O Despir das Causas (abstracções Persas)

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O DESPIR DAS CAUSAS abstrações persas

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©kwz dezembro MMXXII

O DESPIR DAS CAUSAS abstrações persas

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Os livros punham-se a abrir e fechar-se semeados no ventre da casa onde o vazio era um pátio aberto a ventos de profetas. A criança coleccionava pormenores. Não sabia ainda que a melodia tinha que penetrar nas curvas das letras escritas. Escreve-se para recitar.

Afinava a aflição com a pergunta a descaber e o universo a engordar. O sol da manhã encontrava tapetes estendidos no terraço e os pés a semear sombras, a encontrar cestas cheias de fruta. As mulheres tinham pés nus à cata de aguas. O banho era a razão das coisas.

Aordem tinha inclinações. O anão sabia-o, segurando o segredo ou metendo-o no bolso onde abundavam chaves de várias cores. Tinha-se que lhe sondar as hipóteses, cheias de energia amarelada em busca de ferramentas. Sabia-se que o mistério iria rolar e cair, mas ainda só era imaginável a deslizar ante perplexidades já matutinas.

Ainda que os astros pedissem a verdade, e a reposição das evidências, tudo o que se dispunha era de um leque para arejar a confusão. Modos de adiar a questão afinavam a monstruosidade. Os tecidos eram tingidos com cascas de frutos a pedir ainda mais entrega sensual.

Por algum motivo a verdade se desvia dos enigmas. Dizem que sai para os campos e resiste a colher vocabulário. Nuns dias parece que a unidade põe tudo no mesmo ramo, mas noutros, embora o sabor do fruto seja doce, tens diante de ti, como uma cáfila, o deslize das ilusões, que te amarga.

Eu pergunto se o profeta despe as coisas. Eu estou entre o despir e o despedir. Façome nu para as imagens e inclinado para as amoras. Mesmo que esteja calado o mundo quer que diga algo saído directamente do rosto, como uma pontuação ou um ornamento. É a tenção paradisíaca?

São as bocas que começam por ler, sendo que os olhos as acompanham no reconhecimento das letras. A boca pede-te que leias o que ainda não foi escrito. É com a boca, e as suas salivas que escreves a voz que vem das areias e dos lagos distantes. Há sempre sussurros de caniços e velhas enrugadas cheias de alegria. Ou ainda o tagarelar dos mortos a querer povoar páginas.

Por ora a aflição parece pessoal, embora nos demos conta que afinal é um pássaro que pousou por momentos na sua rota para os países do norte onde a primavera se avizinha.

Enquanto a aflição se mantem especada ampliamos o jardim. Dá-nos um grande prazer enfiar as mãos na terra húmida.

Inquiro se a memória não será um corpo que se quer apossar de outros corpos. Não sei se é a memória que sobra aos corpos, se são os corpos que sobram à memória. Diria que sou uma memória a crescer que se expande para lá de cada vida. Também cultivo talhões de esquecimento, como um sedutor que passa de amante em amante sem lhe reter a alma. Tenho, além disso, o céu e o finito, o deus e as migalhas, o tacto e a Palavra.

Demorara a entender que o ouro não era um mineral, antes um animal caprichoso, em busca dos seus fazedores e dos que cobrem as pinturas e iluminuras. Na inclinação das evidências o ouro é a prática, que coincide com o estado natural, com os lábios dos amantes, e com o cheiro das rosas. A sombra contribui para o ouro com as suas espadas, o seu sentido de justiça, e gargalhadas assustadoras.

Há dois modos de encontrar a sabedoria. Um é escuro e palpável, vem das entranhas, como disse outrora Salomão. Nas entranhas encontras o pensamento em bruto distribuido por diversos orgãos. Com as tuas mãos percorres o que está entre a cabeça e as pernas, entre a imobilidade e o andamento. O outro modo, menos pessoal, é o de uma sabedoria que é o fogo, imperecível, como o afirmou Heráclito. As suas chamas humilham o infinito. Nas religiões antigas o pensamento era a fogueira. É possível que as entranhas e fogo sejam o mesmo ardor que ora centra ora esperguiça o mundo.

