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© Gertrude Wittgenstein, 1941 © Waf Books, 2018 © Pierre Delalande, 1976
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qê~í~Åíìë PICTORICO PHILOSOPHICUS
GERTRUDE WITTGENSTEIN EDIÇÃO & TRADUÇÃO
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WAF BOOKS
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qR^q^`qrp PICTORICO - PHILOSOPHICUS
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1 O mundo é toda a diferença numa diferença doutra diferença de diferença que é um começo que é um caso.
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1.1 O mundo é um meio que aparenta a totalidade dos factos de acordo com as aparências. É algo que nunca acaba, em cada geração. Tem coisas das outras gerações às costas, a continuar continuações de outras gerações, tudo às costas.
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1.11 O mundo é determinado de um modo sempre diferente pelos fa(c)tos que se usam, e pelo olhar sobre eles. Por isso insisto que todos os factos são fatos. Os acordos ortográficos e os equívocos têm alguma (falta de) razão. Muda-se de fa(c)tos e teorias como de camisas, como sugeria Nietszche e Picabia?
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1.12 Qualquer pessoa sabe que a composição a que chamamos mundo é a imaginação da totalidade dos fa(c)tos que determina a diferença que faz para que cada um tenha um caso ou seja o caso. Mas também se dá o caso de que todos eles sejam diferentes. Isto não é mais do que casos de casos.
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1.121 Um caso é uma incidência amorosa, uma atenção, um fulgor, um favor. Há casos e muitosdeles são de evitar.
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1.13 As outras gerações vestem os fa(c)tos do seu espaço lógico. Foram elas que fizeram tudo diferente senão não seriam o mundo. Seriam muito menos mundo.
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1.2 O mundo divide-se em todos os que sĂŁo iguais, parecidos ou diferentes e eles sabem-no pelos fa(c)tos que usam, pelos fa(c)tos que os usam, pelos fa(c)tos que nĂŁo se usam e os que nunca se usaram.
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1.21 Cada fa(c)to pode ser usado porque quase todos acham que sim. É muito provável que o caso ou o não-caso tenha sucedido, enquanto tudo o resto permaneceu na mesma. É muito mais certo ter havido casos de que não nos demos conta.
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2.
Qual é o caso — ou o fa(c)to?
É
interessante interessar-nos? Podem eles estar atentos à existência dos estados de coisas? É o que nós fazemos e eles fazem.
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2.01 Um estado de coisas (com o que há de interessante dentro delas) é uma combinação ou um apanhado quando alguém considera os objetos (coisas) à sua volta como o que é mais pertinente para pensar o resto das coisas, mesmo quando essas coisas são fantasias (objectos mentais).
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2.011 É muito longa a história de como cada lado essencial das coisas se dá a cada um para se dar a todos. As coisas chegam assim como o que sempre agiu ou sentiu. As coisas são os seus possíveis nos seus constituintes, os estados de algo que é muito interessante mesmo que o não seja quase nada ou que não estejemos completamente dentro dos assuntos.
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2.012 Na lógica estão lá todos os ingredientes para nada parecer acidental. A elegância da lógica é que nos dá essa [boa] sensação. E também a de que as coisas estão conectadas, embora as lógica as ligue de muitas maneiras diferentes. Uma coisa pode ocorrer de outro modo mas acontece que ocorreu desse, mesmo assim e já não há nada a fazer. É o que faz cada coisa não ser outra coisa. Por isso um estado de coisas é o meio que faz com que as coisas se conectem de uma só maneira para estarem ligadas por casos, umas às outras. Se tivessem ocorrido de uma maneira diferente seria outro meio e outro o estado de coisas onde não poderiam ocorrer estas coisas. Por esta razão as coisas devem ser descritas para que se pareçam com elas mesmas, para que sejam vistas como são e não como não são ou seriam.
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2.0121 Parece que é como se vê e se é visto que depende a organização do mundo. Esta é uma espécie de acidente que abarca e fabrica todas as ordens. Isso faz com que o resultado seja uma situação em que estamos a olhar muito para as diferenças e a sentir no corpo as diferenças das diferenças. Descrever objectos é envolvê-los em sentimentos que os contaminam e transformam. Depois ficamos com ideias disso. O que ocorre compõe as ocorrências e as coisas que nelas vão. A confusão é algo inevitável nessa contaminação. A lógica faz a articulação simplificada do que é sabido no que é sentido. Nada muda na geração de todas das possibilidades de todas as possibilidades.
