O
ALQUIMISTA C O R N U D O PROENÇA
PEDRO
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© Pedro Proença 2o17 © Waf Books 2017
O ALQUIMISTA CORNUDO E A QUร MICA CARNUDA Divisas escritas por um mui cornudo alquimista reabilitador de histriรณnicas doutrinas e adorador de deuses escondidos escripto em 1984 por Pedro Proenรงa e ilustrado pelo mesmo em 2004
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1 Ès demasiado alto para tocares os céus e demasiado baixo para remexeres as terras.
2 Queda nenhuma foi primeira. Queda nenhuma será derradeira. Elevando-te e agachando-te diverte-te no intermédio.
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3 A linguagem é o excremento da boca ou a flauta que ninguém toca?
4 Do ignoto nenhum sinal pode a crença confirmar. Em doce cegueira o nega. Cegueira de o declarar.
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5 Insuficiente e excessivo, em que residuo resido? No frágil, raro, constante e instável?
6 Sê o teu próprio escravo sem te escravisares. A mais ninguém deves servir ou ceder ou querer libertar.
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7 Nenhuma crença é exacta e como esquivo alimento a saborear demora.
8 Não somos sonhos ou sombras. Sobre esse museu de hábeis metáforas prevalecemos em incertos e fúteis canones sobrando.
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9 Muitos te amam: espessos, carnĂvoros. Em segredo trabalham luminosas sombras.
10 Oh templos cujos muros exactos deuses nenhuns alimentam.
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11 Pense-se, não num mundo corrompido mas na corrupta eternidade.
12 ...para que o incêndio retorne qual guerreiro inocênte.
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13 Colaboramos neste artĂficio cujas regras ignoramos ou fingimos ignorar.
14 Vi um deus hecatombico, lascivo, aproximar-se: de plumas incandescentes.
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15 A mĂŁo trabalha... Detem-te! Ăˆ excessivo o que dizes!
16 Depoem as oferendas no intimo dos deuses!
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17 Que Nome nenhum me procure. Resta-me enterrar os que me pertencem para que inviolรกveis brilhem...
18 Do Esquecimento os ritos pratico: que os deuses apaguem das horas errรกticas a Agonia
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19 Porque o que vejo foi cinzelado primeiro pelo desejo, deus hรกbil.
20 ..o raro abraรงo dos deuses...
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21 Nenhuma divindade ĂŠ concisa: no mel dos tempos detĂŞm-se por vezes em templos exactos.
22 PerifĂŠrico vem de zonas talhadas especularmente.
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23 A este paraíso fomos dados para que as metáforas celestes fossem infernais.
24 Ó púrpura dos centros instáveis! Ó lazuli das periferias discretas! Ó gargalhada selvagem das metas!
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25 São esconderijos este rasto de palavras que infecundo dito. Celebrar não sei: aos deuses solto grunhidos ou gritos.
26 Cinzelo teu nome repetidamente em todo o muro. Agora jamais te poderás esconder nem nada te é seguro.
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27 Tu, em cujas negações te manténs negando das negações a negação: o negar desaprendes.
28 E o deus que se manifesta faz-se impuro sem que haja mácula.
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29 À escuta de Hiperion tripartido os deuses no esquecimento venero sem olhos, boca ou ouvido.
30 Ignoramos o centro desta esfera cuja terrivel presença nos faz ausentes.
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31 Oh, catastrófica eternidade!
32 Qual deus imperfeito e rústico que em si abriga um simétrico, que lhe é maior: dividade sem desgaste ou queda, puramente inversa e sem polaridades.
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33 As sombras que não o são projectam-se para o não serem: meros vestígios de luz...
34 O que nos dilui é a própria presença, e o que nos solidifica é a ausencia.
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35 Todo o deus que se manifesta ĂŠ impuro e o que cala ignoto.
36 As escadas conduzem-nos a abismos mĂłveis e difusos.
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37 Nenhum templo, nenhum deus, ninguĂŠm... Pelo incendio me perpetuei. Por ele, dos deuses pai.
38 E tu Hipnos porque semeias o pânico nos esquecimentos?
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39 Surgem infindos e tornam-se escassos, escassos se dĂŁo e infindos se disfrutam.
40 O destino sorri. Ignorando-o traĂmo-lo. Adivinhos sejamos de belos orĂĄculos.
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41 Pois o deus que se manifesta anula-se no manifestar.
42 Grávido de Nomes e não de inominação abertos os templos prefiro.
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43 As idades sucedem-se: dogmรกticas. Ascendem a outras idades: enigmรกticas.
44 Esta dรกdiva a todo o momento de os deuses se mostrarem.
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45 A infidelidade procura-me com suas visões multiplas, descarnadas, insólitas. Plural sou sem saír da brusca casa.