Ohomem começou por si mesmo e agarrou na vara. Depois montou o burro para levar os livros ao poeta. Tinha a mania do posição fetal. Recuava a ser criança para recuar a ser feto. Possuia uma cabeça que queria penetrar na terra e nas coisas. Comprimia muito a cabeça para dissolver os aspectos. Os sonhos estão dentro dos objectos e o que os move é o amor antes de ser materno e depois de ser fecundo.

Há uma arte de empilhar livros que é afim à arte de estender roupa lavada nos campos. A arte de esfregar é dura e o sol perfuma mais que o sabão. Ainda sinto o frio da agua nas mãos como uma eficácia do verídico. Enxerga-se ao ver a brancura dos lençois ou a cor dos tecidos na roupa sobrepedras e plantas. É como se tudo viesse de novo ao explendor, embora, na sua solidão e independência, ainda haja muitos universos por nascer.

Quando via os mestres segurar nos livros dava-se conta que eles sustinham as imagens e não os textos. Mesmo quando só liam o que saía da voz eram as imagens insónes que nos procuravam os orifícios da cabeça e os corredores da mente. E entre essas imagens havia figuras de meninos a tentarem caolhar as imagens dos mestres. Apareciam corvos e pavões, assim como galos brancos. Afastavam-se do sangue e entravam nas decorações dos livros. Sabe-se, além disso, que ler é velar e voar.

Os textos tocavam-se em pontos miudos, nas esquinas, como se fizessem cócegas. O profeta teimava que a crítica é uma prova de amor, mais do que enunciar desdém ou prazer. A dificuldade estaria em encontrar o tom e ter a visão que ilumina a glória. Possivelmente haveria que subir muitas escadas, embora no topo espere o desconhecido com uma cara escancarada, sem garantias, a tamborilar os dedos.

Nesta singularidade começava por si mesmo, pela forma dada, ainda à procura dos desiquilibrios inventivos. O nome imprimia-se nas restantes faculdades. Não se intressava pela filosofia, mas sim pelas geometrias internas da filosofia e osa fluxos do coração. Lera o Timeu com desconfiança porque os números não eram manuseáveis. Sobrava a essa concatenação o talento, coisa desconfiável. Sendo o talento dado, era no entanto um princípio que conduzia, pelo menos, à aventura, isto é, ao inóspito, à surpresa e à perplexidade.

Acrítica nasce da reciprocidade, sem a perguiça infinita dos espelhos. Não é preciso invocar o confronto com os bichos ou o sexo oposto. Mesmo ao saborear a solidão estamos defronte de outra face, de outras cores, de outras rugas, misérias e alegrias.

As formas cheiram-se umas às outras. Talvez desconfiem. Pode ser que temam a sinceridade, embora seja o que lhes é exigido.

E nesse sentido o que há que celebrar não é a alvura da página, mas a sua plural sujidade.

A sinceridade da página é o saborear seu envelhecer.

Os caminhos florescem, mesmo quando passas alado. Há sempre alguém a construir estradas nas continuações que adiantam os limites. Ainda há muitos caminhos por conectar. É então que reparas que o labirinto procede do conectar e do inconectável. No centro está o furor sexual cego e à medida que te afastas as franjas temperam-no e asssinalam que há outras cidades onde recomeçar e voltar a recomeçar.

Escrever muda o sítio das possibilidades. Às vezes coloca o Minotauro mais próximo. Outras vezes dedica-se a estender a mácula, mais necessária que a clareza. Tem tendência em deixar suspensa a queda. Cai-se de não se cair. Detecta-se a olho vivo a apetência do chão, o repouso, os lençóis e um chá perfumado na mesa de cabeceira. Escrever é o melhor dentro do esquisito, da incursão por vezes patológica ao reino das imagens. Nota-se ao fim de algum tempo, para estupefacção, que não há nada para redimir. O importante é cuidar do imaginário.