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2.01211 Uma geração é o que gera. Uma geração é o que gere o que se gera. São as mesmas coisas de outra geração com outros fa(c)tos. Somos nós, os da nossa geração que se gera, que vestimos o que se gera com palavras parecidas. O que diferencia uma geração é a tradução dos mesmos objectos através de conexões diferentes.
Os substantivos são
idênticos — os verbos, os advérbios, os adjectivos e demais partículas é que mudam de lugar. A gramática vai à guerra. A gramática sabe que os objectos estão em guerra. A guerra é entre os substântivos, mas eles são acessórios. A mudança de sintaxe é apenas uma mudança de tática. Uma mudança de tática altera o tacto. Toda a geração é um estado de guerra perante as coisas instaladas que sobraram a outras gerações. Por isso as primeiras palavras de uma geração são contra as outras gerações recentes
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ou perturbadas pelos restos das mais antigas. As segundas palavras são o mal-estar resultante da guerra
em que se deixaram envolver. As
terceiras palavras são a assimilação crítica de outras gerações. As últimas palavras são uma despedida da dor de um mundo em guerra, porque entretanto já vieram várias gerações que foram ficando. Nenhuma geração pode garantir-se como única, última e mais actual.
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2.01212 Eu posso imaginar os objetos em guerra como uma coisa que se decide combinando-se com vários estados de coisas. Há que começar por excluír para poder combinar. A possibilidade de combinações alicerça-se nas recusas. A mudança é um movimento de negação e contraria a estabilidade da identidade.
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2.0122 As coisas estão preparadas para chegarem a um ponto em que se acham independentes. Todas as academias, mesmo com roupa anti-académica, nascem de um instinto de auto-preservação de uma geração. O que se quer autopreservar é o poder do prazer e o prazer do poder dessa geração.
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2.0123 Se me conheço como objeto, fazendose e refazendo-se, é também para participar melhor em todas as suas ocorrências possíveis. Sou observado e observo-me para decidir e sentir os estados das coisas.
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2.01231 O que eu sou é ainda restrição. Quero diferenciar-me e diferenciar os modos como defino as minhas regras e como misturo as outras regras para que sejam minhas. As minhas propriedades externas derivam do mesmo fluxo combinatório das internas. O que eu sou é mais um jogo ou uma combinatória do que uma identidade. Um jogo que mais cedo ou mais tarde se tornará obsoleto.
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2.0124 É a encenação de um ínicio, feliz ou traumático, que sequência o que irá acontecendo. Se todos os objetos são dados independentemente do ínicio, é a inclinação dramática desse início que provocará uma acção sobre os estados das coisas. Somos substitutos de outros actores que actuam em dramas que substituem dramas em boa parte semelhantes.
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2.013 Cada coisa é, como se vê, traduzida em palavras que procuram outras palavras, imagens que buscam outras imagens. Imagens e palavras geram composições, quase espontâneamente, porque a máquina de gerar combinações antecede actores, palavras, imagens e composições.
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2.0131 Uma cor ĂŠ mais fĂĄcil de aceitar ou recusar do que palavras ou formas?
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2.014 Os objetos contêm a possibilidade de muitas outras situações. Falar é insinuar o que se lhes fica de fora. Falar é variar,. nõ no objecto, mas no nosso corpo, como algo musical.
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2.02 Os objetos insinuam que os esforços de compreendê-los são não-competitivos porque parecem simples e pouco eficazes.
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2.0201 Toda a afirmação simplifica. Toda a complexidade é uma forma de recusa ou de incorrer no confuso. A complexidade agrega redes de recusas que tornam os objectos mais fortes no seu centro, mas mais difíceis de manejar. A complexidade em grande quantidade leva a uma espécie de inércia.
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2.021 Os objetos simples compõem a recusa dos objectos complexos, porque são mais leves e velozes. As gerações nascem simples e têm tendência a definhar na inércia da sua complexidade.
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2.021 O moderno é o esboço de algo complexo sob a capa hipócrita do simples que em breve será antigo. O moderno torna-se mais obscuro e excitante à medida que vai evoluindo no tempo.
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2.022 O clássico é o equilíbrio entre a simplicidade e a complexidade. É um estado de coisas em que a exteriorização está maximizada, e em que a forma e a força são fortificadas pela ordem e acompanhadas por um mundo possível de ser imaginado.
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2.023 Os objectos sĂŁo apenas o que dificilmente encaixa num momento e num meio, na tentativa de nos impressionar com formas inalterĂĄveis.
