"Transferência" - exhibition catalog

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T +351 213 637 700 | ermida@travessadaermida.com | www.travessadaermida.com | Editor Ermida N.ª Sr.ª da Conceição/Mercador do Tempo Lda. | Direcção de Produção/Production Direction Fábia Fernandes | Texto/Text Filipa Oliveira | Tradução/Translation Barbara Caruso | Revisão/Revision Filipa Oliveira | Fotografia/Photography MPPC | Design Vera Velez | Impressão/Printing Textype | Tiragem 250 | ISBN 978-989-8277-20-6 | Dep. Legal ????????? | Agradecimentos/Acknowledgments | António Bolota

PEDRO CALAPEZ

< transferência >

Pintar é pintar novamente

Uma obra de arte é sempre um muro que temos que transcender, que temos que trespassar para alcançar ao seu significado. Um muro que nos protege, mas que por outro lado afasta. Um muro membrana que origina um conjunto de polaridades: “interior e exterior, presente e ausente, visível e invisível, ver e ser-visto, acessível e inacessível, atravessamento e opacidade, publico e privado”1. Também a escolha do branco e preto fomenta uma outra polaridade: a da presença da ausência.

Jean-Luc Nancy

Pedro Calapez é um dos pintores mais bem sucedidos do actual panorama nacional. Seria fácil manter o seu percurso sem ter modificar a sua obra. No entanto, Calapez habita a pintura com um sentimento de crise, destabiliza constantemente a sua própria prática introduzindo novos desafios, novas formas de pintar, novos suportes. Uma das primeiras vezes que visitei o seu atelier, reparei na parede num par de tijolos pintados. Ao questioná-lo sobre aquelas obras, Calapez respondeu-me que eram apenas experiências. Pouco tempo depois saltavam das paredes do atelier para as de uma exposição (Ácido, 2011). E agora os tijolos voltam a ganhar um novo corpo enquanto obra central desta exposição. Em “Transferência”, a pintura volta a expandir-se, apropriando aqui o conceito que Rosalind Krauss dedica à escultura em 1979 no seu texto seminal “Sculpture in the expanded Field”. Segundo esta pensadora, no final dos anos 70 começa a denominar-se de escultura um conjunto de objectos/instalações que nunca antes caberiam nesta disciplina. O conceito de escultura torna-se elástico. Assim tem sido a prática de Calapez: transformar a pintura em algo maleável. As telas são abandonadas a favor de azulejos, de vidro, de placas de aço, que passam a ser recortadas, dobradas, torcidas. Explora também diferentes forma da apresentação, sendo talvez a mais radical até hoje Half-Pipe (2011) apresentada na Fundação PLMJ e que consistia em quatro placas de aço côncavas que se assemelhavam a uma pista (em tamanho quase real) para a prática de skate. Na presente exposição voltamos a sentir o desejo deste artista em se transcender. A pintura torna-se um evento e a dimensão performativa, que já estava presente no seu trabalho de forma imperceptível, ganha aqui novo significado. Ainda no exterior da Ermida somos confrontados com um mural que cobre toda a parede. A simplicidade é desarmante. Listas pretas pintadas de forma despreocupada preenchem toda a fachada transformando-a num enorme gradeamento. Alongadas considerações poderiam ser feitas sobre a entrada (guardada) de um espaço expositivo enquanto algo que se tem que transcender, e essa metáfora está fortemente presente nesta obra. Mas talvez o que mais impressiona é pintura transformada em arquitectura. Ultrapassada a porta de entrada, encontramos no interior da antiga igreja, bem no centro do que seria a zona do altar, um muro feito de tijolos pintados de branco e preto. A pintura transfigurou-se em escultura com a qual o nosso corpo interage fisicamente. Somos impedidos de ver a totalidade da sala, somos obrigados a percorrer o muro para conseguir satisfazer o nosso desejo de desvendar o reverso da pintura.

Na presente exposição voltamos a sentir o desejo deste artista em se transcender. A pintura tornase um evento e a dimensão performativa, que já estava presente no seu trabalho de forma imperceptível, ganha aqui novo significado. Ainda no exterior da Ermida somos confrontados com um mural que cobre toda a parede. A simplicidade é desarmante. Listas pretas pintadas de forma despreocupada preenchem toda a fachada transformando-a num enorme gradeamento. Alongadas considerações poderiam ser feitas sobre a entrada (guardada) de um espaço expositivo enquanto algo que se tem que transcender, e essa metáfora está fortemente presente nesta obra. Mas talvez o que mais impressiona é pintura transformada em arquitectura. Ultrapassada a porta de entrada, encontramos no interior da antiga igreja, bem no centro do que seria a zona do altar, um muro feito de tijolos pintados de branco e preto. A pintura transfigurou-se em escultura com a qual o nosso corpo interage fisicamente. Somos impedidos de ver a totalidade da sala, somos obrigados a percorrer o muro para conseguir satisfazer o nosso desejo de desvendar o reverso da pintura.

Se tanto a pintura como o próprio muro aparentam à primeira vista serem obstáculos inultrapassáveis, a sua transcendência (física e metafórica) abrem esta obra uma nova revelação, a uma nova leitura.

muro-parede-transferência, 2011 (pormenores/details)

Um terceiro momento desta exposição é o convite. A imagem iconoclasta do momento em que o artista destrói a sua obra, cria em torno da instalação a expectativa de um permanente desabar, de um sentimento de fragilidade perante aquilo que antes parecia ser inquebrantável. Pedro Calapez dessacraliza a sua própria pintura. Retira-lhe a aura de objecto distante, torna-a próxima, frágil. E simultaneamente constrói-a como lugar de resistência de persistência da pintura.

