avifauna portuguesa inscrevendo-nos nas Equipas Atlas, remetendo os nossos dados de campo para o Noticiário da SPEA ou para a plataforma on-line PortugalAves, participando nas discussões da comunidade do FórumAves, submetendo os nossos “achados” mais insólitos ao Comité Português de Raridades ou simplesmente partilhando imagens pelos diversos grupos criados nas redes sociais ou galerias fotográficas da internet. Boas observações! Por Jorge Silva www.verdes-ecos.blogspot.com

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66 COLETIVISMO

Faísca

Ave do Ano 2012

Rola-brava: a migradora ameaçada A rola-brava foi a espécie escolhida como protagonista da campanha Ave do Ano 2012: o objetivo da campanha, que decorre todos os anos, é chamar a atenção para a sua situação A rola-brava (Streptopelia turtur), e faça-se a distinção da rola-turca, está em decréscimo acentuado na maior parte dos países europeus. O Esquema Pan-Europeu para a Monitorização de Aves Comuns, que, anualmente, compila informação de 25 países, revela que as populações europeias desta

espécie diminuíram em média 69%, entre 1980 e 2009. Isto significa que por cada 100 rolas existentes em 1980, atualmente apenas existem 31. Em Portugal, a situação não é diferente; a rola-brava está em decréscimo acentuado, pelo menos desde 2004, de acordo com o Censo de Aves Comuns. Entre 2004 e 2010, as populações nacionais registaram uma diminuição média de 31%. As causas para o decréscimo populacional acentuado podem ser várias. É uma espécie muito sensível à perda e degradação do habitat de reprodução, devido, principalmente, à intensificação agrícola e florestal. A destruição de sebes e linhas de água, a simplificação do mosaico agrícola e florestal, as monoculturas e o uso intensivo de fitofármacos são causas principais da degradação do habitat da rola-brava. É também muito vulnerável à caça excessiva. O estado depauperado da maioria das populações de rola-brava torna a pressão cinegética atual insustentável. Os números existentes, pouco precisos, indicam que pelo menos 10% da população é caçada anualmente na Europa, sendo 2-3 milhões de aves abatidas, maioritariamente durante a migração pós-nupcial. Está também muito

dependente do regime de chuvas na região onde inverna, em África. Por esta razão, as populações invernantes de rola-brava estão também ameaçadas pelas alterações climáticas, em particular pelas secas prolongadas e pelo avanço do deserto na África subsariana. Atualmente, existe uma Plano de Gestão da União Europeia para a Rola-brava, ao abrigo da Diretiva Aves. Este plano prevê medidas essenciais e urgentes como a publicação anual de estatísticas da caça credíveis, o desenvolvimento de um modelo populacional preditivo para calcular o abate anual sustentável, o estudo do sucesso reprodutor e da mortalidade invernal e dos fatores que os afetam. Apesar do Plano de Gestão estar em vigor desde 2006, pouco ou nada foi feito em Portugal, e, entre outras ações, a SPEA irá esforçar-se por isso, esperando contar consigo. Por Domingos Leitão e Joana Domingues

Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves Avenida João Crisóstomo, n.º 18 - 4.º - Dir. 1000-179 Lisboa spea@spea.pt • www.spea.pt

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