Os símbolos saiem pela noite à procura de significados. Ficam nas esquinas a aguardar que os poetas ou os pintores passem. Espiam. Os poetas e pintores precisam de beber nas fontes. Estão encardidos no interior. Estiveram a fitar peixes que mudaram de cor repetidamente. Tiraram esquívocas conclusões, por vezes assassinas. Consta que os símbolos desprezam a forças das origens porque todo o poder está nas formas.

Éfácil viver entre a estupidês com tanta decifração a assolar estas paragens? A resposta afastava-se das alusões e dos mestres. Tinha passado por vários eclipses. Comera frutos na Sicília e fumara kif em Tunis. Dançara com dervishes nus e prostitutas cegas. Tinha agora uma faca incalculável na mão. Iria abrir palavras primevas com ela.

Entre os diversos modos de nascer do mundo, um deles era ao lado da tensão genésica que instalava a força, os nomes, a glória e as leis. Era um ovo que se evadia das glosas e da justiça. A tensão do mundo produz diversas fugas, sendo a mais comum, a erótica, que é uma maneira de entrar nas casas através de subterrâneos.

Os outros modos de ver a questão chegavam em grupos com números singulares. Entre os devotos havia quem achasse que modos distintos davam no mesmo, tratando-se de mera imprecisão ocular. Entre os heréticos, convencidos que se confundiam com Deus em certas intermitências, asseveravam que a diferença, ainda que participasse na divindade, era uma deslocação, um exílio maravilhoso cheio de pássaros de penas coloridas e paisagens espantosas.

Há uma arte de esmagar frutos que tem vindo a ser investigada. Duas bagas encontram-se no centro do mundo para se devorarem uma à outra. Mas os enigmas não deixam, e os anjos encostam-se à folha para a verem amarelecer dentro, para que a cor das páginas do espaço se aproxime do badalado dourado, embora encardido pelo tempo. O tempo suja sempre, e o espaço, quando menos o espera, mostra a sua vocação canibal.

As tecedeiras sorriam quando os cavalos passavam. Os seus dedos acariciavam fios que conheciam bem os mundos inferiores de onde vinham. No muro as imagens não mostravam criaturas, só as suas elisões, o cruzamento de apetências zodiacais, as melodias que amparam versículos. Ao lado as galinhas debicavam criteriosas areias. Não se percebe neste contexto a fúria cavaleira senão como instagação da morte ou exibição pueril da valentia.

Oimportante no massagista é o pé e a inclinação, a cumplicidade muscular a acertar na lombar e a declarar a pertinência dos ossos. Não surgia com mãos de seda, mas ganas de escultor. Era como se moldasse uma massa arquitectónica a partir das dores alheias. Ao lado a cidade estendia mantas nos parapeitos, sacudia os tapetes e enterrava cadáveres.

Começo a reconhecer as coisas antes de caírem, à espera que estendam o seu sumo e a sua graça. Sempre quiz ordenhar as formas que iniciam, como se estivessem repletas de leite. Sei que um círculo, ou um quadrado, têm a plenitude divina de uma vaca. E as vacas ruminam, entre ervas, ironias de teorias que agradam à terra.

Nessa era o equilíbrio gostava de viajar sendo que a roupa secava devagar. Vinham enxurradas do lado do mar. A cidade era lama. As mães enxotavam os filhos e aprendiam a fixar-se nas moscas. O começo era entendido a partir dos zumbidos e dos pontos de atenção. A consciência leva à independência. Vem ter connosco mal cerramos os olhos. E aí surgem os sonhos, os jogos infames e o olhar das cobras.