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2.0231 A substância é a maldade de uma força de auto-preservação no mundo, que contraria quer as forças emergentes das novas gerações, quer as forças detergentes das velhas gerações. Há situações oblíquas de desfrute de todas as gerações. Estas exigem um modo oblíquo de co-habitar com outros estados de coisas.
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2.0232 É a capacidade de resiliência que faz o clássico no sentido de que se adapta a cada tempo a esse tempo.
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2.0233 Não há razão para que dois objectos tenham a mesma forma, mas por vezes faz sentido que sejam parecidos, como dois parafusos em busca de duas porcas.
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2.02331 Uma geração começa por ser parecida para em breve acabar perdida. Será difícil alienar as distinções.
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2.024 A substância de uma geração é o que subsiste independentemente de tudo o que a irá recusar.
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2.025 Uma pausa que o mundo pareça aceitar Ê o primeiro sintoma de fracasso. Um fracasso sereno.
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2.0251 A forma é o que despe os conteúdos. Os conteúdos são os fungos da forma. Os que a tentam devorar e diluir.
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2.026 Há na literatura uma rapidez que se apodera dos objetos. A literatura é a predação verbal do objectual, por mais imaginário que seja. O mundo é mudança sempre surpreendente. A literatura dá-lhe o ar de ter uma (falsa) forma inalterável.
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2.027 Os objetos acabam por ser dificuldades que se traduzem em acções motoras e relações corporais. Estas ou são habilidosas ou desajeitadas.
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2.0271 Os objetos chegam para serem aceites como uma coisa quase inalterável e subsistente. A sua configuração muda os fenómenos naturais em volta. Um objecto é um caso extraordinário relativo à propensão da natureza para a mudança e a instabilidade.
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2.0272 A configuração dos fenómenos transforma-se em objetos e produz estados de coisas. Os estados das coisas podem ser simpáticos, indiferentes ou irritantes. A dor é uma forma intensa de irritabilidade. Ou antes: a irratibilidade é um grau suave da dor.
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2.03 Clássico é um tipo de objecto que parece que não (se) vai partir tão depressa. Um objecto imaginário degrada-se menos do que um objecto que se usa. O imaginário resiste melhor ao tempo, assim como os objectos inúteis porque não se desgastam em utilizações.
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2.031 A beleza é um enorme tributo ao inútil e ao imaginário, uma vez que é uma força de reserva superior às forças utilizáveis e desperdiçáveis, fáceis de destruir pelo estado de guerra que é qualquer utilização.
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2.032 O que na arte é belo é a recusa em ser utilitário. Na literatura é a linguagem que não se usa que conecta o que está desconectado na linguagem que se usa.
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2.033 A Forma é a possibilidade de proteger o que há de fluído, vago e transitório nas linguagens e nas imagens.
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2.034 Podemos falar de estruturas como de uma intiligĂŞncia especial que torna os contrastes mais evidentes e mais perceptĂveis, assim como os intervalos entre fa(c)tos e espaços entre coisas.
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2.04 Aos que aceitam o estado das coisas imaginárias traduzidas em objectos inúteis chamamos espectadores, leitores, amantes. Têm uma expectativa de que o estado das coisas existente se torne maravilhosamente belo através das experiências inúteis da arte. A arte é uma inútil claridade que vai encantando o mundo.
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2.05 A totalidade de existir é maravilhosa somente quando os estados de coisas se livram da irritabilidade proveniente do estado de guerra e das ansiedades. A beleza é um antídoto ao stress de haver demasiadas gerações.
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2.06 A inexistência só é possível como uma forma lógica que introduz um contraste imaginário com uma presença a que chamamos realidade. A inexistência tem a sua própria beleza que introduz uma prega na percepção das coisas. É uma beleza suplementar que se acrescenta e diferência da beleza natural. Em alguns casos pode tender para o monstruoso ou para o feio, outras vezes é um têmpero que reforça ainda mais a beleza natural.
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2.061 Em estados a que chamamos de indolência a acção do espectador coincide com a do criador. É frequente tanto na estética fria como no que denominamos como estética morna.
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2.062 A existência acredita na sua beleza, mesmo quando é irritante não-existência de estados de coisas. A beleza estimula sexualmente, mas frequentemente desvia-se do caminho sexual para se congelar em fetichismo ou dublimação. É claro que a nossa existência reduz a existência dos outros. Dentro dessa redução a ética é uma forma de minorar os danos ou de reverter os efeitos.
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2.063 A soma total da realidade é uma intuição de multiplicidade de fa(c)tos que pretende lembrar muitas sensações do “seu” mundo.