Uma obra de arte é sempre um muro que temos que transcender, que temos que trespassar para alcançar ao seu significado. Um muro que nos protege, mas que por outro lado afasta. Um muro membrana que origina um conjunto de polaridades: “interior e exterior, presente e ausente, visível e invisível, ver e ser-visto, acessível e inacessível, atravessamento e opacidade, publico e privado”1. Também a escolha do branco e preto fomenta uma outra polaridade: a da presença da ausência.

Filipa Oliveira

1 Paulo Pires do Vale, “Muros de Abrigo”, in Ana Vieira, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

Se tanto a pintura como o próprio muro aparentam à primeira vista serem obstáculos inultrapassáveis, a sua transcendência (física e metafórica) abrem esta obra uma nova revelação, a uma nova leitura.

muro-parede-transferência, 2011 conjunto de 120 tijolos cerâmicos, cada com 20 x 30 x 20 cm ?????????????????????? 196 x 261 x 20 cm colecção do artista/artist collection

Pintar é pintar novamente Jean-Luc Nancy

Pedro Calapez é um dos pintores mais bem sucedidos do actual panorama nacional. Seria fácil manter o seu percurso sem ter modificar a sua obra. No entanto, Calapez habita a pintura com um sentimento de crise, destabiliza constantemente a sua própria prática introduzindo novos desafios, novas formas de pintar, novos suportes. Uma das primeiras vezes que visitei o seu atelier, reparei na parede num par de tijolos pintados. Ao questioná-lo sobre aquelas obras, Calapez respondeu-me que eram apenas experiências. Pouco tempo depois saltavam das paredes do atelier para as de uma exposição (Ácido, 2011). E agora os tijolos voltam a ganhar um novo corpo enquanto obra central desta exposição. Em “Transcendência”, a pintura volta a expandirse, apropriando aqui o conceito que Rosalind Krauss dedica à escultura em 1979 no seu texto seminal “Sculpture in the expanded Field”. Segundo esta pensadora, no final dos anos 70 começa a denominar-se de escultura um conjunto de objectos/instalações que nunca antes caberiam nesta disciplina. O conceito de escultura torna-se elástico. Assim tem sido a prática de Calapez: transformar a pintura em algo maleável. As telas são abandonadas a favor de azulejos, de vidro, de placas de aço, que passam a ser recortadas, dobradas, torcidas. Explora também diferentes forma da apresentação, sendo talvez a mais radical até hoje Half-Pipe (2011) apresentada na Fundação PLMJ e que consistia em quatro placas de aço côncavas que se assemelhavam a uma pista (em tamanho quase real) para a prática de skate.

Um terceiro momento desta exposição é o convite. A imagem iconoclasta do momento em que o artista destrói a sua obra, cria em torno da instalação a expectativa de um permanente desabar, de um sentimento de fragilidade perante aquilo que antes parecia ser inquebrantável. Pedro Calapez dessacraliza a sua própria pintura. Retira-lhe a aura de objecto distante, torna-a próxima, frágil. E simultaneamente constrói-a como lugar de resistência de persistência da pintura.

Planos negros #04 Planos negros #05 Planos negros #06

Filipa Oliveira

1 Paulo Pires do Vale, “Muros de Abrigo”, in Ana Vieira, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

2011 acrílico sobre papel/acrilyc on paper 80 x 121 cm (cada/each) colecção do artista/artist collection

Pedro Calapez Nasceu em Lisboa (1953). Começou a participar em exposições nos anos 70. O seu trabalho tem sido mostrado em diversas galerias e museus, em Portugal como no estrangeiro, sendo de salientar as individuais: Campo de Sombras, Fundació Pilar i Joan Miró, Mallorca (1997); Madre Agua, Museo MEIAC, Badajoz e Centro Andaluz de Arte Contemporáneo, Sevilha (2002); Obras escolhidas, CAM-Fundação C. Gulbenkian, Lisboa (2004); piso zero, CGAC-Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela (2005), Lugares de pintura, CAB-Centro de Arte Caja Burgos (2005); Branca e neutra claridade, Casa da Cerca, Centro de Arte Contemporânea, Almada (2009); Notas sobre um problema de método, CAV-Centro de Artes Visuais, Coimbra Pedro Calapez was born in Lisbon (1953) where he lives and works. He began taking part in exhibitions in the seventies and in 1982 had his first solo exhibition. He has exhibited his work individually in various galleries and museums, most notably Campo de Sombras, Pilar i Joan Miró Foundation, Majorca (1997); Madre Agua, MEIAC-Contemporary Art Museum, Badajoz and CAACAndalucia Contemporary Art Centre (2002); Selected works 1992-2004, Gulbenkian Foundation, Lisbon (2004); piso zero, CGAC-Galicia Contemporary Art Centre, Santiago de Compostela (2005); Lugares de pintura, CAB-Caja Burgos Art Centre, Burgos; Branca e neutra claridade, Casa da Cerca, Centro de Arte Contemporânea, Almada (2009); Notas sobre um problema de método, CAV-Centro de Artes Visuais, Coimbra (2009); Kickflip, PLMJ Foundation, Lisboa.



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