Vista de cima a alegria era implacável. Emergia com doçura arquitectónica, como um pilar a suster teorias arrojadas. As ovelhas ocupavam as casas e os coelhos saltavam nas imediações. É no raso que se dão os casos. Deitamo-nos agora junto às patas, à sujidade, ao pó que cobrirá vindouras civilizações. Já acolhemos a laje. Falta ainda o tapete.

Aantologia do mundo fazia-se através dos abutres e das hienas. O tom irónico era parte do culto cada vez mais hierático, zeloso e ineficaz. Os conformistas estavam preocupados. A porta batia entreaberta, com os ventos sulfúricos. Via-se o esverdejar ao longe, assim como o amor, cujas pernas se alongavam e a coluna se encurvava com adjacentes ossos e pele.

Os mais entusiastas perdiam-se na adaptação. Desprezavam a versão original, incapaz de emocionar sequer um petiz. A matéria, fruto da curiosidade, desinflamava até chegar a um mero ponto. Era de novo o galope dos cavalos a ecoar no alaúde e o assassino a fitar o brilho da faca afiada. Partia-se para a guerra e havia mais partos. Fazia-se amor com desespero, nos lapsos da sobrevivência. A adaptação do mistério era cada vez mais sintética e rápida.

Numa das cartas a perplexidade apoiava-se no sangue dos convertidos. Falava, para desviar assuntos, da ternura dos bárbaros, das jóias das prostitutas e do hálito dos ladrões. E depois o sábio fperoraca sobre a potência, dizendo que não estava no início, nem sequer no tempo, somente na actualização, nos jogos destemidos, na exploração e na curiosidade que a alavanca. O sábio desprezava as leis do mundo. As leis constituem-se a cada momento. Não tarda vão ser outras. As nossas interpretações vão desgastá-las.

Olabirinto fora do labirinto difundiase agora com mais velocidade. As coisas procuravam os cantos para se afastarem da complicação. As côres eram mais vivas nos subúrbios e nas canções que chegavam da província, juntamente com os escaravelhos e os gafanhotos. As crianças preferiam-nas. Os velhos cuspiam nelas.

Osanto repelia a sua competência e desejava ser rapidamente substituido por um teólogo habituado a ter a barba lavada e perfumada. O santo tinha o sopro, e sacudia-o. O teólogo amava e odiava os espelhos. Um dia a opinião apareceu e começou a manchar tudo. Era uma mancha azul celeste, sensual, provocando sequelas. Os anjos reconheceram-se nela.

Apompa dos ferozes tem-me trazido apuros e sonolência. Anda meio mundo a desenganar meio mundo. Seria preferível ser-se vítima da ilusão sob palmeiras. Os ferozes produziam tijolos para que atenção se reduzisse a um ponto escuro, a um pátio soberbo. Não era preciso mais do que isso, desde que houvesse uma piscina, e o ruído de um fio de água a fazer fluir os pensamentos.

Amania descendente viera ter com ele mal a alba se instalara. Quando víamos não apuravamos logo os dois sentidos: o duplo movimento e o fundo onde as cabras saltitavam altas, de penhasco em penhasco. Seria atmosfera para cálculos, tão matemáticos quanto lanudos?

Havia nos arredores frases que embirravam com as outras frases acabadas de chegar à cidade. Incomodavaas o facto de ocuparem espaço inabitual, quaso oculto, sendo embora entrevistas. Os queixumes iniciaram uma campanha de difamação. Muitas frases foram apreendidas e outras depressa queimadas. A irritação dos crentes desaguou em fábulas e as profecias eram cumpridas nas anedotas. A sabedoria tornou-se exemplar nos contos com idiotas. A inocencia conquistara-nos a simpatia.

Ele não dormia. Era assombrado pela maravilha e pelo aviltamento desta. O bairro aparecia com novas gradações, com suas colunas e portas, com seus cães e baratas.

As irmãs produziam bolos e compotas. O pai escrevia às escondidas enamorado de medos e vícios, com um erotismo próprio, de miudezas doutrinárias. A geometria que se reforçava nos planos levava por fim à mãe, ao abraço glorioso, e à cama onde tudo fora engendrado.