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2.1 NĂłs imaginamos os fa(c)tos para nos tornarmos mais bonitos mais atraentes e ficticiamente mais fortes.
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2.11 A beleza tende a desenvolver-se como interface entre o espaço lógico, o sensorial e a existência. A beleza é uma substituição do estados das coisas noutras coisas. É um trabalho de recusa que se afirma como afinidade e excesso.
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2.12 Uma imagem é um modelo visual que impede que cada pessoa perceba logo a realidade. É um véu sobre o fundo obscuro de lutas ébrias e cegas.
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2.13 É na pintura de objectos que há um maior propensão para o mundo ser negado (ou degolado). O período das naturezas mortas coincide com a mania da elipse e o terror do infinito, apoiando-se num jogo de negações e exercicios de elasticidade. Assim a argúcia de Iago é uma versão negativa mascarada de Deus. Deus diz "eu sou o que sou" ou "serei o que serei". Iago diz “eu não sou o que sou” . Shakespear diz (segundo Borges?) “eu sou o que não sou”.
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2.131 Com a aceitação do tempo-sentido a deformação, a hesitação, e a ansiedade desviam -sedas convenções. A beleza é aceite como indeterminação dos contornos das coisas ou como mancha, exaltante mácula. O extremo exercício da beleza, segundo Herberto, destrói Deus.
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2.14 O que constitui um retrato Ê rebelião da beleza nos rostos (contra o espaço? contra o tempo? contra os outros? contra si?).
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2.141 Uma imagem ĂŠ um fa(c)to mental vestido repetidamente de contornos e explicado aos outros atravĂŠs de formas, manchas e cores.
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2.15 A composição é o conectivo que condensa o tempo de execução num quadrum. Um quadrum, ou moldura, é uma maneira de decapitar o resto do espaço em função de uma atenção.
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2.151 A composição refere-se mais a um quadro mental do que a um quadrado, a uma oval ou a um rectângulo.
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2.1511 A composição é uma imagem que é anexada à realidade como tentativa de evasão à guerra das formas. Mas mesmo essa evasão contem muitos elementos da guerra.
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2.1512 A composição refere-se vagamente (ou precisamente) a uma medida. Uma medida que nunca é um homem. Pode quanto muito ser uma parte do homem, como um palmo ou um pé.
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2.15121 As linhas de gradação na composição são o tempo a tocar o objeto que nos está vivendo.
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2.16 Uma imagem muda de geração para geração, devido à inevitável deriva representacional.
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2.19 Imagens lógicas desde o início que vêm acontecendo, muito antes da lógica se formalizar minímamente. Cada período pode representar o mundo como seu, como se fosse auto-gerado.
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2.2 A vida tem uma forma lógico-pictórica (e por vezes matemática) que é a representação e o seu estilo. O como é representado é mais forte do que o que representa. Daí que a representação com ar de matemática confira um aspecto de invulnerabilidade.
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2.201 A vida acaba por ser revelada pelas suas representações aos solavancos. Os solavancos convertem-se em pensamento ou pintura. Há na sensação de filosofar muitos empurrões. Aristóteles entendeu essa propensão para o movimento ao designar a sua escola como peripatética. A circumbalação deve-se ao facto de haver espaço para percorrer. É o próprio espaço que nos empurra dentro dele.
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2.202 O que representa representa "o que representa o que representa" independentemente de conduzir a uma vida melhor ou do que lhe confere verdade ou falsidade (a sua adequação maior ou menor às sensações das experiências).
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2.21 O que um quadro representa é a sua representação a atraír sentidos e influências.
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2.22 O acordo ou desacordo com um hipotético sentido ou com representações é um assunto secundário em que se encontram afinidades com as convenções da representação. Uma convenção é sempre um achado suspeito.
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3. Para começar eles não são o que são. Nós não somos o que julgamos ser. A Composição não está lá. A imagem lógica dos fa(c)tos é que irá estar aí mascarada de pensamento. As primeira smáscaras provêm de tautologias ou paralogias.
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3.001 Um estado é a mistura do onde e quando estamos. É um tempo de um aqui. As coisas que se andam a pensar querem coincidir com a generalidade intuída a que se chama mundo. Um estado é o que tenta resistir ao movimento a que o espaço nos obriga.
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3.01 Em arte a totalidade ĂŠ uma anamorfose do que ĂŠ ocasionalmente dado em particularidades.
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3.02 Um pensamento contém o que eu sinto do que me lembro e mais algum elemento de adivinhação. Na exercitação da escrita o eu é pensável e é possível também. O fundo autobiográfico e lírico é inextricável. Não quer dizer que daí, como em Descartes, se possam deduzir mundos e fundos.