46 Os deuses não habitam nem em altas nem em baixas moradias. Vagueiam nómadas dos seus atributos.
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47 Os teus atributos calam-me. Mudo, meu espanto fala.
48 O riso hábil e discreto sobre os panos e pânicos do trágico: nenhuma catástrofe foi jamais.
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49 Hálitos de imitar : fulminantes. E a imitação preferível ao imitado.
50 A castidade abandonou-nos. Da ascese a retenção perdeu-se. Como venerá-los? Como servir a íntima perfeição? Como venerar a exacta incompletude?
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51 O convĂvio prefiro a inconfidentes buscas...
52 Aguardando diferenças coloco espelhos. Ou serei colocado?
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53 A voz de Zeus não o imita. Mente! Não é da natureza dos deuses o falar.
54 Tu, que prescreves do devir os hilariantes enigmas...
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55 Em rápidas estruturas que, crueis, permitem os augúrios e as ilusões, vogamos delicados em insignificantes gestos. O tempo desgasta-se. E o mínimo é o Único na imprecisão das irrepetíveis repetições.
56 Gémeo do tacto jactante foi. Seus hálitos amaram-no tanto quanto as rosas o traíram. 59
57 Porque dizes que te preparas para as do devir fadigas? Momento és do infatigável momento, e a ele sempre retornas e dele e nele sobras.
58 Oh, excesso incalculável dos degradados enigmas! Oh mingua justa das violentas evidências! 61
59 Para o silêncio dos deuses não há acesso mas seus atributos musicamos e p’lo ritual os disfrutamos.
60 Que tudo te seja oferecido e assim se apresente a impresentificável presença! 63
61 Agora que somos dois damos do outro a falta. Sempre algo sobra finda uma dobra alta.
62 O nome mantem os Intocáveis na distância quando não são nomeados.
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63 Os deuses são o contrário do que dizem: só os escutas quando se calam.
64 Justo é o devir, mas injustos seus nomes e formas. Quando escutares oráculos lê nas entrelinhas da fatalidade.
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65 Que um deus obreiro me abrase sem se mostrar ou esconder nem sob impuros disfarces, e que nesse ignoto segredo faça meu o seu teatro. 66 Agora que são fluídos os ritos e que os deuses se calaram para entredizerem em entractos aos poucos que os sabem lembrar, não creias no esquecimento que esquecidos estão a obrar. 69
67 Se se faz inviolável o pensamento inviolável permaneça o pudor ignorando às irrecusáveis violações aberto.
68 Inúmeras oferendas faço... Mas quem delas sabe? Nem eu, quando as coloco no dos deuses terraço! 71
69 Não contes os dias que passam. Antes os deuses finge venerar com o riso iluminando a face. E a todos os contrários te entregues moderando e excedendo nos actos. 70 Que sei do òcio? Que é melhor não pensado porque de pensamento semente. Ociosos sejamos erigindo monumentos! 73
71 Não há actos simultaneos: tu e eu nunca fomos contemporâneos, e é diverso o tempo em que vivemos. Da obscuridade nascemos na inactualidade perecemos!
72 As rosas são sempre verdes nas negras matas da sorte!
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73 Dogmas preferiria, deuses, à dúvida nefasta. Mas no fingimento de ambos é que a verdade se arrasta.
74 Fulgurações divinas em sexualíssimos hálitos unânimes penetram.
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75 Quando Cronos regorgita em que oráculos acredita?
76 Negando negações sobre negações não nos despedimos de afirmar. Apenas nos exilamos das traições do proclamar.
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77 Há vestigios de outras andanças e ambições quando ascéticos ou ligeiros emudecemos sem alusões.
78 Os deuses que nos moldaram têm no mundo o espelho da eternidade que não sabem.
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79 No que ĂŠ erro cometido vem o prazer prometido.
80 A verdade, fĂŠnix dividido em duplas metades renasce.
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81 Linguagem traiçoeira porque me aprisionaste? Tua cela é o Éden e dos deuses a face.
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Tinha dado como desaparecida a versão original do Alquimista Cornudo tal como foi escrita em meados de 1984, mas aqui está para comparar com a do posta on-line no Triplo V em 2004 com estas ilustrações. São poemas “homeostéticos” no sentido em que são paradoxológicos e postparadoxológicos. Neles desemboca a vontade de ultrapassar ao lado Pessoa e Borges. Mas as curvas são apertadas!!! Falta em surdina o tom mais exotérico (para as massas!) e pato-assado/cospe-no-gurú dos textos grupistas. 3 de dezembro de 2007
Divisas escritas por um mui cornudo alquimista reabilitador de histriรณnicas doutrinas e adorador de deuses escondidos
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