Era a luz que vomitava a clandestinidade do Deus. Subia e descia num desfiladeiro. Alguns diziam que era a própria levitação, mas o comentador encartado da Grande Cidade considerava que a obscuridade também tinha leveza própria. A cor fabricava o frio, e o frio era a regra que corrigia as emoções da glória. Amparar a glória é a dificuldade. Ou antes, a facilidade, o dado com mil ternuras.

Subitamente os rectângulos meteram-se uns dentro dos outros prometendo muita agitação interna, inclusive das carnes. Talvez essas carnes viessem do fumeiro, do mundo dos djins, das danças cónicas dos dervixes (que por sinal introduziram na celebração uma visão também cónica dos mundos inferiores). Podias escolher e entrar, ou ficar a contemplar. A porta rangeria e ecoaria. Os filhos caminhavam ante os desaforos do pai.

Estendia os braços para a cólera e só encontrava vinhas. O tirso maniaco, a salganhada de pés e as forças omnívoras aumentavam e encolhiam as coisas. A neve chegava com um odor novo, uma frescura seca, vinda de planaltos distantes. Respirava-se melhor e os hálitos faziam-se enxutos, com toalhas. Acolchoavam-se as camas para ficar mais tempo a entreter devaneios. Havia árvores erverdecendo e outras todas nuas. Era o tempo de deixar as imagens partir em burros albardados.

De cócoras era melhor. A taça dava o mote ao espírito. Os cães fidelizavam-se a suicidários. Os cardumes passavam no rio onde lavavam lãs tingidas de açafrão. Os peixes ficavam amarelados.

Aarte de espalhar é vizinha da arte de espelhar. O lance dos dados começara a abolir o Deus, já cansado do jogo e das contas com as probabilidades e improbabilidades. Era uma grande desordem rodeada de pequenas ordens e teoremas. Era o acaso a salvar-se em metáforas. Só havia poemas sem pernas que, no entanto, conseguiam acariciar os gatos sumptuosamente persas.

Sentia o templo latejar dentro do livro, com uma cabeça destinada a ser degolada. Provavelmente era o oposto — surgira uma cabeça vinda de longe em busca de simetrias, de repetições, de diferenças que branqueassem a monotonia celeste. A cabeça inclinou-se para o nosso lado miserável. Foi com bonomia que respondemos.

Há um repouso delicioso neste deixar as coisas abaterem-se sobre si, multiplicando os centros e os arbustos. O movimento dos argumentos faz-se em torno de um centro aquático a que muitos chamam paixão. Há quem prefira o ar entre as nuvens ou ate os pés para compreender a terra e a imobilidade. Além disso temos ganas de apedrejar, de ver as coisas a ser atingidas com violência e prontidão. Largamos as pedras e voltamos à pasmação, à melancolia, ao sorriso do asceta quando o mocho pia.

Oempilhamento conduzia à palavra púrpura e à ideia de que um sacrifício sanguinolento pede tapetes longos e ceptros insolentes. O lugar acumulava paraísos, dada a arte de desovar. Os infernos são dos outros, instalados na garganta ou na falta dela. Ravinas são egos. O poeta quererá despenhar-se na sua subjectividade, a uivar feroz ante o balido untuoso dos cordeiros?

Chegou-se à conclusão que o barulho afina a intiligência pelo lado mais cruel, dado que evita o aconchego, a quietude e o conformismo. O ruído capta a radiação do gesto que pariu o mundo e o mantém num equilíbrio misterioso. É o fundo a tornar-se centro, a periferia a iluminar as decisões.

Ametáfora ganha exigia outras imagens.

O peditório destinava-se a evitar a pertinência das equivalências, a rosa amestrada, o camelo acumulador. Perdera a pachorra para os simbolos e preferia a pertinência menos espampanante dos sinais. Afincara-se ao enterlaçar, ao engenho sem centro, ou com um vazio sem pretensões. Não valia a pena sublinhá-lo. Nada o haveria de ocupar.