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3.1 Situações podem ser coisas que são outrsa coisas enormemente longas que vão sendo descritas, mas cujos nomes não são necessáriamente dados ou sequer adequados.
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3.2 Eu insisto nas coisas elementares porque elas vão-nos começando de novo. O gosto de começar de novo é-me um vício.
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3.201 O eu é um caso de uma série e um momento num processo. A minha personalidade é combinação formal, emocional, genética, civilizacional, etc. Sou um caso numa sequência que um dia talvez se esgote.
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3.202 Os sinais simples começam naturalmente a cada idade, a cada geração. Só os desenvolvimentos diferem. Eu sou de uma geração que começa multiplamente. Talvez a partir de agora todas as gerações comecem e recomecem na sopa da multiplicidade.
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3.203 Um nome significa uma representação (convenção) de um objeto.
Um nome é um
ready-made onde se acumulam demasiadas citações desde sempre. A linguagem já vem sobrecarregada. A aprendizagem da linguagem é como a metempsicose, consistindo em recordar usos que nunca se conheceram e acolhendo o acaso de usos para que não estavam preparadas.
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3.21 Cada geração acrescenta e redescobre involuntáriamente usos para um grande número de palavras e imagens. Cada geração perde usos que não lhe servem o corpo ou que estão cheios de miasmas.
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3.22 Os objetos podem tornar-se mais definidos atravÊs dos contornos ou das sombras. Tudo depende do tipo de iluminação.
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3.23 O presente contínuo exige que os sinais simples sejam plausíveis. É a exigência de que o sentido seja tão semelhante que até possa ser desenhado.
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3.3 Nem só as proposições têm sentido: sequências de imagens também os têm, desde sempre. Aliás, o sentido é essencialmente sequêncial, e proposições fora de sequências são sobretudo equívocos.
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3.31 Uma sequência são coisas que se seguem a quaisquer outras coisas dando um conforto narrativo, mesmo que ele não exista (quando se trata de algo abstracto ou matemático). O pensamento é romanesco porque é sempre sequêncial.
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VERSÕES ANTERIORES OU O MUNDO SEGUNDO GERTRUDE WITTGENSTEIN
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A 1. O mundo é tudo o que é diferença
diferente no principio que é um caso. 2. O mundo é o meio que está no meio da
suposta totalidade dos factos, inacabando-se a cada geração que tem qualquer coisa a ver com as coisas. 3. O mundo determina-se diferentemente
na concatenação dos factos. Ser com os factos, como se todos os factos fossem parecidos. 4. O que vem das outras gerações tem o
seu quê factual no espaço lógico que torna tudo diferente. Fazer-se diferente é tornar-se mundo. 5. O mundo divide-se entre os que julgam
tudo parecido e os que acham que sabem os factos.
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6. Cada item pode ser o que cada um diz
que possa ser. Pode-se dar o caso ou nĂŁo de que quase qualquer um se ache a mudar enquanto o resto continua na mesma como se fosse algo assim certo.
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B
1. O que é um caso, ou um facto, é algo
interessando o que neles se interessam. É o como aguentam o estado das coisas, à sua maneira, com as suas qualidades. 2. Um e s t a d o d e c o i s a s t o r n a - s e
interessante mesmo quando não tem nada lá dentro e é apenas a combinação do que se possa considerar como objecto de objectos (ou coisa de coisas). 3. É uma longa história a de como cada
criatura é essencial para as coisas e de como deveria agir conforme sempre agiu, indo de queda em queda. É bem possivel que esses estados que se constituem sejam muito interessantes, mesmo que neles nada intrigue.
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4. Graças à lógica o nada habita-nos, e em
todos provoca o acidental: se uma coisa pode ocorrer ela conecta-se de um modo diferente. Através deste estado de coisas o sentido fabrica-se e acaba por ser. Há a possibilidade, sempre única, de um estado de coisas sendo diferente a cada momento, seja escrito como algo diferente daquilo que vai sendo visto e sentido como algo próprio e intrínseco.
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C 1. Só para começar. A composição é o que
inexiste no aí. A imagem lógica dos factos irá estar lá como um pensamento. 2. Um estado é um estar em que cá
estamos. Estes casos são o que no mundo é pensável. E dá-se o caso de haver alguem que precise deles. Esse é o porquê de serem compostos.
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Este livro foi arrastado para a www. em Fevereiro de 2018 pelos Waf Books com a generosa cedĂŞncia de Pierre Delalande
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