Aarte nasce indirectamento da obscuridade, do estrebuchar, diziam uns. Outros tinham os olhos postos na clareza e na concisão, socorrendo-se de instrumentos de medição fatais. Não sei se o corpo tinha um papel a representar, ou se as criaturas vinham directamenta da ciência animal. As alimárias fugiam ao comum e procuravam o ritmo para arrumar bocados de desordem. Há sempre coisas que ficam pegadas à ténebra, ao cotão, aos móveis, ao que parece. Eis-nos preplexos ante o poder do pó e as gradações da luz.

Ignorava tudo sobre as ameixas, as melâncias e as româs, embora esse saber fosse necessário para a salvação da alma.Teria que se socorrer da serpente, das arquitecturas extravagantes, do som das flautas submissas e da pancadaria dos desconfiados.

Overso ao ampliar a sua defenição afugentava antigas possibilidades. O ritmo assegurava a eficácia. Tinha patas que imprimiam pégadas rituais. Sabia-se assim que as linhas têm peso. Esse peso pede montanhas e veracidade angélia. Penso sempre nas linhas do verso, mesmo as mais ligeiras, como produzidas pelo vigor de um elefante.

Sabe-se que entre os filósofos tardios se agita a inflamação do não-verbal que é a monstruosidade. O ignoto vinha para dizer o deus, isto é, a adequação da inadequação, o fora do baralho, a língua a enxotar poderes. Ali se conjugava o visceral, o inóspito, o complexo, o medo, o desejo, a transgressão, a parafrenália e o desarrumo. Não é façanha, só sintoma. Ante a indisciplina de alma a solução é adiar, ceder à paralisia e aos deleites melómanos. Mas os braços estavam a querer mexer. O que é que irião fazer?

Tinha um conto a traficar na pele. Fazia cócegas. Perfumava, sobretudo nos retratos. O extase apoiava-se no amor, no fluxo da respiração, nos restantes ritmos do corpo. Queriamos ter a certeza de que a princesa não iria ser decapitada. Por isso insistiamos na continuação, no desencontro dos amantes, na perfídia dos piratas e na incerteza do desenlace.

Arecorrência da contradição era a imagem de marca dos traficiantes escrupulosos. Defendiam a doutrina tal como um marido brejeiro nega um adultério ante evidências palpáveis. O registo das controvérsias provocava nuvens que seguiam os cães. Os cães sentiam que em vez de nuvens tinham montanhas sobre si, que os perseguiam, porque eram sombras. A dificuldade era transformar essas montanhas em fontes. Faltava ainda muito para chover.

Oimaginário molhava-o saído da boca de uma velha desdendata que deixara de adivinhar vidas. A concatenação dos ângulos afastava os porcos. O interessante ao lado das mulheres que faziam coisas com tapetes era que o burro preso a uma estaca ora era branco ora era escuro. Tinha sido vestido por um demónio? Temos roupas que desnudam roupas e os nossos tapetes irão albardar burros.

Éo desvio ao sacrificio que torna a filosofia uma actividade dianteira, prazenteira até. É forçoso afastar-se do circo, da baba das multidões, e sobretudo dos tigres e das cigarras.

Para lá da rijeza das carnes está a perseguição, o encalço absurdo que afia as garras e diversifica as tonalidades. As pedras fazem as aguas circular em remoinhos, assim como o inóspito e os paradoxos. O bom aqui, dado que o fluxo é o tempo, será mergulhar e conhecer os meandros da correntia. E depois há sempre a toalha, os pés sobre as ervas e a palavra que enxuga.

Antes de caír esmagadinha no chão a teoria tentou dar outro salto, convencida de que ficaria em suspenso na eternidade. A arte de suspender-se é difícil, membora as diversas tentativas a consolidem. Pode-se começar por fracções de segundo.

Olivro novo não se vergava ao poder dos livros antigos. Este vinha com voz própria, potente e grave, e a inclinação que finta a rectitude. Desenrolava-se. Era visitado por formigas e farejado por cães. Havia uma mãe que estava grávida desse livro. Sabemos que ele irá crescer fora, irrequieto, com letras cada vez mais assanhadas.

Naquela tribo vegetariana o canibalismo irrompia às escondidas. Nalgumas cabanas afiavam-se facas. Nas tendas, entre beijos e taças, estudavam-se modos e receitas. O pintor centrava nas folhas. Pensava na desintegração das geometrias, e das matemáticas afins. Respirava o sexo do papel, menstruado e milagroso.

Apreferência pelas alegorias é um festim cuja origem é a Máscara. A metamorfose abisma, e é frequente surgirem minusculas lagartas ou ébrias borboletas.

As alegorias abandonam a narração constantemente e no entanto a narração habita as alegorias em esboços sucessivos, como se a pulsão narrativa fora prioritária e os conceitos, esses traquinas, a sabotassem. No fim faz-se coincidir a maravilha com a demanda. Acomédia é fatal, ou antes, a fatalidade é cómica.

Repugnam-me os covis onde os ascetas vivem anos a fio. Prefiro a evasão acima, as escadas construidas com silogismos, os terraços onde a abóbada celeste é insistente e cheia de fábulas.

Acor é e era a minha força. O estilo seguia-a. A mãe anuia, com ar sério, mantendo a mão na esquerda anca. As evidências, ao lado, gostavam de discutir umas com as outras. A sabedoria era pesada em balanças. A parábola apimentava progressos e regressos. O pai era a sílaba principal da paisagem.

Através da figura abstracta espetada na página tinhamos a certeza de que as paisagens nos tinham traído, e que nos irião abandonar para sempre, instalando-se em zonas mais a sul, longe dos bons hábitos meridionais. Ou: através da figura concreta arrancada à página tinhamos a incerteza da confiança renovada das paisagens. Estas são sempre fieis à vida. É impossivel que nos abandonem. O sul virá ter connosco, com o nosso deleite, a doçura, os sentimentos e o gozo.

Referir o sangue é fácil, provocando uma comoção feita de banalidade e incómodo. O sangue salta para fora e é uma cor que gosta de se deitar como um leão com a matéria entre as patas. Acima acontecem as instâncias do azul, nem sempre pacificas, tal como no caso da música e das sereias.

Otruque metafísico não aparecera. As luzes sugavam rituais. A simetria salvava, como já se sabia desde sempre. Isto era depois das casas acolherem as aguas, preparadas com arquitecturas receptivas. Por exemplo, pintava-se dentro de palácios que eram piscinas. As bordas das pinturas ferviam. A amada era azulada, vestida com róseos lenços de padrões floridos. O mundo estava sentado ao fundo, a centrar-se. As lagartixas percorriam as marginálias.

Não sei quando é que as imagens começaram a inverterr a marcha, mas não foi há muito tempo. À medida que as imagens recuavam, a glória avançava, acompanhada de incursões paternas na infidelidade. É por causa da beleza, dos corpos curvos, dos impulsos divinos e do deus que foi traido por si mesmo. Talvez as imagens devam avançar após, saradas, súadas e serenas, para reporem a graça e a amabilidade.

No centro estava a limpeza rodeada de cócegas e um cão à espreita. A limpeza arqueva-se, dançava, invocava as fiandeiras e vislumbrava os braços dourados do demiurgo adoçando o sono. Era uma rosa mental tingida de sumo de romã a desfazer os adjectivos superlativos. Cá em baixo as lagartixas subiam e desciam a uma cúpula intacta perdida entre ruínas. Podiam vir outros dilúvios, dado que o centro estava preparado.

este livrito integralmente criado em Dezembro de 2022 dá conta da presença das Abstracções Persas cujo autor permanece por ora anónimo

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